AGHISAN XAVIER FERREIRA PINTO.
(orientador)
RESUMO: O presente artigo tem como objetivo propor uma análise sobre a possibilidade de aplicação ou não do Código de Defesa do Consumidor nas relações em que serviços são prestados pelo Estado tendo cidadão como destinatário. Os serviços públicos constituem atividades de prestação de bens e serviços que, podem ser titularizadas pelo Estado ou, ainda, delegadas a particulares. Ao longo do tempo, as mudanças na sociedade de consumo de massa e a necessidade de serviços públicos eficientes e eficazes levaram ao desenvolvimento de aspectos subjetivos e objetivos dos direitos básicos. Objetivando alcançar a cidadania de consumidores para o uso de serviços públicos, esse trabalho se propõe a esclarecer se as normas do Código de Defesa do Consumidor são aplicáveis à essas relações jurídicas.
PALAVRAS-CHAVE: Consumidor. Código de Defesa do Consumidor. Serviços públicos. Prestação de serviço. Relação de consumo.
ABSTRACT: This article aims to propose an analysis of the possibility of applying or not the Consumer Protection Code in relationships in which services are provided by the State with the citizen as recipient. Public services are activities for the provision of goods and services that can be securitized by the State or even delegated to individuals. Over time, changes in mass consumption society and the need for efficient and effective public services have led to the development of both subjective and objective aspects of basic rights. Aiming to achieve consumer citizenship for the use of public services, this work proposes to clarify whether the rules of the Consumer Defense Code are applicable to these legal relationships.
KEYWORDS: Consumer. Consumer Defense Code. Consumer relationship. Public services. Service provision.
1 INTRODUÇÃO
A necessidade de se pensar o Direito do Consumidor começa com a enorme migração populacional das áreas rurais para as urbanas no contexto da Revolução Industrial. Nessa época, as pessoas começam a ter mais interesse pelo consumo de produtos e serviços. Como, no primeiro momento do surgimento desse interesse, se preocupou muito com a quantidade e não com a qualidade, surgiram inúmeros problemas que o Direito não estava preparado para resolver.
Antes, havia uma bilateralidade da produção, existindo uma discussão e consequente acordo dos termos da relação de consumo entre consumidor e fornecedor, que cedeu espaço para a unilateralidade da produção, de modo que o fornecedor passou a definir sozinho os rumos da relação de consumo, cabendo ao consumidor tão somente aderir ao contrato, sem o devido conhecimento
Portanto, nota-se, desde a antiguidade, a essencialidade de se proteger o consumidor, mesmo que indiretamente, pois, em regra, ele é a parte mais frágil em uma relação de consumo. Com o avanço do mercado, a partir da Revolução Industrial, ficou ainda mais nítida a necessidade de proteção e fiscalização para esse ramo do Direito.
No Brasil, havia o Código Civil de 1916, que era um Código próprio para demandas individualizadas, no entanto, as relações de consumo são, em regra, coletivas, e para essas relações não havia nenhuma regulamentação. Desse modo, os fundamentos do Código Civil de 1916 não poderiam ser aplicados às relações de consumo por incompatibilidade, fazendo-se necessária, então, uma intervenção estatal para que se criassem e implementassem legislações especificas.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – CRFB/88, trouxe em seu artigo 5º, XXXII[1], o direito fundamental à defesa do consumidor, incluindo no ordenamento jurídico brasileiro a tendência mundial de influência do direito público sobre o direito privado. Posteriormente, o Código de Defesa do Consumidor – CDC, entrou em vigor por meio da Lei nº 8.078, em 1990, com o mesmo objetivo.
O CDC traz em seu artigo 2° o conceito de consumidor como “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final” (BRASIL,1990). O conceito apresentado neste artigo, vem acarretando divergências a respeito de sua aplicação nas relações jurídicas de consumo, pois a pessoa jurídica nem sempre será destinatária final ao adquirir um produto, podendo recolocá-lo na cadeia de consumo. Assim, foram desenvolvidas algumas teorias para tentar suprir as interpretações a respeito do tema. (GARCIA, 2019).
A primeira teoria a se observar é a teoria maximalista, que objetivamente diz que o destinatário final é a pessoa que adquire o produto independentemente de qual será sua destinação, seja para utilização própria e de sua família ou com intuito lucrativo. É uma relação objetiva, pois a destinação do produto não é relevante, e sim, se ele foi retirado da cadeia de fornecimento. (ALMEIDA, 2017, p. 38).
A segunda teoria é a finalista, que defende, sob caráter subjetivo, que consumidor é toda pessoa que adquire o produto ou serviço para destinação própria, ou seja, retira o produto do mercado de consumo, se tornando o destinatário final dele.
Esta teoria limita o conceito de consumidor e acaba desprezando o fato de que o próprio artigo 2° do CDC descreve como consumidor a pessoa jurídica, assim, para esta corrente, não seria possível a relação de consumo entre dois profissionais.
Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.
A questão decorrente destas duas teorias é a insegurança jurídica, pois o indivíduo, no momento de acionar o Poder Judiciário, não sabe se poderá utilizar-se do CDC ou não, pois as correntes abrangem ideias completamente distintas e não havia um critério específico para sua aplicação, sendo insuficientes para preencherem as lacunas deixadas sobre o assunto.
Com o passar do tempo, uma terceira corrente a respeito do tema foi desenvolvida; a teoria finalista mitigada, que traz, sob a ótica dos princípios da vulnerabilidade e da proteção ao consumidor, a possibilidade de, mesmo na hipótese do consumidor adquirir produto ou serviço sem se colocar fim na cadeia de consumo, poder valer-se do CDC, sedo necessário, além dos requisitos para caracterização da relação consumerista, a análise da vulnerabilidade diante do fornecedor. Esta teoria foi cada vez mais sendo aplicada nas decisões do Superior Tribunal de Justiça. (JR. HUMBERTO, 2020. p.8)
Assim, o trabalho proposto aborda o tema da aplicação do CDC nas relações entre o Estado, como pessoa jurídica de direito público, prestadora de serviços públicos da Administração Direta, e o cidadão. Para tanto, buscou-se estabelecer uma reflexão sobre a possibilidade de o Poder Público figurar no polo ativo da relação de consumo como prestador de serviço e, assim, ocupar o polo passivo de uma eventual ação judicial que busque reparação por danos decorrentes dos serviços por ele prestados.
2. PRINCIPIOS DO DIREITO DO CONSUMIDOR
2.1 Princípio da vulnerabilidade
Diante da proteção constitucional dos consumidores, o CDC é visto pela doutrina como uma norma principiológica, uma vez que conforme o art. 5º, inc. XXXII, da CRFB/88, o Estado deve promover, na forma da lei, a defesa do consumidor, garantindo, assim, a tutela constitucional dos seus direitos. A vulnerabilidade do consumidor foi o motivo principal para o desenvolvimento de um novo direito e para criação de uma lei de caráter principiológico. (TARTUCE, 2021).
Para melhor compreensão dos ditames do CDC, é necessário analisar os princípios norteadores deste código como uma norma protetiva dos vulneráveis, que são dotados de alto nível de subjetividade.
‘’Não se pode esquecer, ato contínuo, da importância do estudo dos princípios jurídicos, que são regramentos básicos aplicáveis a uma determinada categoria ou ramo do conhecimento. Os princípios são abstraídos das normas, dos costumes, da doutrina, da jurisprudência e de aspectos políticos, econômicos e sociais.’’ (TARTUCE, Flavio, 2021, p.44)
Analisando o art. 4º, inc. I, do CDC, pode-se observar o objetivo do legislador em colocar o consumidor na condição de vulnerável na relação de consumo. Os consumidores são a parte mais frágil dos contratos de massa padronizados, principalmente no que tange à informação e ao poder de negociação frente ao fornecedor.
Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)
I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;
Portanto, ao se falar em consumidor, por consequência se fala em vulnerabilidade, pois, caso houvesse um tratamento igualitário entre as duas partes do contrato, haveria a perpetuação da desigualdade, já que isonomia significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na proporção de sua desigualdade.
A vulnerabilidade do consumidor é manifestada em três situações, vulnerabilidade econômica, técnica e/ou jurídica.
Na primeira situação, em regra, o fornecedor se encontrará em uma situação financeira melhor estruturada diante do consumidor, podendo enfrentar com mais facilidade uma eventual reclamação a respeito de seu produto ou do serviço prestado.
O fornecedor, via de regra, é um litigante habitual, contando com sólida infraestrutura jurídica e administrativa, para resistir ao ataque do consumidor, que, na maioria das vezes, nunca litigou. (SOUZA, Sylvio, 2018, p. 15)
Na segunda situação, se considera o desconhecimento técnico do consumidor em relação ao produto ou serviço que está adquirindo, estando, portanto, desamparado, uma vez que não consegue identificar os defeitos ou vícios que possam eventualmente surgir.
A terceira situação é concretizada pelo conhecimento insuficiente do consumidor em relação aos seus direitos e a sua dificuldade de acesso à justiça, e, ainda, o desconhecimento acerca dos instrumentos a serem utilizados para sua própria defesa. Deste modo, o desconhecimento do consumidor pode beneficiar o fornecedor, pois o consumidor tem limitação da autonomia de sua vontade ao se submeter a um contrato por adesão, com cláusulas pré-estabelecidas pelo próprio fornecedor.
O conceito de vulnerabilidade não se confunde com a hipossuficiência, pois a hipossuficiência possui uma definição fática e não jurídica, sendo aplicada no caso concreto, baseando-se em uma desproporção econômica, financeira ou política, se trata de um fenômeno do direito processual, de presunção relativa. Já a vulnerabilidade, diz respeito a situação do indivíduo, sua ausência é caracterizada pelo prejuízo inerente ao consumidor no mercado de consumo, tendo como parâmetro o fornecedor (parte mais forte), é um fenômeno do direito material, determinado expressamente em lei com presunção absoluta, sendo aplicado à todos os consumidores.
O que se percebe, portanto, é que o conceito de vulnerabilidade é diverso do de hipossuficiência. Todo consumidor é sempre vulnerável, característica intrínseca à própria condição de destinatário final do produto ou serviço, mas nem sempre será hipossuficiente. (TARTUCE, Flavio, 2021, p. 49)
Sintetizando, sob a ótica do doutrinador Humberto Theodoro (2020), a aplicação da legislação deve se dar de forma a igualar as partes. Portanto, o CDC deve ser tido como uma legislação especial, não podendo abarcar qualquer situação, mas apenas as relações que apresentem vulnerabilidade de uma parte em relação à outra.
2.2 Princípio da Intervenção Estatal
Com a criação de leis específicas para regulamentar as relações de consumo, evidente se tornou a necessidade de o Estado intervir no mercado consumidor, para que assim, pudesse proteger a parte mais vulnerável da relação jurídica. E assim foi feito, especificando-se no CDC:
Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)
(...)
II - ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor:
a) por iniciativa direta;
b) por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas;
c) pela presença do Estado no mercado de consumo;
d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho
Ainda sobre o princípio da intervenção estatal, encontramos o que dispõe o artigo 5º da lei consumerista:
Art. 5° Para a execução da Política Nacional das Relações de Consumo, contará o poder público com os seguintes instrumentos, entre outros:
I - manutenção de assistência jurídica, integral e gratuita para o consumidor carente;
II - instituição de Promotorias de Justiça de Defesa do Consumidor, no âmbito do Ministério Público;
III - criação de delegacias de polícia especializadas no atendimento de consumidores vítimas de infrações penais de consumo;
IV - criação de Juizados Especiais de Pequenas Causas e Varas Especializadas para a solução de litígios de consumo;
V - concessão de estímulos à criação e desenvolvimento das Associações de Defesa do Consumidor.
VI - instituição de mecanismos de prevenção e tratamento extrajudicial e judicial do superendividamento e de proteção do consumidor pessoa natural; (Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
VII - instituição de núcleos de conciliação e mediação de conflitos oriundos de superendividamento. (Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
Assim sendo, determinou-se três frentes de atuação e intervenção do Estado, sendo elas: o Estado-Administrador, que, de maneira efetiva, direta ou indiretamente, garante a implementação da tutela do consumidor; o Estado-Legislador, responsável por editar leis que defendam o consumidor; e, o Estado-Julgador, que esclarece e julga os conflitos de interesses que envolvem consumidores e fornecedores. Nesse sentido, discorre Bruno Miragem:
“o princípio da intervenção do Estado resulta do reconhecimento da necessidade da atuação do Estado na defesa do consumidor. A Constituição brasileira, ao consagrar o direito do consumidor como direito fundamental, o faz impondo ao Estado o dever de defesa deste direito” (MIRAGEM, 2010)
2.3 Princípio da Harmonia nas Relações de Consumo
Disposto no Artigo 4º, inciso III, do CDC, o princípio da harmonia nas relações de consumo, tem como objetivo a compatibilização dos interesses entre as partes da relação consumerista e, ainda, a compatibilização da proteção do consumidor de acordo com as necessidades econômicas e tecnológicas de desenvolvimento.
Art. 4º
(...)
III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;
Nesse sentido, podemos concluir que o CDC, apesar de se voltar à proteção do vulnerável, não pode ser tido como arbitrário, uma vez que o privilégio concedido a uma das partes, tem como objetivo a harmonização dos interesses, para assim haver o reequilíbrio da relação que, em sua essência, é desigual. Dessa forma, podemos observar que atrelado ao princípio da harmonia, estão os princípios da boa-fé objetiva e do equilíbrio.
2.4 Princípio da Boa-fé Objetiva
Elencada como um preceito básico, a boa-fé objetiva, como conhecemos hoje, permeia todo o CDC.
Inicialmente, a boa-fé era apenas um elemento subjetivo, pois estava mais ligada à ideia de uma ação natural e voluntária do indivíduo. Com o surgimento do Código Civil em 2002, foi se transformando, no que conhecemos hoje como boa-fé objetiva, em um dever jurídico e em uma conduta obrigatória para quem o utiliza.
“Como é notório, a boa-fé objetiva representa uma evolução do conceito de boa-fé, que saiu do plano psicológico ou intencional (boa-fé subjetiva), para o plano concreto da atuação humana (boa-fé objetiva).” (TARTUCE, Flávio, 2021, p. 52)
O princípio da boa-fé está presente em todo o CDC, pois no momento em que se fala em direitos básicos do consumidor, já se pode traçar uma ideia de que este princípio, ainda que implicitamente, norteia todo o Código, se baseando em uma função imposta a uma determinada pessoa que participa da relação consumerista, em agir com lealdade e colaboração, não praticando condutas que possam ferir a perspectiva da parte contrária ao longo do processo. (SOUZA, SC, WERNER, JG e NEVES, TF, 2018. p. 314)
2.5 Princípio do Equilíbrio
O princípio do equilíbrio, se analisado juntamente à boa-fé, resulta na harmonização da relação de consumo. Sendo representada por uma balança, essa relação penderia para um dos lados em razão da fragilidade e vulnerabilidade do consumidor quando comparado ao fornecedor.
Uma vez que já sabemos que o fornecedor é o detentor do monopólio dos meios de produção, se fez necessária a criação de legislação específica capaz de dar suporte ao consumidor, a parte mais vulnerável, viabilizando a igualdade e o equilíbrio da relação como uma consequência natural para mitigar a desigualdade já existente.
Assim explica Bruni Miragem:
“o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor, e o caráter desigual com que este se relaciona com o fornecedor, ressaltam a importância do princípio do equilíbrio no direito do consumidor. Este parte, exatamente, do pressuposto da vulnerabilidade do consumidor e, portanto, sustenta a necessidade de reequilíbrio da situação fática de desigualdade por intermédio da tutela jurídica do sujeito vulnerável. Da mesma forma, o princípio do equilíbrio incide sobre as consequências patrimoniais das relações de consumo em geral para o consumidor, protegendo o equilíbrio econômico das prestações do contrato de consumo”. (MIRAGEM, 2010)
2.6 Princípio da Educação e Informação
O princípio da educação e informação está diretamente ligado ao princípio da boa-fé, sendo possível identificá-lo em vários dispositivos do Código, que tem como objetivo amenizar a vulnerabilidade técnica do consumidor. Como exemplo temos o art. 4º, inciso IV, do CDC.
Art. 4º (...)
IV - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo;
Ainda, no art. 6º, incisos II e III do CDC, podemos identificar claramente que este objetivo é elencado como direitos básicos do consumidor.
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;
III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; (Redação dada pela Lei nº 12.741, de 2012)
Nesse sentido, encontramos na doutrina a importância da aplicação desse princípio nas relações de consumo, bem como as possíveis consequências de seu descumprimento.
Aliás, convém lembrar que a informação inadequada ou incompleta se equipara à vício do produto ou do serviço, gerando responsabilidade civil do fornecedor. Outra regra decorrente do princípio da informação e que muitos não perceberam é a obrigação de constar de todos os produtos a informação de seus prazos de validade, e de maneira visível e indelével. (SOUZA, Sylvio, 2018, p. 18)
Dessa forma, se torna nítida a relevância deste princípio em conjunto com os demais princípios adotados pelo ordenamento jurídico, objetivando sempre igualar as partes da relação de consumo, definindo os ideais de justiça.
2.7 Princípio da Qualidade e Segurança
O princípio da qualidade e segurança está fundamentado principalmente pelos preceitos do dever de informar sobre a qualidade e segurança, dever de informar de maneira adequada a periculosidade e comunicá-los por anúncios e publicidades, e vedar a circulação de produtos com alto grau de nocividade. Assim o princípio está previsto no art. 4°, inciso V, do CDC:
Art. 4º (...)
V - incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo;
Conforme determina o art. 8º, do CDC, o controle de qualidade e a segurança que permeia os produtos e serviços oferecidos, devem estar incorporados na dinâmica de oferta dos fornecedores.
Art. 8° Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito.
§ 1º Em se tratando de produto industrial, ao fabricante cabe prestar as informações a que se refere este artigo, através de impressos apropriados que devam acompanhar o produto. (Redação dada pela Lei nº 13.486, de 2017)
§ 2º O fornecedor deverá higienizar os equipamentos e utensílios utilizados no fornecimento de produtos ou serviços, ou colocados à disposição do consumidor, e informar, de maneira ostensiva e adequada, quando for o caso, sobre o risco de contaminação. (Incluído pela Lei nº 13.486, de 2017)
No que diz respeito aos produtos e serviços que sejam potencialmente nocivos ou perigosos à saúde ou segurança, o fornecedor deverá prestar informações de maneira ostensiva e adequada, a respeito da sua nocividade ou periculosidade (art. 9º do CDC).
Lado outro, caso o bem de consumo possa apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança, o fornecedor ficará impossibilitado de colocá-lo no mercado, conforme determinado pelo CDC em seu art. 10, caput.
Ainda, caso a descoberta da periculosidade do produto ou do serviço se dê em momento posterior à sua inserção no mercado, os fornecedores e o Poder Público estão obrigados a comunicar o fato imediatamente às autoridades competentes e aos consumidores, mediante anúncios publicitários, como segue:
Art. 10. O fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança.
§ 1° O fornecedor de produtos e serviços que, posteriormente à sua introdução no mercado de consumo, tiver conhecimento da periculosidade que apresentem, deverá comunicar o fato imediatamente às autoridades competentes e aos consumidores, mediante anúncios publicitários.
§ 2° Os anúncios publicitários a que se refere o parágrafo anterior serão veiculados na imprensa, rádio e televisão, às expensas do fornecedor do produto ou serviço.
§ 3° Sempre que tiverem conhecimento de periculosidade de produtos ou serviços à saúde ou segurança dos consumidores, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão informá-los a respeito.
2.8 Princípio da Coibição e Repressão ao Abuso
O princípio da coibição e repressão ao abuso pode ser identificado como uma preocupação do legislador em, primariamente, tentar dirimir qualquer abuso na relação de consumo e, alternativamente, de maneira eficaz reprimi-lo. Nesse sentido dispõe a Lei nº 8.078 de 1990:
VI - coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores;
Observa-se ainda, que a legislação mune as autoridades competentes de dispositivos capazes de inibir as práticas abusivas, a fim de que cumpram o dever de fiscalizar, de maneira efetiva, e evitar a ocorrência de condutas abusivas no mercado de consumo. Podemos ver isso nos Art. 39 e 51do CDC:
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
2.9 Princípio da Racionalização e Melhoria dos Serviços Públicos
O princípio da racionalização e melhoria dos serviços públicos é um dos principais responsáveis por firmar a ideia de incidência do CDC sobre alguns serviços públicos, e está regulamentado no inciso VII do art. 4º do CPC:
Art. 4º (...)
VII - racionalização e melhoria dos serviços públicos;
Este princípio está relacionado à adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral e ao princípio da eficiência, previsto na CRFB/88 como um dos princípios norteadores da atuação da Administração Pública (art. 37, caput). Nesse sentido é o entendimento de Rizzatto Nunes:
“o legislador constitucional acresceu ao elemento obrigatório da adequação do serviço público o da eficiência. Isso significa que não basta haver adequação, nem estar à disposição das pessoas. O serviço tem de ser realmente eficiente; tem de cumprir sua finalidade na realidade concreta. O significado de eficiência remete ao resultado: é eficiente aquilo que funciona. A eficiência é um plus necessário da adequação”. (NUNES, 2009, p. 150.)
2.10 Princípio da Responsabilidade Solidária
O princípio da responsabilidade solidária traz consequências práticas relevantes para o direito do consumidor, uma vez que reconhecida a solidariedade entre os fornecedores da cadeia de consumo, o consumidor poderá eleger aquele que deseja acionar ou até acionar todos os sujeitos responsáveis pelo produto ou o serviço no mercado de consumo.
Desse modo, discorre Rizzatto Nunes:
“o consumidor pode escolher a quem acionar: um ou todos. Como a solidariedade obriga a todos os responsáveis simultaneamente, todos respondem pelo total dos danos causados”. (NUNES, 2009, p. 150.)
“caberá ao responsável acionado, depois de indenizar o consumidor, caso queira, voltar-se contra os outros responsáveis solidários para se ressarcir ou repartir os gastos, com base na relação jurídica existente entre eles”. (NUNES, 2009, p. 151.)
2.11 Princípio da Continuidade do Serviço Público
O princípio da continuidade do serviço público é aquele que dispõe sobre o impedimento por parte da Administração Pública de interromper a prestação de serviços, com exceção de algumas situações admitidas no ordenamento jurídico. Tem como objetivo principal impedir que a coletividade fique sem o amparo de um serviço considerado essencial para o desempenho das atividades comuns do cotidiano. Nesse sentido, o art. 22, do CDC, prevê:
Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.
Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código.
Lado outro, por se tratar de serviços públicos, é importante analisar a questão levando-se em consideração as regras de Direito Administrativo. Um exemplo claro, é o disposto no art. 6º, § 3º, inciso II, da Lei nº 8.987/95, que expressamente admite interrupção de serviços públicos nas seguintes situações:
Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando:
I — motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações; e,
II — por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade.
Esse princípio, por tratar de um tema polêmico, e provocar discussões no âmbito doutrinário, é o principal norteador do presente artigo, uma vez que sua determinação está expressa no código consumerista, bem como em lei específica. Outrossim, não se existe unanimidade quanto a sua aplicação no Direito do Consumidor, ou no Direito Administrativo.
3. RELAÇÃO DE CONSUMO
Vivemos cercados de acontecimentos que passam despercebidos no cotidiano. Para que um acontecimento seja considerado um fato jurídico, ele deve produzir efeitos jurídicos. Dessa forma, são elencados alguns elementos que caracterizam o surgimento deste direito, onde a norma abstrata passa a ser aplicada a um fato jurídico.
“Em resumo, podemos dizer que toda vez que um mero fato, abstratamente considerado, penetra no mundo jurídico, produzindo um dos efeitos acima enumerados, ele passa a ser um fato jurídico.” (SOUZA, Sylvio, 2018, p. 22)
Com o objetivo de facilitar seu campo de aplicação, o CDC, já nos artigos 2° e 3°, apresenta o conceito de consumidor e fornecedor respectivamente, que se caracterizam como elementos subjetivos, e o produto ou serviço, que caracterizam os elementos objetivos da relação de consumo.
Ampliando a definição de consumidor no CDC, podemos observar nos artigos 17 e 29, a referência à coletividade de pessoas (mensurável ou não) que participaram da relação de consumo, chamadas assim, de consumidores por equiparação, pois também estão expostas às práticas abusivas, mesmo que não sejam consumidoras padrão. (SOUZA, 2018)
O artigo 3° do CDC define o fornecedor como “toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.” (BRASIL, 1990). Esta definição buscou englobar todos os tipos de fornecedor, para que não restasse nenhuma lacuna. Segundo o autor Sylvio de Souza: “considerando como fornecedor o gênero, e como espécies os que realizam as atividades descritas no referido dispositivo.”. (SOUZA, SC, WERNER, JG e NEVES, TF, 2018. p. 26)
Os elementos objetivos da relação de consumo são os produtos e os serviços, que encontram sua definição nos parágrafos 1º e 2º do artigo 3º do Código de Defesa do consumidor.
Os produtos são definidos como qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. Dessa maneira, é considerado produto tudo aquilo que envolve uma produção, seja ela de fábrica ou de natureza agrícola. (SOUZA, SC, WERNER, JG e NEVES, TF, 2018. p. 27)
Já os serviços, são definidos no parágrafo 2° como: “qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as da natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes de caráter trabalhista.” (BRASIL, 1990). Na expressão “fornecida no mercado de consumo” entende-se a necessidade de que a atividade esteja disponível para todos os sujeitos, podendo haver restrição desde que não ofenda o ordenamento jurídico. Já na expressão “mediante remuneração” extrai-se a ideia de que é necessário que haja uma contraprestação, seja ela direta ou indireta.
Destarte, existindo todos os elementos (objetivo e subjetivo) caracterizadores da relação consumerista, se aplicará o Código de Defesa do Consumidor, caso contrário, será aplicado o Código Civil, que institui a ordem jurídica privada no âmbito infraconstitucional.
4. APLICAÇÃO DO CDC NAS RELAÇÕES DO ESTADO PRESTADOR DE SERVIÇOS PÚBLICOS
Após a reforma administrativa, por consequência da insuficiência de recursos, o Estado passou a assumir o papel de orientador da administração dos serviços públicos, delegando as funções e execução de certas atividades à terceiros, inclusive particulares.
Até 2017, o diploma legal utilizado mais comumente para resolução de conflitos relacionados à prestação de serviços públicos, era a Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, conhecida como Lei de Concessões, que dispunha em seu Capítulo III acerca dos direitos e deveres dos usuários de serviços públicos:
Capítulo III
DOS DIREITOS E OBRIGAÇÕES DOS USUÁRIOS
Art. 7º. Sem prejuízo do disposto na Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, são direitos e obrigações dos usuários:
I - receber serviço adequado;
II - receber do poder concedente e da concessionária informações para a defesa de interesses individuais ou coletivos;
III - obter e utilizar o serviço, com liberdade de escolha entre vários prestadores de serviços, quando for o caso, observadas as normas do poder concedente. (Redação dada pela Lei nº 9.648, de 1998)
IV - levar ao conhecimento do poder público e da concessionária as irregularidades de que tenham conhecimento, referentes ao serviço prestado;
V - comunicar às autoridades competentes os atos ilícitos praticados pela concessionária na prestação do serviço;
VI - contribuir para a permanência das boas condições dos bens públicos através dos quais lhes são prestados os serviços.
Art. 7º-A. As concessionárias de serviços públicos, de direito público e privado, nos Estados e no Distrito Federal, são obrigadas a oferecer ao consumidor e ao usuário, dentro do mês de vencimento, o mínimo de seis datas opcionais para escolherem os dias de vencimento de seus débitos. (Incluído pela Lei nº 9.791, de 1999)
Em 26 de junho de 2017 foi sancionada a Lei nº 13.460, conhecida como Lei de Defesa dos Usuários de Serviços Públicos, ou ainda, Código de Defesa dos Usuários, que dispõe sobre participação, proteção e defesa dos direitos do usuário dos serviços públicos da administração pública. Esse diploma legal tem embasamento constitucional, por força de alterações que foram promovidas pela Emenda Constitucional 19 de 1998 (Emenda da Reforma Administrativa), prevendo que o legislador deveria criar um diploma normativo capaz de garantir ao usuário a participação na gestão dos serviços e a possibilidade de apresentação de "reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços" (CRFB/88 art. 37, § 3º, 1).
Esta lei, estabelece alguns instrumentos que visam garantir os direitos assegurados aos usuários, tais como: o quadro geral de serviços; a carta de serviços ao usuário; o direito de manifestação; a ouvidoria; o conselho de usuários; e a avaliação continuada. Nesse sentido, o Código de Defesa dos Usuários de Serviços Públicos se configura como um conjunto de normas básicas de garantias e deveres de usuários e prestadores de serviços públicos, às quais se somarão garantias especiais. Disposto no Art. 5º dessa mesma lei, estão os deveres inerentes aos prestadores desses serviços públicos, sejam eles entes da Administração Direta ou Indireta:
Art. 5º O usuário de serviço público tem direito à adequada prestação dos serviços, devendo os agentes públicos e prestadores de serviços públicos observar as seguintes diretrizes:
I - urbanidade, respeito, acessibilidade e cortesia no atendimento aos usuários;
II - presunção de boa-fé do usuário;
III - atendimento por ordem de chegada, ressalvados casos de urgência e aqueles em que houver possibilidade de agendamento, asseguradas as prioridades legais às pessoas com deficiência, aos idosos, às gestantes, às lactantes e às pessoas acompanhadas por crianças de colo;
IV - adequação entre meios e fins, vedada a imposição de exigências, obrigações, restrições e sanções não previstas na legislação;
V - igualdade no tratamento aos usuários, vedado qualquer tipo de discriminação;
VI - cumprimento de prazos e normas procedimentais;
VII - definição, publicidade e observância de horários e normas compatíveis com o bom atendimento ao usuário;
VIII - adoção de medidas visando a proteção à saúde e a segurança dos usuários;
IX - autenticação de documentos pelo próprio agente público, à vista dos originais apresentados pelo usuário, vedada a exigência de reconhecimento de firma, salvo em caso de dúvida de autenticidade;
X - manutenção de instalações salubres, seguras, sinalizadas, acessíveis e adequadas ao serviço e ao atendimento;
XI - eliminação de formalidades e de exigências cujo custo econômico ou social seja superior ao risco envolvido;
XII - observância dos códigos de ética ou de conduta aplicáveis às várias categorias de agentes públicos;
XIII - aplicação de soluções tecnológicas que visem a simplificar processos e procedimentos de atendimento ao usuário e a propiciar melhores condições para o compartilhamento das informações;
XIV - utilização de linguagem simples e compreensível, evitando o uso de siglas, jargões e estrangeirismos; e
XV - vedação da exigência de nova prova sobre fato já comprovado em documentação válida apresentada.
XVI – comunicação prévia ao consumidor de que o serviço será desligado em virtude de inadimplemento, bem como do dia a partir do qual será realizado o desligamento, necessariamente durante horário comercial. (Incluído pela Lei nº 14.015, de 2020)
Parágrafo único. A taxa de religação de serviços não será devida se houver descumprimento da exigência de notificação prévia ao consumidor prevista no inciso XVI do caput deste artigo, o que ensejará a aplicação de multa à concessionária, conforme regulamentação. (Incluído pela Lei nº 14.015, de 2020)
Entre os direitos básicos dos usuários, estão o de ser atendido com respeito, cortesia e em linguagem compreensível, a igualdade de tratamento. Os locais de prestação dos serviços públicos e os sites das instituições públicas devem dispor de informações precisas sobre: horário de funcionamento dos órgãos; serviços prestados, localização exata e indicação do setor responsável pelo atendimento; valor das taxas e tarifas cobradas pela prestação dos serviços. O usuário poderá escolher os meios para obtenção e utilização dos serviços dentre as opções disponibilizadas pela Administração Pública, além de ter acesso às informações relativas à sua pessoa constantes de registros ou bancos de dados do setor público. O art. 6º desta lei assegura ainda a participação na prestação e avaliação dos serviços; a liberdade de escolha; acesso e proteção das informações pessoais do usuário; obtenção de informação, entre outros:
Art. 6º São direitos básicos do usuário:
I - participação no acompanhamento da prestação e na avaliação dos serviços;
II - obtenção e utilização dos serviços com liberdade de escolha entre os meios oferecidos e sem discriminação;
III - acesso e obtenção de informações relativas à sua pessoa constantes de registros ou bancos de dados, observado o disposto no inciso X do caput do art. 5º da Constituição Federal e na Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011;
IV - proteção de suas informações pessoais, nos termos da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011;
V - atuação integrada e sistêmica na expedição de atestados, certidões e documentos comprobatórios de regularidade; e
VI - obtenção de informações precisas e de fácil acesso nos locais de prestação do serviço, assim como sua disponibilização na internet, especialmente sobre:
a) horário de funcionamento das unidades administrativas;
b) serviços prestados pelo órgão ou entidade, sua localização exata e a indicação do setor responsável pelo atendimento ao público;
c) acesso ao agente público ou ao órgão encarregado de receber manifestações;
d) situação da tramitação dos processos administrativos em que figure como interessado; e
e) valor das taxas e tarifas cobradas pela prestação dos serviços, contendo informações para a compreensão exata da extensão do serviço prestado.
VII – comunicação prévia da suspensão da prestação de serviço. (Incluído pela Lei nº 14.015, de 2020)
Parágrafo único. É vedada a suspensão da prestação de serviço em virtude de inadimplemento por parte do usuário que se inicie na sexta-feira, no sábado ou no domingo, bem como em feriado ou no dia anterior a feriado. (Incluído pela Lei nº 14.015, de 2020)
Encontramos ainda na lei dos usuários de serviços públicos, em seu art. 8º, rol de deveres inerentes aos usuários:
Art. 8º São deveres do usuário:
I - utilizar adequadamente os serviços, procedendo com urbanidade e boa-fé;
II - prestar as informações pertinentes ao serviço prestado quando solicitadas;
III - colaborar para a adequada prestação do serviço; e
IV - preservar as condições dos bens públicos por meio dos quais lhe são prestados os serviços de que trata esta Lei.
Importante destacar que não se afasta o cumprimento de normas específicas, nem do CDC quando caracterizada uma relação de consumo, como determina art. 1º do dispositivo legal:
Art. 1º Esta Lei estabelece normas básicas para participação, proteção e defesa dos direitos do usuário dos serviços públicos prestados direta ou indiretamente pela administração pública.
§ 1º O disposto nesta Lei aplica-se à administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, nos termos do inciso I do § 3º do art. 37 da Constituição Federal.
§ 2º A aplicação desta Lei não afasta a necessidade de cumprimento do disposto:
I - em normas regulamentadoras específicas, quando se tratar de serviço ou atividade sujeitos a regulação ou supervisão; e
II - na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, quando caracterizada relação de consumo.
§ 3º Aplica-se subsidiariamente o disposto nesta Lei aos serviços públicos prestados por particular.
Assim sendo, o Código de Defesa dos Usuários dos Serviços Públicos não impediu a aplicação de outras leis específicas, tampouco do CDC, estabelecendo, assim, a implementação de um diálogo entre as fontes normativas, possibilitando a melhor proteção dos usuários/consumidores dos serviços prestados pelo Poder Público. Nesse mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça – STJ, fortaleceu o entendimento ao editar a Súmula 601 que determina: “O Ministério Público tem legitimidade ativa para atuar na defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos dos consumidores, ainda que decorrentes da prestação de serviço público”.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A evolução das relações comerciais trazidas pela Revolução Industrial gerou a necessidade da criação de normas específicas que as regulamentassem. No Brasil, O Código de Defesa do Consumidor foi sancionado em 1990, passando a tratar especificamente das questões jurídicas advindas das relações de consumo e estipulando alguns princípios básicos, norteadores dessas relações, sendo eles: a vulnerabilidade; a intervenção estatal; a harmonia das relações de consumo; a boa-fé objetiva; o equilíbrio; a educação e informação; a qualidade e segurança; a coibição e repressão do abuso; a racionalização e melhoria dos serviços públicos, a responsabilidade solidária e a continuidade dos serviços públicos. Desse modo tornou-se possível determinar, de maneira clara e objetiva, os direitos e deveres dos consumidores e fornecedores de produtos e serviços.
No entanto, ao analisarmos as relações de consumo, podemos perceber na doutrina uma controvérsia no que tange à aplicação do Código de Defesa do Consumidor em situações que envolvem a prestação de serviços públicos. A partir daí, em 2017, entrou em vigor a Lei nº 13.460, comumente conhecida como Código de Defesa dos Usuários de Serviços Públicos.
Nesse sentido, deve-se considerar que a Lei nº 8.078 de 1990, aborda, no art. 3º, caput, a definição de fornecedor dentro das relações de consumo incluindo de maneira taxativa as pessoas jurídicas de direito público. Ainda, no tocante aos Princípios da Política Nacional das Relações de Consumo, no art. 4º, inciso VII, o Código de Defesa do Consumidor elenca a racionalização e melhoria dos serviços públicos como um preceito fundamental. Seguindo ainda a mesma lógica, o art. 6º do mesmo diploma legal, ao tratar dos direitos básicos dos consumidores, precisou em seu inciso X a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.
É cediço que a Lei nº 8.078/90 é fundamental para a evolução das relações administrativas e da prestação de serviço público, bem como, necessária a incidência dessas normas nas falhas existentes na regulação pública. No entanto, nem as particularidades da definição de usuário de serviço público, tampouco o regramento especial previsto no art. 175, da CRFB, podem ser considerados suficientes para obstar a determinação do conceito de consumidor.
Diante de todo o exposto, compreender o usuário como consumidor e o Poder Público e seus agentes delegados como fornecedores, e ainda, os serviços públicos remunerados por tarifas como objeto da relação jurídica de consumo, é fundamental, e legitima a incidência do CDC nessas relações.
A prestação de serviços públicos é de titularidade da Administração Pública, objetivando satisfazer as necessidades da população, e nesse sentido, o serviço público se caracteriza como uma relação de consumo quando é possível identificar o usuário e quando for possível mensurar a prestação individualizada, como por exemplo, o que ocorre na prestação do serviço de distribuição de água potável, em que cada usuário é cobrado individualmente em medida proporcional ao seu consumo, que não é o caso do fornecimento de iluminação de vias públicas, sendo impossível determinar a parte correspondente a cada usuário.
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[1] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes(...)
XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;
Acadêmico do curso de Direito do Centro Universitário de Belo Horizonte – UNIBH.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LOPES, Felipe Antônio Macieira Pinto. O conceito de consumidor e a aplicação do Código de Defesa do Consumidor nas relações do estado como prestador de serviços Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 jul 2022, 04:02. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/58814/o-conceito-de-consumidor-e-a-aplicao-do-cdigo-de-defesa-do-consumidor-nas-relaes-do-estado-como-prestador-de-servios. Acesso em: 21 nov 2024.
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