1 INTRODUÇÃO
A liberdade, no aspecto geral do termo, construiu-se pela sociedade, denotando ser a possibilidade de fazer tudo o que se pode e quer, desde que não atinja destrutivamente os costumes, os princípios da moral e a lei. Nesse cotejo, o presente ensaio visa explanar sobre o princípio constitucional da liberdade à luz da Constituição Federal de 1988.
Essa discussão justifica-se por ser uma questão que sempre acompanhou a sociedade, e de forma mais incisiva na Revolução Francesa. Nesse período, segundo Castro (2007), as pessoas do terceiro estado eram movidas pelo ideal burguês de também ter poder político, pois a burguesia tinha o poder de comércio, mas não de participar do política, assim, intensificou-se na mente da população a busca pela liberdade da condição de imobilidade social.
Nesse sentido, libertar-se de limites impostos pelos detentores do poder e mudar suas condições de vida seriam as mensagens deixadas por essa revolução. Tão intensa foi ela que os seus ideais impregnaram várias constituições, como a brasileira. Esse fato está explícito na Constituição de 1988, que tem um regime de liberdades e a define como a possibilidade do cidadão fazer tudo o que está disposto no ordenamento jurídico, uma vez que, essa liberdade acaba no momento em que começa a adentrar na do outro, passando a constituir abuso ou libertinagem (liberdade sem limites (NUNES, 2011).
2 A CONCEPÇÃO DE LIBERDADE
A concepção do termo liberdade ganhou maior notoriedade com a Revolução Francesa tem como fundamento os anseios da sociedade da época, a saber: alcançar liberdade, pois a sociedade estava inconformada com o sistema de exploração para manutenção daqueles que ocupavam status de poder mais elevado. Nesse sentido, seria ter independência e uma melhor condição de vida frente aquele sistema.
Para esclarecer esse conceito se faz necessário uma retomada à percepção de liberdade na antiguidade. A liberdade era pautada na participação do cidadão na discussão política, nesse sentido não vislumbrava todas as pessoas da época, mas tão somente homens livres, os outros, como escravos, mulheres, crianças, idosos, não tinham poder algum de decisão na coisa pública. Já na modernidade a liberdade ganha outro sentido, torna-se um direito do indivíduo e um dos princípios da democracia moderna (MORE, 2007).
Verificando tal ideia já formalizada, depara-se com a discussão bem remota de vários teóricos contratualistas como Hobbes e Housseau, que explicam a criação do Estado como uma necessidade para a sociedade, pois a mesma encontrava-se em estado de guerra, já que levava-se em consideração que no estado natural a liberdade era ilimitada e todos eram donos de tudo. Assim, para a existência do Estado necessário seria que todos abdicassem de uma parte dessa liberdade para a convivência em sociedade, sendo ela limitada pelo Estado absolutista ou republicano, conforme a concepção desses autores do contrato social (COSTA, 2005).
A concepção de liberdade, já no período da revolução citada, teve um caráter popular, ou seja, a maior participação de todos aqueles que ocupavam o terceiro estado, tornando-se formalizada na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão no século XVIII. A necessidade dessa Declaração de Direitos era uma forma de mostrar que a não aplicação dos direitos e a desídia de seus aplicadores causava males diversos a sociedade, assim sendo, era uma forma de lembrar as autoridades de que o povo tinha direitos assegurados devendo ser mantidos e cumpridos. Nesse sentido, levava em consideração os inúmeros direitos do homem colocando a lei acima de qualquer tipo de autoritarismo (CASTRO, 2007).
Nesse sentido, a população libertou-se de um regime onde o primeiro e o segundo estado era o poder, para submeter-se a lei, cujo objetivo estaria na possibilidade da população ter uma situação de vida melhor. A lei torna-se o primado básico sobre o qual todos devem obediência, uma vez que ela é expressão da vontade geral. Assim, as pessoas passam de uma situação de subordinação ao poder dos mais fortes, para subordinar-se à consciência coletiva (CASTRO, 2007).
A liberdade para as pessoas daquela época caracterizava-se no esforço de retirar o poder dominante, cujas riquezas eram advindas do trabalho árduo da massa populacional (98%) e na descrença de que as posições assumidas pelo primeiro e segundo estado eram dadas por Deus. Essa posição mais racional quanto ao controle do poder foi resultado das ideias iluministas, bem como do conceito de pacto social defendido por Rousseau. Títulos como Liberdade, Igualdade e Fraternidade foram tomados como princípios norteadores das constituições, sendo, portanto uma proteção do povo contra o abuso de poder (CASTRO, 2007).
3 AS LIBERDADES NA CONSTITUIÇÃO DE 1988
Pela decorrência dessa revolução, assim como de outras que trouxeram os ideais iluministas, influenciaram bastante na construção do sistema político, jurídico e social no Brasil, incidindo nas suas Cartas. Verifica-se que ao decorrer de todas as constituições do Brasil, desde 1824 até a atual de 1988, esses fundamentos (liberdade, igualdade e fraternidade) estiveram atrelados ao contexto jurídico do momento histórico vivido em cada época, embora em baixa ou elevada intensidade (CARVALHO, 2010).
Após as revoluções, especialmente a francesa os títulos já mencionados tiveram que ser adotados pelas autoridades como uma forma de legitimar o poder. Assim, nota-se ao estudar essas constituições que em algumas houve a ampliação de suas normas contemplando os direitos humanos, outras já passam a restringir mais esses direitos. O certo é que, sempre houve revoltas quando da limitação da liberdade da população, e a constituição de 1988, pela grande ampliação que contempla quanto aos direitos fundamentais, ganhou legitimidade a ponto de ser reconhecida como a melhor dentre todas as outras (CARVALHO, 2010).
Essa aceitação social é fruto de um período histórico cuja liberdade era completamente limitada, as pessoas sequer a contemplavam, pela percepção dos governantes de que o povo não sabia governar. Fala-se da Constituição de 1967 do período ditatorial, que antecede a Constituição cidadã de 1988, ela foi outorgada, pois era produto do golpe militar, dava maior alargamento ao poder Executivo, e ao Exército, estabelecendo a censura nacional, isto é, ninguém poderia ser contrário ao que era estabelecido pelos militares que haviam assumido o poder, sob ameaça de pena de morte, porque configurava crime de segurança nacional, além disso, restringia também alguns direitos dos trabalhadores, como o de greve (CARVALHO, 2010).
Essa Constituição não limitava o poder político, nem garantia os direitos individuais, mas todas as pessoas deviam a ela obediência, por esse motivo e por coação, a população cumpria efetivamente o texto constitucional. Assim, sendo a ditadura militar estabeleceu de 1964 a 1968 cinco atos institucionais que apresentavam como característica comum, a ampliação do poder Executivo e a privação da liberdade do povo (CARVALHO, 2010).
O ato constitucional de número 5 (cinco) foi imposto a população, por conta das pequenas reivindicações aquele sistema de governo, com a forte presença de jovens nas ruas do país. O AI 5 estabelecia que o poder Executivo resolveria sobre todos os problemas, na tentativa de calar os manifestantes. Nesse ato, havia a permissão do presidente fechar as casas do poder Legislativo, cassar mandatos, além de suspender a garantia do habeas corpus nos casos de crimes políticos contra a segurança nacional (VAINER, 2010).
Diante disso, a busca por melhor qualidade de vida e pelos direitos de liberdade após vinte anos de ditadura e de violação aos direitos humanos foi promulgada em 05 de outubro de 1988 e perdura até hoje a Constituição de 1988, conhecida como constituição cidadã, porque é fruto do anseio popular e por vislumbrar uma ampliação de garantias de direitos e liberdades, dando atenção ao princípio da dignidade da pessoa humana, e de justiça social, como destaca também os direitos sociais, direitos dos trabalhadores, direitos políticos, consagrando o voto secreto, universal para homens, mulheres, maiores de 16 anos alfabetizados, como também para analfabetos, direito a greve, liberdade sindical, de reunião, associação, liberdade de expressão, de pensamento, enfim está repleta de garantias e de liberdades positivas e negativas do Estado (VAINER, 2010 e CARVALHO, 2010).
Conforme a própria Constituição Federal a liberdade é um direito exercido dentro dos limites dispostos em seu texto, bem como em todo o ordenamento jurídico, como, por exemplo, o “art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”. Essa liberdade mostra que ao mesmo tempo em que a liberdade do povo é limitada pelo estado, a liberdade de atuação do estado também é limitada por suas próprias liberdades instituídas, como a liberdade de imprensa (VAINER, 2010 e CARVALHO, 2010).
Fato esse discutido por Corrêa (2009), que declara que essa liberdade possui uma dimensão social, uma vez que o sistema político é moldado pela forma como a sociedade pensa e produz seus bens, assim entende esse autor que essa liberdade é um elemento que influencia na composição do sistema democrático. Trata-se, por ele, de uma das formas de não engessar a visão de mundo e colocar à tona as insatisfações populares.
Com relação à limitação dessa liberdade à atuação do Estado, Corrêa (2009), revela que não cabe ao Estado censurar manifestações de pensamento por simplesmente discordar daquilo que está exposto nos jornais, revistas, etc, pois a recepção positiva ou negativa de uma verdade é matéria restrita ao julgamento de homens e mulheres e não do Estado, ou seja, esse não pode censurar pelo seu bel prazer sem antes verificar qual a repercussão daquele fato social.
Nesse enfoque, configura-se a própria formação da norma jurídica, pois pela valorização de uma fato é construída uma norma, com o objetivo de atender aos anseios sociais, essa é a teoria da tridimensionalidade do direito de Miguel Reale, mencionado por Gusmão (2011), cuja normatização de um fato gera também novos valores na sociedade e consequentemente atende a liberdade de manifestação de pensamento e de informação, pois contribui para a difusão do que está sendo valorado pelo corpo social.
Por esse motivo a Constituição consagra essa liberdade como um direito coletivo, de acordo com Silva (2010), mostrando que o Estado é formado pelo povo e não o contrário, pois se assim não fosse seria um retrocesso ao que fora vivenciado na ditadura militar, que muito se aproximou do Antigo Regime.
4 OS LIMITES DA LIBERDADE
Diante do exposto, pode ser levantada uma dada questão, há uma liberdade intrínseca, condição da existência de todo e qualquer ser humano, e existe a liberdade social, construída com o intuito de haver possibilidades de o homem sobreviver. Portanto, conforme Bueno (2007) a liberdade passa a existir para o homem no momento do seu nascimento e no instante em que ele passa a escolher aquilo que lhe convém ser necessário ou não, assim, a partir das escolhas que faz é que os limites aparecem, como forma de limitar sua atuação para não prejudicar a liberdade de outrem.
A Constituição Federal de 1988 determina que o estado apenas pode ofender a liberdade da pessoa, nunca atingir a integridade física, retirar a vida, pois consagra como princípio norteador a dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, pode ser levantado como exemplo da interferência do Estado na liberdade do indivíduo o monitoramento eletrônico da pessoa que está em regime aberto e cumpre a pena em domicílio. Para, essa é uma liberdade vigiada, sendo concebida como um instrumento de controle e cidadania (RODRIGUES, 2012).
O encarceramento tem se tornado instrumento que não atende à dignidade humana, visto a ausência de estrutura do sistema carcerário. Uma das inúmeras consequências é a superlotação, que coloca em xeque o objetivo da pena, a saber, a ressocialização do apenado, pois na prática seria equivalente à penas cruéis, as quais foram abolidas pela Constituição. Defende que o monitoramento eletrônico é uma medida alternativa ao cárcere, para situações determinadas, ou seja, precisa ser preenchido requisitos, cuja fiscalização pode ser imposta, acrescentando que passou a ser uma medida cautelar de acordo com a lei 12.403/11 (RODRIGUES, 2012). Esse dispositivo, , deu nova redação ao art. 319 do CPP (Código de Processo Penal), e tem como uma de suas principais contribuições a redução da quantidade de presos provisórios, que segundo suas estimativas é maior do que 40% de toda população carcerária do Brasil (RODRIGUES, 2012).
Destarte, a liberdade passa por várias limitações que dependem da situação do apenado, assim, mesmo a pessoa em liberdade com monitoramento eletrônico não deixa de ser uma limitação dessa liberdade, pois, a limitação da liberdade está presente na fiscalização da mesma, por uma questão de proteção da sociedade e pela inderrogabilidade, ou seja, a certeza do cumprimento da pena (RODRIGUES, 2012).
Dentre outras limitações, tem-se a liberdade de informação, já mencionada anteriormente. As limitações estão expressas na própria Carta Magna, com isso o autor defende que não é possível liberdade sem limites, uma vez que não existiria os direitos da personalidade, se a liberdade mencionada não fosse limitada, nesse sentido os limites seriam protetores necessários para que os outros direitos possam veicular livremente. Em um feliz comentário, ainda enriquece esse entendimento, dizendo que mesmo a imprensa sendo livre para realizar a divulgação da notícia está presa aos direitos daqueles que noticia, nesse sentido, não é plenamente livre, pois, se assim fosse, violaria o Estado de Direito que concebe as liberdades (GUERRA, 2005).
5 CONCLUSÃO
Ante o exposto, infere-se que a liberdade não é um direito absoluto, porque se assim fosse, não existiria sequer liberdade, pois restaria em uma busca por fazer prevalecer interesses e desejos individuais sobre os da coletividade.
Nesse sentido, a atuação estatal deveria ser movida como forma de buscar o equilíbrio da sociedade quando alguém adentrasse na liberdade de outrem, retirando-a. Um dos exemplos é o Direito Penal, considerado como “ultima ratio”, pelo princípio constitucional penal da intervenção mínima, que deve tratar apenas dos conflitos e litígios sociais e particulares quando nenhum outro controle social ou outro ramo jurídico conseguiu resolver.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 53-54.
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Bacharel em Direito pela Christus Faculdade do Piauí – CHRISFAPI; pós-graduada em Direito Penal e Processo Penal pela faculdade CHRISFAPI; pós-graduada em Direito da Família pela Universidade Cândido Mendes – UCAM.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FONTENELE, Maria Letícia de Brito. Um ensaio sobre a concepção do direito fundamental e constitucional à liberdade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 jul 2022, 04:12. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/58828/um-ensaio-sobre-a-concepo-do-direito-fundamental-e-constitucional-liberdade. Acesso em: 24 nov 2024.
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