RESUMO: As discussões no âmbito do Direito de Família têm passado por inovações ao longo dos tempos. As tecnologias tem influenciado o comportamento no âmbito familiar, sobretudo com o uso da internet e suas redes sociais. Nessa toada, o presente trabalho teve como tema: Construções de vínculos familiares e a influência da internet inserida no contexto atual: análise jurídico-doutrinária. Como problemática, indagou-se se a internet contribui para as novas construções de família? Dessa forma, o objetivo geral do presente trabalho foi analisar com base na literatura jurídica, bem como com conhecimento interdisciplinar, se as construções dos novos conceitos de família tem sido influencido pelas mudanças contemporâneas associadas ao uso da internet. No intuito de alcançá-lo, teceram-se objetivos específicos, quais sejam: verificar o posicionamento da literatura sobre o conceito de família e seus princípios informadores; apontar a compreensão dos doutrinadores sobre o construção familiar a partir das redes sociais. O tema se justificou nas mudanças que têm ocorrido no âmbito do direito de família, no tocante à tendência do Estado intervir cada vez menos, estabelecendo padrões de vínculos familiares. Utilizou-se como metodologia a pesquisa bibliográfica para apontar o posicionamento da literatura sobre o tema. De certo, a literatura demonstrou que a internet influencia a mudança de comportamento no âmbito das relações familiares e que o direito tem buscado acompanhar os institutos do direito de família levando em consideração o uso das redes sociais para comunicação.
Palavras chave: Família. Vínculos. Internet.
ABSTRACT: Discussions within the scope of Family Law have undergone innovations over time. Technologies have influenced behavior within the family, especially with the use of the internet and its social networks. In this tune, the present work had as its theme: Constructions of family ties and the influence of the internet inserted in the current context: legal-doctrinal analysis. As a problem, it was asked whether the internet contributes to new family constructions? Thus, the general objective of the present work was to analyze, based on the legal literature, as well as with interdisciplinary knowledge, whether the constructions of new family concepts have been influenced by contemporary changes associated with the use of the internet. In order to achieve it, specific objectives were woven, namely: to verify the position of the literature on the concept of family and its informing principles; to point out the understanding of the indoctrinators about family construction from social networks. The theme was justified in the changes that have occurred in the scope of family law, regarding the tendency of the State to intervene less and less, establishing patterns of family ties. Bibliographic research was used as a methodology to point out the positioning of the literature on the subject. Indeed, the literature has shown that the internet influences behavior change in the context of family relationships and that the law has sought to accompany family law institutes taking into account the use of social networks for communication.
KEYWORDS: Family. bonds. Internet.
SUMÁRIO: Introdução. CONCEITO DE DIREITO DE FAMÍLIA 1. PRINCÍPIOS DO DIREITO DE FAMÍLIA 2. CONCEPÇÃO CONSTITUCIONAL DE FAMÍLIA 3. Da violação ao direito de família 3.1. A MUDANÇA NAS RELAÇÕES FAMILIARES A PARTIR DA DEMOCRACIA 4. LIBERDADE E A MUDANÇA DE COMPORTAMENTO 5. REDES SOCIAIS COMO MECANISMO DE FORMAR VÍNCULOS 6. Direito de família e as redes sociais. CONCLUSÃO. Referências.
Introdução
Desde os tempos mais primórdios da humanidade o homem buscou conviver com outros para sobreviver, de fato percebeu que não poderia satisfazer suas próprias necessidades sozinho. Passou a desenvolver várias formas de manter relações sociais, mas a principal se deu junto ao seu meio familiar. Entretanto, no decorrer do tempo, desenvolveu meios de se relacionar e isso se deu principalmente com o avanço dos recursos tecnológicos. A internet como fenômeno global abriu novos horizontes e o direito teve que acompanhar tal desenvolvimento.
Os modelos hodiernos de família vêm passando por transformações e sendo diversificados, de forma que o formato nuclear tradicional, composto por um homem e uma mulher unidos pelo casamento com seus filhos biológicos, não é mais entendido como o único aceito. Com o decorrer do tempo, com influência da tecnologia, fatores como o aumento dos números de divórcio, de dissolução de união estável, maior facilidade à métodos contraceptivos, a mulher no mercado de trabalho, o direito dos homossexuais ao casamento, dentre outros, deu ensejo a arranjos familiares possíveis, distintos do que estava prescrito.
Como nova realidade existente no âmbito familiar, a internet e suas redes sociais tem possibilitado que os vínculos familiares se tornem mais fortes por meio virtual. De fato, a sociedade atual vive de forma diferente de décadas atrás, pautada no individualismo. A família passou a ter um novo contexto com os recursos tecnológicos, passando a ser possível formar vínculos sem contato físico e desencadear, portanto, relações jurídicas, o que exige dos operadores do direito, legisladores uma análise mais ampla dos conceitos de família compreendidos até então no ordenamento jurídico.
Observa-se que, não só vínculos de relacionamentos por redes sociais, mas também a comunicação existente entre os membros de uma dada família, como a de pais e filhos, o contato virtual substituindo o físico; bem como os deveres e obrigações de um relacionamento duradouro via internet, e a pré-existência de uma vínculo conjugal. Enfim, questões atreladas ao uso das redes sociais, via internet, os quais vem a demonstrar que a realidade é outra e que o direito deve a todo instante acompanhar essas mudanças.
Dessa forma, neste trabalho, privilegia-se a definição de família, que ultrapassa as fronteiras estabelecidas pela biologia e pelo direito. Ao mesmo tempo indica que apesar das mudanças as famílias mantém a existência dessa instituição, não deixando que ela se acabe, mas demonstrando que mesmo havendo modificações ao longo do tempo, a sua essência não se esvazia.
Frente a isso, o presente trabalho tem como tema as construções de vínculos familiares e a influência da internet inserida no contexto atual: análise jurídico-doutrinária. Por sua vez, como problematização buscou-se responder à seguinte pergunta: a internet contribui para as novas construções de família? No intuito de responder ao questionamento, formulou-se a hipótese de que, com as modificações decorrentes da sociedade, a legislação e a jurisprudência tem admitido várias concepções de família, bem como compreendido que as tecnologias virtuais contribuem para essas novas percepções.
Objetivou-se com o presente trabalho analisar com base na literatura jurídica, bem como com conhecimento interdisciplinar, se as construções dos novos conceitos de família tem sido influencido pelas mudanças contemporâneas associadas ao uso da internet. Para chegar ao supracitado objetivo, teve como objetivos específicos: verificar o posicionamento da literatura sobre o conceito de família e seus princípios informadores; apontar a compreensão dos doutrinadores sobre o construção familiar a partir das redes sociais.
Além desse capítulo introdutório, o presente trabalho está dividido nos seguintes capítulos: Princípios do direito de família; concepção constitucional de família; a mudança nas relações familiares a partir da democracia; liberdade e a mudança de comportamento; redes sociais como mecanismo de formar vínculos. Nessa esteira, a metodologia aplicada, foi a pesquisa bibliográfica. Isso porque o método escolhido foi o dedutivo e, para operacionalizá-lo, dentro da perspectiva desse trabalho, fez-se necessário o entendimento da literatura a respeito do tema.
A justificativa deste trabalho está atrelada nas mudanças que têm ocorrido no âmbito do direito de família, no tocante à tendência do Estado intervir cada vez menos, estabelecendo padrões de vínculos familiares. Isso porque, a característica da liberdade dada as relações familiares, advindo do princípio da democracia e do entendimento de que não é possível cristalizar os vínculos familiares a normas preestabelecidas, não permite que seja engessado o conceito de família.
Esta pesquisa tem relevância jurídica e social, porque busca demonstrar que o direito de família deve se adaptar à realidade e aos anseios da sociedade. Seu intuito principal está na demonstração da utilidade do instituto jurídico para tornar eficaz o direito material constitucional de liberdade na construção de vínculos familiares.
1 CONCEITO DE DIREITO DE FAMÍLIA
O direito de família pode ser conceituado como sendo ramo do direito civil que estuda os seguintes conteúdos: casamento, união estável, relação de parentesco, filiação, alimentos, bem de família, tutela, curatela, guarda. Além desses temas, acrescenta-se a investigação das novas manifestações familiares. Isso porque, o direito de família no Brasil passou por profundas alterações estruturais e funcionais nos últimos anos que podem ser observadas pelos princípios desse ramo jurídico (TARTUCE, 2018).
De acordo com art. 1º, III, da CF/1988, o Estado Democrático de Direito brasileiro tem como fundamento a dignidade da pessoa humana, tal norma é o norte de aplicação do direito pelo julgador. A dignidade humana compreende o ser humano como um ser intelectual e moral, capaz de determinar-se em liberdade, de modo que a eleição de seus próprios objetivos de vida tem preferência absoluta em relação a eventuais formulações legais definidores de modelos preconcebidos (TARTUCE, 2018).
Dessa forma, o indivíduo não pode ser reduzido a mero instrumento de consecução das vontades dos governantes, por isso que o direito à busca da felicidade protege o ser humano em face de tentativas do Estado de enquadrar a sua realidade familiar em modelos pré-concebidos em lei (TARTUCE, 2018).
2 PRINCÍPIOS DO DIREITO DE FAMÍLIA
No tocante ao princípio da solidariedade social, encontrado no art. 3º, I da CF/1988, acaba repercutindo no âmbito das relações familiares, pois ser solidário significa responder pelo outro, preocupar-se. Dessa forma, tem caráter afetivo, social, moral, patrimonial, espiritual e sexual (TARTUCE, 2018).
Determina o art. 227, §6º, da CF/1988 consagra o princípio da igualdade entre os filhos. Está superada antiga discriminação de filhos que constava no art. 332 do CC/1916. Também dentro desse contexto, da igualdade, há o princípio da igualdade entre cônjuges e companheiros, previsão tanto no art. 226 §5º da CF/88 quanto no art. 1511 do CC (TARTUCE, 2018).
Decorrente desse princípio, surge a igualdade da chefia familiar, que pode ser exercida tanto pelo homem como pela mulher em um regime democrático de colaboração, podendo inclusive os filhos opinar. Utiliza-se a expressão despatriarcalização do Direito de Família, eis que a figura paterna não exerce o poder de dominação do passado. O regime é de companheirismo, não de hierarquia, desaparecendo a ditatorial figura do pai de família, não podendo sequer se utilizar a expressão pátrio poder, substituída por poder familiar (TARTUCE, 2018).
Quanto ao princípio da não intervenção ou da liberdade, previsto no art. 1513 do CC/2002, o qual dispõe: “é defeso a qualquer pessoa de direito público ou direito privado interferir na comunhão de vida instituída pela família.” O qual dispõe que o planejamento familiar é de livre decisão do casal, sendo vedada qualquer forma de coerção por parte de instituições privadas ou públicas em relação a esse direito. Da leitura do dispositivo denota-se que o Estado ou mesmo um ente privado não pode intervir coativamente nas relações de família, mas o Estado pode fazer incentivar o controle de natalidade e o planejamento familiar (TARTUCE, 2018).
Esse princípio mantem relação com a autonomia privada, que existe no direito de família. De fato, a autonomia privada existe também no âmbito da família, quando se escolhe com quem casar, com quem namorar, noivar, com quem ter união estável (TARTUCE, 2018).
Nesse ínterim, registra-se o princípio da afetividade, apontado como principal fundamento das relações familiares. Tal princípio não possui previsão expressa na Constituição Federal, mas é desdobramento da dignidade da pessoa humana e da solidariedade. O afeto tem valor jurídico, isso porque ao longo dos tempos, diante da quebra de paradigmas do direito de família, há valorização do afeto e das relações surgidas da sua livre manifestação, colando à margem a postura patrimonialista (TARTUCE, 2018).
As relações familiares devem ser analisadas dentro do contexto social e diante das diferenças regionais de cada localidade. Com base nesse apontamento, tem-se o princípio da função social da família, previsto no art. 226, caput, da CF/1988. A socialidade deve ser aplicada aos institutos de direito de família, como exemplo, deve servir para fundamentar o parentesco civil decorrente da paternidade socioafetiva, como também concluir que há outras entidades familiares, pois a sociedade muda, a família se altera e o direito deve acompanhar as transformações (TARTUCE, 2018).
De fato, como importante princípio incluso pela doutrina, como regulador das relações no âmbito familiar, e que de certa forma rege os contextos em que se dão os vínculos familiares, trazendo a ideia de comportamento probo, é o princípio da boa-fé objetiva. O Código Civil Brasileiro de 2002 foi construído a partir de três princípios fundamentais, quais sejam: socialidade, operabilidade e eticidade. A eticidade trata da valorização do comportamento probo. A socialidade está relacionada com a função social dos institutos de direito privado. O novo Código de Processo Civil também valorizou a boa-fé em vários de seus comandos, ademais a decisão judicial deve ser interpretada de acordo com a boa-fé (TARTUCE, 2018).
Na jurisprudência, tem-se a aplicação do referido princípio, a exemplo do referido julgado da Ministra Nancy Andrighi citado por Tartuce (2018, p.1333):
Nas relações familiares, o princípio da boa-fé objetiva deve ser observado e visto sob suas funções integrativas e limitadoras, traduzidas pela figura do veneri contra factum proprium (proibição de comportamento contraditório), que exige coerência comportamental daqueles que buscam a tutela jurisdicional para a solução de conflitos no âmbito do direito de família. Na hipótese, a evidente má-fé da genitora e a incúria do recorrido, que conscientemente deixou de agir para tornar pública sua condição de pai biológico e, quiçá, buscar a construção da necessária paternidade socioafetiva, toma-lhes o direito de se insurgirem contra os fatos consolidados. A omissão do recorrido, que contribuiu decisivamente para a perpetuação do engodo urdido pela mãe, atrai o entendimento de que a ninguém é dado alegrar a própria torpeza em seu proveito (nemur auditur propriam turpitudinem allegans) e faz fenecer a sua legitimidade para pleitear o direito de buscar a alteração no registro de nascimento de sua filha biológica.
O princípio da boa-fé apresenta três funções principais, a primeira é da interpretação, haja vista que os negócios jurídicos devem ser interpretados de acordo com a boa-fé e os usos do lugar da sua celebração. No tocante aos institutos familiares não há óbice para sua aplicação. A segunda função é a de controle, presente no art. 187 do CC/2002, pois a violação à boa fé objetiva configura abuso de direito e como consequência haverá responsabilidade civil independente de demonstração de culpa (TARTUCE, 2018).
Tem-se afirmado que, a cláusula geral presente no art. 187 do CC/2002 tem sucedâneo constitucional nos princípios da solidariedade, devido processo legal e proteção da confiança, aplicando-se a todos os ramos do direito. Por fim, a última função da boa-fé objetiva é a integração, prevista no art. 422 do CC/2002, não se aplica apenas nas relações negociais, mas também familiares, a exemplo das ações de alimentos em que tem incidido a supressio e a surrectio aos alimentos, concluindo pela renúncia tácita em decorrência do seu não exercício pelo credor em momento oportuno (TARTUCE, 2018).
3 CONCEPÇÃO CONSTITUCIONAL DE FAMÍLIA
O direito a liberdade é garantia fundamental exposta no art. 5º da Constituição Federal do Brasil de 1988, visando a livre manifestação de pensamento, de construção de vida conjugal, de vínculos afetivos, dentre outras nuances. A Constituição tem um capítulo que trata da família, da criança, idoso, do jovem e adolescente. Partindo da análise do art. 226 da CF/88 afirma-se que a família decorre dos seguintes institutos: casamento civil, união estável e família monoparental (TARTUCE, 2018).
Tem prevalecido na jurisprudência dos Tribunais Superiores de que o rol constitucional familiar é exemplificativo e não taxativo. Dessa forma, são admitidas outras manifestações familiares, a exemplo da família anaparental, expressão que quer dizer família sem pais, a exemplo o entendimento dado pelo Superior Tribunal de Justiça em que o imóvel em que residem duas irmãs solteiras é considerado bem de família, pelo fato delas formarem uma família (TARTUCE, 2018).
A família homoafetiva, constituída por pessoas do mesmo sexo, também é outra espécie de constituição familiar. Como é notório do Supremo Tribunal Federal, em decisão histórica no dia 5 de maio de 2011, reconheceu por unanimidade a união homoafetiva como entidade familiar. A decisão compara a união homoafetiva à união estável, para todos os fins jurídicos, tendo efeito vinculante e erga omnes (TARTUCE, 2018).
Por sua vez, família mosaico ou pluriparental, aquela decorrente de vários casamentos, uniões estáveis ou mesmo simples relacionamentos afetivos de seus membros. Utiliza-se o símbolo do mosaico devido suas inúmeras cores, as quais representam suas várias origens (TARTUCE, 2018).
De fato, essa ampliação faz que seja inconstitucional projetos de lei que busque restringir o conceito de família, como é o caso do Estatuto da Família, em tramite no Congresso Nacional, por essa proposição somente seria considerado família as entidades formadas por pessoas de sexos distintos que sejam casadas ou conviventes em união estável com seus filhos (TARTUCE, 2018).
Como forma de alargar a proteção às diferentes formas de concepção de família, leis específicas trazem conceitos abertos e ampliados, a exemplo da Lei Maria da Penha (lei 11340/2006), dispõe que família é a comunidade formada por indivíduos que são aparentados ou se consideram assim, unidos por laços parentais (naturais), por afinidade ou por vontade expressa. A Lei de Adoção (lei 13.010/2009), consagra o conceito de família extensa ou ampliada, que é aquela formada por parentes próximos com os quais a criança e o adolescente convive ou tem afinidade. Verifica-se que as novas categorias legais de família tendem a valorizar o afeto e a interação entre as pessoas no âmbito familiar (TARTUCE, 2018).
3.1 Da violação ao direito de família
O Estado detém mecanismos de proteção quando os direitos referentes às relações familiares são violados. O Constituinte por meio do seu art. 226 manifestou preocupação com a base da sociedade, que é a família. O exemplo maior é a proteção dos vínculos conjugais, em que outrora havia criado a regra da necessidade de um espaço de tempo para o casal pensar em manter a sociedade conjugal e não se divorciar. Partindo dessa premissa, verifica-se o quanto de proteção o Estado depreende em torno da família. De forma que, violações aos direitos consagrados por qualquer meio são punidos, seja na seara cível ou criminal (TARTUCE, 2018).
Em razão das mudanças de comportamentos oriundo da sociedade contemporânea alicerçada em meios de comunicação que tem como base recursos tecnológicos, houve significativas mudanças no tocante a liberdade da sexualidade e o abrandamento dos costumes éticos e morais. A família hodierna promoveu rupturas radicais com a família alicerçada em comportamentos conservadores e dogmáticos. Tal fato se deu principalmente quando o Estado se afastou mais do poderio da Igreja (TARTUCE, 2018).
Com a declaração de um Estado Laico, a igreja católica perdeu sua influência sobre a constituição da família. Foi criada a lei do divórcio (lei 6515/77), fazendo predominar a liberdade e a dignidade da pessoa humana. A família desdobrou-se em vários segmentos, tais como: família monoparental, anaparental, união estável, família homoafetiva, família constituída e mantidas por vínculos criados por meio de redes sociais (FARIAS E ROSENVALD, 2014).
Nessa toada, quanto a responsabilização civil dos danos decorrentes das violações aos direitos de família, para configurar a responsabilidade civil são necessários três requisitos, quais sejam: o dano, a culpa e o nexo de causalidade. Nessa linha, a conjugação desses três elementos serão geradores do dever de indenizar (FARIAS E ROSENVALD, 2014).
Nessa direção, os direitos da personalidade justificam a aplicação de indenização quando são violados, pois a sua observância é necessária para as relações com o ambiente social. No âmbito familiar há predominância dos direitos da personalidade, diante da convivência íntima que se opera entre os componentes. É exatamente nas relações entre pais e filhos e entre cônjuges, conviventes, onde se operam os maiores entrelaçamentos, bem como, as maiores colisões de direitos, os quais são capazes de gerar danos aos direitos da personalidade (FARIAS E ROSENVALD, 2014).
Dessa forma, toda e qualquer atividade da pessoa na ordem normativa e no âmbito familiar, precisa observar a dignidade humana em seus múltiplos componentes e os direitos da personalidade. Por sua vez, o Estado tem o dever de assegurar o cumprimento desses direitos na sua integralidade seja em que contexto for (FARIAS E ROSENVALD, 2014).
De fato, o Direito de Família é um ramo do direito privado que a dignidade da pessoa humana tem mais ingerência. Tal não significa, contudo, a impossibilidade de que se estabeleçam restrições, mas que essas não podem ultrapassar o limite imposto pela dignidade da pessoa humana. Isso é verificado nas relações entre pais e filhos, cônjuges, entre parentes, a liberdade de convivência não deve ser irrestrita, pois alguns direitos devem ser assegurados, as relações podem existir em vários contextos e de várias formas, mas não se deve esquecer da inviolabilidade dos direitos de personalidade que são inerente ao ser humano (TARTUCE, 2018).
4 A MUDANÇA NAS RELAÇÕES FAMILIARES A PARTIR DA DEMOCRACIA
A democracia é mutável, ou seja, frente às novas realidades busca se adequar às situações sociais. Dessa forma a democracia evolui conforme a concepção do que é considerado necessário pela população. Para adentrar a essa discussão, a própria criação do Estado pelo contrato social para a obtenção de paz, mostra que desde a constituição do poder do Estado contava-se com a participação e a expressão de atitudes do povo (COSTA, 2005).
A democracia foi concebida como um legado deixado pela Grécia, como relata Castro (2007), onde já nesse período as pessoas reuniam-se em praças para a discussão dos problemas na sociedade. Como a população era pequena, todos expressavam suas opiniões, prevalecendo numa decisão a vontade da maioria, compreendendo uma democracia participativa. Nesse sentido, é então entendida como governo do povo e pelo o povo.
Com a Revolução Francesa o conceito de democracia passava a se tornar mais complexo, era de ordem política, visando a liberdade política no sentido de que a população do terceiro estado participasse do governo. A energia geradora dessa Revolução se deu pela disseminação das ideias iluministas do século XVIII, essas que estabeleciam uma compreensão mais racional da realidade pelas pessoas, como o entendimento do Contrato Social de Rousseau, cuja ideia principal da existência do Estado reside no fato de que os indivíduos para viverem em sociedade sedem uma parte de sua liberdade para a convivência social. Dessa forma, as pessoas concluem que, para ter suas necessidades físicas e sociais atendidas, as dos outros precisam também ser (CASTRO, 2007).
Conforme a sociedade vai se tornando mais complexa, a ponto de as resoluções dos conflitos não tiverem mais a possibilidade de ser, pela reunião das próprias pessoas que decidiam, por maioria, as soluções, via-se a necessidade de um governo formado pela escolha do povo para representá-lo. Diante disso, preceitua Castro (2007), que a democracia não é individualista, há o reconhecimento pelo povo da necessária existência de se agrupar, para ter seus anseios atendidos, portanto é na sociedade que se cumpre a resolução dos problemas. Ora por ser ela a organizadora dessa sociedade ora por ser também criadora de mecanismos, por intermédio dos seus eleitos, para garantir os direitos individuais e coletivos, a saber: pela Constituição, leis e demais controles sociais.
Nesse contexto, as relações familiares modernas, ao menos no ocidente, minaram as bases do tradicionalismo assentado na divisão patriarcal implicando a instituição de laços democráticos nas dinâmicas familiares a partir de um modelo de cooperação. A família democrática constitui a concretização da liberdade social. Prova disso, é a subversão da divisão de tarefas a sobrepor socialmente a figura do pai em face da mãe, foi se modificando a partir do momento que a mulher passou a se inserir no mercado de trabalho. O mercado passou a ser um meio de equalizar o status do homem e da mulher dentro de um modelo democrático de família, tal reconhecimento se deu de forma paulatina depois de inúmeras lutas concretas por reconhecimento (LIMA, 2016).
Uma relação saudável entre os membros de uma família, passou a ser entendida pela necessidade de divisão de tarefas e pelo reconhecimento de todos os membros de que todos detém papel no âmbito familiar, retirando o entendimento de que apenas o homem seria capaz de obter reconhecimento. De fato, com a consideração da democracia nas relações familiares, os vínculos pautam-se no amor e na reciprocidade, excluindo desrespeitos e outras formas não saudáveis de conduzir a relação. As instituições conservadoras devem reconhecer esse novo contexto normativo, a ponto de seu rechaço significar um efeito contrário contra si mesmas como a visão de que são ultrapassadas (LIMA, 2016).
No tocante ao casamento, consoante entendimento doutrinário e legal, o divórcio põe fim ao casamento. Conforme Tartuce (2012), antes da EC 66/10, o casamento era passível de dissolução através do preenchimento prévio do lapso temporal de separação de fato ou judicial. Acentua o autor que vigorava no ordenamento jurídico, arraigado pela moral católica, o entendimento de que o tempo exigido pela lei era necessário para que o casal exercesse o arrependimento e reatasse a relação. O referido autor explica que a manutenção da sociedade conjugal era um valor; por essa razão, as leis criadas que tratavam sobre o instituto do divórcio só ganharam forma em 1977.
Segundo Diniz (2011), no período do Brasil Império, o casamento aceito era o católico, sendo regulado pelo Concílio de Trento e celebrado apenas entre os católicos. Com o passar do tempo, houve um crescimento da população acatólica em razão da imigração no país. A Igreja, pretendendo não perder fiéis, incentivou a edição da Lei 1.144 de 1861, que regulava o casamento entre não católicos. Assim sendo, acentua a autora que, passou-se a ter três tipos de atos nupciais: o casamento entre católicos, o casamento entre católico e acatólico e o casamento entre acatólicos.
Conforme Farias e Rosenvald (2014), quando o Brasil se tornou República, houve a cisão da Igreja com o Estado, passando o país a ser laico e, em consequência, a instituição do casamento civil como único ato nupcial válido juridicamente, o qual vinha previsto no texto da Constituição Federal de 1891. O Código Civil de 1916 consolidou o casamento civil sem fazer menção ao casamento religioso; assim, o casamento que tinha efeitos jurídicos seria aquele celebrado de acordo com a lei, sendo consideradas as relações entre as pessoas que se casavam no religioso como mero concubinato (DINIZ, 2004 apud ALVES, 2010). Com a Constituição Federal de 1934, o casamento religioso passou a ter efeitos civis, desde que se fizesse o devido registro civil. Atualmente, na vigência da Constituição de 1988, são atribuídos ao casamento religioso os efeitos civis, se feito o devido registro e observado o procedimento do Código Civil de 2002 (ALVES, 2010).
Explanado o esboço histórico do casamento, passa-se a apontar um conceito para esse instituto, o que dependerá da natureza jurídica recepcionada pelos doutrinadores, se ato jurídico ou negócio jurídico. Por exemplo, Alves (2010) entende que o casamento é tanto um negócio jurídico entre duas pessoas, que selam interesses comuns de vida quanto ato jurídico, porquanto, celebrado nos ditames da lei que o rege e na observância das normas de ordem pública. Já Farias e Rosenvald (2014) entendem que o casamento seria um ato jurídico, pois decorre da vontade das partes, que está vinculada aos limites da lei.
Ocorre que, ao manifestarem interesse em casar, as partes devem ser fiéis às regras legais não podendo dispor de direitos e deveres atinentes ao casamento (FARIAS e ROSENVALD, 2014). Por isso, entendem esses juristas que o casamento não é negócio jurídico, porque as partes não têm a liberalidade comum aos contratos. Pelo contrário, asseveram que, apesar dos nubentes terem a liberdade de escolha de regime de bens, com quem casar e quando, dentre outras escolhas, sempre estariam vinculados ao mínimo de intervenção do Estado.
Esclarece Diniz (2011) que o divórcio no país passou a ser regulamentado a partir de 1977; isso significa que até esse ano não era possível juridicamente haver um novo casamento. Antes, o que chegava mais perto do divórcio era o desquite, mas as pessoas não podiam casar-se novamente. A partir de 1977, havia a possibilidade das pessoas divorciarem-se, porém apenas uma única vez e desde que observado o prazo de 03 (três) anos de prévia separação judicial (ALVES, 2010). Então, aqueles que tinham a intenção de se divorciar deveriam requerer a separação judicial e aguardar o prazo para requerer o divórcio. Além disso, o cônjuge deveria comprovar a culpa do outro pelo término do casamento, caso contrário, a ação carecia de interesse processual (FRANCISCO, 2014).
A partir da Constituição Federal de 1988, conforme Farias e Rosenvald (2014), modificações pontuais ocorreram no âmbito do divórcio. Tais transformações se deram porque a Carta Magna trouxe inúmeras garantias para o cidadão no tocante à promoção de sua dignidade humana, elevando, para isso, os direitos civis ao patamar constitucional. O ser humano seria alvo das garantias constitucionais e as normas divergentes ao texto da Constituição não encontrariam eficácia no ordenamento jurídico.
Assim sendo, como principais e mais importantes acontecimentos apontados por Farias e Rosenvald (2014), tem-se a redução do prazo para requerer o divórcio, que passou de 03 (três) anos para 01(um) ano, após prévia separação judicial. Outra alteração importante, indicada por Francisco (2014) foi a inserção no ordenamento jurídico da figura do divórcio direto, aquele que não necessita de conversão da separação judicial em divórcio, bastando para tanto a comprovação de 02 (dois) anos de efetiva separação de fato.
Dentre essas modificações, a Lei ordinária 11.441/07 inseriu no Brasil a figura do divórcio extrajudicial, também chamado de divórcio administrativo. Segundo Francisco (2014), essa espécie de divórcio seria feita no próprio cartório com a presença de advogado e preenchidos alguns requisitos básicos, tais como o consentimento do casal quanto ao divórcio e a partilha de bens, não haver filhos menores ou incapazes, bem como o lapso temporal de 2 (dois) anos para requerer o divórcio. Assim, nos casos de litígio, havendo filhos menores ou incapazes, o procedimento do divórcio deveria ser pela via judicial, depois de dois anos de separação de fato ou um ano de separação judicial (DINIZ, 2011).
Outro ponto importante sobre o divórcio foi trazido pela EC 66/10, que alterou a redação do parágrafo 6º do art. 226 da CF/88. Segundo Gonçalves (2014), com a emenda, extinguiu-se a modalidade de divórcio por conversão, só sendo possível tal divórcio para aqueles cônjuges que já estavam separados judicialmente antes da vigência da emenda. Entende o mencionado autor que também não convém mais falar em divórcio direto, porque o divórcio por conversão não seria mais necessário, havendo apenas o divórcio consensual, o divórcio litigioso e o divórcio administrativo, que também foi atingido pela emenda no tocante à inexigibilidade de lapso temporal.
Com efeito, antes dessa Emenda, as formas de extinção do casamento que existiam no Brasil era a morte ou o divórcio, porque o casamento era entendido como algo sagrado ainda influenciado pela religião (FRANCISCO, 2014). Sendo que, a dificuldade dos cônjuges separarem-se estava fundamentada em uma moral religiosa, que não mais se coaduna com um Estado laico (GONÇALVES, 2014). Por tudo isso é que Farias e Rosenvald (2014) entendem ser ilógica a manutenção da separação judicial no Brasil, pois a lei não pode ser empecilho para a dissolução do casamento exigindo lapso temporal para o divórcio. Ademais, esclarece Gonçalves (2014), que a evolução do ordenamento jurídico baseia-se na interferência mínima do Estado na vida privada e na liberdade das pessoas.
Noutro passo, conforme Guerreiro (2014), o Novo Código de Processo Civil, já sancionado pela Presidente do Brasil e com vigência para o ano de 2016 (dois mil e dezesseis), não excluiu do sistema jurídico a figura da separação judicial, colocando-a como mais uma alternativa à disposição dos cônjuges que querem se separar. Nesse mesmo sentido, a notícia publicada em março de 2015 pelos juristas do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM corrobora a publicação de Guerreiro (2014). De fato, o novo CPC entende que a separação judicial é mais uma das opções dos cônjuges; esses podem preferir se divorciar diretamente ou separarem-se primeiramente e, depois, converterem a separação em divórcio.
O instituto do divórcio, atualmente, tende a materializar o direito garantista, da liberdade humana de autodeterminação (FARIAS e ROSENVALD, 2014). Nesse sentido, cada pessoa tem o direito de promover o fim da comunhão de vida, de forma que qualquer restrição à ruptura do vínculo conjugal não fará mais do que convalidar casamentos em crise, atentatórios às garantias constitucionais de cada uma das pessoas envolvidas na relação. É o que entendem os autores Farias e Rosenvald (2014, p. 375):
Por isso, com as lentes garantistas da Constituição da República, é preciso, sem dúvida, enxergar a dissolução do casamento (agora simplificada pela Emenda Constitucional 66/2010) com uma feição mais ética e humanizada, compreendendo o divórcio como um instrumento efetivo e eficaz de promoção da integridade e da dignidade da pessoa humana. Essa humanização implica, inclusive, em evitar a excessiva exposição da intimidade do casal, fazendo que com que o divórcio esteja sintonizado em um novo tempo, no qual a dignidade do ser humano sobrepuja os formalismos legais.
Nessa toada, conforme Gagliano (2014), o ordenamento jurídico tem deixado as questões relativas à forma de dissolução da vida matrimonial aos próprios cônjuges, por se tratar de direito substancialmente privado, dependente apenas da vontade do casal ou mesmo de um deles. Sendo assim, as inovações quanto ao instituto do divórcio são reflexo do contexto social contemporâneo, que exige uma legislação menos autoritária e mais fundamentada na concretização da dignidade humana.
5 LIBERDADE E A MUDANÇA DE COMPORTAMENTO
A liberdade se dissemina por diferentes vias ao longo do tempo, pois está arraigado as transformações econômicas, tecnológicas, sociais, bem como, as formas de conviver em sociedade com a novidade, e de utilizar essas mudanças como veículo na condução de suas vidas (MORE, 2007).
A concepção do termo liberdade a partir da Revolução Francesa tem como fundamento os anseios da sociedade da época, a saber: alcançar liberdade, pois a sociedade estava inconformada com o sistema de exploração para manutenção daqueles que ocupavam status de poder mais elevado. Nesse sentido, seria ter independência e uma melhor condição de vida frente aquele sistema.
Para esclarecer esse conceito se faz necessário uma retomada à percepção de liberdade na antiguidade. Conforme More (2007), a liberdade era pautada na participação do cidadão na discussão política, nesse sentido não vislumbrava todas as pessoas da época, mas tão somente homens livres, os outros, como escravos, mulheres, crianças, idosos, não tinham poder algum de decisão na coisa pública. Já na modernidade a liberdade ganha outro sentido, torna-se um direito do indivíduo e um dos princípios da democracia moderna.
Nesse sentido, Castro (2007), esclarece que qualquer grupo social que requer que sejam atendidos os seus interesses seja pelo poder público, seja pela lei, decretos, são considerados grupos de pressão, assim são fatores benéficos ao regime democrático. Porém elucida que, o modo como é exercido até chegar essa satisfação do pedido do grupo se dá ou por persuasão ou ameaça.
A persuasão se reveste nos jornais, entrevistas, em livros, televisão, congressos, e porque não estender essa interpretação a grande divulgação feita pelo meio de comunicação que mais tem transmitido ideias, e que tende a tornar as relações sociais cada vez mais próximos por conta de sua viabilidade, fala-se atualmente em um mundo virtual, a internet favorece ao fortalecimento de mudanças de padrões de comportamento que influem na modificação das relação familiares (CASTRO, 2007).
As relações tem mudado com frequência, tornando-se evidente, pois não se fala mais da família constituída pelo homem e a mulher através do casamento. Atualmente, já se torna possível a convivência com famílias homoafetiva, monoparentais, pluralizando o conceito de família (TARTUCE, 2018).
Registra-se que tais modificações ocorreram com a pressão da sociedade em decompor os entendimentos legislativos e da sociedade conservadora sobre as concepções certas de ser família. Com a liberdade de pensamento dada pela Constituição Federal de 1988, dentre outras garantias, a sociedade passa a ter maior poder em reclamar por mudanças condizentes com sua época, pois os modelos expressos não mais as representavam (TARTUCE, 2018).
6 REDES SOCIAIS COMO MECANISMO DE FORMAR VÍNCULOS
A palavra virtual tem sua origem no étimo virtualis, do latim medieval que significa existir em potência. Toda entidade capaz de gerar manifestações concretas, sem estar presa a um determinado lugar e tempo confere uma entidade virtual. Assim, há pessoas que mesmo distantes, e ainda que por meio de um computador, provocam reações umas nas outras (TERZIS E DONNAMARIA, 2009).
De acordo com Schreiner (2016), as construções familiares tem sofrido grande influência das tecnologias de comunicação via internet. Isso tem trazido novos contextos de composições familiares, pois as novas tecnologias permitem o acesso a várias formas de aprendizagem. Hodiernamente, muitas relações familiares se organizavam através da tela de um computador ou de um celular. De certo, a virtualização alude a possibilidade de dissociar-se do real, do físico e palpável.
O homem no decorrer do tempo tem utilizado dos recursos disponíveis em seu meio, bem como aprimorando-os a cada dia. Um dos mecanismos mais atuais é a internet. Tem objetivo de tornar mais fácil o acesso a informação, como também conjugar afinidades, na medida em que as pessoas ficam mais interligadas à rede, passam a ter um leque de oportunidade de se relacionarem com maior facilidade e formar vínculos conjugais, inclusive (TERZISI E DONNAMARIA, 2009).
As redes sociais, são relações que as pessoas criam durante as experiências de suas vidas, seja na escola, trabalho, faculdade, enfim uma gama de relações que surgem frente às situações que aparecem. Para esses autores, essas relações formam redes sociais na medida em que fomenta um todo coeso, isto é, um grupo que apesar de suas diferenças individuais, têm expectativas semelhantes. Fazem uma distinção em três tipos de redes, a saber: redes de confiança, são redes que compartilham informações restritas a determinado número de pessoas; redes de trabalho, que utilizam estruturas informais para a possibilidade de contato entre os indivíduos; e as redes de comunicações que fornece a transmissão informal de informações do trabalho exercido regularmente (MARTELETO, 2001).
Nesse sentido, dentro das ciências sociais, essa informalidade em rede se tornou uma forma de organização da vida social. Ela é produto da contemporaneidade, caracterizada por relações sociais amplas devido a globalização, assim as pessoas organizam suas ações nos espaços políticos, e essas estão presentes graças a socialização, que atualmente se tornou inevitável por conta da possibilidade de diversos modos de comunicação (MARTELETO, 2001).
Diante de tal fato, coloca-se em pauta o pensamento de Tocqueville citado por Alves (2011) no sentido de dizer que a sociedade democrática tende a se tornar social e politicamente conservadora, ainda que contenham uma característica de gerar conflitos no âmbito social e político, pois ela nunca poderia estar satisfeita com a realidade que predomina, mesmo contendo um aspecto conservador. No decorrer dessa reflexão, pode-se entender com esse pensamento que a sociedade em seu processo de mudança encontra-se limitada quanto às suas ações quando refere-se a moral, costumes, não obstante essas estarem enraizados nas bases de qualquer grupo familiar.
Deste modo, é verídico que os movimentos sociais têm uma base conservadora, mas também com aspiração de provocar mudanças. O que não difere de Marteleto (2001), pois concebe esses movimentos como uma ação coletiva, que deve ter algum objetivo no tocante à transformações para alcançar suas pretensões no grupo. São pessoas que se unem para atingir a realização do objetivo daquela categoria, ao mesmo tempo em que realizam os seus objetivos. Em consonância com Michener; Delamater; Myers (2005), pois entendem que os objetivos dentro do grupo são compartilhados porque todos os integrantes participam. Neste sentido, a probabilidade de ser gerada por eles uma defesa para o próprio grupo é maior a ponto de desconsiderar o outro grupo (discordante daquelas ideias defendidas), gerando conflitos.
É necessário verificar que se fala em grupo, como a união de pessoas para a defesa de alguma necessidade, seja fisicamente ou por outro meio, assim infere Marteleto (2001) quando diz que há novos movimentos sociais, diferentes daqueles formadas em reuniões, passeatas, enfim, nas formas mais tradicionais de reivindicações das pessoas. E esses, têm como função principal construir a democracia, por ser esse um sistema que aponta para a liberdade e igualdade.
Reinaldo Filho (2010) confere verdade aos novos movimentos sociais, quando patenteia que a sociedade está passando por uma evolução, que tem no desenvolvimento tecnológico o veículo para a modernidade. Essa emergiu na Europa a partir do século XVII e contagiou todo o mundo com sistemas que facilitaram a vida do homem, como o Estado-Nação e o trabalho assalariado. Infere-se que, atualmente há uma nova ordem social pautada no favorecimento que o avanço das tecnologias tem feito para propagar a informação, contribuindo para um novo estilo de vida e formas de relações interpessoais. Assim, a informática tem contribuído para dar nova roupagem a formas de relacionamento humano contribuindo para o fenômeno da globalização.
Mudou-se de um sistema social baseado na manufatura, para um sistema social baseado na informação. Essa, como meio de divulgação e criação de conhecimento, hoje, influencia diretamente nas relações de consumo, econômicas e culturais. Trouxe como benefício a supervalorização do conhecimento, ao ponto que somente por meio dele, seja possível obter uma sociedade que opere democraticamente. Diante desse fato, esse autor, denomina esse novo sistema social, chamando-a de sociedade em rede, pois a Internet seria para ele mais do que um meio de comunicação, mas a forma propícia a organizar as sociedades (REINALDO FILHO, 2010).
A internet detém a possibilidade de pessoas interagirem com outras, o que difere dos outros meios clássicos de disseminação de comunicação e informações, como o jornal, TV, revista, o rádio ou telefone, enfim ela oferece a oportunidade das pessoas se comunicarem desconsiderando o espaço terrestre, por esse motivo Reinaldo Filho (2010), expõe que a internet remete a um processo de “desterritorialização”, esse se refere ao entendimento que, os homens não se deslocam fisicamente para se comunicar, há, no entanto, um deslocamento mental.
Isso ocorre porque, de acordo com Galli (2002), a Internet dispõe de vários recursos democráticos para o acesso a informações, como os links, que tornam a comunicação mais rápida por meio da busca automática, ocasionando um conhecimento sobre as várias formas de pensar espalhadas pelo mundo acerca daquele tema. Deste modo, entende-se que grande parte dos avanços tecnológicos tem como escopo tornar mais fácil a vida humana, por esse motivo faz-se vários aprimoramentos tanto de programas, quanto no próprio designer dos aparelhos para que o porte deles seja mais constante e hábil.
Pode-se verificar com toda essa facilidade, que a vida humana passou a ser programada também virtualmente, o agendamento de reuniões, de encontros, de discussões sobre diversos temas e participação simultânea das pessoas de diversos estados, nacionalidades e culturas em redes sociais tem aproximado populações. Assim, funcionam como veículos poderosos de um sistema democrático-representativo, tanto são que a economia, a política e o mercado utilizam delas para crescer e expandir-se (GALLI, 2002).
Nesse sentido, chegou-se a um estágio de relações humanas que seriam incapazes de existir sem esse ambiente tecnológico. Dentro desse emaranhado de riquezas que possibilita a essa ampla comunicação. Neste enfoque, verifica-se, conforme Fernandes (2011), que o conceito de comunidade também expandiu de um emaranhado de ações comuns partilhadas entre pessoas de semelhante crença e expectativas, para a de um mundo “não físico” (comunidade virtual).
Segundo Recuero (2002) fala-se em uma nova forma de socialização, pautada na realidade virtual, essa não está longe da situação presente, pelo contrário, os laços sociais advindos dela são tão reais quanto aqueles construídos com as pessoas que estão próximas. Tão verídico é, que as pessoas utilizam desse meio para reclamar seus direitos, como também para realizar seus crimes. No entanto, quanto aqueles, são frutos de um meio de socialização virtual bem mais real e forte do que muitos grupos de pessoas que se reúnem em uma praça pública para discutir seus problemas.
Verifica-se que a comunicação virtual em redes sociais tem como principal meta, além das demais que vão desde a divulgação de informações até os vários modos de afinidade realizados na internet, tal como a comunicação entre os entes de uma mesma família e outras pessoas que por meio das redes passam a interagir naquele contexto (RECUERO, 2002).
Entretanto, ao lado desse importante meio democrático de fortalecimento de vínculos, está o perigo ao uso excessivo da internet, principalmente quanto aos filhos. As crianças e adolescentes são estimulados a se imergirem na realidade virtual, nas redes sociais, entretanto isso faz com que eles passem a maior parte do tempo conectados em substituição à presença dos pais. Esses por sua vez, tendem a se comunicar pouco com os filhos ou passam a mudar seu comportamento também se adequando ao meio tecnológico, a fim de interagir com os descendentes. Dessa forma, tanto pais como filhos tem uma convivência deteriorada (ALVES, 2017).
Outra questão levantada é quanto a formação de vínculos conjugais pela internet e a manutenção dos mesmos. Isso porque, no meio virtual o contato físico é substituído dando ensejo a uma nova forma de relacionamento: o relacionamento virtual. Torna-se possível a possibilidade de manter vínculos afetivos paralelos sem estabelecer um compromisso, abrindo espaço para infidelidade. Entretanto, os atos invasivos de direitos ou mesmo desabonadores da honra são responsabilizados, com fundamento na Constituição Federal Brasileiro de 1988, em seu art. 5º, incisos V e X, pois há o dever de reparar o dano causado à honra, patrimônio e a imagem de outrem. Mesmo que a princípio tais vínculos sejam fracos, mas o ordenamento jurídico garante o dever de indenizar pela lesão a direitos sofridos por aquele que pensava em manter um vínculo conjugal ou mesmo de união estável (GOMES, TEXEIRA FILHO, 2016).
Além disso, o vínculo formado nas redes influi também no processo civil, como meio de prova para demonstrar a existência de direitos, são considerados pela literatura como sinais exteriores de riqueza, mencionados nas ações de alimentos, ações de divórcio, reconhecimento e dissolução de união estável e partilha de bens. Outros documentos também são importantes para o processo, mas caso não tendo outras alternativas para demonstração do fatos alegados, busca-se aqueles que estão nas redes sociais (FREITAS, 2015).
De fato, o acesso às tecnologias de comunicação possibilitou novas práticas comunicativas, como os relacionamentos no ambiente digital e a criação de comunidades online. Se tornou parte do cotidiano das famílias contemporâneas interagir por meio das redes sociais, plataformas de chamadas de voz e vídeo (MUNIZ e MACHADO, 2018).
Como se verifica na literatura, a família é a primeira associação comunitária das pessoas. Nessa toada, as redes sociais constituem meios de comunicação para pessoas unidas por parentesco ou afinidade, por essa razão a importância de considerar a construção das relações mediadas por meio da internet. A teoria da antropologia digital de tradição inglesa defende que a interação decorrente das tecnologias digitais é tão verdadeira quanto o contato presencial. Dessa forma, pode afirmar que, as experiências familiares online produzem subjetividade nos indivíduos e se entretêm aos vínculos presenciais, podendo afetá-los como ser afetadas por eles (MUNIZ e MACHADO, 2018).
De acordo com Turkle (1999) apud Terzisi e Donnamaria (2009) registra que as pessoas que se relacionam por meio da internet expressam um desejo de tornar mais fácil acesso entre o real e o virtual. A forma de se vincular nas redes sociais é reflexo de como o homem enxerga seu dia a dia.
Verifica-se que o modelo nuclear e a heterogeneidade das novas configurações das famílias no contexto atual põem relevância sobre as redes familiares, as quais não são construídas apenas por laços sanguíneos, mas também por noções de solidariedade. Ao considerar o parentesco nas análises sobre a família, denota-se que não se trata de algo hegemônico, mas sim de que cada cultura tem o conceito do que seja parentesco e a forma de constituí-lo. De fato, o que é comum é o pertencimento intersubjetivo, o qual mantém a união do grupo familiar. Assim, o parentesco pode ser estabelecido por vínculo sanguíneo, experiências sociais compartilhadas ou os dois, ou mesmo decorrente de um processo de afinidade (MUNIZ e MACHADO, 2018).
No cenário atual, a existência, além do presencial, é outra noção que tende a explicar o parentesco e as famílias contemporâneas. Estudos antropológicos denotam que as pessoas não precisam ficar restritas a laços de sangue, pois relacionamentos são uma construção social constituídos na vida cotidiana. As pessoas percebem, no dia a dia, a falta de rigidez do parentesco, e verificam que pode ser construído e desconstruído culturalmente, especialmente em um contexto de pluralidade de arranjos familiares (MUNIZ e MACHADO, 2018).
As famílias não existem a partir de modelos prefixados, são construídas no decorrer do tempo, diante das modificações de pensamento e percepção da realidade da época. Da mesma forma, a comunicação familiar é importante para a organização humana. Estudos apontam que a comunicação familiar se refere a negociação dos relacionamentos entre seus membros. Nesse ensejo, a família é modificada ou dissolvida por meio da interação. Todos os comportamentos verbais ou não verbais, entre os membros de uma família são compreendidos como comunicação, a qual tem o objetivo de estabelecer regras, fortalecer vínculos e principalmente administrar conflitos (MUNIZ e MACHADO, 2018).
Galvin e Braithwaite (2014) apud Muniz e Machado (2018) realçam que o entendimento de que as famílias atuais são decorrentes da interação social leva à compreensão de que são dependentes do discurso. A comunicação é fator preponderante para definir quem está dentro daquele âmbito familiar. Os indivíduos são envolvidos em rituais relevantes para a coesão familiar, tais como comemoração de aniversários, de feriados. Registra-se que, nesse contexto, o modelo familiar nuclear tem perdido a hegemonia dando espaço a dependência do discurso, de comunicação.
A internet tem proporcionado novas formas de conexões interpessoais no contexto familiar, não só para os parentes distantes em termos geográficos, mas também para os próximos e até mesmo do convívio diário. As mídias sociais tem ocupado um espaço na vida das pessoas, afetando seu dia a dia e a forma de se comunicar, assim tendem a influir na forma de pensar o mundo, sobre também relacionamentos e a construção de identidades individuais e coletivas. A antropologia digital defende que a internet não tornou as pessoas mais mediadas, pois até mesmo uma conversa presencial é mediada por meio dos processos de comunicação. Assim sendo, o meio virtual somente deixa mais evidente a mediação (MUNIZ e MACHADO, 2018).
O relacionamento entre os membros das famílias no ambiente virtual, por meio de redes, pode ser harmonioso mas também conflitante, assim como ocorre no contato face a face. As mídias digitais proporcionam uma sensação de compartilhamento de espaço físico, devido os recursos visuais que transmitem realismo. O universo digital pode revelar qualidades e defeitos não só daqueles que estão longe geograficamente, mas também de parentes que convivem fisicamente no dia a dia (MUNIZ e MACHADO, 2018).
Apesar das transformações que poderiam abalar a família, ela não se dissolve em razão dos recursos tecnológicos, mas sim se inova. Isso porque nem mesmo a flexibilidade dos modelos de família afetiva, nem a fugacidade dos casamentos, a decisão dos casais de não ter filhos conduziram essa organização social a um fim. Isso porque a família é algo buscado por todos, seria ela um lugar de resistência frente um mundo globalizado que impõe condições desfavoráveis aos seus indivíduos (MUNIZ e MACHADO, 2018).
De acordo com Thomazini e Goulart (2018), a partir da inclusão maciça da internet no cotidiano das pessoas, houve modificações nos relacionamentos, sobretudo no âmbito familiar. O desejo por tecnologias tem impactado as relações familiares e trazendo novos significados ao vínculo afetivo criado entre pessoas de uma mesma família.
Hodiernamente as famílias contemporâneas tem utilizado a internet e os equipamentos eletrônicos tem reflexos no funcionamento familiar. As redes sociais virtuais tem comprometido o diálogo familiar, encobrindo dificuldades de relacionamento, principalmente, entre pais e filhos e casais. Isso devido a rotina intensa das famílias, que leva seus integrantes a passarem a maior parte do tempo fora de casa, também colabora para o uso crescente de eletrônicos. Em razão desse comportamento é comum os pais, por exemplo, monitorar seus filhos, o que tem substituído o diálogo pessoal (THOMAZINI E GOULART, 2018).
Verifica-se que, o excesso de informações, de recursos tecnológicos e a rotina tendem a facilitar para que as relações aconteçam em uma velocidade maior, mas com menos qualidade e interesse que continuem. No dia a dia as conversas, relatos dos filhos, confidencias sejam cada vez mais difíceis de ocorrer com regularidade, sendo comum até que pais desconheçam gostos, interesses, desenvolvimento escolar dos filhos. Dessa forma, o uso de equipamentos eletrônicos nos lares brasileiros é um fato que precisa ser dominado para que haja o desenvolvimento saudável da família (THOMAZINI E GOULART, 2018).
6.1 Direito de família e as redes sociais
O direito de família é uma tentativa de organizar as relações existentes entre seus integrantes. A sociedade ocidental é regida ainda pelo princípio da monogamia, assim muito do que se discute atualmente é em torno do dever de fidelidade. Dessa forma, falar em monogamia é ressaltar os valores de uma vida conjugal, quais sejam: respeito, honestidade, confiança. Tais valores são, inclusive, considerados deveres do matrimônio compreendidos no art. 1.566 do CC/2002 (GOMES E TEIXEIRA FILHO, 2016).
A internet veio a ser um meio para aqueles que estão distantes se relacionar, o contato físico passou a ser substituído pela troca de segredos e fantasias, dando ensejo a uma nova forma de relacionamento que é chamado de namoro virtual. Frente essa nova realidade, tornou-se comum que usuários das redes sociais tenham relacionamentos paralelos sem compromisso, e possam ao mesmo tempo se relacionar com outra pessoa presencialmente, o que se chama infidelidade virtual (GOMES E TEIXEIRA FILHO, 2016).
No tocante a responsabilidade civil, o cônjuge que trai o seu parceiro, por meio de outro relacionamento, ainda que virtual, pode ser responsabilizado. O dever de lealdade exigido, bem como a compreensão atual de que mesmo não havendo o contato físico ou mesmo conjunção carnal, a troca de mensagens escondidas, configura manutenção de um relacionamento virtual, sendo, portanto, considerada infidelidade, o que acarreta sua responsabilização (GOMES E TEIXEIRA FILHO, 2016).
Observa-se que, poderá ser ajuizada, além do divórcio, pedido de danos morais. Entretanto, grande dificuldade são as provas de que o cônjuge tem relacionamento com outra pessoa por redes sociais, pois há a garantia constitucional da inviolabilidade da intimidade e da vida privada. Por essa razão, não se pode fazer uso de informações obtidas por meios ilícitos para provar a infidelidade virtual. Entretanto, mesmo com essa dificuldade não há a impossibilidade de produção de provas, a exemplo do referido julgado, citado Gomes e Teixeira Filho (2016):
TJDF DIREITO CIVIL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – DANO MORAL – DESCUMPRIMENTO DOS DEVERES CONJUGAIS – INFIDELIDADE – SEXO VIRTUAL (INTERNET) – COMENTÁRIOS DIFAMATÓRIOS – OFENSA À HONRA SUBJETIVA DO CONJUGE TRAÍDO – DEVER DE INDENIZAR – EXEGESE DOS ARTS. 186 E 1.566 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 – PEDIDO JULGADO PRECEDENTE. […] Se a traição, por si só, já causa abalo psicológico ao cônjuge traído, tenho que a honra subjetiva da autora foi muito mais agredida, em saber que seu marido, além de traí-la, não a respeitava, fazendo comentários difamatórios quanto à sua vida íntima, perante sua amante, afirma a sentença. As provas foram colhidas pela própria esposa enganada, que descobriu os e-mails arquivados no computador da família. Ela entrou na Justiça com pedido de reparação por danos morais, alegando ofensa à sua honra subjetiva e violação de seu direito à privacidade. Acrescenta que precisou passar por tratamento psicológico, pois acreditava que o marido havia abandonado a família devido a uma crise existencial. Diz que jamais desconfiou da traição, só comprovada depois que ele deixou o lar conjugal. Em sua defesa, o ex-marido alegou invasão de privacidade e pediu a desconsideração dos e-mails como prova da infidelidade. Afirma que não difamou a ex-esposa e que ela mesma denegria sua imagem ao mostrar as correspondências às outras pessoas. Ao analisar a questão, o magistrado desconsiderou a alegação de quebra de sigilo. Para ele, não houve invasão de privacidade porque os e-mails estavam gravados no computador de uso da família e a ex-esposa tinha acesso à senha do acusado. Simples arquivos não estão resguardados pelo sigilo conferido às correspondências, conclui. (Proc. nº 2005.01.1.118170-3 TJ-DFT TJDF, Sentença proferida pelo Juiz Jansen Fialho de Almeida).
Atualmente, de acordo com Neves (2018), a produção de prova quando se trata de relações via internet, tem sido discutido nos tribunais, porém de forma pouco sedimentada, cada juízo tem um posicionamento diferente. O que vem sendo um entendimento comum é o uso da ata notarial, previsto no art. 384 do Novo Código de Processo Civil, o qual prevê:
A existência e o modo de existir de algum fato podem ser atestados ou documentados, a requerimento do interessado, mediante ata lavrada por tabelião. Parágrafo único. Dados representados por imagem ou som gravados em arquivos eletrônicos poderão constar da ata notarial.
No tocante a liberdade de apreciação da prova, há no CPC o art. 371, mas mesmo assim deve haver cautela com os conteúdos postados, para não configurar Fake News. Mesmo com a livre apreciação da prova, e com as garantias constitucionais, tais como inviolabilidade da vida privada, deve ser levado em consideração que há também necessidade de um justo processo, sendo possível demonstrar questões que ocorrem virtualmente sem violar direitos fundamentais (NEVES, 2018).
Outro tema do direito de família que tem passado por grandes mudanças com o uso das redes sociais, via internet, é o direito de visita dos pais em relação a seus filhos. O direito a visita virtual tem sido defendida em vários países. Ela é um meio eficaz do pai ou mãe manter contato com o filho, o que não implicaria na restrição do direito ao contato físico, mas promover uma maior convivência quando não pode se ver pessoalmente (GOMES E TEIXEIRA FILHO, 2016). O direito de visitas é disciplinado no Código Civil brasileiro em seu art. 1589, o qual dispõe: “o pai ou a mãe em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visita-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação".
O exercício do direito de visita também pela via virtual diminui os efeitos da alienação parental, nas situação em que um dos genitores busca impedir o contato do filho com o outro, usando argumentações abusivas que atrapalha o vínculo saudável, entre aquele que não tem a guarda e seu filho. Além do direito de visita ser ampliado, o contato virtual fornece maior frequência, principalmente quando o genitor mora distante e não consegue acompanhar de perto seu filho, preservando, portanto, os laços afetivos (GOMES E TEIXEIRA FILHO, 2016).
Conclusão
O direito de família pode ser considerado um dos institutos mais inovadores dentro da órbita jurídica, pois à medida que a percepção da sociedade vai se modificando acerca de algum tema, o direito deve se adaptar à nova realidade. Nessa perspectiva, pode-se inferir que as redes sociais mediadas pela internet, são veículos da participação ativa das pessoas na construção de opiniões e conceitos sobre temas diversos em um mundo globalizado. São entendidos como meios de comunicação que possibilitam a interação de grande quantidade de pessoas em debates sobre temas múltiplos.
A internet, trouxe avanços à humanidade. Porém, não pode ser utilizada como instrumento de desequilíbrio das relações familiares. Caso haja algum desequilíbrio ou violação de direitos, a indenização tem caráter legítimo e legal em decorrência dos constrangimentos e vexames causados.
Pela revisão da literatura a maior parte dos autores concordam na importância das redes sociais como mediadoras para ampliação dos vínculos familiares, também pela formação de vínculos conjugais relacionamentos e a possibilidade de ampliar o contato entre pais e filhos que se encontram distantes.
Nesse sentido, o uso das redes sociais, mesmo que existam aqueles que a utilizem desvirtuando a sua essência, ainda assim, fornecem a ampliação dos direitos, haja vista que a sociedade teve que se adaptar a essa nova forma de se relacionar e interagir no mundo. Os pais tiveram que se adaptar ao meio para entender o posicionamento dos filhos, a fim de estreitar vínculos e compreender o que seus filhos entendem.
De outro forma, os autores mencionam a necessidade de conceber a importância das relações via redes sociais e a implicância disso para o direito. Isso porque, com a facilidade de formar novos vínculos, existe a possibilidade de ser mantido um relacionamento virtual, quando um das pessoas já tem um relacionamento real, configurando a infidelidade virtual, e portanto, repercutindo na responsabilidade civil.
A internet tornou democrático o acesso a informações e há uma maior interação entre as pessoas. Assim, revela-se uma nova face do sistema democrático que tem na internet a responsabilidade de tornar próxima a realidade social do texto constitucional. Assim, esse estudo possibilita para a sociedade, o entendimento que as redes sociais exercem uma função social e influem nas relações e vínculos familiares, pois é uma nova forma de se pensar e interpretar os institutos do direito de família.
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Bacharel em Direito pela Christus Faculdade do Piauí – CHRISFAPI; pós-graduada em Direito Penal e Processo Penal pela faculdade CHRISFAPI; pós-graduada em Direito da Família pela Universidade Cândido Mendes – UCAM.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FONTENELE, Maria Letícia de Brito. Construções de vínculos familiares e a influência da internet inserida no contexto atual: análise jurídico-doutrinária Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 jul 2022, 04:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/58885/construes-de-vnculos-familiares-e-a-influncia-da-internet-inserida-no-contexto-atual-anlise-jurdico-doutrinria. Acesso em: 24 nov 2024.
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