RESUMO: O presente artigo analisa a evolução da jurisprudência acerca violência em razão do gênero na Corte Interamericana de Direitos Humanos. Para tanto, utilizou-se da metodologia de pesquisa jurisprudencial, sendo colacionados os fundamentos das decisões mais importantes no que tange à temática, a fim de mapear os conceitos estabelecidos e a direção do aprofundamento das discussões acerca da violência de gênero nos países que compõe a Organização dos Estados Americanos que ratificaram a Convenção Americana de Direitos Humanos e a Convenção de Belém do Pará. Constatou-se, do levantamento realizado, que os países do sistema interamericano, em sua maioria, são palco de violência estrutural de gênero que culminam em graves violações de Direitos Humanos, como a dificuldade de acesso à justiça e a utilização de violência sexual como instrumento de tortura e controle social. Conclui-se, pois, que embora seja muito relevante esse reconhecimento pela Sistema Interamericano de Direitos Humanos, para alterar o cenário é necessário, mais do que a punição de violadores dos direitos humanos, efetiva alteração de paradigma quanto à discriminação de gênero nos mais diversos âmbitos sociais e institucionais.
Palavras-chave: Corte Interamericana de Direitos Humanos; discriminação de gênero; violência estrutural de gênero.
ABSTRACT: This article analyzes the evolution of jurisprudence on gender-based violence in the Inter-American Court of Human Rights. In order to do so, it was used the jurisprudential research methodology, and the foundations of the most important decisions regarding the theme were placed, in order to map the established concepts and the direction of deepening the discussions on gender violence in the countries that make up the Organization of American States that have ratified the American Convention of Human Rights and the Convention of Belém do Pará. It was found, from the survey carried out, that the countries of the inter-American system, for the most part, are the scene of structural gender violence that culminate in serious violations of Human Rights, such as the difficulty of access to justice and the use of sexual violence as an instrument of torture and social control. It is concluded, therefore, that although this recognition by the Inter-American System of Human Rights is very relevant, to change the scenario it is necessary, more than the punishment of human rights violators, but the effective paradigm change regarding gender discrimination in the different social and institutional spheres.
Keywords: Inter-American Court of Human Rights; gender discrimination; gender structural violence.
1. INTRODUÇÃO
Ao longo dos últimos 70 anos, os Direitos Humanos muito evoluíram quanto à previsão de proteção específica para os mais variados bens jurídicos e nos mais diversos recortes sociais e econômicos a fim de garantir ao maior número de pessoas possível a uma vida digna e feliz, mesmo diante das constantes crises político-econômicas que atingem a população mundial.
Desde o advento das primeiras normatizações que definiram seu conteúdo, surgiram convenções que versavam exclusivamente sobre direitos civis e políticos, como o Pacto Internacional dos Direitos Civil e Políticos (PIDCP) e o Pacto de San Jose da Costa Rica, também conhecido por Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) e outras com previsões acerca de direitos sociais, econômicos e culturais, como o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) e Pacto de San Salvador.
Entretanto, esses tratados sobre direitos civis e sociais não foram suficientes para garantir a todos efetivamente os mesmos direitos independentemente de gênero, orientação sexual, idade, classe social e cor de pele. Por esta razão, surgiram, com o passar do tempo, novas convenções versando sobre temáticas e grupos vulneráveis específicos, como a Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência e a Convenção sobre os Direitos das Crianças. E as previsões acerca dos direitos referentes às mulheres de todo o mundo trilharam o mesmo caminho.
O surgimento de normativas internacionais específicas possibilitou, ainda, o acionamento das Cortes Internacionais quando do cometimento de violações pelos Estados que se comprometeram com o respeito e proteção desses direitos. A cada novo acionamento, o Tribunal evoluiu na jurisprudência quanto à referida matéria e essa evolução é o objeto do presente artigo.
2. DAS CONVENÇÕES SOBRE DIREITOS DAS MULHERES
Historicamente, mulheres foram relegadas ao papel de reproduzir, criar os filhos, manter o ambiente doméstico adequado e se sujeitar ao pai ou ao marido, sem direito a trabalhar ou se manifestar politicamente, sendo totalmente invisibilizadas. Com o advento da Revolução Industrial, a migração das populações para as cidades e a complexificação das relações econômico-sociais, o trabalho feminino em circunstâncias não domésticas se tornou mais frequente, o que trouxe severas alterações no tecido social no que tange à autonomia da figura masculina e à vontade de participação política. No entanto, esse potencial de alteração das relações sociais encontrou severos obstáculos nas estruturas patriarcais existentes, que ainda hoje se expressam na discriminação à garantia de direitos básicos equiparados a homens como acesso a educação, a emprego, a isonomia salarial e até mesmo a altos cargos em empresas privas, além da resistência consubstanciada nas inúmeras violências verbais, morais, físicas, sexuais e obstétricas sofridas habitualmente pela maioria da população feminina mundial.
No intento de legitimar a luta pelos direitos femininos e a fim de diminuir tamanhas violações de Direitos Humanos por elas sofridos, surgiram alguns instrumentos visando a proteção específicas de seus direitos, dentre eles: a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW), de abrangência global, assinada em 1979, e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, conhecida também como Convenção de Belém do Pará, finalizada em 9 de junho de 1994, aplicável aos países que compõe o sistema americano de Diretos Humanos.
Essas normas evidenciam a inaceitabilidade da discriminação em razão de gênero, bem como indicam detalhadamente quais são os tipos de violência que, em regra as mulheres estão submetidas, os direitos que lhes são garantidos e as responsabilidades dos Estados neste particular.
Neste sentido, o artigo 5º da CEDAW[1]:
Os Estados-Partes tornarão todas as medidas apropriadas para: a) Modificar os padrões sócio-culturais de conduta de homens e mulheres, com vistas a alcançar a eliminação dos preconceitos e práticas consuetudinárias e de qualquer outra índole que estejam baseados na idéia da inferioridade ou superioridade de qualquer dos sexos ou em funções estereotipadas de homens e mulheres. (sic)
Consta, por sua vez, na Convenção de Belém do Pará[2], conceituação basilar quanto aos tipos de violência que atraem a proteção desses documentos internacionais:
Capitulo 1
Definição e Âmbito de Aplicação
Artigo 1
Para os efeitos desta Convenção, entender-se-á por violência contra a mulher qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada.
Artigo 2
Entende-se que a violência contra a mulher abrange a violência física, sexual e psicológica.
a) ocorrida no âmbito da família ou unidade doméstica ou em qualquer relação interpessoal, quer o agressor compartilhe, tenha compartilhado ou não a sua residência, incluindo-se, entre outras turmas, o estupro, maus-tratos e abuso sexual;
b) ocorrida na comunidade e comedida por qualquer pessoa, incluindo, entre outras formas, o estupro, abuso sexual, tortura, tráfico de mulheres, prostituição forçada, seqüestro e assédio sexual no local de trabalho, bem como em instituições educacionais, serviços de saúde ou qualquer outro local; e
c) perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra.
Nelas foram previstos, ainda, os mecanismos de proteção específicos para garantia de seu cumprimento como o Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher – criado pela CEDAW, os relatórios estatais que devem ser periodicamente apresentados pelos Estados-partes tanto ao Comitê quanto à Comissão Interamericana de Mulheres, bem como a possibilidade de peticionamento perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), por qualquer pessoa, grupo de pessoas, entidade não-governamental juridicamente reconhecidamente em um ou mais Estados membros da Organização dos Estados Americanos, em razão de violação ao artigo 7º.
Haja vista a existência dos referidos mecanismos de proteção, foi possível a denúncia, perante a CIDH, de violações de direitos humanos cometidas em face de inúmeras mulheres que, conforme procedimento previsto na CADH, foram submetidos ao julgamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH).
Os casos mais paradigmáticos para identificar a evolução da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos serão analisados a seguir.
3. CASOS PARADIGMÁTICOS ENFRENTADOS PELA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS SOBRE VIOLÊNCIA CONTRA MULHER
3.1 PRESIDIO MIGUEL CASTRO CASTRO VS. PERU
O primeiro caso julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) que versou acerca de violência contra mulher foi o Presídio Miguel Castro Castro VS peru, sentenciado em novembro de 2006.
Os fatos analisados nesse caso ocorreram durante a Ditatura de Alberto Fujimori, que esteve no poder no Peru ao longo da década de 1990.
Em maio de 1992, sob o pretexto de realizar operação de transferência para outra estabelecimento, 185 presos e presas políticos, dentre mortos e sobreviventes, sofreram um massacre dentro da penitenciária Miguel Castro, que era mantida pelo Estado. Os internos foram submetidos a abordagem com bombas de gás de fósforo branco, granadas e tiros aleatórios, ao longo de 4 dias de ataque, em que enfrentaram, ainda, com falta de alimentos, água, luz e atendimento médico. Segundo a perícia e os relatos dos sobreviventes, a operação se iniciou pelo pavilhão 1A, que era destinado a mulheres, as quais foram obrigadas a se arrastar de ventre colado no chão – inclusive três gestante - para tentar chegar a outro pavilhão sem serem atingidas pelas balas. Ademais, após o ataque, no Hospital da Polícia para onde foram levados os feridos, há relatos de diversas violências e humilhações sofridas pelas mulheres, como o fato de terem de ir ao banheiro nuas, enquanto eram observadas por diversos homens fortemente armados, o que foi considerado pela Corte como violência sexual. Verificou-se, ainda, que algumas das mulheres sob custódia passaram por “inspeção” vaginal digital, realizada por várias pessoas encapuzadas ao mesmo tempo, com suma brutalidade, sob o pretexto de revistá-las.[3]
Embora seja um caso que envolveu a violação de direitos tanto de homens quanto de mulheres, pelas provas produzidas nos autos e pela percepção dos julgadores, restou claro que os atos de violência e as suas consequências tiveram efeitos mais devastadores sobre as pessoas do gênero feminino. Neste sentido, consta na sentença que “as mulheres se viram afetadas pelos atos de violência de maneira diferente dos homens; (...) alguns atos de violência foram dirigidos especificamente a elas e outros as afetaram em maior proporção que aos homens”. [4]
Aprofundando as elaborações acerca da relação entre tempo e Direito, Cançado Trindade, em seu voto[5] aponta que, pelos fatos narrados, o sofrimento das mulheres fora agravado em decorrência da sua percepção do tempo – que seria diferenciada dos homens – e da violação da maternidade sob diversas perspectivas:
60. O presente Caso do Presídio Castro Castro revela uma aproximação entre o tempo psicológico e o tempo biológico, evidenciado por algo sagrado que foi, no presente caso, violentado: o projeto bem como a vivência da maternidade. A maternidade, que deve ser cercada de cuidados e respeito e reconhecimento, ao longo de toda a vida e no pós-vida, foi violentada no presente caso de forma brutal e em escala verdadeiramente intertemporal. 61. Houve, de início, a extrema violência pré-natal, evidenciada nas brutalidades a que foram submetidas as mulheres grávidas no Presídio Castro Castro, descritas na presente Sentença (pars. 197.57, 292 e 298). Quais foram as sequelas desse quadro de extrema violência na mente – ou no inconsciente – das crianças nascidas do ventre materno tão desrespeitado e violentado, ainda antes de seu nascimento? 62. Houve, em seguida, a extrema violência na própria vivência da maternidade, frente à brutalidade cometida contra os filhos. [...] 63. Em ainda outra dimensão, muitas das mulheres sobreviventes do bombardeio do Presídio Castro Castro – como se salientou neste Voto Fundamentado (par. 13, supra) – não puderam ser mães ainda, pois, como se ressaltou na audiência pública no cas d'espèce perante esta Corte, desde então consumiram todo o seu tempo existencial em busca da verdade e da justiça. Aqui estamos diante da maternidade denegada ou postergada (um dano ao projeto de vida), por força das cruéis circunstâncias, conforme denunciou com toda pertinência a interveniente comum dos representantes das vítimas e seus familiares (supra). 64. E, na dimensão do pós-vida, também foi afetada gravemente, no caso concreto, a vivência da maternidade, conforme mostra a busca desesperada, nos necrotérios, dos familiares das vítimas, dos restos mortais dos internos mortos no ataque armado à Prisão de Castro Castro, frente à indiferença das autoridades estatais.
Sérgio Ramirez, por sua vez, destaca a importância da proteção aos direitos e liberdades das mulheres em dois universos: os direitos gerais compartilhados com homens e os direitos que se relacionam de maneira direta e exclusiva – ou quase exclusiva com a condição de mulheres que revestem seus titulares.[6] E nessa segunda perspectiva, deve-se assumir que há uma desigualdade real, decorrente da marginalização, da vulnerabilidade e da fragilidade das mulheres perante a sociedade misógino-capitalista que impera, as quais devem ser compensadas com medidas razoáveis e suficientes que gerem ou favoreçam, na maior medida possível, condições de igualdade, e afugentem a discriminação.
Ramírez destaca que a Convenção de Belém do Pará se preocupa enfaticamente com o controle internacional, sobretudo o contencioso, conforme artigo 12 e preconiza que deve ser realizada a leitura conjunta entre a Convenção de Belém do Pará e a Convenção Americana de Direitos Humanos, como normativas especial e geral, respectivamente, a fim de integrar o panorama dos direitos da mulher e consequentemente identificar as violação cometidas no caso Castro Castro, o que se coaduna com o princípio pro personae[7], qual seja, a interpretação das normas de Direitos Humanos no sentido mais favorável à pessoa humana.
O referido caso é paradigmático na Corte Interamericana de Direitos Humanos, pois foi a primeira vez que foram discutidos os direitos protegidos especificamente pela Convenção de Belém do Pará, segundo os votos de Sérgio Ramírez e Cançado Trindade, com trechos acima indicados.
Outrossim, ele foi um divisor de águas na jurisprudência da corte internacional uma vez que, em decorrência dos atos cometidos por seus agentes, o Peru foi condenado, dentre outras, pela violação ao artigo 7.b[8] da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, uma vez que não apenas permitiu, mas participou, por meio da alta cúpula, do planejamento e execução do massacre narrado.
Importante destacar, por fim, que esta decisão foi importante, ainda, para estabelecer o sentido adotado na jurisprudência de violência sexual: qualquer ato de penetração vaginal ou anal sem consentimento da vítima mediante utilização de outras partes do corpo do agressor ou objetos, assim como a penetração bucal do membro viril.[9]
3.2 CASO CAMPO ALGODONERO VS. MÉXICO
Após três anos, em novembro de 2009, a jurisprudência da Corte Interamericana alcançou novo patamar na jurisprudência quando do julgamento do Campo Algodonero Vs. México (também conhecido como Caso Gonzalez e outras Vs. México).
Inicialmente, distinguiu-se do caso Miguel de Castro Castro, pois enfrentou expressamente o tópico acerca da competência da Corte IDH para julgamento com base na Convenção de Belém do Pará, com fundamento em interpretação sistemática, teleológica e aplicação do princípio do efeito útil. Houve reconhecimento da competência para julgamento de violação tão somente do art. 7º, pois declarada a incompetência contenciosa para conhecer de supostas violações aos artigos 8º e 9º[10].
Quanto à questão de mérito, é necessário frisar que Ciudad Juaréz é notoriamente conhecida pelos altos índices de criminalidade, sendo considerada atualmente a 6ª cidade mais perigosa do mundo[11]. Ela se encontra na fronteira do México com a cidade de El Paso, nos Estados Unidos, e é conhecida rota de tráfico de drogas, de pessoas, de imigração ilegal, de lavagem de dinheiro, dentre outros, com marcada cultura de misoginia e violência contra as mulheres típicas de uma sociedade machista.
Tais circunstâncias pioraram, segundo a narrativa do procedimento, após a instalação de indústrias maquiladoras, que produzem produtos intermediários de cadeia de produção, pois davam preferência ao emprego de mulheres. Com maior empregabilidade e consequente autonomia das mulheres e, de modo contrário, mais desemprego, mais dependência, mais ociosidade para homens, o que culminou com o agravamento das relações entre homens e mulheres, e a violência contra mulheres pela condição do seu gênero.
Neste contexto, o caso do Campo Algodonero foi o primeiro a reconhecer a existência de violência estrutural de gênero. E isso se pode apreender considerando que o aumento dos crimes em relação às mulheres fora notavelmente maior do que os cometidos contra homens e o índice de homicídios correspondente a mulheres em Ciudad Juárez é desproporcionalmente maior que o de cidades fronteiriças em circunstâncias análogas[12]. Estrutural, ainda, pois o comportamento discriminatório advém, também, das próprias autoridades estatais, que apresentam concepções estereotipadas das mulheres desaparecidas, minimizando o problema, chegando a culpar as próprias vítimas por sua sorte, “seja por sua forma de vestir, pelo local em que trabalhavam, por sua conduta, por andarem sozinhas ou por falta de cuidado dos pais.” Neste contexto, entendiam que a busca e proteção das mulheres que sumiram não era importante, mantendo-se inertes ou até mesmo se recusando a investigar os casos respectivos.[13]
Observa-se, pois, que a misoginia é de tal modo inerente àquela sociedade que até mesmo as instituições responsáveis por proteger a população desdenham da vida dessas mulheres, o que permitiu a explosão dos casos de feminicídio, diante da flagrante impunidade de seus autores.
Destaque-se que o fato de considerar mulheres inferiores e que devem ser subordinadas impacta tanto nos motivos quanto na modalidade do crime e na resposta do crime pelas autoridades, uma vez que, pelo levantamento dos relatórios, é possível identificar que a impunidade, nos referidos delitos é maior, sobretudo quando relacionados com crimes sexuais e, mesmo quando os agentes são punidos, são de forma mais branda que outros crimes contra a vida menos graves.
Neste sentido, a Corte IDH considerou que o México falhou no dever de proteção em dois momentos: o primeiro antes do desaparecimento das vítimas e o segundo antes da localização de seus corpos sem vida. Quanto ao primeiro, a falta de prevenção do desaparecimento não leva, por só à responsabilidade internacional do Estado porque não havia conhecimento de risco real e imediato para as vítimas no caso. No entanto, a falta de uma política geral que tivesse se iniciado pelo menos em 1998, quando a CNDH advertiu sobre o padrão de violência contra a mulher em Ciudad Juárez configura a falta do Estado no cumprimento geral de sua obrigação de prevenção.
Quanto ao segundo momento, já ciente de que existia um risco real e imediato de que as vítimas fossem agredidas sexualmente, submetidas a abusos e assassinadas, era dever do Estado empenhar a devida diligência frente à notícia do desaparecimento de mulheres, sobretudo quanto ao procedimento que desague em efetiva investigação desde as primeiras horas de desaparecimento.
Em resumo de tais apontamento, o parágrafo 388, pag. 92 da sentença:
As irregularidades no manejo de evidências, a alegada fabricação de culpados, o atraso nas investigações, a falta de linhas de investigação que tenham em consideração o contexto de violência contra a mulher no qual ocorreram as execuções das três vítimas e a inexistência de investigações contra funcionários públicos por sua suposta grave negligência, violam o direito de acesso à justiça, a uma proteção judicial eficaz e o direito dos familiares e da sociedade a conhecer a verdade sobre o ocorrido. Ademais, denota um descumprimento estatal de garantir, através de uma investigação séria e correta, os direitos à vida, à integridade pessoal e à liberdade pessoal das três vítimas. Tudo isso permite concluir que no presente caso existe impunidade e que as medidas de direito interno adotadas foram insuficientes para enfrentar as graves violações de direitos humanos ocorridas. O Estado não demonstrou ter adotado normas ou implementado as medidas necessárias, em conformidade com o artigo 2 da Convenção Americana e com o artigo 7.c da Convenção de Belém do Pará, que permitissem às autoridades realizar uma investigação com devida diligência. Esta ineficácia judicial diante de casos individuais de violência contra as mulheres propicia um ambiente de impunidade que facilita e promove a repetição dos fatos de violência em geral e envia uma mensagem segundo a qual a violência contra as mulheres pode ser tolerada e aceita como parte da vida diária.
Outrossim, a despeito da barbaridade dos casos cometidos em face de Claudia Ivette González, Esmeralda Herrera Monreal e Laura Berenice Ramos Monárrez, este caso foi muito importante para o reconhecimento institucional da existência de sofrimento por mulheres de inúmeras violações de direitos humanos única e exclusivamente em razão de terem nascido no gênero feminino, o que é eleva ao grau máximo a necessidade de atenção e proteção daquelas que constituem metade da população mundial.
3.3 CASO VELASQUEZ PAIZ E OUTROS VS. GUATEMALA
Julgado em novembro de 2015, o caso tratou do homicídio com flagrantes indícios de crime sexual ocorrido em face de Claudina Velásquez, que não foi devidamente investigado e que até hoje não foi solucionado. Embora nele tenham sido analisadas circunstâncias consideravelmente semelhantes com as do caso Veliz Franco e outros Vs. Guatemala (julgado em maio de 2014), foi considerado mais paradigmático que este, pois, naquele, a Corte adotou postura mais incisiva que nos casos anteriores quanto à censura do comportamento das autoridades do país que foram negligentes na investigação criminal em decorrência do crime ter ocorrido contra uma mulher.
Deixou claro que o estereótipo de gênero se refere a uma preconcepção de atributos, condutas ou característica referentes a papéis socialmente impostos para mulheres e homens respectivamente, do qual advém relação de inferiorização da mulher o que é uma das causas e consequências da violência de gênero que se agravam quando refletem, implícita ou explicitamente, em políticas e condutas adotadas pelas autoridades estatais, o que evidencia a discriminação com base em origem, condição, comportamento pelo exclusivo fato de ser mulher, o que é incompatível com o Direito Internacional dos Direitos Humanos[14].
Na sentença, a Corte reconheceu, visibilizou e rechaçou a conduta dos agentes estatais de não considerar suficientemente importantes para serem investigados os casos de violência contra mulher prejulgadas com perfil de prostituta e/ou membro de gangue e/ou uma “qualquer”, bem como daquelas que andam sozinhas à noite, que vão para festas e afins. No caso específico de Velásquez, embora tenha havido investigação, essa fora promovida por autoridades que adotaram postura preconceituosa quanto à vítima, “por estar em uma zona pobre da cidade, pelo modo de se vestir e por portar um piercing no umbigo”, do que resultou em persecução criminal constituída de inúmeras falhas e irregularidades, uma vez que fora promovida visando o deslinde de mero crime de homicídio, com desprezo às provas e às linhas de investigação relacionadas aos crimes sexuais, o que prejudicou severamente a objetividade nos procedimentos que visavam coletar provas para o deslinde do caso, redundando na impunidade do seu responsável até o dia de hoje.
3.4 CASO GUTIERREZ VS GUATEMALA
Julgado em 2017, o caso versa acerca do desaparecimento de Maira Gutierrez, em 2000, que inicialmente foi encarado como desaparecimento forçado, no entanto, diante da inexistência de provas de tal delito pelo Estado, passou-se às hipóteses de feminicídio cometido pelo companheiro e de violência de autoria de inimigos surgidos após investigações de adoções ilegais realizadas pela vítima em seu cargo na UNICEF. O caso se encontra até hoje sem solução. Na decisão, o Tribunal reforça o entendimento de que as autoridades encarregadas de investigar costumam realizar valoração estereotipada da vítima, o que afeta a objetividade daqueles, e o que, em conjunto à ausência de controles administrativos e judiciais, redunda em omissões investigativas decorrentes da falta de seguimento de linhas lógicas de investigação e, consequentemente, na obstaculização do direito ao acesso à justiça, como ocorreu no presente caso.[15] Pelo exposto, a Corte entendeu que houve desrespeito à convenção Americana de Direitos Humanos e à Convenção do Belém do Pará, uma vez que o Estado deixou de cumprir com seu dever de investigar e garantir à vítima e à família o acesso à justiça e à resposta ao ocorrido com Mayra Gutierrez.
3.5 MULHERES VÍTIMAS DE VIOLENCIA SEXUAL EM ATENCO VS MÉXICO
Julgado em 2018, o caso trata da violência cometida em face de 11 mexicanas que foram ilegalmente detidas durante operação policial que visava minar protesto contra a decisão municipal de realocar mercadores de flores sem seu consentimento. As operações ocorreram em 3 e 4 de maio de 2006, sendo que, 7 da mulheres detidas estavam na manifestação para realizar estudos acadêmicos ou para cobrir os eventos como jornalistas, quando foram interpeladas pelos policiais. Durante a detenção, traslado e ingresso no Centro de Readaptação Social “Santiaguito” (CEPREPO), as mulheres sofreram diversos tipos de violência, sobretudo verbal, física e sexual. Não fosse o bastante, a violência continuou durante o atendimento pelos primeiros médicos que as atenderam no CEPRESO, pois se negaram a atendê-las, a realizar exames ginecológicos e reportar e registrar as violações sexuais, em alguns casos, ainda, repetiram alguns abusos físicos e verbais. O caso representou evolução na jurisprudência da Corte em relação aos crimes cometidos em razão do gênero uma vez que evidenciou a negligência das autoridades não apenas em investigar, mas em fazê-lo com uma perspectiva de gênero, que era o que o caso requeria, conforme previsto na Convenção de Belém do Pará. Ademais, destacou que as investigações se caracterizaram por declarações e condutas discriminatórias e revitimizantes, conceito este que ainda não havia sido trabalhado nos casos anteriores. [16]
Neste particular, o Tribunal censurou a abertura linhas de investigação sobre o comportamento social ou sexual prévio das vítimas de violência de gênero, pois consiste em manifestação política ou atitudes baseadas em estereótipos de gênero, conduta discriminatória que viola a Convenção Americana de Direitos Humanos.
Por fim e, mais importante, a sentença destacou que, no presente caso, a tortura por meio da violação sexual fora utilizada como arma de controle social a fim de, mais do que humilhar ou constranger, restringi-las ao estereótipo de que mulheres não deveriam estar protestando nem manifestando sua opinião, mas em casa, cuidando dos seus afazeres domésticos, que seria o lugar que lhes pertence. Nos termos da sentença, em tradução livre, “a utilização do poder estatal para violar os direitos das mulheres em um conflito interno pode ter o objetivo de dar uma mensagem ou lição”. A Corte destaca que a violação sexual constitui forma paradigmática de violência contra as mulheres cujas consequências transcendem a pessoa da vítima[17].
Interessante destacar, ainda, o diálogo entre os Sistemas Regionais Interamericano e Africano de Direitos Humanos realizado neste voto quanto às violências sexuais em conflitos armados. Na literalidade:
201. La Comisión Africana de Derechos Humanos y de los Pueblos también resaltó cómo la violencia sexual es utilizada también en contextos donde no hay un conflicto armado, al referirse a la violencia sexual cometida contra las mujeres en el marco de las protestas de 2005 en Egipto. Allí consideró que el acoso, los insultos sexistas y la violencia dirigida a las mujeres por ser mujeres estaba destinada a silenciarlas, a evitar que expresaran opiniones políticas y participaran en los asuntos públicos.
202. De manera similar, la violencia sexual en el presente caso fue utilizada por parte de agentes estatales como una táctica o estrategia de control, dominio e imposición de poder de manera similar a como ha ocurrido en los casos referidos, la violencia sexual fue aplicada en público, con múltiples testigos, como un espectáculo macabro y de intimidación en que los demás detenidos fueron forzados a escuchar, y en algunos casos ver, lo que se hacía al cuerpo de las mujeres.
Outrossim, a Corte concluiu que, no presente caso, os agentes policiais coisificaram mulheres para utilizá-las como ferramentas de intimação das vozes das dissidências contra sua autoridade para que não voltassem a questioná-la, sendo que a violência sexual fora utilizada como arma de repressão de protesto, do mesmo modo como bombas de gás lacrimogêneo, o que considera absolutamente inaceitável.
Ressalta, por fim, conforme a jurisprudência assentada anteriormente, que a violência baseada em gênero, qual seja, a violência dirigida contra uma mulher ou que a afeta de maneira desproporcional é uma forma de discriminação contra a mulher (parágrafos 204 e 2011).
3.6 CASO BARBOSA DE SOUZA VS BRASIL
Julgado em setembro de 2021, trata do feminicídio de Márcia Barbosa de Souza ocorrido em 1998, na Paraíba, que teve a resolução dificultada em razão da imunidade parlamentar que detinha o responsável pelo crime. Para além da indicação de que imunidades não podem servir para a impunidade de eventos não relacionados com o cargo, foi o primeiro caso de condenação do Brasil por violência em razão do gênero. Embora a decisão não destrinche a interseccionalidade da vítima, evidencia que a violência contra mulheres no Brasil é uma questão estrutural e generalizada, sendo que, em 2016, o país teve a quinta maior taxa do mundo de homicídio de mulheres por razão de gênero e que o perfil específico de mulheres assassinadas em maior número corresponde a mulheres jovens, negras e pobres, sendo a taxa de assassinato de mulheres negras 66 vezes maior que a de mulheres brancas.
4. DA EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL
Do que foi visto, é possível observar que as sentenças da Corte Interamericana de Direitos Humanos foram progredindo, ao longo dos últimos 15 anos, quanto à padronização dos conceitos adotados pela Corte os quais, tal qual como o avançar dos capítulos em um romance em cadeia, foram sendo aprimorados e aprofundados a cada novo caso, a partir do estabelecido previamente.
Em Miguel Castro Castro, Corte discutiu, pela primeira vez, acerca das proteções jurídicas particulares ao gênero feminino com base na Convenção de Belém do Pará. Nesse caso, delineou-se que, mesmo que seja cometida idêntica violência em homens e mulheres, por diversos fatores, determinadas violências atingem mulheres de forma mais agravada, trazendo à luz, na jurisprudência interamericana, o conceito de violência de gênero. A sentença do caso estabeleceu, ainda, o modo de coadunar a CADH com a Convenção de Belém do Pará e o conceito jurisprudencial de violência sexual.
Em Campo Algodonero, evidenciou-se que a discriminação contra mulheres determina não somente a vítima, mas o motivo e a modalidade do delito e a resposta do crime pelas autoridades, tratando-se, pois, de violência estrutural de gênero. Desse modo, é necessário que esse tipo de discriminação seja identificado e combatido em todos os setores da sociedade, seja nas residências domésticas e nas escolas, seja em órgãos executivos, legislativos ou judiciários, por exemplo.
Em Velasquez Paiz, partindo do reconhecimento de que a violência de gênero é estrutural, a Corte adotou postura mais incisiva do que nos casos anteriores quanto à censura do comportamento das autoridades do país que foram negligentes na investigação criminal em decorrência do crime ter ocorrido contra uma mulher.
Em Gutierrez Hernandez, houve o reconhecimento de que a valoração estereotipada de gênero prejudica a objetividade das investigações, afetando a produção de provas e até mesmo a solução do caso. A Corte estabeleceu, assim, que a adoção de postura discriminatória pelas autoridades responsáveis pela persecução criminal se consubstancia em obstaculização do acesso à justiça.
Os últimos dois casos, portanto, foram importantes para dar maior destaque à responsabilidade estatal quanto ao dever de sancionar os agentes que reproduzem essa violência e adotar programas de formação e conscientização dos servidores públicos, a fim de adequar os valores institucionais às normativas internacionais quanto à proteção dos direitos das mulheres.
Quanto ao Mulheres do México, houve a identificação da utilização da violação sexual como instrumento de tortura contra mulheres a fim de dissuadi-las de se manifestar ou seja, o uso de violência sexual como ferramenta de repreensão a manifestação política diretamente vinculada ao gênero.
Por fim, Barbosa de Souza reforçou o entendimento de que a discriminação de gênero é estrutural e generalizada e incide de modo ainda mais grave sobre mulheres com outros recortes discriminatórios, como ser pobre e preta.
5.CONCLUSÃO
Conclui-se, então que a Corte a cada oportunidade em que foi incitada a se manifestar acerca dos direitos das mulheres, amadureceu conceitos e ampliou, com ímpar sensibilidade, a capacidade de compreender como determinadas violências atingem mulheres com especial gravidade, se comparado a vítimas do gênero masculino, sobretudo pela forma como aquelas ainda são objetificadas e desrespeitadas em seus âmbitos mais íntimos da dignidade humana única e exclusivamente pelo fato de serem mulheres e por estarem insertas em sociedade ainda visceralmente patriarcal.
Embora tais decisões não sejam suficientes, por si sós, para alterar a conjuntura quanto às violações aos direitos das mulheres que ocorrem diariamente nas mais variadas cidades da América Latina, elas são essenciais para dar mais legitimidade e visibilidade à luta feminina, bem como para reforçar a ideia de que a violência contra mulher, em suas mais diversas espécies, não é nem pode ser tolerada, tampouco naturalizada.
6.BIBLIOGRAFIA
BRASIL. Decreto nº. 1.973, de 1º de agosto de 1996. Promulga a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, concluída em Belém do Pará, em 9 de junho de 1994. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 2 out. 1996. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1996/d1973.htm>. Acesso em: 27 ago. 2022.
BRASIL. Decreto nº. 4.377, de 13 de setembro de 2002. Promulga a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, de 1979, e revoga o Decreto no 89.460, de 20 de março de 1984. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 16 set. 2002. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/d4377.htm>. Acesso em: 27 ago. 2022.
COSTA RICA. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Miguel Castro Castro Vs. Peru. Mérito, reparações e custas. Sentença de 25 de novembro de 2006. Serie C No. 160. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2016/04/7ef9a6d58703704d6c5e9a8a04cb09e9.pdf>. Acesso em 28 ago. 2022.
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MÉXICO, el país con más ciudades violentas en el mundo: IBD. Contralínea, México, 26 jun. 2022. Disponível em: <https://contralinea.com.mx/interno/semana/mexico-el-pais-con-mas-ciudades-violentas-en-el-mundo-ibd/>. Acesso em: 28 ago. 2022.
[1] BRASIL. Decreto nº. 4.377, de 13 de setembro de 2002. Promulga a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, de 1979, e revoga o Decreto no 89.460, de 20 de março de 1984. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 16 set. 2002. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/d4377.htm>. Acesso em: 27 ago. 2022.
[2] BRASIL. Decreto nº. 1.973, de 1º de agosto de 1996. Promulga a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, concluída em Belém do Pará, em 9 de junho de 1994. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 2 out. 1996. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1996/d1973.htm>. Acesso em: 27 ago. 2022
[3] Caso Miguel Castro Castro Vs. Peru. Mérito, reparações e custas. Sentença de 25 de novembro de 2006. Serie C No. 160, parágrafos 277 a 310.
[4] Caso Miguel Castro Castro Vs. Peru, supra, parágrafo 223.
[5] Caso Miguel Castro Castro Vs. Peru. Voto fundamentado do juiz A. A. Cançado Trindade, parágrafos 60 a 65.
[6] Caso Miguel Castro Castro Vs. Peru, Voto fundamentado do juiz Sérgio García Ramirez, parágrafos 10 e 11.
[7] Caso Miguel Castro Castro Vs. Peru, Voto fundamentado do juiz Sérgio García Ramirez. Parágrafo 30.
[8] Capitulo III
Deveres dos Estados
Artigo 7
Os Estados Partes condenam todas as formas de violência contra a mulher e convêm em adotar, por todos os meios apropriados e scan demora, políticas destinadas a prevenir, punir e erradicar tal violência e a empenhar-se em:
a) abster-se de qualquer ato ou prática de violência contra a mulher e velar por que as autoridades, seus funcionários e pessoal, bem como agentes e instituições públicos ajam de conformidade com essa obrigação;
b) agir com o devido zelo para prevenir, investigar e punira violência contra a mulher;
c) incorporar na sua legislação interna normas penais, civis, administrativas e de outra natureza, que sejam necessárias para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, bem como adotar as medidas administrativas adequadas que forem aplicáveis;
d) adotar medidas jurídicas que exijam do agressor que se abstenha de perseguir, intimidar e ameaçar a mulher ou de fazer uso de qualquer método que danifique ou ponha em perigo sua vida ou integridade ou danifique sua propriedade;
e) tomar todas as medidas adequadas, inclusive legislativas, para modificar ou abolir leis e regulamentos vigentes ou modificar práticas jurídicas ou consuetudinárias que respaldem a persistência e a tolerância da violência contra a mulher;
f) estabelecer procedimentos jurídicos justos e eficazes para a mulher sujeitada a violência, inclusive, entre outros, medidas de proteção, juízo oportuno e efetivo acesso a tais processos;
g) estabelecer mecanismos judiciais e administrativos necessários para assegurar que a mulher sujeitada a violência tenha efetivo acesso a restituição, reparação do dano e outros meios de compensação justos e eficazes;
h) adotar as medidas legislativas ou de outra natureza necessárias à vigência desta Convenção. (sem grifos no original)
[9] Caso Miguel Castro Castro Vs. Peru, supra, parágrafo 310.
Os Estados Partes convêm em adotar, progressivamente, medidas específicas, inclusive programas destinados a:
a. promovero conhecimento e a observância do direito da mulher a uma vida livre de violência e o direito da mulher a que se respeitem e protejam seus direitos humanos;
b. modificar padrões sociais e culturais de conduta de homens e mulheres, inclusive a formulação de programas formais e não formais adequados a todos os níveis do processo educacional, a fim de combater preconceitos e costumes e todas as outras práticas baseadas na premissa da inferioridade ou superioridade de qualquer dos gêneros ou nos papéis estereotipados para o homem e a mulher, que legitimem ou exacerbem a violência contra a mulher;
c. promover a educação e treinamento de todo o pessoal judiciário e policial e demais funcionários responsáveis pela aplicação da lei, bem como do pessoal encarregado da implementação de políticas de prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher;
d. prestar serviços especializados apropriados à mulher sujeitada a violência, por intermédio de entidades dos setores público e privado, inclusive abrigos, serviços de orientação familiar, quando for o caso, e atendimento e custódia dos menores afetados;
e. promover e apoiar programas de educação governamentais e privados, destinados a conscientizar o público para os problemas da violência contra a mulher, recursos jurídicos e reparação relacionados com essa violência;
f. proporcionar à mulher sujeitada a violência acesso a programas eficazes de reabilitação e treinamento que lhe permitam participar plenamente da vida pública, privada e social;
g. incentivar os meios de comunicação a que formulem diretrizes adequadas de divulgação, que contribuam para a erradicação da violência contra a mulher em todas as suas formas e enalteçam o respeito pela dignidade da mulher;
h. assegurar a pesquisa e coleta de estatísticas e outras informações relevantes concernentes às causas, conseqüências e freqüência da violência contra a mulher, a fim de avaliar a eficiência das medidas tomadas para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, bem como formular e implementar as mudanças necessárias; e
i. promover a cooperação internacional para o intercâmbio de idéias e experiências, bem como a execução de programas destinados à proteção da mulher sujeitada a violência.
Artigo 9
Para a adoção das medidas a que se refere este capítulo, os Estados Partes levarão especialmente em conta a situação da mulher vulnerável a violência por sua raça, origem étnica ou condição de migrante, de refugiada ou de deslocada, entre outros motivos. Também será considerada sujeitada a violência a gestante, deficiente, menor, idosa ou em situação sócio-econômica desfavorável, afetada por situações de conflito armado ou de privação da liberdade.
[11] Relatório do Consejo Ciudadano para la Seguridad Pública y la Justicia Penal, de 2022.
[12] Cf. Caso González e outras (“Campo Algodoeiro”) Vs. México. Exceção Preliminar, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 16 de novembro de 2009. Série C No. 205, par. 117.
[13] Cf. Caso González e outras (“Campo Algodoeiro”) Vs. México, supra , pars. 151 e 154.
[14] Caso Velásquez Paiz e outros Vs. Guatemala, Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 19 de novembro de 2015. Série C Nº 307, pars. 180 a 183.
[15] Cf. Caso Gutiérrez Hernández e outros Vs. Guatemala. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 24 de agosto de 2017. Série C Nº 339, par. 173
[16] Cf. Caso Mujeres Víctimas de Tortura Sexual em Atenco Vs. México. Excepción Preliminar, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentença de 2o de noviembre de 2018. Série C Nº 4, pars. 310 a 316.
[17] Cf. Caso Mujeres Víctimas de Tortura Sexual em Atenco Vs. México, supra, par. 183.
Graduada em Direito pela Universidade Federal do Amazonas. Pós-graduada lato sensu em Direito do Trabalho, Direito Processual do Trabalho e Direito Previdenciário. Servidora Pública Federal no Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROCHA, Camila Passos da. A evolução da jurisprudência acerca da violência em razão de gênero na Corte Interamericana de Direitos Humanos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 set 2022, 04:18. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/59170/a-evoluo-da-jurisprudncia-acerca-da-violncia-em-razo-de-gnero-na-corte-interamericana-de-direitos-humanos. Acesso em: 26 dez 2024.
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