RESUMO: O presente artigo tem a finalidade de estudar e analisar a negociação coletiva como forma da empresa cumprir sua função social e solidária. Abordando a necessidade cada dia maior das empresas propiciarem melhores condições de trabalho, respeitarem o meio ambiente e buscar uma economia sustentável, é possível apresentar a negociação coletiva como um dos meios eficazes para o cumprimento desta função social e solidária. Nesse diapasão, analisa-se a função social e solidária da empresa e a própria função social da negociação coletiva. Concluindo, aponta-se o quanto é importante que a empresa utilize a negociação coletiva, instrumento democrático e com ampla participação dos trabalhadores, para cumprir sua função social e solidaria.
Palavras-chave: Empresa. Função social. Negociação Coletiva.
ABSTRACT: This article aims to study and analyze the collective bargaining as a way to the company fulfill its social and solidarity function. Broaching the increasing need of companies to provide better working conditions, respecting the environment and seeking a sustainable economy, it’s possible to present the collective bargaining as one of the effective means to fulfill this social and solidarity function. In this tuning fork, will be analyze the company social and solidarity function and the own social function of collective bargaining. To conclude, it is pointed out how important it is for the company to use collective bargaining, a democratic instrument, with broad participation of the workers, to fulfill its social and solidarity function.
Keywords: Company. Social function. Collective bargaining.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1 FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA. 2 FUNÇÃO SOCIAL DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA. 3 A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA NA NEGOCIAÇÃO COLETIVA. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
INTRODUÇÃO
A empresa analisada de forma fria e racional tem como finalidade o lucro, isto é indiscutível e, inclusive, com previsão constitucional. A mesma constituição que prevê a livre iniciativa e a livre concorrência para que estas empresas, cada vez mais, possuam independências em suas ações.
Ocorre que esta mesma empresa, cada dia mais, diante das mudanças na sociedade, vem percebendo a necessidade de ir além da obtenção do lucro, cumprindo também sua função social. Encontra-se no ordenamento jurídico artigos específicos, como é o caso da Lei de Sociedades Anônimas, previsão legal para este cumprimento da função social, mas esse dever vai além da legalidade, sendo um dever social, cada vez mais latente.
Esta mudança também se dá em virtude dos valores e princípios tragos com a nova constituição de 1988. Porém essas mudanças vão além da função social, devendo as empresas que querem se destacar, oferecer a chamada função solidária.
Existem várias formas para que a empresa exerça esta função social e solidária, uma vez que os valores constitucionais já citados trouxeram consigo um Estado Social, cada vez mais preocupado em garantir direitos sociais aos trabalhadores.
Uma das formas que dá a possibilidade da empresa cumprir sua função social e solidária é através da negociação coletiva. Esta possibilidade deve ser amplamente aproveitada pelas empresas, uma vez que acontecem anualmente e contam com a participação direta dos trabalhadores, caracterizando-se pela paridade de armas na discussão, bem como, formar um instrumento que agrade a ambas as partes, trabalhador e empresa.
As negociações coletivas são um ótimo exemplo de efetivação de direitos e garantias fundamentais, através da conscientização da iniciativa privada. Um grande exemplo é o fornecimento de plano de saúde através de acordos coletivos, o que gera ao trabalhador um acesso mais digno a saúde, a priori pode-se concluir que saúde é um dever do estado, mas a empresa, por sua iniciativa, oferece planos de saúde, dando mais dignidade ao seu trabalhador.
Surge, então, as dúvidas cujo presente trabalho buscará elucidar: como a empresa pode cumprir sua função social e solidária através da negociação coletiva? A negociação coletiva em si é um instrumento de função social e solidária?
O estudo apresentará variações do papel da empresa no cumprimento da sua função social, bem como, uma compreensão maior da negociação coletiva, tanto como instrumento constitucional de composição entre trabalhadores e empresas, como o novo papel de cumprimento da função social da empresa.
O presente trabalho utilizará o método dedutivo, através de pesquisas bibliográficas e da dialética jurídica. Para tanto, será necessário uma abordagem sobre a função social da empresa, apresentando a importância do seu cumprimento, a relevância da negociação coletiva nas relações de trabalho, bem como a sua própria função social, e, por fim, compreender melhor as possibilidades de a empresa cumprir sua função social e solidariedade social, através da negociação coletiva.
1 A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA
Cada dia mais se discute no Brasil a função social, seja da propriedade, do contrato ou da empresa, está última que será trabalhada neste artigo. Com a Constituição de 1988, a chamada “Constituição Cidadã”, os mecanismos de busca pelo interesse social cresceu muito, de maneira que não se observa mais nenhum instituto apenas pelo prisma econômico, mas também social.
Busca-se, agora, uma completude de direitos dentro de cada instituto ou organização. Ao utilizar o exemplo de uma empresa, não se espera mais que ela apenas de lucro, apesar de continuar sendo esta a sua finalidade; não se espera mais, somente, que ela gere empregos, apesar de também ser esta a sua finalidade; se espera mais do que isso, que ela também cumpra sua função social. De acordo com Maria Christina de Almeida: “A função social da empresa representa um conjunto de fenômenos importantes para coletividade e é indispensável para a satisfação dos interesses inerentes à atividade econômica”[1] .
O conceito função social da empresa é bastante amplo e está em pleno desenvolvimento ainda, pois, como narrado anteriormente, sua pujança se deu no Brasil após a Constituição Federal de 88. Pode-se entender como função social da empresa o dever que ela tem com a sociedade de não visar apenas o lucro, mas também com o fim social de suas decisões. Sua atividade deve estar voltada a uma utilização que beneficie da sociedade, um equilíbrio entre a satisfação do empresário e da sociedade que participa da evolução desta empresa.
Trata-se da busca do equilíbrio entre o objetivo econômico da empresa e o dever social da mesma. Se por um lado é de suma importância o capital para uma empresa, seja perante a sociedade, ou até mesmo para a sua sobrevivência, o que poderia gerar uma busca incessante pelo lucro, fazendo com que o trabalhador não tivesse qualquer força dentro desse sistema. Por outro lado, porém, cresce a cada dia a preocupação social com o trabalhador, com direitos e garantias que possibilitam, ou, visam possibilitar, sua inserção social, tanto no âmbito da empresa onde trabalha, quanto na sociedade onde vive, através do trabalho.
Dentro desta possível dicotomia, entre o interesse social e o interesse econômico da empresa, encontra-se hoje na doutrina três linhas com diferentes interpretações e entendimento.
A primeira linha, mais tradicional, sustenta que não há que se falar em responsabilidade social por parte da empresa, uma vez que isso foge totalmente do seu propósito, da sua intenção e da sua função na sociedade, quer seja, a de gerar lucros, sendo seu interesse totalmente financeiro, e este, muito importante para a sociedade, não havendo que se falar em uma busca da função social pela empresa, sendo este, papel do Estado.
Nesse sentido, Friedman, apud Guimarães, diz:
- o objetivo das empresas numa economia de mercado, onde a competição é muito acirrada, é a maximização dos lucros;
- as ações dos executivos das empresas devem ser sempre voltadas para o objetivo do lucro, de forma a melhor remunerar os acionistas;
- investimento por parte da empresa na área social, para qualquer tipo de público (interno ou externo, empregados ou a sociedade) é uma forma de lesar os acionistas, de diminuir seus ganhos;
- procedendo com responsabilidade social a empresa estará se autotributando e, ao invés de ser elogiada, deveria ser processada.[2]
Já a segunda corrente é totalmente oposta a primeira, pois, entende que o dever social sempre deverá prevalecer sobre qualquer outro, inclusive, o econômico. A ideia de propriedade privada não lhes parece correta, e defendem, inclusive que não deveriam existir, devendo seus benefícios econômicos serem sempre compartilhados.
Para ilustrar o debate entre as duas correntes, veja o trecho da obra de Carlos Alberto Faracha de Castro citando passagem do professor Alfredo de Assis Gonçalves Neto:
Não se pode olvidar, também, que ‘há quem argumente que a função social da empresa é gerar lucros’, como é o pensamento de Alfredo Assis Gonçalves Neto, que escrevendo sobre a sociedade por ações, aduz que ‘não é constituída para atender o interesse público, mas para buscar o lucro no exercício de uma atividade econômica de interesse do conjunto de seus acionistas’. Ora, essa opinião, se de um lado exige respeito, de outro obriga-nos a complementá-la, no sentido de que o lucro não é proibido, podendo até ser o objetivo principal da atividade, o que, no entanto, não afasta a obrigatoriedade de sua distribuição ser compatibilizada com a satisfação dos acionistas e investidores e o imperativo de solidariedade constante na Constituição Federal, propiciando, assim, benefícios concomitantes aos trabalhadores e à comunidade em geral.[3]
A terceira linha, intermediária, e mais moderna, defende que ambos os instrumentos são importante para a sociedade. Para estes, o lucro é com certeza a finalidade de uma empresa, não havendo nada de errado em se busca-lo, porém, com consciência social, sendo que o equilíbrio entre eles pode gerar um enorme crescimento social.
O raciocínio desta corrente é que, para a empresa gerar lucro, é necessário que ela se utilize de recursos da sociedade, não só a mão de obra, mas vários outros recursos indiretos que advém da sociedade. Portanto, uma parte do que se consegue com o lucro, deve ser devolvido a esta sociedade de onde “algo” foi retirado para a obtenção do lucro.
No entendimento de Keith Daves, afirma: "A longo prazo, quem não usa poder de uma maneira que a sociedade considera responsável tenderá a perder esse poder". Ou seja, não existe mais a possibilidade de uma empresa entrar em uma sociedade, dela retirar bens e serviços, sem nada oferecer em troca.
O que esta terceira corrente espera é que a empresa observe dentro do seu prospecto, além do lucro que é sua finalidade, procure também entender antecipadamente o que chamam de “custo social”, aquilo que será utilizado do meio social, e deverá ser devolvido ou recompensado à sociedade.
A última linha parece a mais razoável, já que é impensável nos dias de hoje uma empresa que não dialoga com a sociedade e busque apoiá-la da melhor forma, afinal, este apoio é cíclico, pois, a preocupação social da empresa com aquela sociedade também voltará de outras formas para ela, pois é naquele meio que ela está inserida.
Ultrapassado então a discussão se a empresa tem ou não o dever de responsabilidade social, é preciso tentar entender qual seria essa responsabilidade. Novamente é possível identificar três correntes divergentes sobre de onde advém essa responsabilidade social, já que é indiscutível que ela exista, como visto anteriormente.
Para a primeira linha, chamada, esta responsabilidade das empresas está amplamente ligada com seu dever ético e moral. Para seus defensores a responsabilidade social da empresa é, ao mesmo tempo, uma responsabilidade moral, e, portanto, um dever, devendo ser sempre analisada no sentido de compreender se aquilo que a empresa tem feito cumpre com seu dever moral, sob o julgamento ético da sociedade.
Já para a segunda, existe um elo de ligação entre a empresa e a sociedade, uma espécie de contrato social, onde é normal que a sociedade tenha expectativas com a chegada de uma empresa e que, portanto, crie uma interação entre elas, um “contrato”.
Nesse entendimento, encontra-se os ensinamentos de Wood, apud Kreitlon:
A idéia básica por trás da responsabilidade social empresarial é que empresas e sociedade são sistemas interdependentes, e não entidades distintas; portanto, é natural que a sociedade possua certas expectativas em relação ao que sejam comportamentos e resultados corporativos adequados[4].
A terceira linha, e mais uma vez, a que nos parece mais razoável, entende que é normal que uma empresa, instalada em uma sociedade, ao longo do tempo, encontrará um equilíbrio, onde aquilo que é bom para a sociedade também é bom para a empresa.
Essa teoria vai ao encontro da teoria intermediária da responsabilidade social da empresa que presente acima, onde, por ser cíclico, tudo de bom que uma empresa faz para uma sociedade, recebe de volta de outras formas. O que fica claro nos ensinamentos de Jones apud Kreitlon:
Tirar proveito das oportunidades de mercado decorrentes de transformações nos valores sociais, se souber antecipar-se a ele o comportamento socialmente responsável pode garantir-lhe uma vantagem competitiva; uma postura proativa permite antecipar-se a novas legislações, ou mesmo evitá-las[5].
Ultrapassada a discussão se a empresa possui ou não o dever social, bem como, a melhor forma de exercê-lo, é possível a entender um pouco melhor esta função social, a partir de seus princípios norteadores.
A doutrina enumera vários princípios norteadores para o cumprimento da função social da empresa, o primeiro deles, pode parecer contraditório, mas de suma importância para o equilíbrio, quer seja o Princípio da Dignidade Empresarial. Trata-se do princípio equilibrador, onde há de se buscar, na construção de uma empresa, um equilíbrio entre sua atividade econômica e social, a busca pelo melhor custo x benefício existente nas empresas. Deverão ser sempre pautada pelos preceitos constitucionais e éticos, visando que a atividade da empresa seja sustentável.
Outro princípio norteador da função social da empresa é o Princípio da Boa-Fé Empresarial, segundo o qual, toda a atividade empresarial desenvolvida pela empresa, sobretudo os contratos, a principal forma de negócios empresariais, deverão ocorrer de forma justa. Todas as decisões empresariais deverão acontecer dentro dos limites éticos, sejam eles normativos ou socialmente impostos, pois, o que se busca é um equilíbrio entre o livre mercado e os interesses sociais, e este equilíbrio carece de uma certeza de boa-fé objetiva por parte da empresa.
Há também o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, base dos Princípios Fundamentais, cada vez mais difundido e Constitucionalmente garantido. A aplicação deste princípio no universo em questão decorre da garantia de que uma empresa não deve estar voltada somente para os fins econômicos, mas igualmente ou mais, se importando com seus trabalhadores. Aqui vale ressaltar os ensinamentos de Kant apud Zanoti:
O que tem um preço pode ser substituído por alguma coisa equivalente; o que é superior a todo preço e, portanto, não permite nenhuma equivalência, tem uma dignidade’. Substancialmente, a dignidade de um ser racional consiste no fato de que ela ‘não obedece a nenhuma lei que não seja instituída por ele mesmo’. A moralidade, como condição dessa autonomia legislativa, é, portanto, a condição da dignidade do homem e moralidade e humanidade são as únicas coisas que não têm preço [...].[6]
Além de todos estes ensinamentos doutrinários, há também a previsão de cumprimento da função social, expressamente, em texto de lei. Como é o caso do parágrafo único do artigo 116 da Lei nº 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas):
O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender[7].
Na mesma lei, em seu artigo 154 encontra-se: “O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa”[8].
Não há que se falar também em atividade empresarial, sem passar pelo artigo 170 da Constituição Federal. É totalmente possível, ou mesmo, necessário que exista um equilíbrio entre a livre iniciativa da empresa e o cumprimento da sua função social, seja a luz dos princípios já mencionados, ou mesmo do diploma legal acima transcrito.
Neste diapasão, o autor Modesto Carvalhosa tenta evidenciar que deve haver equilíbrio entre os interesses, principalmente diante da determinação expressa na lei de sociedades anônimas:
“Na composição dos diversos interesses imbricados na atividade societária encontram-se os coletivos. Cabe ao administrador proporcionar meios de maximização dos lucros sociais, desde que atendidas as exigências do bem público. Não se trata, pois, de superar o aspecto contratual de lucratividade para levar em conta outros interesses. O que deve nortear a conduta do administrador é a harmonização dos fins sociais com os demais interesses da comunidade.[9]
E continua:
A função social da empresa deve ser levada em conta pelos administradores, ao procurar a consecução dos fins da companhia. Aqui se repete o entendimento de que cabe ao administrador perseguir os fins privados da companhia, desde que atendida a função social da empresa.[10]
Ora, parece claro que a empresa deverá sim procurar a maximização dos lucros, e é este a finalidade da empresa, porém, cumprindo sua função social baseada nos princípios constitucionais pertinentes. Não é possível olhar para a empresa como instrumento exclusivo de bem estar social, sob pena dela deixar de existir, como mostra os ensinamentos de Fábio Konder Comparato:
É imperioso reconhecer, por conseguinte, a incongruência em se falar numa função social das empresas. No regime capitalista, o que se espera e exige delas é, apenas, a eficiência lucrativa, admitindo-se que, em busca do lucro, o sistema empresarial como um todo exerça a tarefa necessária de produzir ou distribuir bens e de prestar serviços no espaço de um mercado concorrencial. Mas é uma perigosa ilusão imaginar-se que, no desempenho dessa atividade econômica, o sistema empresarial, livre de todo o controle dos Poderes Públicos, suprirá naturalmente as carências sociais e evitará os abusos; em suma, promoverá a justiça social.[11]
É evidente que não cabe mais às empresas a busca somente pelo lucro, sem qualquer limite. Ao contrário, esta busca hoje, mais do que nunca, deve estar totalmente em equilíbrio com a sua função social, buscando ser uma empresa lucrativa, porém, eficiente no meio em que está inserida. Uma empresa socialmente responsável se preocupará, portanto, com o bem estar dos seus trabalhadores, com a moralidade e com o bom desenvolvimento social do meio onde está inserida.
Entretanto, o que se vê hoje em dia, é mais que isso, são empresas se preocupando também com o que está em sua volta, não mais apenas para dentro dos seus muros, mas além deles, o que pode-se chamar de solidariedade, veja os ensinamentos de Mariana Santiago:
A seu turno, o princípio da solidariedade, que sustenta a função solidária da empresa, possui uma conotação diversa, pois agrega uma ideia de que se deve também colaborar, por meio do negócio, para o desenvolvimento da sociedade, numa perspectiva de auxílio às pessoas, de uma forma positiva, inclusive sob o ângulo das gerações futuras. A função solidária da empresa é aquela que traz uma contribuição valorosa para o desenvolvimento social.[12]
Nota-se que não cabe mais a empresa somente cumprir sua função social, mas sim ir além, modificando o meio em que está inserindo, contribuindo para a mudança da realidade da sociedade local e indo além de benefícios apenas aos seus colaboradores diretos, é isso que se espera de uma empresa atenta as mudanças do mundo moderno.
2 A FUNÇÃO SOCIAL DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA
Se por um lado, em sentido lato, existe a busca pelo cumprimento da função social da empresa, por outro lado, em um sentido mais stricto, existe uma possibilidade do cumprimento desta função através do instrumento coletivo, advindo da negociação coletiva. Surge então um novo conceito de negociação coletiva, que deverá também cumprir sua função social.
A função social da negociação coletiva está intrinsecamente ligada à participação dos trabalhadores nas decisões empresariais. É através da negociação coletiva que ocorre de forma mais clara e efetiva a participação dos empregados na administração da empresa, seja sob o ponto de vista econômico, social ou mesmo na criação de melhores condições de trabalho, sendo, claramente uma evolução social.
A negociação coletiva é sem dúvida um importante instrumento e conquista social do trabalhador, reconhecido pela própria Constituição Federal de 1988, in verbis: “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho”[13].
Como é possível verificar do próprio texto constitucional, em seu caput, todos os instrumentos elencados no artigo 7º da constituição visam à melhoria da condição social dos trabalhadores, e não é diferente com a negociação coletiva.
Trata-se a negociação coletiva de instrumento democrático e de inclusão do trabalhador nas decisões da empresa. Ela tem a finalidade de colocar um uma mesa redonda os representantes da empresa e dos trabalhadores para encontrarem a melhor solução democrática para cada momento.
Por se tratar de um instrumento social, ela tem a característica flexível, podendo, em determinados momentos, se caracterizar por mais proteção aos direitos do trabalhador, e em outros momentos, atender aos interesses da empresa. É um equilíbrio entre a rigidez da lei, visando a adequação dos interesses de ambas as partes.
Além da Constituição a Consolidação das Leis Trabalhistas também buscou em seu Título VI, estabelecer as regras de negociação coletiva, porém, mantendo sempre a mesma finalidade de garanti-la como instrumento democrático de participação dos trabalhadores na administração da empresa.
Internacionalmente não é diferente, a Organização Internacional do Trabalho, principal órgão de proteção ao trabalho, é um grande incentivador das negociações coletivas, com previsão em sua convenção 163 onde se reconhece que o direito à negociação coletiva deve ser amplo e assegurado a todas as regiões e formas de organização, em qualquer nível sindical, profissional ou empresarial.
Uma das características da negociação coletiva é que de acordo com o texto da Convenção e da própria CLT, a negociação coletiva, pode ser por parte da empresa, ser conduzida por uma única entidade empresarial, porém sob o ponto de vista dos trabalhadores, deve ser, necessariamente representado por entidades profissionais organizadas (organizações de trabalhadores ou sindicatos). Porém, com a aprovação da Convenção 154 da Organização Internacional do Trabalho, a Constituição Federal reconheceu ao sindicato a obrigatoriedade na negociação de trabalho em seu artigo 8º, inciso VI, in verbis: “VI - é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho”[14].
Esta atuação sindical possui várias finalidades, quer sejam, para equilibrar o papel político-social entre a empresa e seus trabalhadores, buscando com a união da força dos trabalhadores equilibrar os poderes. A finalidade de pacificar as relações, buscando no momento da negociação coletiva resolver possíveis divergências entre empresa e trabalhador e até mesmo entendimentos divergentes da própria lei, realizando a chamada “autocomposição”.
Porém, a principal finalidade da negociação coletiva, e nosso objeto de estudo é a função social. Esta finalidade se materializa com a obtenção da ampliação de direitos dos trabalhadores, com flexibilizações de direitos favoráveis aos trabalhadores, com garantias de direitos não obrigatórios, mas que efetivam direitos sociais, como exemplo o plano de saúde.
É essencial o entendimento que apesar de buscar garantir a função social deste instrumento, sua principal característica é a de normatização, pois, uma vez realizada a negociação coletiva, seu instrumento, seja ele uma convenção coletiva, realizado entre dois sindicatos, ou mesmo um acordo coletivo, entre uma empresa e um sindicato de trabalhadores, estes instrumentos tem função normativa, inclusive, se incorporando ao contrato de trabalho.
O autor José Claudio Monteiro de Brito Filho comenta esta característica fundamental da negociação coletiva: “Observe-se que de todas estas funções, sobressai a função normativa, pois, no mais das vezes, o principal objetivo da negociação é criar normas e condições de trabalho”[15].
Tal entendimento está esculpido na súmula 277 do TST, senão veja:
Súmula nº 277 do TST
CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO OU ACORDO COLETIVO DE TRABALHO. EFICÁCIA. ULTRATIVIDADE (redação alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012
As cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho.[16]
Além do fenômeno da integralização das normas coletivas ao contrato individual de trabalho, outra característica importante desta súmula é a o da ultratividade da norma coletiva, que se efetiva pela manutenção de um benefício uma vez colocado na norma coletiva só poderá ser modificado ou suprimido através de uma nova negociação coletiva, caso contrário, permanecerá surtindo efeitos.
Esse fenômeno de valorização da negociação coletiva só ocorreu após a Constituição Federal de 1988, até então havia apenas os normativos da CLT sobre o tema, que se limitavam a disciplinar as formas como deveriam ocorrer os acordos e convenções coletivas. Somente com a CF de 88 é que se iniciou um movimento de valorização da negociação coletiva, não mais como apenas uma fase preliminar aos acordos ou convenções, mas sim, a núcleo deles, o momento efetivo da democracia caracterizada pelo diálogo entre trabalhadores e empregador.
Com a nova força normativa dada às negociações coletivas, começam então os debates sobre os limites destas negociações, ou seja, quais seriam os direitos passíveis de serem colocados na mesa de negociação para serem apreciados pelas partes? É possível encontrar várias correntes acerca do tema, mas este artigo irá se limitar neste momento a apenas duas, a primeira que defende a negociação livre e a segunda que defende a negociação regulamentada.
Aqueles que defendem a negociação livre entendem que a autocomposição é a melhor forma de encontrar a solução para os problemas e, portanto, ninguém melhor que um grupo formado pelos trabalhadores para poder escolher os direitos e deveres que melhor lhes atendem. Esta linha geralmente é desenvolvida em países onde não há regras e limites específicos para as negociações coletivas. Os críticos desta corrente afirmam que a negociação sem limites deixa de ser negociação e passa a ser “desregulamentação”.
Já a corrente contrária, defende que os limites da negociação coletiva é a lei, tudo aquilo que já está positivado, sob pena de retrocesso, inclusive social. Para estes, a flexibilização através da negociação coletiva só pode acontecer para ampliar direitos dos trabalhadores ou regular aquilo que ainda não foi regulado, mas, jamais, para retirar direitos já adquiridos pelos trabalhadores ou mesmo relativizar.
Essa discussão vem criando vários debates nos dias de hoje, principalmente na França, país que passa por uma grande crise e que está aplicando uma Reforma Trabalhista. Uma das maiores discussões que está em questão é justamente sobre os limites da flexibilização que se aproxima.
Não muito diferente é o que ocorrerá e já está ocorrendo em nosso país, onde também diante da crise estão sendo propostas medidas anticrise, dentre elas, a reforma trabalhista. Mesmo antes da propositura efetiva de tais medidas, as especulações já se resumem sobre este aspecto, de quais serão os limites para esta reforma, se respeitará o legislado, ou terá força legislativa, transformando a autocomposição em uma força superior à própria lei.
É nesse sentido que cresce cada dia mais o instituto da negociação coletiva, como meio de equilibrar as forças entre as empresas e os trabalhadores, como meio de colocar os trabalhadores, ainda que uma vez por ano, a participar das decisões da empresa, aumentando seus direitos, relativizando outros, em um conjunto de negociações, pautado por grandes debates, chegar a um instrumento democrático, que agrade a ambas as partes e que consiga deixar o trabalhador cada dia mais atendido em suas necessidades dentro do trabalho.
Essa afirmação é defendida por Valentin Carrion ao afirmar que a negociação coletiva:
Permite ao empregado influir nas condições de trabalho, tornando-as bilaterais; atenua o choque social e reforça a solidariedade do operariado; é fonte de direito (Mario de La Cueva) e não tem os inconvenientes da lentidão legislativa, experimentando medidas que poderão tornar-se, no futuro, normas gerais; é uma tentativa nobre de reabilitar a dignidade humana, aviltada pelo individualismo jurídico.; in Valentin Carrion.[17]
Ora, nos ensinamentos de Valentin Carrion resta evidente os benefícios da negociação coletiva, como força e conquista da classe operaria, que consegue através deste instrumento conquistar melhores condições de trabalhos, e mais, destaca de forma brilhante o autor, que estas conquistas, se tivessem que ocorrer pela via legislativa, poderia demorar anos até que o direito se efetivasse, diante de sua característica lentidão, sendo portanto, um instrumento de grande valia para os trabalhadores a possibilidade de poder pactuar direitos através da negociação coletiva.
Não é surpresa para ninguém que no Brasil não há ainda a cultura de participação diária dos trabalhadores nas decisões das empresas, há ainda a dicotomia clara entre os empresários, que tomam as decisões da empresa, por conhecerem melhor os números e os rumos que a empresa deverá seguir. De outro lado, tem os trabalhadores, que com sua mão de obra, permitem com que esses empresários e suas empresas consigam se alavancar no mercado.
Tem-se então um cenário onde o trabalhador, apesar de ser o instrumento da conquista dos objetivos da empresa, não consegue participar diretamente de suas decisões, por motivos que não serão apronfundados neste momento, mas que parece evidente que não acontece, já que no dia a dia da empresa as decisões cabem aos empresários.
Então não pode-se chegar a outra conclusão, senão a de que a negociação coletiva tem uma função social das mais nobres, quer seja, a de colocar, ainda que durante estas negociações, o trabalhador no papel principal, representado por um grupo de trabalhadores ou por um sindicato, sentam na mesma mesa dos representantes da empresa para negociarem melhores condições de trabalhos, às vezes, porque não, flexibilizam alguns direitos, mas cientes de tudo aquilo que tem conquistado através da negociação coletiva.
A função social da negociação coletiva passa por permitir que o trabalhador, aquele que efetivamente usufrui dos direitos legais a eles destinados, e também aquele que sofre com a falta de legalização de alguns direitos, possa, através dos instrumentos dos acordos coletivos ou convenções coletivas, adquirir uma melhor qualidade de trabalho, o que, como já dito anteriormente, pela via legislativa poderia levar anos, dada a sua lentidão em produzir as leis necessárias ao país.
3 A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA NA NEGOCIAÇÃO COLETIVA
Buscou-se evidenciar incialmente que existe uma função social por parte da empresa e que esta é, cada dia mais, uma obrigação, em alguns casos até positivada, como é o caso das Sociedades Anônimas. Tentou-se também demonstra que as negociações coletivas de trabalho também tem sua função social e a vem cumprindo de forma a dar voz ao trabalhador, equilibrando direitos e deveres através deste instituto. Chega-se, então, a conclusão que a negociação coletiva é um grande instrumento para que a empresa exerça a sua função social.
Sabe-se que hoje em dia ser empresário é buscar seus lucros, porém como já foi dito, sem se esquecer de suas responsabilidades sociais, ou seja, obter um lucro de forma sustentável, sem se esquecer da crise atual, das altas cargas tributárias e a competitividade cada vez maior diante de um mundo cada vez mais globalizado.
Tem-se então um novo conceito de empresa que continuará buscando seus lucros mesmo com as dificuldades acima expostas, porém, cada dia mais de forma sustentável, buscando cada vez mais cumprir sua função social, principalmente após a Constituição Federal de 1988, tornou-se necessário que as empresas entendessem melhor sua função na sociedade e dela se apropriasse.
É nesse cenário que com a constitucionalização da negociação coletiva, na nova constituição, em seu artigo 7º, inciso XXVI, que determinou que sejam reconhecidas as convenções e os acordos coletivos: “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho”[18].
Apesar desta determinação constitucional não estar sendo aplicada na Justiça do Trabalho, o que não será aprofundado neste momento, mas não é possível deixar de citar que, é evidente que procurou o constituinte elevar a negociação coletiva a um novo patamar, dando a ela um destaque muito grande dentro dos diretos dos trabalhadores e sendo claro na sua determinação de que estas deverão ser acolhidas.
Dois pontos certamente chamam a atenção na constitucionalização das negociações coletivas, o primeiro é que deve-se lembrar que ela foi colocada no rol do artigo 7º, onde se encontram os direitos dos trabalhadores, mas mais que isso, onde se encontram os diretos voltados à melhoria da condição social dos operários. Entendeu o constituinte que a negociação coletiva é um instrumento de melhoria da condição social dos trabalhadores, e é fundamental essa percepção para que se possa dar à negociação coletiva, o respeito que o constituinte positivou.
Outro ponto de destaque é que o constituinte, não por acaso, optou pela terminologia “reconhecer”. Quis o constituinte dizer que a negociação é fruto de um longo debate entre as partes, trabalhadores e empresa, fruto de uma autocomposição, e principalmente, substrato do melhor interesse das partes, sendo, portanto, dever de todos “reconhece-la”.
Já havia em outras Constituições, como a de 1934 e 1967 a previsão de reconhecimento dos acordos, mas somente na Constituição de 1988 esse reconhecimento foi alçado à condição de direito fundamental do trabalhador.
Esse alargamento dado à negociação coletiva é tratado por José Augusto Rodrigues Pinto, que ainda ressalta a necessidade de um estudo cada vez maior para que os direitos sociais da negociação se efetivem, in verbis:
No Brasil, depois da Constituição de 1988, que alargou expressivamente o horizonte da liberdade sindical, a Convenção Coletiva se valorizou sobremodo no conjunto dos instrumentos de negociação, experimentando, inclusive, relevantes alterações em sua disciplina legal. Por tudo isso, seu estudo recomenda pormenorização bastante cuidadosa, correspondente em seus aspectos mais polêmicos. Conhecer, saber construir e aplicar, convenientemente, a Convenção Coletiva de Trabalho, passa a ser, então, um caminho seguro para a solução de alguns dos magnos problemas de qualquer sociedade industrial.[19]
Nada mais é a negociação coletiva do que um mecanismo de equilíbrio entre os trabalhadores e a empresa, é o retrato da autocomposição, quando as próprias partes conseguem solucionar seus próprios conflitos sem a necessidade de um terceiro, são agentes de suas próprias decisões e isso só pode gerar benefícios às partes.
[...] o processo heterocompositivo, uma vez completo, dará lugar a outra figura jurídica, no seu caso a sentença (ou seu equivalente, o laudo arbitral), capaz de exprimir a solução de autoridade do árbitro ou de chancelar a solução de transigência das partes, com o exato sentido desta última palavra no Direito: ato jurídico pelo qual as partes põem termo a um litígio, mediante concessões recíprocas em torno do objeto litigioso do direito (res litigiosa).[20]
Ainda de acordo com José Augusto Rodrigues Pinto: “consiste em aproximar os interessados na solução do conflito (as representações sindicais dos empregados e das empresas, ou estas, diretamente) em volta da mesa de discussão amistosa dos interesses antagônicos”[21].
No que tange a força normativa da negociação coletiva, entende-se como sendo esta a sua finalidade. Tem o dever de gerar direitos e deveres para as partes, devendo estes ser observado tanto pela empresa, quanto por seus empregados, inclusive nas relações individuais de trabalho, uma vez que este instrumento, como já estudado, incorpora ao contrato de trabalho para todos os efeitos.
O autor Arnaldo Sussekind em consonância com essa normatização, afirma:
Como se infere, a convenção e o acordo coletivo de trabalho são, a um só tempo: a) um ato-regra, de caráter normativo, aplicável às empresas e aos empregados que pertençam ou venham pertencer aos grupos representados; b) um contrato, no que tange às cláusulas que obrigam, direta ou reciprocamente, as respectivas partes.[22]
Por se tratar de um meio muito mais efetivo, tanto do ponto de vista temporal, quanto de atender aos anseios das partes, a negociação coletiva ao ganhar força normativa, tem o condão de diminuir os litígios entre estas partes, se antecipando aos possível conflitos, uma vez que pode se amoldar a cada classe, setor ou mesmo localidade.
Nos ensinamento do professor Amauri Mascaro Nascimento encontra-se o destaque à possibilidade que possui a negociação de
ter maior possibilidade de atender as peculiaridades de cada setor econômico e profissional, ou cada empresa para a qual é instituída. A legislação é geral, uniforme, para toda a sociedade. A negociação é específica para segmentos menores. Permite a auto-regulamentação de detalhes que a lei, norma de ordem geral, para toda a sociedade, não pode nem deve reger.[23]
Essa característica de que a negociação coletiva possui um potencial de se amoldar melhor nas situações do dia a dia do que a lei, uma vez que esta é rígida e voltada para um universo muito grande de pessoas, enquanto a negociação é flexível e voltada para grupos específicos, podendo atender de forma bastante específica cada classe, respeitando inclusive características regionais e culturais que a lei jamais conseguiria atingir.
Já Maurício Godinho Delgado destaca que a negociação coletiva tem ido muito além de simples função normativa, mas sim, cumprindo um papel econômico, social e político:
De todo modo, a geração de regras jurídicas, que se distanciam em qualidades e poderes das meras cláusulas obrigacionais, dirigindo-se a normatizar os contratos de trabalho das respectivas bases representadas na negociação coletiva, é um marco de afirmação do segmento juscoletivo, que confere a ele (e à negociação coletiva) papel econômico, social e político muito relevante na sociedade democrática. [24]
Ora é exatamente estes papéis, dentre outros, que compõem a função social da negociação coletiva pela empresa. A partir do momento em que a empresa consegue realizar uma negociação coletiva justa, com ampla participação, discutindo aspectos econômicos, sociais e políticos, estará, sem sombra de dúvida cumprindo a sua função social.
Em decisão bastante recente, em 08 de setembro de 2016, ao julgar um Recurso Extraordinário, que versava sobre a sobreposição de um acordo coletivo sobre a legislação específica sobre o tema “horas in itinere”, o Ministro Teori Zavascki do Supremo Tribunal Federal, deu validade a norma que retirava dos trabalhadores o direto ao recebimento das horas in itinere, veja um trecho da decisão:
Ainda que o acordo coletivo de trabalho tenha afastado direito assegurado aos trabalhadores pela CLT, concedeu-lhe outras vantagens com vistas a compensar essa supressão. Ademais, a validade da votação da Assembleia Geral que deliberou pela celebração do acordo coletivo de trabalho não foi rechaçada nesta demanda, razão pela qual se deve presumir legítima a manifestação de vontade proferida pela entidade sindical.[25]
A princípio, pode parecer que o Ministro cometeu um atentado ao trabalhador, retirando-lhe direitos já conquistado através da lei, prevista claramente no artigo 58, § 2º da Consolidação das Leis Trabalhistas, que garante claramente o recebimento de horas in itinere aos trabalhadores que laborem em local de difícil acesso ou não servido de transporte público, e desde que a empresa lhes forneça o transporte.
Mas não, o que fez o Ministro foi justamente dar aos trabalhadores o direito de serem donos do seu próprio destino, de terem o poder de negociar através da negociação coletiva todos aqueles direitos que melhorem se amoldam a sua realidade, e diante disso, poderiam abrir mão de determinados diretos, para conseguir outros que acharem mais benéficos aquela classe, como por exemplo, abrir mão do pagamento das horas in itinere, para, em troca receberem um bom plano de saúde e um bom seguro de vida, sendo o primeiro obrigatório por lei e os demais, facultativo.
Para que esse fenômeno ocorresse, o que Teori usou foi a chamada Teoria do Conglobamento, onde um instrumento coletivo, decorrente de ampla negociação coletiva, não pode ser analisado através de cláusulas individuais, pinçadas, onde se faça a escolha de quais cláusulas “servem” e quais não “servem”. Ao contrário, o instrumento coletivo é um documento que deverá ser analisada de forma global, se aquilo que o trabalhador “abriu mão”, compensa com aquilo que o trabalhador “adquiriu” com aquela negociação. O instrumento analisado como um todo dará a noção se aquele instrumento, como um todo, é ou não razoável e não somente uma cláusula analisada de forma isolada.
Desta forma sim, conseguir-se-á chegar ao objetivo de transformar a negociação coletiva em um instrumento de personificação da função social da empresa. Terá as empresas, confiança, para transacionar melhores direitos aos trabalhadores diante de decisões como esta que garantem a validade daquilo que foi pactuado entre as partes, legitimas e capazes de se autocomporem.
É preciso também um amadurecimento dos empresários, para que entendam que é na negociação coletiva o melhor momento de ouvir uma voz que muitas vezes ficam distantes das decisões da empresas, mas que tem bons fundamentos que, se bem utilizados, poderiam levar a uma efetividade cada vez maior da empesa.
Se ambos entenderem a força da negociação coletiva, e os terceiros reconhecerem e validarem estes instrumentos, como constitucionalmente previsto, sem dúvida será possível afirmar que este será através da negociação coletiva que a empresa efetivará de forma mais célere sua função social, com efeitos, inclusive, cíclico, dos quais ela se beneficiará.
CONCLUSÃO
A modernidade nos trouxe um novo tipo de relação de emprego, cada vez mais caracterizada pela busca do social. Hoje não é mais possível se analisar uma empresa apenas pelo que esta é obrigada a oferecer aos seus trabalhadores, o prisma legal, isto já está ultrapassado.
Com a Constituição Federal de 1988, com valores e princípios de um Estado cada vez mais social, com grande preocupação com a efetividade dos direitos individuais e garantias fundamentais, as empresas também tiveram que se adaptar a essa nova realidade.
Encontra-se, então, a efetividade da função social das empresas, onde mais que apenas o lucro, elas também procuram, cada dia mais, dar melhores condições de trabalhos aos seus integrantes, e vai além, nasce também o conceito de solidariedade social, onde a empresa não se compromete apenas com aqueles que ali estão, mas com a sociedade como um todo, transformando o meio em que está inserida.
Contudo, são necessários instrumentos para que ocorra a efetivação dessa função social e solidária, e é nesse diapasão que ganha destaque a negociação coletiva. Através de acordos e convenções coletivas é possível que a empresa ofereça aos trabalhadores, seus familiares, e ao meio em que está inserido, mais do que apenas aquilo que a lei lhe a obriga, propiciando melhor qualidade de vida a esses trabalhadores e à sociedade.
É a negociação coletiva, portanto, um instrumento social, pelas suas próprias características, democrática, autônoma, heterogênea e com grandes garantidos constitucionalmente. É fonte do direito, tem força de contrato, com efeito direto no contrato individual de trabalho, motivo pelo qual, a possibilidade de efetivação social por esse instrumento, tem que ser aproveitado da melhor forma possível, tanto por trabalhadores, quanto pela empresa.
É necessário que, cada dia mais, as empresas busquem a efetivação da sua função social e da solidariedade social, buscando a mudança de vida do seu trabalhador e da sociedade a qual pertence. A negociação coletiva é, sem dúvida, uma das melhores formas para que esta efetivação ocorra.
Com o amadurecimento das relações entre sindicatos, trabalhadores e empresas, a negociação coletiva, principalmente com a decisão recente do Supremo Tribunal Federal, de prevalecer o negociado sobre o legislado, a efetivação dos direitos sociais para os trabalhadores ocorrerá de forma mais rápida e, principalmente, individualizada.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, Maria Christina de. A Função Social da Empresa na Sociedade Contemporânea: Perspectivas e Prospectivas. Unimar, Marília, v. 3, p. 141, 2003.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://sijut.fazenda.gov.br/netacgi/nph-brs?SECT1=SIATW7&d=SIAT&p=1&u=/netahtml/Pesquisa.htm&r=8&f=G&l=20&s5=(CF000000SN19881005$).CHAT.+E+CN.ORGA.>. Acesso em: 11/10/2016.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ Constitui%C3% A7 ao.htm> Acesso em: 11/10/2016.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm> Acesso em: 13/10/2016.
BRASIL. Lei n. º. 6.404 de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre a sociedade por ações. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 17 de dezembro de 1976. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6404compilada.htm>. Acesso em: 11/10/2016.
BRITO FILHO, José Carlos Monteiro de. “Direito Sindical”, São Paulo: LTr, 2ª edição, 2007, p. 148.
CARRION, Valentin. “Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho”, São Paulo: Saraiva, 26ª edição, 2001,p.450.
CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas. vol. 3. 4. ed. São Paulo : Saraiva, 2009. p.281.
CASTRO, Carlos Alberto Farracha de. Preservação da empresa no código civil. Curitiba : Juruá, 2007, p.139.
COMPARATO, Fábio Konder. O poder de controle na sociedade anônima. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1976, p. 732.
DELGADO, Maurício Godinho. Direito coletivo do trabalho. 4. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 139.
GUIMARÃES, Heloisa Werneck Mendes. Responsabilidade Social da Empresa: uma visão histórica de sua problemática. 1984. Disponível em: < http://rae.fgv.br/sites/rae.fgv.br/files/artigos/10.1590_S0034-75901984000400025.pdf >. Acesso em: 12/10/2016.
KREITLON, Maria Priscilla. A Ética nas Relações entre Empresas e Sociedade: Fundamentos Teóricos da Responsabilidade Social Empresarial. 2004. Disponível em: < http://www.gestaosocial.org.br/conteudo/quemsomos/extensao/gestao-da-responsabilidade-social-empresarial-e-desenvolvimento/bibliografia-complementar/responsabilidade-socioambiental/KREITLON,%20Maria%20Priscila.%20A%20Etica%20nas%20Relacoes%20entre%20Empresas%20e%20Sociedade.pdf >. Acesso em: 12/10/2016.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Compêndio de direito sindical. 4. ed. São Paulo: LTr, 2005, p.308.
PINTO, José Augusto Rodrigues. Direito Sindical e Coletivo do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2002. p. 220.
SANTIAGO, Mariana Ribeiro; CAMPELLO, Livia Gaigher Bósio. Função social e solidária da empresa na dinâmica da sociedade de consumo. Scientia Iuris, Londrina, v. 20, n. 1, p.119-143, abr. 2016. DOI: 10.5433/2178-8189.2016v20n 1p119. ISSN: 2178-8189. Disponível em: <http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/iuris/article/download/19877/18798>. Acesso em: 15/10/2016.
SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito constitucional do trabalho. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p.448.
ZANOTI, Luiz Antonio Ramalho. A Função Social Da Empresa Como Forma De Valorização Da Dignidade Da Pessoa Humana. 2006. Disponível em: < http://www.unimar.br/pos/trabalhos/arquivos/e8922b8638926d9e888105b1db9a3c3c.pdf >. Acesso em: 11/10/2016.
[1] Almeida, Maria Christina de. A Função Social da Empresa na Sociedade Contemporânea: Perspectivas e Prospectivas. Unimar, Marília, v. 3, p. 141, 2003.
[2] GUIMARÃES, Heloisa Werneck Mendes. Responsabilidade Social da Empresa: uma visão histórica de sua problemática. 1984. Disponível em: < http://rae.fgv.br/sites/rae.fgv.br/files/artigos/10.1590_S0034-75901984000400025.pdf >. Acesso em: 12/10/2016.
[3] CASTRO, Carlos Alberto Farracha de. Preservação da empresa no código civil. Curitiba : Juruá, 2007, p.139.
[4] KREITLON, Maria Priscilla. A Ética nas Relações entre Empresas e Sociedade: Fundamentos Teóricos da Responsabilidade Social Empresarial. 2004. Disponível em: < http://www.gestaosocial.org.br/conteudo/quemsomos/extensao/gestao-da-responsabilidade-social-empresarial-e-desenvolvimento/bibliografia-complementar/responsabilidade-socioambiental/KREITLON,%20Maria%20Priscila.%20A%20Etica%20nas%20Relacoes%20entre%20Empresas%20e%20Sociedade.pdf >. Acesso em: 12/10/2016.
[5] Ibidem. Acesso em: 12/10/2016.
[6] ZANOTI, Luiz Antonio Ramalho. A Função Social Da Empresa Como Forma De Valorização Da Dignidade Da Pessoa Humana. 2006. Disponível em: < http://www.unimar.br/pos/trabalhos/arquivos/e8922b8638926d9e888105b1db9a3c3c.pdf >. Acesso em: 11/10/2016.
[7] BRASIL. Lei n. º. 6.404 de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre a sociedade por ações. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 17 de dezembro de 1976. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6404compilada.htm>. Acesso em: 11/10/2016.
[8] Ibidem. Acesso em: 11/10/2016.
[9] CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas. vol. 3. 4. ed. São Paulo : Saraiva, 2009. p.281.
[10] Ibidem. p.282.
[11] COMPARATO, Fábio Konder. O poder de controle na sociedade anônima. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1976, p. 732.
[12] SANTIAGO, Mariana Ribeiro; CAMPELLO, Livia Gaigher Bósio. Função social e solidária da empresa na dinâmica da sociedade de consumo. Scientia Iuris, Londrina, v. 20, n. 1, p.119-143, abr. 2016. DOI: 10.5433/2178-8189.2016v20n 1p119. ISSN: 2178-8189. Disponível em: <http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/iuris/article/download/19877/18798>. Acesso em: 15/10/2016.
[13] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: < http://sijut.fazenda.gov.br/netacgi/nph-brs?SECT1=SIATW7&d=SIAT&p=1&u=/netahtml/Pesquisa.htm&r=8&f=G&l=20&s5=(CF000000SN19881005$).CHAT.+E+CN.ORGA.>. Acesso em: 11/10/2016.
[14] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ Constitui%C3% A7 ao.htm> Acesso em: 11/10/2016.
[15] BRITO FILHO, José Carlos Monteiro de. “Direito Sindical”, São Paulo: LTr, 2ª edição, 2007, p. 148.
[16] BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula nº 277. Disponível em < http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_251_300.html#SUM-277>. Acesso em: 15/10/2016.
[17] CARRION, Valentin. “Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho”, São Paulo: Saraiva, 26ª edição, 2001,p.450.
[18] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm> Acesso em: 13/10/2016.
[19] PINTO, José Augusto Rodrigues. Direito Sindical e Coletivo do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2002. p. 220.
[20] Ibidem. p. 180.
[21] Ibidem. p. 177.
[22] SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito constitucional do trabalho. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p.448.
[23] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Compêndio de direito sindical. 4. ed. São Paulo: LTr, 2005, p.308.
[24] DELGADO, Maurício Godinho. Direito coletivo do trabalho. 4. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 139
[25] Superior Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 895.759 / PE. Rel. Ministro Teori Zavascki. Disponível em < http://d2f17dr7ourrh3.cloudfront.net/wp-content/uploads/2016/09/STF-acordo.pdf >. Acesso em: 15/10/2016.
Doutorando em Direito pela PUC - São Paulo
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JUNIOR, ETINON RAMOS DE OLIVEIRA. A importância da negociação coletiva no cumprimento da função social e solidária da empresa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 out 2022, 04:17. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/59572/a-importncia-da-negociao-coletiva-no-cumprimento-da-funo-social-e-solidria-da-empresa. Acesso em: 04 dez 2024.
Por: PATRICIA GONZAGA DE SIQUEIRA
Por: Beatriz Ferreira Martins
Por: MARCIO ALEXANDRE MULLER GREGORINI
Por: Heitor José Fidelis Almeida de Souza
Por: JUCELANDIA NICOLAU FAUSTINO SILVA
Precisa estar logado para fazer comentários.