MAÍRA BOGO BRUNO[1]
(orientadora)
RESUMO: O presente artigo trata sobre a desconstitucionalização dos requisitos de aposentadoria dos servidores públicos pela Emenda Constitucional n.º 103/2019, com o objetivo de demonstrar que esta medida não contribui efetivamente para a redução do déficit previdenciário dos regimes próprios de previdência social, sendo que, em determinados casos, pode acarretar um efeito contrário daquele pretendido pela reforma da previdência. Para tanto, foi utilizada a metodologia de pesquisa jurídica com método dedutivo e com técnica exploratória, bibliográfica e documental. No decorrer do estudo verificou-se uma evolução da organização dos regimes próprios de previdência social, em decorrência das reformas previdenciárias implementadas, visando principalmente o equilíbrio financeiro e atuarial desses regimes previdenciários, todavia, a última reforma previdenciária pode colocar em risco esse equilíbrio, em razão da desconstitucionalização dos requisitos de aposentadoria. O resultado obtido foi a constatação de que a Emenda Constitucional n.º 103/2019, ao desconstitucionalizar os requisitos de aposentadoria, seguiu na contramão daquilo que foi adotado pelas reformas previdenciárias anteriores, além de possibilitar a edição de leis sem a observância dos parâmetros mínimos para efetivação do princípio constitucional do equilíbrio financeiro e atuarial, causando o aumento do déficit previdenciário do regime próprio de previdência social.
Palavras-chave: Requisitos de Aposentadoria; Receita, Despesa, Estudo Atuarial; Impacto da Reforma da Previdência.
ABSTRACT: This article deals with the deconstitutionalization of the retirement requirements of public servants by Constitutional Amendment 103/2019, with the objective of demonstrating that this measure does not effectively contribute to the reduction of the pension deficit of the own social security systems, and, in certain cases, it may have an effect contrary to that intended by the pension reform. For that, the methodology of legal research with deductive method and with exploratory, bibliographical and documentary technique was used. During the study, there was an evolution in the organization of the social security systems themselves, as a result of the implemented pension reforms, mainly aiming at the financial and actuarial balance of these social security systems, however, the last social security reform may jeopardize this balance, in reason for the deconstitutionalization of retirement requirements. The result obtained was the finding that Constitutional Amendment 103/2019, by deconstitutionalizing the retirement requirements, went against what was adopted by previous social security reforms, in addition to allowing the enactment of laws without observing the minimum parameters for the effectiveness of the pension. constitutional principle of financial and actuarial balance, causing an increase in the social security deficit of the social security system itself.
Keyword: Retirement Requirements; Revenue, Expense, Actuarial Study; Impact of Pension Reform.
1 INTRODUÇÃO
A última grande reforma da previdência no Brasil, promovida pela Emenda Constitucional n.º 103/2019 (EC 103/2019), entre outras medidas, desconstitucionalizou os requisitos para aposentadoria pelo Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) dos servidores públicos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. A referida emenda, em seu artigo 1º, alterou a redação do artigo 40 da Constituição Federal de 1988 (CF/88), especialmente o inciso III do § 1º, conforme se vê adiante.
A redação anterior à reforma previdenciária de 2019 era a seguinte:
Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.
1º Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo serão aposentados, calculados os seus proventos a partir dos valores fixados na forma dos §§ 3º e 17:
[...]
III - voluntariamente, desde que cumprido tempo mínimo de dez anos de efetivo exercício no serviço público e cinco anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria, observadas as seguintes condições:
a) sessenta anos de idade e trinta e cinco de contribuição, se homem, e cinqüenta e cinco anos de idade e trinta de contribuição, se mulher;
b) sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição. (BRASIL, 1998, não paginado).
A nova redação conferida pelo artigo 1º da Emenda Constitucional n.º 103/2019 é:
Art. 1º A Constituição Federal passa a vigorar com as seguintes alterações
[...]
“Art. 40. O regime próprio de previdência social dos servidores titulares de cargos efetivos terá caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente federativo, de servidores ativos, de aposentados e de pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial.
§ 1º O servidor abrangido por regime próprio de previdência social será aposentado:
[...]
III - no âmbito da União, aos 62 (sessenta e dois) anos de idade, se mulher, e aos 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e, no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, na idade mínima estabelecida mediante emenda às respectivas Constituições e Leis Orgânicas, observados o tempo de contribuição e os demais requisitos estabelecidos em lei complementar do respectivo ente federativo.”
[...]
§ 3º As regras para cálculo de proventos de aposentadoria serão disciplinadas em lei do respectivo ente federativo. (BRASIL, 2019a, não paginado). (grifo nosso)
De acordo com o artigo 2º, inciso II, da Orientação Normativa SPS n.º 02/2009, Regime Próprio de Previdência Social é o regime previdenciário de determinado ente federativo, que assegura aos servidores titulares de cargo efetivo e seus dependentes os benefícios de aposentadoria e pensão por morte. Tem previsão no artigo 40 da Constituição Federal e regulamentação pela Lei Federal n.º 9.717 de, 27 de novembro de 1998.
Sobre isso, o questionamento que se pretende responder no decorrer dessa pesquisa é: a desconstitucionalização dos requisitos de aposentadoria, promovida pela Emenda Constitucional n.º 103/2019 no inciso III do § 1º do art. 40 da Constituição Federal de 1988, contribui para a redução do déficit previdenciário dos Regimes Próprios de Previdência Social?
Tem como objetivo geral demonstrar que a desconstitucionalização dos requisitos de aposentadoria pode acarretar um efeito contrário daquele pretendido pela Reforma da Previdência, fazendo com que regimes próprios de previdência social aumentem ainda mais o seu déficit previdenciário.
Para tanto, os objetivos específicos serão no sentido de: a) destacar a importância do princípio do equilíbrio financeiro e atuarial para a manutenção dos regimes próprios de previdência social e o risco de sua violação decorrente da desconstitucionalização dos requisitos de aposentadoria; b) apresentar situações que podem ocorrer no âmbito dos entes federativos quando da edição de lei complementar da reforma da previdência, se não observados os preceitos que garantem o equilíbrio financeiro e atuarial dos regimes próprios de previdência social; e c) demonstrar que a edição de lei sem a observância de requisitos preestabelecidos pela norma constitucional pode levar ao aumento do déficit do regime próprio de previdência social.
Como meio para alcançar os objetivos propostos, será utilizado o método de pesquisa dedutivo, que se dará por meio da pesquisa exploratória, bibliográfica e documental da legislação previdenciária brasileira, assim como, da doutrina, jurisprudência, orientações e instruções normativas, notas técnicas e estudos atuarias relacionados à Previdência Social, especialmente no que diz respeito aos regimes próprios de previdência social. Na análise dos dados serão aplicadas as técnicas qualitativa e quantitativa.
Esta pesquisa foi motivada pela necessidade de demonstrar os impactos da desconstitucionalização para o déficit previdenciário dos regimes próprios de previdência social e poderá ser utilizado como instrumento para auxiliar os entes federativos subnacionais na definição das regras de elegibilidade de benefícios, bem como, na fixação de requisitos que possibilitem harmonia entre um benefício justo para os segurados e, ao mesmo tempo, garanta o equilíbrio financeiro e atuarial do respectivo regime próprio de previdência social.
No que se refere à estruturação desta pesquisa, a primeira seção é composta pela introdução; a segunda seção aborda de forma breve o aspecto histórico dos RPPS no Brasil, desde a Constituição Federal de 1988 até o modelo organizacional atual; a terceira seção trata sobre as reformas previdenciárias e a busca pelo equilíbrio financeiro e atuarial dos RPPS; a quarta seção discorre especificamente sobre a Emenda Constitucional n.º 103/2019, a desconstitucionalização dos requisitos de aposentaria e seus efeitos; e, por fim, a quinta seção conclui acerca das ideias e objetivos traçados no decorrer da pesquisa.
Dessa forma, a presente pesquisa contribuirá como um importante elemento de auxílio na busca pela segurança do sistema previdenciário nacional, do bem-estar social e de uma melhor qualidade de vida daqueles que tanto trabalharam e contribuíram para o desenvolvimento do nosso país.
2 HISTÓRICO DOS REGIMES PRÓPRIOS DE PREVIDÊNCIA SOCIAL NO BRASIL
A existência dos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS) assim como se conhece hoje, organizados por regras que estabelecem a obrigatoriedade das contribuições previdenciárias e a observância do equilíbrio entre as receitas e despesas, teve início apenas a partir da Emenda Constitucional n.º 20/1998.
Até então, a concessão de aposentadorias aos servidores públicos se dava com uma extensão da relação de trabalho estatutária, ou até mesmo como forma de prêmio pelos serviços prestados ao Estado. A contribuição do servidor, quando prevista, era com a finalidade de financiar os benefícios de pensões, assistência médica e auxílios aos seus dependentes (GUIMARÃES, 2011). Desta forma, a aposentadoria era paga diretamente pelo Tesouro e não dependia de contribuição previdenciária, seja do servidor ou do empregador (Estado), sendo necessário apenas a existência do vínculo funcional (DOS SANTOS; VIEIRA, 2007).
A Constituição Federal de 1988 (CF/88) não trouxe mudanças significativas em relação ao cenário anterior, pois se limitou a garantir aos servidores públicos o direito à aposentadoria, assim como ocorria nas Constituições anteriores. Somente com o advento da reforma previdenciária de 1998, surgiram os princípios básicos da exigência do caráter contributivo e do equilíbrio financeiro e atuarial que norteiam os RPPS (NOGUEIRA, 2012).
Isso se evidencia da análise da redação original do caput do artigo 40 da Constituição Federal de 1988, na redação conferida pela Emenda Constitucional n.º 20/1998. A redação original do referido dispositivo constitucional apresentava apenas o termo “o servidor será aposentado”. A redação dada pela Emenda Constitucional n.º 20/1998 foi a seguinte:
Art. 1º - A Constituição Federal passa a vigorar com as seguintes alterações:
[...]
“Art. 40 - Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.” (BRASIL, [1998], não paginado) (grifo nosso)
Importante ressaltar que a Emenda Constitucional n.º 3/1993 acrescentou o § 6º ao artigo 40 da CF/88 estabelecendo que as aposentadorias e pensões dos servidores públicos federais seriam custeadas com recursos provenientes da União e das contribuições dos servidores, na forma da lei. Com isso, a Lei Federal n.º 8.688/1993 alterou a redação do § 2º do artigo 231 da Lei Federal n.º 8.112/1990 no sentido de incluir tal obrigatoriedade. Todavia, a referida obrigatoriedade se limitou aos servidores da União, não podendo ser estendida aos servidores dos entes federativos subnacionais, uma vez que a Lei Federal n.º 8.112/1990 dispõe exclusivamente sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais.
Dias antes da promulgação da Emenda Constitucional n.º 20/1998, foi publicada a Lei Federal n.º 9.717, de 27 de novembro de 1998, que dispõe sobre regras gerais para a organização e o funcionamento dos regimes próprios de previdência social dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos militares dos Estados e do Distrito Federal. Seu artigo 1º trouxe a previsão da preservação do equilíbrio financeiro e atuarial dos RPPS, bem como, da contribuição previdenciária do respectivo ente federativo, dos servidores ativos, dos inativos e dos pensionistas (inciso II).
Entre a promulgação da Constituição Federal de 1988 e da Emenda Constitucional n.º 20/1998 foram criados aproximadamente 1.242 regimes próprios de previdência social no Brasil. Entretanto, em razão da ausência de norma que estabelecesse regras específicas para a criação e manutenção desses regimes, foram instituídos de maneira precária, o que inviabilizaria a sua permanência no médio e longo prazo caso alguma medida não fosse tomada (NOGUEIRA, 2012).
No que tange aos problemas relacionados à criação dos RPPS nesse período, destacam-se os seguintes: a) ausência de estudo atuarial prévio; b) cobertura de servidores não titulares de cargo efetivo (contratados, comissionados e temporários) e seus dependentes; c) ausência ou definição de alíquotas de contribuição insuficientes à cobertura das despesas; d) concessão de inúmeros benefícios assistenciais e auxílios; e) concessão de empréstimos com os recursos previdenciários; f) utilização indevida dos recursos e/ou aplicação em outras áreas da administração pública (NOGUEIRA, 2012).
Diante de todo esse cenário adverso, a saída encontrada pelo governo foi a realização de reformas e edição de leis para regulamentar a criação e a manutenção desses regimes previdenciários. Dentre elas, destacam-se a Lei Federal n.º 9.717/1998, a Emenda Constitucional n.º 20/1998, a Emenda Constitucional n.º 41/2003 e a Lei Federal n.º 10.887/2004, além da Emenda Constitucional n.º 103/2019.
Ao estabelecerem regras de organização e funcionamento que proporcionaram significativos avanços na sua gestão dos RPPS, as Emendas Constitucionais n.º 20/1998 e n.º 41/2003, e as Leis n.º 9.717/1998 e n.º 10.887/2004, redefiniram o marco institucional para os regimes próprios de previdência social como se conhece hoje (NOGUEIRA, 2012).
Concluídas as breves considerações acerca do histórico dos regimes próprios de previdência social no Brasil, passa-se ao estudo das reformas previdenciárias na busca pelo equilíbrio financeiro e atuarial dos RPPS.
3 AS REFORMAS PREVIDENCIÁRIAS E A BUSCA PELO EQUILÍBRIO FINANCEIRO E ATUARIAL DOS RPPS
Conforme mencionado na seção anterior, até o advento da Emenda Constitucional n.º 20/1998 (EC 20/1998) os RPPS não estavam devidamente organizados, consequentemente resultando em uma situação de déficit financeiro/previdenciário que inviabilizava a sua permanência a longo prazo.
O déficit previdenciário pode ser definido como o desequilíbrio entre as receitas e despesas de um determinado sistema ou regime previdenciário, que se configura a partir do momento que as despesas superam as receitas dentro de um determinado período. “[...] nada mais é do que o saldo operacional, ou seja, a soma das receitas das contribuições ao INSS sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho deduzidas dos benefícios previdenciários do RGPS.” (CARVALHO; CARVALHO; AIRES, 2019, não paginado).
Visando solucionar esse problema, em 1998 foram publicadas as primeiras normas que deram origem ao novo quadro de organização aplicado aos regimes próprios de previdência social, sendo a Lei Federal n.º 9.717/98 e a Emenda Constitucional n.º 20/98. Sobre o tema, Eduardo Ferreira Albuquerque e Sara Maria Rufino de Sousa (2021, p. 72) fazem a seguinte ponderação:
[...] a reforma promovida pela EC nº 20/98 inseriu no texto constitucional importantes mecanismos que visaram assegurar a sustentabilidade dos RPPS diante do cenário que se verificava naquele momento: grande expansão no número de RPPS instituídos, apenas para não sofrer a forte cobrança dos encargos previdenciários pelo INSS, sendo essa expansão também decorrente, conforme assevera Nogueira (2012), da ausência de lei federal estabelecendo normas gerais para a administração da previdência pública.
A partir de então, iniciou-se a era da busca pela manutenção do princípio do equilíbrio financeiro e atuarial dos RPPS, consagrado no artigo 40 da Constituição Federal de 1988 (CF/88). Desde então, foram criadas diversas normas (leis, decretos, portarias, orientações e instruções normativas) estabelecendo regras a serem observadas pelos entes federativos e suas respectivas unidades gestoras de RPPS a fim de alcançar tal objetivo. Também, sobrevieram novas reformas previdenciárias, a exemplo das Emendas Constitucionais n.º 41/2003 e 103/2019, de maior impacto e relevância.
Com o propósito de evidenciar as transformações realizadas por essas reformas previdenciárias, a partir deste ponto serão abordadas, de forma resumida, as principais alterações promovidas pelas Emendas Constitucionais n.º 20/1998, 41/2003 e 103/2019.
As principais mudanças promovidas pela Emenda Constitucional n.º 20/98 foram as seguintes: a) somente os servidores titulares de cargo efetivo passaram ser vinculados aos RPPS; b) inserção do caráter contributivo e da preservação do equilíbrio financeiro e atuarial dos RPPS; c) limitação do valor dos benefícios de aposentadoria e pensão à remuneração do servidor no cargo efetivo; d) aposentadoria especial de professor apenas nos casos de exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio; e) vedação da aplicação de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria pelos RPPS, exceto nas hipóteses de atividades exercidas sob condições especiais prejudiciais à saúde ou a integridade física; f) substituição do “tempo de serviço” pelo “tempo de contribuição”; g) vedação da utilização de tempo de contribuição fictício; h) vedação aos RPPS de concederem benefícios distintos daqueles previstos para o RGPS. (BRASIL, [1998])
Além disso, definiu no próprio texto constitucional os critérios para concessão das aposentadorias, conforme se vê no trecho reproduzido a seguir, da nova redação dada ao art. 40 da CF/88:
Art. 40 - Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.
§ 1º - Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo serão aposentados, calculados os seus proventos a partir dos valores fixados na forma do § 3º:
I - por invalidez permanente, sendo os proventos proporcionais ao tempo de contribuição, exceto se decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, especificadas em lei;
II - compulsoriamente, aos setenta anos de idade, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição;
III - voluntariamente, desde que cumprido tempo mínimo de dez anos de efetivo exercício no serviço público e cinco anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria, observadas as seguintes condições:
a) sessenta anos de idade e trinta e cinco de contribuição, se homem, e cinqüenta e cinco anos de idade e trinta de contribuição, se mulher;
b) sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição. (BRASIL, [1998], não paginado)
Em relação à Emenda Constitucional n.º 41/2003 (EC 41/2003), as principais mudanças foram: a) instituição da cobrança de contribuição previdenciária sobre a parcela dos proventos de aposentadoria e pensão que superassem o teto de benefício do RGPS; b) evidenciação da obrigatoriedade da cobrança da contribuição previdenciária dos entes federativos (patronal) não inferior à contribuição dos servidores da União; c) estabelecimento de nova forma de cálculo e reajustamento dos benefícios; d) redução de 30% sobre o valor das pensões que superassem o teto do RGPS; e) instituição do abono de permanência em valor igual ao da contribuição previdenciária do servidor; f) vedação da existência de mais de um RPPS e mais de uma unidade gestora em cada ente federativo. (BRASIL, [2003])
No que se refere aos requisitos de aposentadoria, a EC 41/2003 seguiu a mesma linha adotada pela EC 20/98, no sentido de manter no próprio texto constitucional (art. 40 da CF/88) os critérios para concessão dos benefícios.
Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.
§ 1º Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo serão aposentados, calculados os seus proventos a partir dos valores fixados na forma dos §§ 3º e 17:
I - por invalidez permanente, sendo os proventos proporcionais ao tempo de contribuição, exceto se decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, na forma da lei;
II - compulsoriamente, aos setenta anos de idade, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição;
III - voluntariamente, desde que cumprido tempo mínimo de dez anos de efetivo exercício no serviço público e cinco anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria, observadas as seguintes condições:
a) sessenta anos de idade e trinta e cinco de contribuição, se homem, e cinqüenta e cinco anos de idade e trinta de contribuição, se mulher;
b) sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição. (BRASIL, [2003], não paginado)
A respeito da mudança na forma de cálculo das aposentadorias, o novo modo foi regulamentado pela Lei Federal n.º 10.887, de 18 de junho de 2004, sendo aplicável aos proventos de aposentadoria dos servidores efetivos de todos os Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações. Na forma anterior o benefício era fixado com base na remuneração do servidor no cargo efetivo, correspondente à totalidade da remuneração (proventos integrais). A nova forma de cálculo passou a considerar a média aritmética dos salários de contribuição, conforme se vê adiante.
Art. 1º No cálculo dos proventos de aposentadoria dos servidores titulares de cargo efetivo de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, previsto no § 3º do art. 40 da Constituição Federa l e no art. 2º da Emenda Constitucional n.º 41, de 19 de dezembro de 2003, será considerada a média aritmética simples das maiores remunerações, utilizadas como base para as contribuições do servidor aos regimes de previdência a que esteve vinculado, correspondentes a 80% (oitenta por cento) de todo o período contributivo desde a competência julho de 1994 ou desde a do início da contribuição, se posterior àquela competência.
§ 1º As remunerações consideradas no cálculo do valor inicial dos proventos terão os seus valores atualizados mês a mês de acordo com a variação integral do índice fixado para a atualização dos salários-de-contribuição considerados no cálculo dos benefícios do regime geral de previdência social.
[...] (BRASIL, [2019], não paginado)
No que se refere à forma de reajuste, a EC 41/2003 passou a assegurar o reajustamento apenas para preservação do valor real do benefício, conforme critérios estabelecidos em lei (art. 40, § 8º, da CF/88). O novo critério foi regulamentado pelo art. 15 da Lei n.º 10.887/2004, de modo que os reajustes passaram a ocorrer na mesma data e pelos mesmos índices aplicáveis ao reajuste dos benefícios do RGPS. Diante disso, o instituto da paridade, que até então era aplicado a todos os benefícios, ficou garantido apenas nas regras de transição, aplicáveis aos servidores que ingressaram no serviço público até 31/12/2003.
Por seu turno, as principais mudanças promovidas pela Emenda Constitucional n.º 103/2019 (EC 103/2019) em relação aos RPPS foram as seguintes: a) possibilidade de os entes federativos restringirem o alcance da norma que trata do abono de permanência, estabelecendo critérios próprios para seu pagamento; b) vedação da instituição de novos regimes próprios de previdência social; c) limitação do rol de benefícios dos RPPS às aposentadorias e pensão por morte; d) transferência da responsabilidade pelo pagamento dos benefícios temporários (auxílio-doença, auxílio-reclusão, salário-maternidade e salário-família) ao Tesouro dos entes federativos; e) vedação aos Estados, Distrito Federal e Municípios de estabelecerem alíquota inferior à contribuição dos servidores da União, exceto na hipótese de ausência de déficit atuarial a ser equacionado; f) vedação do parcelamento de débitos dos entes federativos com seus RPPS em prazo superior a sessenta meses; g) restrições à acumulação de benefícios previdenciários; h) possibilidade de instituição de contribuição extraordinária, entre outras. (BRASIL, 2019a)
Além das mudanças citadas acima, há ainda aquela que diz respeito à desconstitucionalização dos requisitos para aposentadoria no âmbito dos RPPS do Estados, Distrito Federal e Municípios, que será abordada de forma específica na seção seguinte.
4 A DESCONSTITUCIONALIZAÇÃO DOS REQUISITOS DE APOSENTADORIA PELA EMENDA CONSTITUCIONAL N.º 103/2019 E SEUS EFEITOS
Apesar da adoção de todas as medidas citadas na seção anterior, a situação da existência do déficit previdenciário persiste como uma sombra que ameaça a continuidade dos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS), muito em decorrência da má gestão inicialmente empregada.
Atualmente a maioria dos regimes próprios de previdência social possuem déficit atuarial, que está diretamente ligado à forma como esses regimes previdenciários foram criados e inicialmente geridos. A necessidade de amortização desse déficit, para efetivação do princípio equilíbrio financeiro e atuarial, é um grande desafio para os governantes federais, estaduais e municipais. (NOGUEIRA, 2012).
O agravamento do cenário levou à última grande reforma previdenciária, promovida pela Emenda Constitucional n.º 103/2019 (EC 103/2019), publicada em 13 de novembro de 2019, em meio a polêmicas causadas pelo debate sobre a (in)existência do déficit no sistema previdenciário brasileiro.
Uma corrente defendia que não existe déficit previdenciário, mas sim um superávit, se considerado todo o sistema de seguridade social brasileiro, pois soma de todas as contribuições repassadas à Previdência Social (receita) supera o valor das receitas supera o valor gasto com o pagamento dos benefícios previdenciários (despesas). Já outra corrente defendia a existência do déficit e a consequente necessidade de sua amortização através da implementação da reforma (JUNIOR, 2021).
Entre as várias alterações promovidas pela Emenda Constitucional n.º 103/2019 em relação aos regimes próprios de previdência social, uma das que mais repercutirá impacto é aquela que trata da desconstitucionalização dos requisitos de aposentadoria.
Art. 1º A Constituição Federal passa a vigorar com as seguintes alterações
[...]
“Art. 40. O regime próprio de previdência social dos servidores titulares de cargos efetivos terá caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente federativo, de servidores ativos, de aposentados e de pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial.
§ 1º O servidor abrangido por regime próprio de previdência social será aposentado:
[...]
III - no âmbito da União, aos 62 (sessenta e dois) anos de idade, se mulher, e aos 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e, no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, na idade mínima estabelecida mediante emenda às respectivas Constituições e Leis Orgânicas, observados o tempo de contribuição e os demais requisitos estabelecidos em lei complementar do respectivo ente federativo.”
[...]
§ 3º As regras para cálculo de proventos de aposentadoria serão disciplinadas em lei do respectivo ente federativo. (BRASIL, 2019a, não paginado). (grifo nosso)
Sobre o assunto, os apontamentos da Secretaria de Previdência consignadas na Nota Técnica SEI n.º 12212/2019/ME são os seguintes:
24. A reforma desconstitucionalizou regras de elegibilidade da aposentadoria voluntária comum dos servidores públicos civis nos regimes próprios de previdência social dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. De acordo com o dispositivo transcrito a seguir, com exceção da idade mínima, cuja fixação exige emenda às respectivas Constituições Estaduais e Leis Orgânicas, os demais requisitos de aposentadoria deverão ser estabelecidos mediante lei complementar do respectivo ente federativo (grifos nossos):
[...]
25. Portanto, foram desconstitucionalizados os requisitos de tempo de contribuição, tempo de efetivo exercício no serviço público e de tempo no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria para todos os entes da Federação. A ausência desses parâmetros na Carta Magna implica a eficácia limitada, não autoaplicável, dessa norma constitucional de concessão do benefício de aposentadoria voluntária comum dos servidores públicos civis. (BRASIL, 2019b, não paginado).
A desconstitucionalização dos requisitos de aposentadoria transfere a cada ente federativo que possui RPPS a responsabilidade pela edição de lei complementar para regulamentá-los (requisitos e forma de cálculo e reajustamento dos benefícios), gerando uma situação de pluralidade de normas previdenciárias com requisitos diferenciados aplicáveis aos servidores públicos dos diversos entes federativos. Dessa forma, cria-se um panorama de insegurança jurídica, bem como, coloca ainda mais em risco o princípio constitucional do equilíbrio financeiro e atuarial dos RPPS, consagrado pelo artigo 40 da Constituição Federal de 1988. Nesta lógica, a seguinte constatação de Ana Cristina Moraes Warpechowski e Michele Gomes Cioccari (2020, p. 81):
Diante desse quadro, existem inúmeras dúvidas por parte dos gestores, legisladores estaduais e municipais que poderão aprofundar as desigualdades entre os requisitos de elegibilidade e regras de cálculo, até como uma forma de atrair candidatos em concursos públicos, em uma espécie de “guerra previdenciária” favorável aos entes menos deficitários. Com efeito, esses fatores poderão acentuar a insegurança e a falta de credibilidade nas regras estabelecidas, bem como levar a um aumento do número de servidores com depressão ou ansiedade.
Um dos motivos apresentados como causa do desequilíbrio financeiro e atuarial dos regimes próprios de previdência social no cenário anterior às reformas previdenciárias de 1998 e 2003 era a desarmonia e a diversidade das regras previdenciárias (NOGUEIRA, 2012). Nesse ponto, as mudanças trazidas pelas Emendas Constitucionais n.º 20/1998 e 41/2003 foi no sentido de harmonizar as regras para concessão de benefícios, de modo que, em cada uma delas, a própria norma constitucional definiu os critérios para elegibilidade de aposentadoria, que eram aplicadas a todos os RPPS em âmbito nacional.
A Emenda Constitucional n.º 103/2019, ao desconstitucionalizar os requisitos de aposentadoria, traz de volta o cenário que vigorava antes do início das normas que são consideradas um marco na organização dos regimes próprios de previdência social, cenário esse que, como já demonstrado, não se revelou o mais adequado para a manutenção do equilíbrio financeiro e atuarial dos RPPS.
Portanto, verifica-se que ao desconstitucionalizar os requisitos de aposentadoria, bem como, a forma de cálculo e reajustamento dos benefícios, criou-se um estado de insegurança jurídica em âmbito nacional. Além disso, em determinados casos, poderá ocorrer o efeito inverso àquele pretendido pela reforma da previdência, ou seja, o aumento do déficit previdenciário na hipótese de edição de norma local sem a observância dos parâmetros mínimos para a preservação do equilíbrio financeiro e atuarial do RPPS.
Exemplo prático disso se constata no Município de Jataí, Estado de Goiás, que promoveu a reforma da previdência por meio da Lei Complementar n.º 30, de 16 de dezembro de 2021, possibilitando aos servidores municipais que ingressaram no serviço público em cargo efetivo até a data início de sua vigência (21/12/2021) o direito de se aposentarem com proventos integrais e reajuste pela paridade, caso cumpram os requisitos para aposentadoria voluntária por idade e tempo de contribuição. Essa possibilidade está prevista nas regras de transição da pontuação e do pedágio, regulamentadas respectivamente pelo art. 4º, § 6º, inciso I e § 7º, inciso I e pelo art. 7º, § 2º, inciso I e § 3º, inciso I da referida Lei Complementar.
Art. 4º. O servidor público Municipal que tenha ingressado no serviço público em cargo efetivo até a data de entrada em vigor desta Lei Complementar, poderá aposentar-se voluntariamente quando preencher, cumulativamente, os seguintes requisitos:
[...]
§ 6º Os proventos das aposentadorias concedidas nos termos do disposto neste artigo corresponderão:
I - à totalidade da remuneração do servidor público no cargo efetivo em que se der a aposentadoria, observado o disposto no § 8º, para o servidor público que tenha ingressado no serviço público em cargo efetivo até a data da publicação desta Lei Complementar e que não tenha feito a opção de que trata o § 16, do art.40, da Constituição Federal, desde que tenha, no mínimo 62 (sessenta e dois) anos de idade, se mulher, e 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, ou, para os titulares do cargo de professor de que trata o § 4º, 57 (cinquenta e sete) anos de idade, se mulher, e 60 (sessenta) anos de idade, se homem;
[...]
§ 7º Os proventos das aposentadorias concedidas nos termos do disposto neste artigo não serão inferiores ao valor a que se refere o § 2º do art. 201 da Constituição Federal e serão reajustados:
I - de acordo com o disposto no art. 7º da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, se cumpridos os requisitos previstos no inciso I do § 6º; ou
[...]
Art. 7º. O segurado que tenha ingressado no serviço público em cargo efetivo até a data de entrada em vigor desta Lei Complementar poderá aposentar-se voluntariamente quando preencher, cumulativamente, os seguintes requisitos:
[...]
§ 2º O valor das aposentadorias concedidas nos termos do disposto neste artigo corresponderá:
I - em relação ao servidor público que tenha ingressado no serviço público em cargo efetivo até a data da publicação dessa Lei Complementar e que não tenha feito a opção de que trata o § 16, do art. 40, da Constituição federal, à totalidade da remuneração no cargo efetivo em que se der a aposentadoria, observado o disposto no § 8º, do Art. 4º; e
[...]
§ 3º O valor das aposentadorias concedidas nos termos do disposto neste artigo não será inferior ao valor a que se refere o § 2º do art. 201 da Constituição Federal e será reajustado:
I - de acordo com o disposto no art. 7º da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, se cumpridos os requisitos previstos no inciso I do § 2º; (JATAÍ, 2021, não paginado) (grifo nosso)
Até então as regras para concessão das aposentadorias no âmbito do JATAÍ-PREVI eram regulamentadas pela Lei Municipal n.º 2.761, de 05 de janeiro de 2007, que garantia integralidade dos proventos e o reajuste pela paridade apenas aos servidores que ingressaram no serviço público em cargo efetivo até 31/12/2003 (arts. 88, 90 e 91). Conforme mencionado na Seção 3 do presente Artigo, a EC 41/2003 em conjunto com a Lei Federal n.º 10.887/2004 definiram nova forma de cálculo (aplicação da média aritmética das remunerações de contribuição) e reajustamento dos benefícios (mesmo critério aplicável aos benefícios do RGPS), aplicáveis a todos os RPPS em âmbito nacional.
Tabela comparativa dos cenários anterior e pós-reforma da previdência no município de Jataí.
Tabela 01 – Comparação dos cenários anterior e pós-reforma[2] |
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CENÁRIO ANTERIOR |
NOVO CENÁRIO |
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Proventos integrais |
Servidores admitidos até 31/12/2003 (arts. 88 e 91 da Lei 2.761/2007) |
Servidores admitidos até 20/12/2021 (art. 4º, § 6º, I e art. 7º, § 2º, I da LCM 30/2021) |
Reajuste pela paridade |
Servidores admitidos até 31/12/2003 (art. 90 da Lei 2.761/2007 c/c art. 7º da EC 41/2003) |
Servidores admitidos até 20/12/2021 (art. 4º, § 7º, I e art. 7º, § 3º, I da LCM 30/2021) |
Proventos calculados pela média das remunerações de contribuição |
Servidores admitidos a partir de 01/01/2004 (art. 35 da Lei 2.761/2007) |
Servidores admitidos a partir de 21/12/2021 (arts. 3º e 8º da LCM 30/2021) |
Reajuste sem paridade |
Servidores admitidos a partir de 01/01/2004 (art. 37 da Lei 2.761/2007) |
Servidores admitidos a partir de 21/12/2021 (art. 8º, § 5º da LCM 30/2021) |
Fonte: Autor do Artigo (2022) |
A título de comparação, a Emenda Constitucional n.º 103/2019, ao estabelecer novas regras de aposentadoria aos servidores da União, manteve a integralidade e a paridade somente aos servidores que ingressaram no serviço público via concurso até 31/12/2003, conforme art. 4º, § 6º, inciso I e § 7º, inciso I e art. 20, § 2º, inciso I e § 3º, inciso I. Já o Município de Jataí/GO garantiu a possibilidade de aposentadoria com proventos integrais e reajuste pela paridade a todos os servidores municipais admitidos até 20/12/2021 (data imediatamente anterior à vigência da Lei Complementar n.º 30/2021), conforme tabela acima.
Ora, se no cenário anterior, em que os proventos integrais e o reajuste pela paridade eram aplicáveis apenas aos servidores admitidos até 31/12/2003, os regimes de previdência já se encontravam em situação deficitária preocupante, imagine o que poderá ocorrer quando se estende tais benefícios a toda a massa de servidores admitidos até o momento da respectiva reforma previdenciária. A tendência é o aumento significativo do déficit atuarial do regime próprio de previdência.
Isso se evidencia quando da análise das Reavaliações Atuariais[3] do Fundo Municipal de Previdência Social dos Servidores de Jataí (JATAÍ-PREVI) nos anos de 2021 (anterior à reforma) e 2022 (posterior à reforma), conforme tabela abaixo.
Tabela 02 – Demonstração do aumento do déficit atuarial[4] |
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Estudo Atuarial |
Data Focal |
Déficit Atuarial |
Reavaliação Atuarial 2021 |
31/12/2020 |
R$ 534.008.494,75 |
Reavaliação Atuarial 2022 |
31/12/2021 |
R$ 616.958.116,46 |
Fonte: Autor do Artigo (2022) |
Diante disso, a tendência é que o déficit atuarial do JATAÍ-PREVI aumente ainda mais nos próximos anos, quando os benefícios de aposentadoria voluntária por idade e tempo de contribuição baseados na Lei Complementar n.º 30/2021 começarem a ser concedidos (com integralidade) e reajustados (pela paridade), configurando ganho real sobre os proventos, fato esse que deverá ser considerado nas reavaliações atuariais, conforme dispõe o art. 38 da Portaria MTP n.º 1.467, de 02 junho de 2022.
O exemplo prático demonstrado evidencia que a desconstitucionalização dos requisitos de aposentadoria não se revela como medida efetiva para a manutenção do equilíbrio financeiro e atuarial dos RPPS. A transferência da responsabilidade de definição dos requisitos de aposentadoria e forma de cálculo e reajustamento dos benefícios aos entes federativos subnacionais possibilita o surgimento de leis previdenciárias que beneficiam em demasia os servidores, em detrimento da saúde financeira do respectivo regime próprio de previdência.
Por todo o exposto, conclui-se que a desconstitucionalização dos requisitos de aposentadoria pela Emenda Constitucional n.º 103/2019 não contribui para a redução do déficit dos regimes próprios de previdência social, pois, à medida que se transfere a responsabilidade e a liberdade para que os entes federativos subnacionais regulamente a matéria, abre-se a possibilidade de edição de leis sem a observância dos cuidados mínimos para efetivação do princípio constitucional do equilíbrio financeiro e atuarial dos regimes próprios de previdência social, consagrado no art. 40 da Carta Magna e no art. 1º da Lei Federal n.º 9.717/1997.
Isso ficou demonstrado de forma prática no exemplo apresentado do Município de Jataí, Estado de Goiás, onde houve aumento do déficit atuarial após da reforma da previdência municipal, que estendeu a integralidade dos proventos e o reajuste com paridade a todos os servidores admitidos até a data da publicação da Lei Complementar Municipal n.º 30/2021, quando a regra anterior limitava tal direito somente aos servidores admitidos até 31/12/2003. Ou seja, o legislador municipal deixou de observar o princípio do equilíbrio financeiro e atuarial do RPPS quando da edição da referida Lei Complementar.
Conforme demonstrado ao longo do presente trabalho, as reformas previdenciárias promovidas a partir da Constituição de 1988 foram no sentido de buscar o equilíbrio financeiro e atuarial dos RPPS, todavia, sempre mantendo a uniformidade das regras de benefícios, fugindo do modelo anteriormente adotado que não se revelou eficaz, o da pluralidade de normas previdenciárias. A desconstitucionalização dos requisitos de aposentadoria dos servidores públicos vai na contramão daquilo que vem sendo aplicado nas três últimas décadas, fazendo ligar o alerta daquilo que poderá ocorrer nos próximos anos em relação ao déficit previdenciário dos regimes próprios de previdência social.
Por fim, diante dessa nova realidade, é imprescindível que os entes federativos tenham prudência e sensatez quando da edição de lei local para reforma previdenciária no âmbito dos seus respectivos regimes de previdência, a fim de garantir a efetividade do princípio constitucional do equilíbrio financeiro e atuarial dos RPPS em harmonia com o direito à previdência social, previsto no artigo 6º da Constituição Federal de 1988.
REFERÊNCIAS
ALBUQUERQUE, Eduardo Ferreira; DE SOUSA, Sara Maria Rufino. A reforma da previdência nos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS) dos municípios paraibanos - o que mudou um ano após a promulgação da Emenda Constitucional (EC) nº 103/19. Regimes Próprios: aspectos relevantes, v. 15. Lucia Helena Vieira (coord.). São Bernardo do Campo: APEPREM, 2021. Disponível em: https://www.abipem.org.br/wp-content/uploads/2021/09/LIVRO-REGIMES-PROPRIOS-15.pdf. Acesso em: 02 jun. 2022.
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2022]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 5 set. 2022.
BRASIL. [Constituição (1988)]. Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998. Brasília, DF: Presidência da República, 1998. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc20.htm. Acesso em: 17 set. 2022.
BRASIL. [Constituição (1988)]. Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003. Brasília, DF: Presidência da República, 2003. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc41.htm. Acesso em: 17 set. 2022.
BRASIL. [Constituição (1988)]. Emenda Constitucional nº 103, de 12 de novembro de 2019. Brasília, DF: Presidência da República, 2019a. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc103.htm. Acesso em: 05 set. 2022.
BRASIL. Lei nº 10.887, de 18 de junho de 2004. Brasília, DF: Presidência da República, [2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.887.htm. Acesso em: 18 set. 2022.
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JATAÍ. Lei nº 2.761, de 05 de janeiro de 2007. Dispõe sobre a reestruturação do Regime Próprio de Previdência Social do Município de Jataí/GO. Jataí, GO: Câmara Municipal, [2022]. Disponível em: https://www.jatai.go.leg.br/ta/368/text?. Acesso em: 24 set. 2022.
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[1] Mestra Professora da Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraíso do Tocantins (FCJP). E-mail: [email protected]
[2] As informações da Tabela 01 foram obtidas da análise comparativa entre as regras de aposentadorias previstas na Lei Municipal n.º 2.761/2007 e Lei Complementar Municipal n.º 30/2021, disponíveis nos endereços eletrônicos https://www.jatai.go.leg.br/ta/368/text? e https://www.jatai.go.leg.br/ta/8682/text?, respectivamente. Acesso em: 24 set. 2022.
[3] As Reavaliações Atuariais utilizadas como fonte para os valores do déficit atuarial nos anos de 2021 e 2022 são documentos públicos e podem ser consultados junto ao Fundo Municipal de Previdência Social dos Servidores de Jataí (JATAÍ-PREVI), situado à Rua Osvaldo Cruz, n.º 1621, Setor Samuel Grahan, Jataí - GO, CEP 75804-070.
[4] As informações da Tabela 02 foram extraídas dos relatórios das reavaliações atuariais de 2021 e 2022 do JATAÍ-PREVI.
Graduando do curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraíso do Tocantins (FCJP).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Romário Feitosa de. A desconstitucionalização dos requisitos de aposentadoria promovida pela Emenda Constitucional n.º 103/2019 e o déficit da Previdência dos regimes próprios de Previdência Social Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 out 2022, 04:41. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/59608/a-desconstitucionalizao-dos-requisitos-de-aposentadoria-promovida-pela-emenda-constitucional-n-103-2019-e-o-dficit-da-previdncia-dos-regimes-prprios-de-previdncia-social. Acesso em: 04 dez 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
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