RESUMO: Durante o período pandêmico da COVID-19, ocorreu um aumento da demanda judicial em relação a efetivar o Direito à Saúde perante à população brasileira, ocorrendo um aumento da Judicialização da Política pelo Poder Judiciário. Assim, esta pesquisa visa abordar como vem sendo tratado e efetivado o Direito à Saúde através do Poder Judiciário, no Brasil, durante a Crise Sanitária Mundial da COVID-19. O objetivo deste artigo é analisar a atuação do Poder Judiciário mediante a Judicialização da Saúde em função de promover a efetividade de um direito garantido constitucionalmente, o Direito à Saúde, no contexto pandêmico atual. A metodologia empregada nesta investigação é a hipotético-dedutiva e a técnica de pesquisa bibliográfica a fim de analisar e contextualizar diversos estudos de renomados autores relativos à atuação do Poder Judiciário para efetivar o Direito à Saúde mediante o mecanismo da Judicialização da Política durante a Pandemia da COVID-19.
PALAVRAS-CHAVE: Direito Constitucional. Direito à Saúde. Poder Judiciário. Covid-19. Judicialização da Política.
1. INTRODUÇÃO
Este presente estudo tenciona abordar como vem sendo tratado e efetivado o Direito à Saúde através do Poder Judiciário, no Brasil, durante a Crise Sanitária Mundial da COVID-19. Sendo assim, o objetivo deste artigo é analisar a atuação do Poder Judiciário mediante a Judicialização da Saúde em função de promover a efetividade de um direito garantido constitucionalmente, o Direito à Saúde, no contexto pandêmico atual. A justificativa deste trabalho surge através da demanda de pesquisa desenvolvida ao decorrer das aulas e debates da disciplina de “Direito da Seguridade Social” ministradas na Universidade Federal do Rio Grande (FURG) no curso de Direito Bacharelado no ano de 2021.
A metodologia empregada nesta investigação é a hipotético-dedutiva que, consoante Popper (1993), desenvolve-se através de uma problemática (dificuldades para efetivar o Direito à Saúde), dentro de uma conjuntura (a pandemia da Sars-Cov-2), que se submete a sucessivos testes de falseamento. Por esse viés, criar-se-á, então, hipóteses possíveis para a atuação do Poder Judiciário para efetivar o Direito à Saúde mediante o mecanismo da Judicialização da Política. Ademais, utilizar-se-á a técnica de pesquisa bibliográfica a fim de analisar e contextualizar diversos estudos de renomados autores relativos a esta temática.
Nesse contexto, observa-se que o vírus da COVID-19, o Sars-Cov-2, tem se alastrado por todos os países do mundo, afetando todas as regiões e populações desde dezembro de 2019 (GARIBOTI, 2021). Observa-se que este surto gripal que surgiu em 2019 na China, mais precisamente na cidade de Wuhan, já levou ao óbito cerca de 5.664.604 (cinco milhões, seiscentos e sessenta e quatro mil, seiscentos e quatro) pessoas no mundo todo, sendo 626.854 (seiscentos e vinte e seis mil, oitocentos e cinquenta e quatro) mortos somente no Brasil, até o início do ano de 2022, além de milhões de pessoas que foram contaminadas pela doença e conseguiram se recuperar, conforme dados divulgados pelo Ministério da Saúde (2022).
Assim, convém ressaltar que a Seguridade Social é verificada como um sistema que vem sendo debatido pelo meio social, prioritariamente pelas Reformas constitucionais recentes e vigentes, especialmente em função do enfrentamento do atual contexto da COVID-19. Tem-se que a pandemia vigente exigiu e exige uma drástica mudança da maneira de atuar, de agir, de trabalhar e de relacionamentos interpessoais em relação a alta taxa de disseminação e letalidade viral (NETO et al., 2021).
Durante o momento pandêmico do Sars-Cov-2, a saúde, sendo esta uma das bases do tripé da Seguridade Social, teve grande ênfase e repercussão, principalmente, no âmbito da saúde pública, se tornando um vasto ponto de prioridade e atenção no Brasil. Com isso, sabe-se que o direito à Saúde é de suma importância, pelo viés de que está interligado com o Direito à vida, sendo os dois garantidos constitucionalmente. Torna-se cristalino, assim, a imprescindibilidade de ampliar o investimento em políticas públicas que visem a concretização do direito à saúde, a fim de controlar e minimizar a conjuntura da atual pandemia e erradicar as possíveis futuras pandemias (NETO et al., 2021).
Em relação ao mencionado alastramento do vírus de maneira rápida, vê-se que o sistema de saúde não teve forças nem estrutura para conseguir controlar e reduzir os danos virais nas pessoas em todas as regiões acometidas pelo Novo Coronavírus. Sendo assim, ocorreu uma repressão da busca de atendimentos, em função dessa falta de infraestrutura do sistema público de saúde, e isso foi e é tema de várias demandas judiciais, levando, então, ao aumento da Judicialização da Política pelo Poder Judiciário (SILVA, 2020).
Em função da violação ou omissão do Estado em relação aos direitos assegurados pela Constituição de 1988, principalmente o Direito à Saúde, o Poder Judiciário passou a ser o detentor da esperança da população em terem assegurados e efetivados seus direitos garantidos. Desse modo, o Poder Judiciário, possuindo métodos mais céleres de resolver empecilhos sociais, visto que a população presa por essas medidas rápidas de efetivação de direitos, teve a sua atuação junto e o seu papel de Judicialização da Política ainda mais requisitados durante a pandemia (SILVA, 2020).
Nesse sentido, faz-se necessário a análise acerca da Judicialização da Saúde para garantir e efetivar o direito à Saúde no contexto COVID-19. Assim, dividir-se-á o presente estudo em três partes, de modo que, primeiramente, irá ser elucidada a explicação junto à conceitualização do fenômeno da Judicialização da Política, posteriormente, irá ser contextualizado a garantia constitucional do Direito à Saúde e, por fim, explicar-se-á sobre como este direito é garantido mediante a atuação do Poder Judiciário.
2. O MECANISMO DA JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA
A priori, faz-se imprescindível realizar uma explanação acerca do mecanismo da Judicialização da Política, a fim de entender melhor a sua relação com a efetivação do Direito à Saúde em tempos de pandemia de COVID-19. Com isso, partir-se-á do pressuposto de que a judicialização da política surge em um contexto de maior aderência qualitativa e quantitativa do Poder Judiciário no âmbito político.
Sendo assim, observa-se que, através da judicialização da política, acaba ocorrendo uma expansão da significância e importância da atuação efetiva do Poder Judiciário em relação à vida social, política e econômica. Este mecanismo, típico de democracias consolidadas, foi decorrente de vastas peculiaridades e de condicionantes experimentadas na ordem pública, econômica e social, de modo que promoveu resultados significantes na democracia brasileira (VERBICARO, 2008).
Nessa perspectiva, compreende-se que o Poder Judiciário acaba por adquirir um protagonismo em sua atuação, no instante em que essa característica advém da própria Constituição de 1988. Assim, destaca-se que a Carta Constitucional de 1988 proveu legitimidade para aquele Poder agir/atuar no âmbito político, com o objetivo proteger o amplo rol de direitos fundamentais que começaram a receber garantia de proteção jurídica. Ficou estabelecido, então, além da legitimidade, os delineamentos e limitações institucionais de atuação política e democrática, de maneira que o Poder Judiciário é o responsável e competente para promover respeito aos núcleos constitucionais supramencionados (VERBICARO, 2008).
A atuação do judiciário em decisões que influenciam todos os aspectos da vida social é cada vez mais observada no cenário mundial. Já faz tempo que juízes têm ocupado o espaço da política na distribuição de direitos garantidos através de políticas públicas. Determinar o limite de atuação do Judiciário frente a estas políticas é o que se propõe, de forma a delimitar o que é a função jurisdicional, de obrigar os Poderes Executivo e Legislativo a agirem e executarem a função de fazer com que políticas públicas sejam efetivadas, sem que haja uma intromissão na competência de outros poderes, e sem que se estabeleça um ativismo judicial. (ENGELKE et al, 2017, p. 96).
O fenômeno da Judicialização da Política propicia e contribui para uma padronização interativa entre os três poderes do Estado (Judiciário, Legislativo e Executivo). Por esse viés, o meio democrático evidencia um requisito da ampliação do poder de atuação judicial, integrando a jurisdição constitucional na esfera de criação de políticas públicas, sendo entendida como um desdobramento das democracias contemporâneas (CASTRO, 1997).
Nesse sentido, faz-se imprescindível verificar que ocorre a judicialização da política no momento em que os tribunais judiciários são requisitados para se pronunciarem no âmbito onde a atuação do Poder Legislativo e do Poder Executivo se mostram ineficazes, não suficientes e nada satisfatórios. Dessa maneira, de acordo com o pesquisador Marcos Faro de Castro (1997, p. 4) nota-se que o Poder Judiciário no Brasil, principalmente após 1988, “passou a interagir com o sistema político, num processo complexo, do qual participam: (a) os tribunais judiciais, [...] (b) governo e partidos políticos; (c) associações profissionais relevantes [...] e (d) a opinião pública”.
Ademais, convém, então, realizar a explanação de que, a partir da judicialização da política, as matérias que - em um primeiro plano - seriam consideradas típicas do âmbito de deliberação do Poder Legislativo ou do Poder Executivo vêm sendo, constantemente, resolvidas/decididas/concretizadas pelo Poder Judiciário, mais precisamente pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Sendo assim, retrata-se que, consoante à Silva (2020, p. 335), o Poder Judiciário “ganhou o papel de efetivador de direitos sociais, em especial do direito à saúde, diante da violação ou inércia do Estado, ressaltando que tal direito, diante da sua importância e magnitude, normalmente, anseia por medidas céleres”.
A trajetória do processo de judicialização no Brasil nos permite afirmar mais claramente a existência no país de um modelo mais soberano e deliberativo, em contraste com o modelo norte-americano, que seria mais liberal e menos pautado pela soberania. Nesse sentido, são dois os avanços que propomos [...]: em primeiro lugar, o elemento soberano do processo de emenda constitucional é fundamental para a adaptação do constitucionalismo a novos contextos políticos; em segundo lugar, a questão fundamental não é a presença de corpos jurídicos mais próximos da sociedade civil e sim uma flexibilidade em torno ao processo de emendas que permite que o sistema político tenha um papel na adaptação do constitucionalismo ao contexto político (AVRITZER, 2014).
Destarte, então, que a judicialização da política acaba por refletir o aumento da aderência do Poder Judiciário na esfera dos processos decisórios, principalmente de promoção/conformação/constituição de políticas públicas, em democracias da contemporaneidade. A judicialização da política é um mecanismo fenomenológico que (re)ajusta e (re)coloca o ideal do conteúdo e da matéria democrática do intervencionismo judiciário, de modo que, em determinadas situações, essa intervenção pode promover uma expansão do controle de legalidade - impondo um garantismo maior/mais ousado dos direitos dos cidadãos (AVRITZER, 2014).
3. O DIREITO À SAÚDE E OS PROBLEMAS E DIFICULDADES DE SUA EFETIVAÇÃO DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19
Os direitos sociais, direitos de segunda geração, surgem a partir do século XX, adotados pelo constitucionalismo do Estado Social (Constituição Mexicana e Constituição de Weimar), e compõem-se dos direitos que envolvem prestações positivas do Estado aos indivíduos (políticas e serviços públicos). Sendo assim, expõe-se que esses direitos (sociais) são os direitos à educação, à saúde, à alimentação, ao trabalho, à moradia, ao transporte, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção à maternidade e à infância, à assistência aos desamparados, conforme o artigo 6º da Constituição Federal de 1988.
Com o advento da Constituição de 1988, o direito à saúde tornou-se uma prestação positiva a ser implementada pelo Estado (Social de Direito), tendo como objetivo a melhoria de condições de vida, visando uma isonomia substancial e social (LENZA, 2021). Portanto, a saúde é um direito de todos e dever do Estado, para redução de risco de doenças e de outros agravos (art. 196, CRFB/88).
Desse modo, elucida Lenir Santos:
Diante do conceito afirmado pela Constituição de que ‘saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação’, abandonou-se um sistema que apenas considerava a saúde pública como dever do Estado, no sentido de coibir ou evitar a propagação de doenças que colocassem em risco a saúde da coletividade, e assumiu-se que o dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais, além da prestação de serviços públicos de promoção, prevenção e recuperação da saúde. A visão epidemiológica da questão saúde/doença, que privilegia o estudo de fatores sociais, ambientais, econômicos e educacionais que podem gerar enfermidades, passou a integrar o direito à saúde. Esse novo conceito de saúde considera seus determinantes e condicionantes (alimentação, moradia, saneamento, meio ambiente, renda, trabalho, educação, transporte etc.) e impõe aos órgãos que compõem o Sistema Único de Saúde o dever de identificar esses fatos sociais e ambientais, e ao governo o de formular políticas públicas condizentes com a melhoria do modo de vida da população (art. 5º, Lei nº 8080/90). (SANTOS, 2010, p. 147-148).
Logo, a Constituição de 1988 inaugurou em seu rol de direitos sociais, o direito à saúde, universalizando o acesso ao sistema público de saúde, sem qualquer discriminação. Dado que em Constituições anteriores este direito não era universal, limitando-se, somente, a trabalhadores contribuintes da Previdência Social (BRASIL, 2020).
Todavia, o direito à saúde deve ser compreendido de maneira ampla, não limitando-se, somente, ao atendimento médico-hospitalar. Este envolve a ampla qualidade de vida, em conjunto a outros direitos básicos, previstos na Constituição, como a educação, saneamento básico, segurança e atividades culturais.
É notório que o direito à saúde no Brasil, mesmo sendo garantido constitucionalmente, não é universal e, consequentemente, de difícil acesso. Nesse sentido, dados obtidos pelo jornal O Globo (2021), em março de 2021, mostram que as vagas de UTI se esgotaram em três estados e em outros quatorze estados a taxa de ocupação passa dos 90%. Do mesmo modo, segundo o Governo do Paraná, em 16 dias, 523 pessoas morreram em decorrência da Covid-19 à espera de leitos de UTI e enfermaria (PARIS et al, 2021).
Bem como, segundo a Secretaria de Saúde do Distrito Federal, dentistas e anestesistas foram convocados para atender pacientes com Covid-19, dada a falta de profissionais aptos para atendimentos dos mesmos. Relata ainda, a Secretaria de Saúde, a falta de 18 medicamentos usados na UTI, como medicamentos essenciais para intubação e alívio de dores agudas (PELLEGRINI, 2021)
A Carta Magna impõe ao Estado o dever de garantir o direito à saúde (art. 196). Entretanto, o Estado vem deliberadamente dificultando o acesso à saúde à população, dado que, este vem executando massivos cortes na saúde, como o corte de verba de 72% dos leitos de UTI para Covid-19 e o não repasse de R$ 22 bilhões para o SUS, advindos de créditos extraordinários abertos especificamente para gastos no controle da pandemia, aumentando, assim, o colapso no sistema de saúde (CASADO, 2021).
Embora a Constituição Federal de 1988 assegure o acesso à saúde como direito de todos os cidadãos, percebe-se que, na atual realidade brasileira, não há o cumprimento dessa garantia, principalmente no que diz respeito ao acesso ao SUS durante a pandemia de Covid-19. Isso acontece devido à falta de leitos de UTI, profissionais qualificados e medicamentos em todo país, junto ao demasiado corte de verbas à saúde.
4. A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE DURANTE A PANDEMIA DO SARS-COV-2
Após a compreensão acerca da garantia constitucional ao Direito à Saúde, verifica-se a universalidade do mesmo, junto à imposição legislativa constitucional da promoção de políticas públicas, de maneira a objetivar a diminuição do risco de doenças e dos demais agravos. Assim, verifica-se a necessidade de projetos de políticas, seja de cunho social, seja de cunho econômico, que disponham acerca do efeito de uma doença e, também, da causa de forma preventiva.
Com isso, traz-se à tona a questão da justiciabilidade, que, de acordo com Courtis (2008), expressa que os indivíduos que sentirem-se vitimados por violações aos seus direitos sociais poderão promover/ajuizar demandas no judiciário - autoridade imparcial - a fim de objetivarem o requerimento de remédios legais ou a reparação frente a uma violação ou ameaça aos seus direitos. De acordo com a estudiosa Larissa B. da Silva (2020, p. 344), observa-se que no instante em que o indivíduo tiver o sentimento que que está sendo impedido de “buscar e ter acesso a todos os meios necessários à concretização do seu direito à saúde em suas mais diversas esferas, poderá, através do Poder Judiciário compelir o Estado a efetivar o referido direito por meio de todas as formas possíveis e necessárias”.
No Brasil a justiciabilidade ganha ainda mais força em razão do princípio da inafastabilidade de jurisdição, princípio este que ganhou voz na Constituição Federal de 1946, mais especificamente no artigo 141, §4º, ao dispor que a lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual. A atual Constituição Federal, no artigo 5º, XXXV, consagrou de vez a inafastabilidade da jurisdição ao dispor que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. (SILVA, 2020, p. 344).
Sendo assim, vê-se que, em função desse rol de direitos garantidos, acabou ocorrendo uma elevação das expectativas dos cidadãos de requererem que seus direitos fossem cumpridos, no instante em que a insuficiente ou não existente execução das políticas públicas terminou por se transformar em um enorme proporcionador/promotor/propulsionador de demandas judiciais. Por esse viés, como o Estado “não consegue suprir as necessidades e anseios sociais para a garantia dos direitos constitucionalmente positivados” (SILVA, 2020, p. 344), o Poder Judiciário acaba por adquirir mais proeminência no âmbito de efetivar e materializar os direitos requeridos pela população.
Nessa perspectiva, para fins de esclarecimento, faz-se imprescindível destacar que a judicialização da saúde caracteriza-se pela utilização do Poder Judiciário para suprir demandas, impondo aos entes federativos e/ou autarquias e fundações o acesso a medicamentos, órteses, próteses, tratamentos, cirurgias, medicamentos e leitos. Nesse sentido, esclarece o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS) que a judicialização da saúde é entendida “como o fenômeno das ações judiciais contra o Sistema Único de Saúde (SUS) que pedem o fornecimento de tratamentos médicos com base no direito constitucional à saúde” (BRASIL, 2021).
A judicialização da saúde no Brasil surgiu na década de 90, devido ao alto número de pessoas com HIV/AIDS, momento em que a população buscava medicamentos retrovirais, estes não eram fornecidos de forma gratuita pelo SUS. Desse modo, o Supremo Tribunal Federal foi acionado, através do Recurso Extraordinário nº 271.286/RS, concedendo acesso aos medicamentos retrovirais, com base no dever constitucional do Poder Público (CF, art. 5°, caput, e 196).
Em adendo, relata-se que, diante da pandemia de Sars-Cov-2, a ausência de estrutura e de efetivas políticas públicas na esfera da saúde pública brasileira acabou se tornando ainda mais latente. A fim de tentar possibilitar que o direito à saúde da população brasileira fosse respeitado frente à pandemia de COVID-19, o Poder Judiciário entra em ação para determinar “as medidas a serem tomadas, assim como a urgência dessas medidas, sejam na esfera individual como na esfera coletiva quando se está em busca da preservação e defesa do direito à saúde” (SILVA, 2020, p.348), em função de que a crise sanitária expressa causou e vem causando um crescente e elevado número de óbitos, além de comorbidades e consequências da saúde pós-COVID (sequelas) para muitas pessoas.
Destarte, a judicialização da saúde acarreta em um grande volume processual, consoante aos dados obtidos pelo Jornal Jota, expõem-se que tramitou no Poder Judiciário em 2020 a quantidade de 339.964 demandas judiciais sobre saúde (SCHULZE, 2021). Vejamos:
Assunto |
Quantidade |
Saúde (direito administrativo e outras matérias de direito público) |
41.106 |
Fornecimento de medicamentos – SUS |
72.770 |
Tratamento médico-hospitalar – SUS |
29.021 |
Tratamento médico-hospitalar e/ou fornecimento de medicamentos – SUS |
31.952 |
Assistência à Saúde/servidor público |
36.088 |
Assistência médico-hospitalar (militar) |
8.586 |
Ressarcimento ao SUS |
697 |
Direito da saúde pública (ressarcimento) |
735 |
Reajuste da tabela do SUS |
298 |
Convênio médico com o SUS |
430 |
Direito da saúde (convênio médico com o SUS) |
580 |
Repasse de verbas do SUS |
144 |
Direito da saúde (repasse de verbas do SUS) |
318 |
Terceirização do SUS |
1.751 |
Saúde suplementar |
21.881 |
Planos de saúde (direito do consumidor) |
71.114 |
Serviços hospitalares – Consumidor/plano de saúde |
12.331 |
Plano de saúde (direito do trabalho) |
13.694 |
Taxa de saúde suplementar (tributário) |
471 |
Doação e transplante órgãos/tecidos |
266 |
Direito administrativo (doação e transplantes de órgãos) |
1.469 |
Saúde mental (direito administrativo) |
2.321 |
Controle social e Conselhos de saúde |
2.901 |
Hospitais e outras unidades de saúde |
6.596 |
Erro médico |
36.619 |
Tratamento da própria saúde (servidor público) |
4.974 |
Direito da saúde |
1.855 |
Direito da saúde pública (SUS) |
2.996 |
TOTAL |
339.964 |
Fonte: Elaborado por Clenio Jair Schulze (2021).
À vista disso, convém retratar que o STF reafirmou a competência de estados e municípios para tomarem medidas contra a COVID-19 (ADI 6.341):
EMENTA: REFERENDO EM MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DA INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO À SAÚDE. EMERGÊNCIA SANITÁRIA INTERNACIONAL. LEI 13.979 DE 2020. COMPETÊNCIA DOS ENTES FEDERADOS PARA LEGISLAR E ADOTAR MEDIDAS SANITÁRIAS DE COMBATE À EPIDEMIA INTERNACIONAL. HIERARQUIA DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. COMPETÊNCIA COMUM. MEDIDA CAUTELAR PARCIALMENTE DEFERIDA. (STF - MC-ED ADI: 6.341 DF - DISTRITO FEDERAL 0088693-70.2020.1.00.0000, Relator: Min. Marco Aurélio, Data de Julgamento: 15/04/2020, Data de Publicação: DJe-097 23/04/2020).
Desse modo, pode-se citar também os processos ACO’s 3.473, 3.474, 3.475, 3.478 e 3.483, nos quais o Supremo Tribunal Federal ordenou que a União volte a custear de leitos de UTI nos estados do Maranhão, São Paulo, Bahia, Piauí e Rio Grande do Sul, pode-se citar, ainda, o processo MS 28346, que negou a análise de pedido de suspensão de passaporte da vacina para viagens ao Brasil. Logo, é notório o importante papel realizado pelo Poder Judiciário frente à pandemia de COVID-19.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se, então, que a partir da Constituição de 1988 os direitos sociais obtiveram ainda mais força, precisando de políticas públicas a fim de possibilitar a sua efetivação. Todavia, frente à ausência ou insuficiência das políticas públicas referentes ao direito à saúde, houve um aumento de demandas judiciais pela população brasileira visando a concretização, materialização e efetivação dos seus direitos.
Restou destacado que na esfera da crise sanitária da COVID-19, que surgiu em 2019 e atualmente (2022) ainda assola o mundo inteiro, se tornou ainda mais latente essa judicialização da saúde. Sendo que ela faz com que o Poder Judiciário passasse/passe a tomar a atitude de determinar as medidas a serem realizadas e concretizadas, além da urgência de tais medidas, sendo no âmbito individual como no âmbito coletivo, no instante em que se visa a preservação e defesa do direito à saúde.
Assim, ocorreu um enorme aumento da quantidade de decisões judiciais, em função do grande volume processual que vem tramitando no Judiciário, que tratam acerca das políticas públicas e dos serviços de saúde do Estado. Enfim, após essa análise doutrinária e jurisprudencial, se faz notório o importante papel realizado pelo Poder Judiciário frente à pandemia de Covid-19 para tentar e conseguir possibilitar a efetivação da garantia constitucional ao direito à saúde à população brasileira.
6. REFERÊNCIAS
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BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil: Texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alterações determinadas pelas Emendas Constitucionais de Revisão nos 1 a 6/94, pelas Emendas Constitucionais nos 1/92 a 91/2016 e pelo Decreto Legislativo no 186/2008. Brasília: Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 496 p., 2016. Disponível em: <https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/518231/CF88_Livro_EC91_2016.pdf>. Acesso em: 04 fev. 2022.
BRASIL. Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde. Manuais: Judicialização da saúde nos municípios: como responder e prevenir. Brasília - DF, 2021. Disponível em: <https://www.conasems.org.br/manuais-judicializacao-da-saude-nos-municipios-como-responder-e-prevenir/>. Acesso em: 01 fev. 2022.
BRASIL. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Sistema Único de Saúde (SUS): estrutura, princípios e como funciona. Brasília - DF, 2020. Disponível em: <https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/s/sistema-unico-de-saude-sus-estrutura-principios-e-como-funciona>. Acesso em: 01 fev. 2022.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI: 6.341 DF - DISTRITO FEDERAL 0088693-70.2020.1.00.0000, Relator: Min. Marco Aurélio, Data de Julgamento: 15/04/2020, Data de Publicação: DJe-097 23/04/2020.
CASADO, José. O mistério dos R$ 22 bilhões cortados do SUS em plena pandemia. Revista Veja. 2021. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/coluna/jose-casado/o-misterio-dos-r-22-bilhoes-cortados-do-sus-em-plena-pandemia/>. Acesso em: 01 fev. 2022.
CASTRO, Marcos Faro de. O Supremo Tribunal Federal e a Judicialização da Política. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 1997. Disponível em: <http://www.anpocs.com/images/stories/RBCS/34/rbcs34_09.pdf>. Acesso em: 01 fev. 2022.
COURTIS, Christian. Critérios de justiciabilidade dos direitos econômicos, sociais e culturais: uma breve exploração. In: SOUZA NETO, Claudio e SARMENTO, Daniel. Direitos sociais. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2008.
ENGELKE, Claudio Ruiz et al. O Judiciário Brasileiro e a Intervenção nas Políticas Públicas de Saúde. Maranhão: Revista de Direitos Sociais, Seguridade e Previdência Social, v. 3, n. 2, p. 85-104, 2017. Disponível em: <https://core.ac.uk/download/pdf/210566152.pdf>. Acesso em: 01 fev. 2022.
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Graduando em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Bolsista de mobilidade acadêmica na Universidade Nova de Lisboa pelo programa da Associação das Universidades de Língua Portuguesa - AULP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GARIBOTI, Diuster de Franceschi. A judicialização da saúde na pandemia: uma análise acerca da efetivação do direito à saúde através da judicialização da política no contexto covid-19 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 out 2022, 04:03. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/59647/a-judicializao-da-sade-na-pandemia-uma-anlise-acerca-da-efetivao-do-direito-sade-atravs-da-judicializao-da-poltica-no-contexto-covid-19. Acesso em: 23 nov 2024.
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