CRISTHYANNE MACÊDO DA SILVA [1]
(coautora)
VERÔNICA ACIOLY DE VASCONCELOS [2]
(orientadora)
RESUMO: Objetiva-se com o presente estudo demostrar temática da descriminalização da interrupção da gravidez em como o direito brasileiro tutela o direito à vida desde a concepção e considera o aborto como crime, além de elencar conceitos e hipóteses para se compreender o atual cenário do país sobre esta temática. Nesse sentido, verifica-se a divergência entre a lei e a realidade social, vez que as mulheres não deixam de abortar pelo fato de ser crime. Para tanto, o trabalho discorrerá sobre o crime de aborto, as opiniões, contrárias e favoráveis à manutenção das hipóteses de interrupção da gravidez, o confronto entre aqueles que defendem os interesses legítimos da mulher e do outro lado o interesse de proteger à vida do nascituro e até os argumentos que sustentam a criminalização total do aborto no Brasil. O artigo apresenta o papel e as competências da rede de apoio nos casos em que é necessária a autorização para haver a realização da interrupção da gravidez nas hipóteses previstas em lei. Além da importância no avanço das discussões, como forma de enxergar os direitos reprodutivos das mulheres sobre o crivo constitucional e como garantia fundamental a partir da revisão da literatura especializada em Direito Penal, da coleta de artigos sobre o tema e de dados de pesquisas realizadas com objetivo de esclarecer, desmitificar e contribuir para reflexões em matéria de aborto no país.
Palavras-chave: Interrupção da gravidez, saúde pública, direito a vida, direito penal simbólico.
1 INTRODUÇÃO
O presente estudo direciona-se para a temática da descriminalização da interrupção da gravidez. O direito brasileiro tutela, o direito à vida desde a concepção e considera de forma expressa o ato de abortar como crime previsto nos artigos 124 a 126 do Código Penal. Contudo, o próprio Código Penal em seu art. 128 prevê, expressamente, duas circunstâncias em que profissionais de medicina poderão, sem punição, realizar a interrupção da gravidez. Conforme dispõe os incisos I e II, respectivamente, nos casos em que não exista outro meio de salvar a vida da gestante e quando a gravidez resulta da prática delitiva de violência sexual.
Além disso, a jurisprudência e o STF, a partir da ADPF n° 54/2004[3], trouxe como possibilidade de interrupção de gravidez a realização da antecipação terapêutica do parto, no caso de anencefalia. Uma decisão, que embora não atinja todas as mulheres, trouxe um novo impacto na forma de enxergar os direitos reprodutivos das mulheres sobre o crivo constitucional de garantia fundamental.
Ainda assim, discutir a respeito da descriminalização do aborto traz a torna um inevitável e intenso debate de argumentos das partes envolvidas, do Estado brasileiro e da sociedade. Inescapável é o confronto entre aqueles que defendem os interesses legítimos da mulher em ter respeitada a sua dignidade e do outro lado o interesse de proteger à vida do nascituro, sob o argumento de que ela começa a partir da concepção e que deve prevalecer sobre quaisquer outros direitos.
Dessa forma, nos últimos dez anos uma onda conservadora tem provocado mudanças na tentativa de restringir esse direito e impor uma gravidez compulsória às vítimas, mesmo com as hipóteses legais estabelecidas na lei penal e com entendimento jurisdicional consolidado. Dessa forma, o útero feminino mais uma vez se torna uma arena de disputa, onde se invade a ética privada, desrespeita o direito de escolha, compromete a saúde das mulheres e ofende direitos humanos consagrados pela Constituição Federal Brasileira e a Declaração Universal dos Direitos humanos.
Nessa perspectiva, reverbera no cenário atual manifestações quanto à interrupção de gravidez em decorrência de estupro, que é a forma mais grave de violência sexual contra a mulher e continua, infelizmente, ocorrendo em números alarmantes no Brasil. Assim, analisando os dados do Anuário de Segurança publicado em 2022, identifica-se que as crianças e adolescentes representam a maioria das vítimas desse crime. Nessas circunstâncias, a imposição do dever de seguir com a gestação seria prejudicial à vida da criança, atingindo as três esferas físico, mental e social do conceito de saúde estabelecido pela Organização Mundial de Saúde.
Em vista disso, a pesquisadora Diniz afirma que nem tudo vale no campo moral para fundamentar práticas de saúde como deveres para os cidadãos de um Estado Laico, devendo-se questionar se as justificativas são suficientes para impor à mulher uma gestação[4]. Ou seja, necessário debater se os argumentos apresentados para a total criminalização do aborto são pressupostos necessários para retirada das hipóteses legais à interrupção da gravidez.
O desenvolvimento da pesquisa terá como base a revisão bibliográfica narrativa, com método de abordagem dedutivo. Este artigo tem como questão norteadora: por que o controle do útero é motivo de disputa no direito brasileiro? O problema de pesquisa vem elencar conceitos, hipóteses para se compreender o atual cenário do país sobre a temática do aborto. Por fim, o presente artigo visa identificar quais os argumentos que sustentam a criminalização total do aborto no Brasil e quais os argumentos daqueles que defendem a legalização do aborto. A partir da revisão da literatura especializada em Direito Penal, da coleta de artigos sobre o tema e de dados de pesquisas realizadas com objetivo de esclarecer, desmitificar e contribuir para reflexões em matéria de aborto no país.
2 DO CRIME DE ABORTO
2.1 O que é o aborto?
O significado etimológico da palavra aborto, origina-se do latim abortus, derivado de “aboriri” no qual o prefixo “ab” significa privação e “oriri” nascimento, assim, o aborto é uma privação do nascimento ou a expulsão do feto do interior do corpo materno tendo como consequência a destruição do produto da concepção (PIERANDELI, 2005).
Aos olhos da doutrina jurídica, o aborto é a cessação da gravidez, cujo início se dá com a nidação. Antes do termo normal, causando a morte do feto ou embrião, é considerado crime contra à vida, no qual tem por objetividade jurídica a tutela do direito à vida ou a possibilidade desta, pois para o direito penal a palavra aborto preconiza a ação criminosa em si. (NUCCI, 2019)
Contudo, para a ciência médica, a palavra aborto significa o resultado da ação, o qual é a expulsão do feto que pode ocorrer entre a 20ª até a 22ª semana da gestação. Por este motivo considera como incorreta como a palavra é utilizada no campo jurídico. Assim, é perceptível o corrompimento da palavra aborto para algo criminoso, que retira da mulher o direito a sua autonomia e liberdade sexual (REBOUÇAS, 2010).
2.2 Hipóteses de aborto criminoso
No Título I da parte especial do Código Penal, inseridos no capítulo I classificados como “dos crimes contra a vida”, estão previstos os dispositivos que proíbem e os que permitem a realização do aborto em determinadas situações. A princípio, a Legislação Penal Brasileira, prevê como crime as formas de aborto provocado, elencados nos artigos 124 a 127, in verbis:
Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lhe provoque: Pena - detenção, de um a três anos. Aborto provocado por terceiro Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante: Pena - reclusão, de três a dez anos. Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante: Pena - reclusão, de um a quatro anos. Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência. Forma qualificada Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém à morte. (BRASIL,1940)
No artigo 124, prevê o aborto provocado pela própria gestante ou se a mesma consentir que outrem o faça, este se caracteriza quando a gestante por sua livre e espontânea vontade deseja realizar o aborto usando seus próprios meios, sejam eles seguros ou não, com pena de detenção de um a três anos.
Da mesma maneira, está disposto no artigo 125, o aborto provocado por um terceiro sem a autorização da gestante, ou seja, o agente aguça o aborto na gestante, causando danos tanto na vida intrauterina como na integridade física e psíquica da mulher, se tipifica por ser um aborto forçado, com pena de reclusão de três a dez anos. Por outro lado, no artigo 126 tipifica o aborto provocado por terceiro com o consentimento da gestante, o qual permite que outra pessoa realize o aborto, com pena de reclusão de um a quatro anos.
Vale ressaltar que o consentimento da gestante deve perdurar até que seja realizado todo o processo de abortamento. Se, porventura, a gestante queira desistir ou se arrepender de sua vontade e venha solicitar que o terceiro cesse suas ações diante do procedimento, e este não o atenda, para ela o fato será considerado atípico e o terceiro responderá conforme o crime previsto no 125, mencionado anteriormente. (MASSON, 2018).
Diante disso, no artigo 127 estão previstas causas de aumento de pena para os crimes dos artigos 125 e 126 acima mencionados. Assim, caso o agente provoque o aborto e em razão deste e dos meios para provocá-lo a gestante venha sofrer lesões corporais gravemente, a pena é aumentada de um terço, porém se em razão disso lhe causar a morte, as penas serão duplicadas.
Portanto, tem-se que as hipóteses mencionadas acima se referem ao aborto praticado de intencionalmente e voluntario, partindo principalmente da vontade da gestante, não importando o número de semanas ou meses da gestação e sim a morte da possível vida intrauterina. Neste caso, as mulheres que se submeterem a realizar um aborto por sua livre e espontânea vontade, ainda que com a ajuda de terceiros, poderão responder pelo crime, podendo ser presas e até julgadas pelo Tribunal do Júri.
2.3 Causas de exclusão da ilicitude do aborto
Sob outro aspecto, além das hipóteses de criminalização, no artigo 128 em seus incisos I e II estabelecem as hipóteses de exclusão da ilicitude, ou seja, os permissivos legais como o aborto necessário e o aborto no caso de gravidez resultante de estupro.
Destarte, nas duas hipóteses referidas acima, o único profissional que está apto e legalmente autorizado para realizar a cessação da gravidez é o médico, assim como é o único habilitado a decidir se de alguma outra forma a gestante pode ser salva, sem que ocorra o processo de aborto. Neste caso, é afastado a ilicitude da gestante e do médico que realiza o procedimento.
Conforme leciona Damásio de Jesus (2020), na legislação brasileira não há culpabilidade quando, diante do caso concreto, não se pode exigir do sujeito conduta diversa daquela por ele cometida. Sobre a gravidez resultante de estupro, prevista no inciso II, é importante ressaltar que grande parte dos estupros acontecem no decorrer da vida reprodutiva da mulher, onde a maioria os casos de estupros acontecem em casa, conforme dados colhidos pela pesquisa quantitativa realizada pela Agência Patrícia Gavão e Locomotiva em 2022.
Além disso, torna o problema ainda mais grave é que 70% das vítimas de estupro, por medo e/ou vergonha, acabam não denunciando à polícia o crime e não tendo acesso aos meios disponibilizados legalmente. Outros 61% sentem medo de serem denunciadas à polícia por procurarem os serviços de saúde em busca de um aparato profissional e seguro, caso desejem realizar um procedimento abortivo.
Isso mostra a construção de uma mentalidade social pautada no descrédito e desrespeito com as vítimas de violência sexual, as quais por maioria das vezes deixam de ser vítimas e passam a ser criminosas aos olhos da sociedade (AGÊNCIA PATRÍCIA GALVÃO e LOCOMOTIVA, 2022).
Considerado a gravidez em decorrência do estupro, muitos decretos, leis e portarias foram criados com a finalidade de garantir o acesso a um atendimento eficaz e consequentemente a realização dos procedimentos legais. O Decreto n.º 7.958/2013 estabeleceu normas para que houvesse a realização do atendimento as vítimas de violência sexual pelos profissionais de segurança pública e os profissionais do Sistema Único de Saúde-SUS;
No mesmo sentido, a Lei n° 12.845 de 2013 veio dispor sobre o atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência. Portanto, não apenas estabelece a obrigação dos estabelecimentos de saúde como também a integralidade da assistência, incluindo prevenção para que se evite a gravidez na situação de estupro, o acompanhamento ambulatorial para avaliar se não houve danos e outras repercussões na vida reprodutiva e sexual da mulher, e o acesso ao aborto legal e seguro se for o caso (BRASIL, 2013).
Dessa maneira, ocorrendo a interrupção da gestação fora das hipóteses de excludentes de ilicitudes previstas no artigo 128 do Código Penal, haverá um fato típico, e por conseguinte a aplicação de uma pena. Além disso, por se tratar de crime contra a vida, o processo seguirá o rito especial do tribunal do Júri. Essa tipificação do aborto, prevista na lei infraconstitucional que data de 1940, ou seja, é anterior a própria Constituição Federal de 1998 que marcou rompimento histórico ao sair de um Regime Ditatorial para o Regime Democrático.
A partir desse advento, as normas infraconstitucionais, devem ser olhadas a luz do Estado Democrático de Direito, nesse sentido, necessário indagar-se a conduta tipificada poder representar um risco aos valores que fundamentam a sociedade. E no caso do aborto, deve ser considerar o prejuízo desse tipo incriminador para garantia de direitos fundamentais. Assim, é preciso enxergar quem é o alvo dessa tipificação, que comportamentos o Estado tem em vista defender ao criar esse delito, qual o bem jurídico tutelado (AMARAL,2020).
2.4 A criminalização do aborto no Brasil
O contexto histórico brasileiro nos revela um país onde a religiosidade era grande, principalmente a cristã, e uma sociedade constituída e dominada pelo patriarcado que não olhava a mulher como sujeita de direitos, mas sim, a colocava à margem da imagem dos homens. Com a vinda da família real portuguesa, dotada de religiosidade, principalmente do cristianismo, a igreja católica possuía enorme influência sobre diversos campos sociais na época, como na educação, direito e nos costumes.
A igreja usava seus discursos ideológicos para controlar e moldar as mulheres e seus comportamentos. Isso se comprova pelo fato de que mesmo diante da ausência de previsão penal nas ordenações Filipinas que vigorava na época, o crime de aborto era fiscalizado pela polícia dos bons costumes, já que a sociedade enxergava a prática de aborto como sinal de infidelidade por parte da mulher, e era necessário salvaguardar a família e seu marido dessas condutas. Ou seja, o aborto já era visto como crime antes de sua tipificação como tal (CASTELBAJAC, 2010).
Diante de uma sociedade machista e patriarcal, as mulheres não tinham liberdade sobre seus corpos e nem mesmo sobre suas escolhas. Também eram vistas como criminosas pela sociedade se fugissem do padrão de comportamento exigido na época.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, no seu artigo 5.º, caput, cujo objetivo é garantir a proteção aos direitos fundamentais a todas as pessoas sem distinção de qualquer natureza, assim prevê:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...) (BRASIL. 1988).
Mas essa igualdade não abraçou a todos, não quanto o Estado decidiu usar disso como meio para submissão feminina, ao argumento de que o objeto jurídico protegido no crime de aborto seria o direito à vida do nascituro, que o adquire a partir da concepção. De um lado temos uma proteção à vida e do outro a dignidade da pessoa humana e a garantia dos direitos reprodutivos da mulher. Todavia, a Constituição Federal, além de prevê o direito à vida, também estabelece que homens e mulheres são iguais em direitos e deveres, e por isso seria o aborto seguro uma forma de efetivar a igualdade material entre os sexos (AMARAL, 2020).
Outro ponto, que merece ser ressaltado, diz respeito ao perfil das mulheres que sofrem com a criminalização do aborto. Diante de um contexto histórico marcado pelo obscurantismo no que diz respeito a garantia de direitos femininos. O Estado quando criminaliza o aborto acaba por direcionar suas penas às mulheres com menor renda, devido à baixa instrução, acesso a serviços de saúde e métodos contraceptivos. Tornando-as alvos e acabam sendo duplamente punidas pelo Estado Brasileiro (BESSA, 2020).
Diante disso, conforme pesquisas realizadas pelo Instituto de bioética (ANIS), a criminalização é causadora de graves consequências a saúde e ainda assim a lei penal não funciona devido os dados mostrarem que 1 em cada cinco mulheres na faixa etária de 40 anos já fez um aborto, sendo que 4,7 milhões já realizaram o aborto entre os 18 e os 39 anos; Por isso a lei se torna ineficaz enquanto a prática é realizada e a punição não é efetivada (ANIS,2019).
Ou seja, o aborto faz parte da realidade da vida das mulheres brasileiras que mesmo diante da criminalização ainda continuam realizando o procedimento de forma irregular e insegura. Em que o fato de ser crime em nada diminui a prática, pelo contrário, guiados por argumentos de cunho moral, religioso e conservadores, o Estado negligencia a realidades das brasileiras e condenas as mais pobres, às lesões e mortes decorrentes da realização de aborto (ORLANDI, GOMES, 2020).
Nesse contexto, o aborto é direcionado também a questão racial e de desigualdade social, tendo em vista que suas vítimas são mulheres pretas, pardas, analfabetas e com baixa renda, que por conta da ilegalidade precisam procurar meios clandestinos e arriscados para interromper a gravidez. O que lhe tira o direito à saúde, visto que devido à natureza desses procedimentos muitas morrem ou sofrem consequências gravosas. Isso quando não são condenadas pelo juízo de reprovação quando procuram o sistema de saúde e sofrem as duras penas de um crime que as desumaniza (BESSA, 2020).
Através de Relatório realizado pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, em 2018 foram analisando 55 processos entre os anos de 2004 e 2017 e constatou-se que 60% das mulheres processadas pelo crime de aborto eram negras e muitas foram denunciadas pelos próprios funcionários que deveriam presta-lhe a assistência ao seu direito à saúde. Devido ao sigilo desses processos não foi possível ter dados mais amplos a respeito do contexto socioeconômicos dessas mulheres, mas pelas descrições se subentende serem mulheres de comunidades vulneráveis e de baixa renda (SEVERI, F. et al., 2022).
Essa realidade não foge da teoria que o racismo é estrutural, isto é, está presente nas instituições com grande influência nas esferas políticas e jurídicas. As mulheres são tratadas como criminosas, delinquentes e muitas não conseguem responder ao processo em liberdade. Tendo suas prisões preventivas decretadas sobre o argumento de garantia da ordem social, por serem consideradas prejudiciais à sociedade e fugirem do comportamento submisso, de mera reprodutora, que é amoldado às mulheres por uma sociedade que pouco evoluiu na garantia da igualdade entre gêneros e continua centralizada na supremacia do homem (SEVERI, F. et al., 2022).
Dessa forma, conforme a pesquisadora Diniz, é preciso que se compreenda que o aborto não é uma questão isolada, ele possui múltiplas causas, algumas delas provenientes de falhas do Estado no oferecimento de métodos contraceptivos, educação sexual e não meramente da escolha caprichosa das mulheres que decidem não terem filhos (DINIZ, 1995; BESSA, 2020).
3 A INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ
3.1 Conceito de interrupção da gravidez
O tema Interrupção da gravidez desperta bastante inquietação social no Brasil e é muitas vezes limitado ao conceito de aborto. De fato, o aborto é uma das formas de alcançar a interrupção da gravidez, mas não é a única. Para a comunidade médica, aborto é um meio pelo qual se alcança a interrupção da gravidez, que seria no sentido literário: a não continuidade da gestação, que pode ocorrer de forma prematura, natural ou artificial, causando a expulsão do feto antes que ele possa sobreviver fora do útero (ANIS, 2019; MICHAELIS, 2022).
De forma que a Interrupção legal da gravidez é aquela que não ocorrer naturalmente, mas sim por meios médicos, conforme hipóteses previstas na legislação e contrário do que se imagina, a interrupção voluntária da gestação é ato complexo que carrega consigo vários impactos à vida da mulher, sendo eles físicos, psicológicos e que envolve questões morais, sociais e religiosas. Além do medo da condenação estatal e social (BESSA, 2020).
A Constituição Federal de 1988 trouxe importantes avanços a respeito dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres no tocante ao reconhecimento desses direitos como compromisso de proteção do Estado Brasileiro. A Conferência Internacional da ONU, realizada no Cairo (Egito), em 1994, asseverou que esses direitos devem ser assegurados sem nenhuma descriminação as mulheres, por políticas públicas oferecidas pelos serviços de saúde relacionadas aos métodos anticonceptivos, prevenção e tratamento de infeções sexualmente transmissíveis, que deve ser realizados preservando a privacidade das mulheres.
A respeito disso, o direito ao planejamento familiar previsto no artigo 226, §7°, da Constituição de 1988, prevê que é livre a decisão da mulher sozinha ou com seu/sua companheiro(a) de ter ou não filhos e deve ser assegurada pelo Estado, a partir de ações preventivas e educativas ou de acesso a informações. Entre essas ações, o mais conhecido é a “pílula do dia seguinte”, método contraceptivo de emergência que deve ser ofertado às vítimas de violência sexual pelas Unidades Básicas de Saúde (BRASIL, 1988; BRASIL, 2013).
Todavia, muitos questionamentos visando barrar o acesso a esse método, sob a justificativa de que seria abortivo e prejudicial à saúde feminina. Contrário a isso, para a medicina, a pílula do dia seguinte funciona impedindo ou retardando a liberação de óvulos do ovário e não tem efeito abortivo, além de ser segura e adequada para as mulheres. O método que efetiva o direito de autonomia feminina. No entanto, a grande ausência de informação sobre os métodos contraceptivos e falha do Estado na distribuição desses contraceptivos acabam por contribuir com o aumento do número de gravidezes resultantes de estupro, principalmente considerando que a maioria das vítimas são crianças e adolescentes de até 14 anos e que não tem acesso aos contraceptivos e educação insuficiente nas escolas (BESSA, 2020).
Além dos métodos contraceptivos que devem ser assegurados, o Estado também tem a responsabilidade de ofertar a interrupção da gravidez às mulheres que se encaixam nas situações previstas no art.218, incisos I e II do Código penal e nos casos de anencefalia. O procedimento deve ocorrer por documentos com orientações da Organização Mundial de Saúde, é possível a realização da interrupção da gravidez por meio de procedimento seguro.
A própria OMS estabelece dois tipos de interrupção da gravidez. A primeira realizada por medicamentos, no qual o Misoprostol é o principal medicamento utilizado ou pode atuar conjuntamente com a Mifepristona. Outra forma é pela Aspiração Manual Intrauterina, classificado pela OMS como procedimento de baixo risco. Partindo disso, é possível perceber que se a interrupção for realizada nas condições certas é um procedimento seguro para as mulheres e no Brasil, conforme determinação legal, deve ser realizado pelas redes de atendimentos. (OMS, 2013; ANIS, 2019).
3.2 AS REDES DE ATENDIMENTO À MULHER
3.2.1 O atendimento obrigatório e integral às mulheres vítimas de violência sexual
A Constituição Federal em seu artigo 1.º, inciso III, estabelece como fundamento da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana, o que traz a tona uma função do Estado de assegurar aos cidadães bens e utilidades que forem necessários para uma vida digna, através do fornecimento de serviços essenciais. A garantia da saúde apresenta-se como um dos mais importantes deveres do Estado, com a missão de garanti-lo mediante políticas públicas, conforme estabelece o artigo 6.º e 196 da carta magna (MASSON, 2019).
A Declaração e o Tratado Internacional em Viena, de 1993, estabelece os direitos das mulheres e meninas como inalienáveis, integral e indivisíveis e a violência de gênero, com inclusão da gravidez forçada como atentatória a dignidade da pessoa humana. A convenção de Belém do Pará (1994) conceitua a violência contra a mulher como “qualquer ato ou conduta baseada em gênero que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada” (BRASIL, 1994).
O aborto legal é um procedimento de interrupção de gestação previsto no ordenamento jurídico brasileiro cujo oferecimento deve ser gratuito, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). O aborto legal é realizado exclusivamente por meio de médicos. No entanto, além desses profissionais, uma equipe multidisciplinar deve acolher e atender as mulheres, conforme a lei, nos casos de gestação: por risco de morte, anencefalia ou decorrente de violência sexual. Essas redes de assistência à saúde, são órgãos de ações e serviços, cuja finalidade é garantir o cuidado integral da população que dele necessita (BRASIL, 2017; DINIZ, 2014).
Todavia, mesmo diante de um direito previsto há mais de 80 (oitenta) anos, ainda há um distanciamento entre a previsão legal e a realidade dos serviços. Apenas em 1989 foi criado o primeiro hospital voltado para assistência ao aborto legal, o hospital de Jabaquara em São Paulo. Contudo, a ausência de normas e orientações prejudicava a efetivação dos serviços de assistência de forma integral e sistemática. Assim, com apoio do movimento feminista e da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), foi elaborado documentos com finalidade de orientar os serviços e profissionais de saúde (MEDEIROS, 2021).
A Norma técnica para prevenção e tratamento de agravos resultantes da violência contra mulheres e adolescentes prevê o procedimento de justificação e autorização para a interrupção da gravidez. Exceto para os casos que envolvam riscos de morte à mulher e estabelece como deverá ocorrer o atendimento às mulheres vítimas de violência sexual no SUS (BRASIL, 2005).
A assistência deve acontecer em um local com estrutura e equipes apropriadas, longe das grandes maternidades e pronto-socorro, como forma de garantir o sigilo e a privacidade das vítimas. A norma técnica sobre Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes não vincula a realização do procedimento à apresentação do boletim de ocorrência. Determinação que na época foi muito criticada pelas instituições religiosas (BRASIL, 2005; MEDEIROS, 2021).
Em 2005, a portaria de n° 1.508/2005 consolidou a responsabilidade do SUS de garantir a assistência às mulheres, além de responder de forma definitiva os questionamentos a respeito do processo de justificação e autorização. Em seu artigo 3.º estabelece a primeira fase constituída pelo relato circunstanciado do evento, que deve ser realizado pela própria gestante, perante os profissionais de saúde do serviço, que deve conter os seguintes elementos:
Art.3° [...]
Parágrafo único. O Termo de Relato Circunstanciado deverá ser assinado pela gestante ou, quando incapaz, também por seu representante legal, bem como por dois profissionais de saúde do serviço, e conterá:
I - local, dia e hora aproximada do fato;
II - tipo e forma de violência;
III - descrição dos agentes da conduta, se possível; e
IV - identificação de testemunhas, se houver. (BRASIL, 2005).
Na segunda fase, conforme estabelece seu artigo 4º, a intervenção médica poderá ocorrer a partir de um parecer técnico detalhado, atestando a compatibilidade da idade gestacional com a data da violência sexual alegada, como forma de comprovar o enquadramento na hipótese legal de interrupção da gravidez prevista no art.228, II do Código penal. O parecer é feito a partir da realização de exames físicos gerais, como o exame ginecológico, avaliação do laudo ultrassonográfico e demais exames necessários. Sendo que a mulher durante todo o processo receba atenção de saúde multiprofissional, composta por obstetra, anestesista, enfermeiro, assistente social ou psicólogo.
Seguido o processo, na terceira fase, tem-se a assinatura do termo de responsabilidade pela gestante ou seu representante legal, caso a vítima seja incapaz. No termo consta a advertência aos crimes de falsidade ideológica e de aborto. Encerra-se com o termo de consentimento Livre e Esclarecido.
Segundo o Código Penal, o consentimento livre e esclarecido trata-se de requisito imprescindível para realização da interrupção de gravidez em caso de violência sexual. No caso de crianças e adolescentes, a falta de capacidade civil deve se compreender os direitos que envolvem a assistência à saúde, conforme princípio da proteção integral estabelecido no artigo 1.º do Estatuto da Criança e do Adolescente, de forma que os direitos fundamentais estarão acima de qualquer outro que possa prejudicá-lo (BRASIL, 1940; BRASIL, 1990).
Nesse sentido, qualquer exigência ou motivo que afaste ou impeça o acesso ao seu direito de saúde constituirá lesão. Devendo a equipe médica constatar se a vítima pode ou não decidir sozinha e informar sobre a necessidade de ter um responsável que a acompanhe.
Todavia, a ausência de um representante legal não deve impedir o atendimento pela equipe de saúde em nenhuma consulta e todos os riscos devem ser informados à criança ou adolescente. Para a realização da interrupção da gravidez é obrigatória a presença de um responsável, caso a criança ou adolescente opte pela continuação da gravidez deve ser respeitada a sua escolha, mesmo diante da discordância dos pais ou responsáveis (PORTELA, 2005; BRASIL, 1990).
Diante de posicionamentos conflitantes, onde exista o desejo pela interrupção da gravidez da criança ou adolescente, e a família seja contrária e não esteja envolvida na violência sexual, deve ser buscada a via judicial por meio do Conselho Tutelar ou Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude. Assim, temos uma situação onde o judiciário atuará diante da ausência de uma norma regulamentadora para esses casos. Importante destacar que a atuação do magistrado não pode ser exercida de forma indiscriminada, devendo este analisar os impactos das decisões para partes, não devendo se afastar dos objetivos de garantia dos direitos fundamentais em primeiro plano (SENTONE, 2019).
A portaria de n° 1.508/2005 trouxe um impacto positivo para direitos da mulher à plena garantia de sua saúde sexual e reprodutiva, além de representar sua autonomia perante decisões que impactam seu corpo e sua vida em sociedade. E após a sua normatização, o sistema de saúde, através das unidades de saúde em todo o território nacional, organizaram-se com objetivo de assistir às mulheres vítimas de violência a hipótese de interrupção de gravidez prevista em lei (MEIRELES, 2021).
Já em 2014, a portaria n° 485, de 1.º de abril de 2014, trouxe mais avanços no serviço de atendimento, estabelecendo o regime de funcionamento integral 24 horas, 7 (sete) dias da semana. E a notificação obrigatória à vigilância epidemiológica do município, com encaminhamento imediato da pessoa para a rede de atenção à saúde. A lei n° 12.845/2013, determinou o oferecimento de atendimento obrigatório pelos hospitais às vítimas de violência sexual, que deve ocorrer de forma multidisciplinar e integral (BRASIL,2014;BRASIL, 2013).
Todavia, ao contrário do que determina as leis, portarias e normas técnicas do Ministério da Saúde, são poucos os serviços de saúdes que ofertam a interrupção legal às mulheres. Em muitos casos a palavra da mulher não é o bastante para lhe garantir o acesso ao serviço, mesmos nos casos previstos em lei. Diversas vezes, continuam a exigir boletim de ocorrência ou autorização judicial para a realização. E, além disso, há existência de barreiras de ordem moral e religiosa que impedem a concretização desse direito (MEIRELES, 2021; ORLANDI, GOMES, 2020).
3.2.2 O que impede o acesso à interrupção legal da gravidez?
No Brasil, conforme estabelece Código de Ética Médica, é direito dos médicos a objeção de consciência, ou seja, o direito de recusa em realizar a interrupção legal da gravidez, inclusive alegando questões morais ou religiosas para a não realização do procedimento (CFM,2018).
Todavia, não cabe direito individual de recusa nos casos de: ausência de outro médico, se houver risco de morte, ou se a negativa puder causar danos irreversíveis à vítima. Assim, é dever do médico informar à vítima de violência sexual do seu direito e ainda de garantir que a realização do atendimento por outro profissional da instituição ou de outro serviço. Não podendo negar o pronto atendimento nos casos de complicações derivadas do abortamento inseguro, diante da urgência do caso.
Segundo norma técnica do Ministério de Saúde, é dever do Estado e dos gestores de saúde manter nos hospitais públicos profissionais que não apresentem objeção de consciência para realizar o procedimento previsto em lei. O estado brasileiro ao aderir à laicidade concordou com a neutralidade religiosa dos atos de governo e, além disso, estabelece como condição de existência de um Estado democrático e Plural (DINIZ, 2013; BRASIL, 2014).
Assim, a mulher, vítima de violência, não pode sofrer com a recusa individual de um profissional cujo argumento é de ética privada, devendo os entes públicos, garantir a efetivação do seu direito à saúde em todas as esferas física, psíquica e social, e caso ocorra algum prejuízo é devida a responsabilização pessoal e/ou institucional. Entretanto, comprova os dados do censo realizado nos serviços de saúde pelo Brasil, o qual foi possível verificar a existência de sistema de suspeição à palavra da mulher quando ela busca o serviço de interrupção legal. (DINIZ, 2014).
Ainda restou demonstrada que os principais motivos para a restrição nesse acesso são a precariedade do sistema de saúde, que conta com poucos profissionais para realização da interrupção, da negativa individual, por barreiras morais e religiosas e por fim, da falta de capacitação da equipe multiprofissional sobre as leis e normas a respeito da garantia dos direitos femininos em saúde mental e reprodutiva, muitos profissionais, devido à ambiguidade penal que estabelece o aborto como crime contra à vida e, simultaneamente, estabelece hipóteses de exceção, acaba por se sentirem inseguros na realização do procedimento e temem uma futura punição (MADEIRO; DINIZ, 2016).
Uma pesquisa realizada com os estudantes de medicina da capital Teresina demonstra que mesmo com maior proteção aos direitos sexuais e reprodutivos femininos, paralelamente, há aumentos de médicos que usam da objeção médica para não realizar os procedimentos legal, influenciados, principalmente, por questões religiosas. Metade dos estudantes de medicina, inclusive, parece não considerar o estupro como um fator moralmente relevante da interrupção da gravidez. E muitos ainda não cumpririam com seu dever ético de informar a gestante do procedimento e encaminhá-la para outro profissional, pois consideram tais ações como cumplicidade comparável a realização do aborto (MADEIRO, 2016).
Ressalta-se que a objeção de consciência realizado pelo médico não pode se justificar por desconfiança quanto ao estupro e sim fica restrita aos motivos morais privados. Desse modo, a equipe médica não pode realizar um juízo de valor sobre a escolha da mulher ou sua narrativa, pois seria contrária a ética profissional, ao oferecimento de um serviço de saúde pautado no respeito a dignidade da pessoa (SOUZA; SILVA, 2021).
Todavia, na realidade brasileira, verifica-se que a realização do aborto em caso de gravidez resultante de estupro é permitida pela lei penal e conforme normas técnicas não é necessário o oferecimento de boletim de ocorrência ou autorização judicial para realização. Ainda assim, muitos profissionais e instituições de saúde insistem que a vítima apresente provas do fato e organizam marcos investigativos. A mulher é questionada por diversos profissionais para ser averiguada a verdade do estupro, e muitas vezes além de apresentar documentos que comprovem a prática do crime, precisa demonstrar que a gestação foi em decorrência do fato típico.
A palavra da mulher muitas vezes é relativizada pela natureza do delito. O crime de estupro no Brasil se caracteriza por ocorrer, em sua maioria, no círculo social da vítima e dentro de casa. A pesquisa quantitativa realizada pelo Agência Patrícia Galvão e Locomotiva mostrou as percepções dos brasileiros acerca do que é considerado estupro, mostrando como está enraizado em nossa sociedade o itinerário de que a mulher casada não pode dizer não as investidas do marido, ou se houve consentimento, mesmo que insuficiente, não seria estupro (INSTITUTO PATRÍCIA GALVÃO; LOCOMOTIVA, 2022).
Atualmente, casos recentes indicam um ativismo judiciário e do Executivo tentando se sobrepor a essa garantia de aborto legal. Como a portaria de n° 2.282 de 27 de agosto de 2020 que dispõe sobre o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez. A norma foi recebida com muitas críticas, pois traz mais restrições à liberdade sexual e reprodutiva feminina, principalmente, ao acesso das mulheres que busca o Sistema único de Saúde para realizar a interrupção legal da gestação. (BRASIL,2020)
A norma ainda determinou a exigência de notificação dos profissionais de saúde à polícia nos casos onde as mulheres procurem os serviços de saúde para realização do procedimento de aborto legal. Ao passo que tal situação fustiga o exercício desse direito constitucional, obstando o direito individual, fundamentado na dignidade da pessoa humana. Além disso, contrário ao próprio conceito de saúde estabelecido pela OMS, no qual saúde vai além da doença e integra um estado de bem-estar social total, nas esferas físico, mental e social. Para oferta do aborto legal, em nenhum momento, a assistência de saúde é condicionada a comunicação externa ao Judiciário ou a autoridade policial (OMS, 1948; ANIS, 2019).
Os profissionais de saúde não tem competência para iniciar uma investigação e isso só serve como ferramenta de punição e de obstaculização do acesso ao direito. Visto que, vergonha e medo de exposição são os principais motivos para que as vítimas de estupro não procurem atendimento em serviço de saúde (INSTITUTO PATRÍCIA GALVÃO e LOCOMOTIVA, 2022).
A precariedade no atendimento dos serviços públicos voltados para realização do aborto também se apresenta como um fator que dificulta o acesso da mulher ao procedimento. Dados mostram que dos 56 hospitais listados como especializados, apenas 37 estavam capacitados para realização do aborto legal. Cinco deles nunca havia realizado o procedimento e em 6 estados não havia nenhum estrutura para isso. Além disso, no Brasil, 70% dos serviços de atendimentos estão centralizados na região sudeste, demandando o encaminhamento de vítimas de todo o país para essa localidade. (DINIZ,2016)
Diante dessa realidade, a mulher vítima de violência sexual é deslocada pelo sistema de saúde, obstaculizando o acesso ao aborto legal. Dentro de um país, no qual o aborto faz parte da vida brasileira, 1 a cada 5 mulher abortará no Brasil, o aborto é a quinta causa de morte materna, muito ocasionadas pelas dificuldades de acesso que acabam por obrigar as mulheres a procurar meios clandestinos e irregulares para realização da interrupção da gravidez. (ANIS,2019)
Junto a isso a falta de informação sobre como é realizado a interrupção da gravidez e sobre os métodos contraceptivos adequados às necessidades de cada mulher. É necessário que se informe as mulheres sobre seus direitos e requisitos necessários ou não para realização do aborto legal, somente assim as vítimas poderão acessar amplamente os serviços de saúde. Essa informação se torna ainda mais importante nos casos de vítimas de violência sexual, a qual a maiores dos autores são pessoas do círculo social da vítima, saber que pode realizar o procedimento sem precisar denunciar o agressor pode ajudar essas mulheres (ANIS, 2019).
Hodiernamente, por dados do Relatório do Instituto de Bioética, as complicações do aborto realizado clandestinamente e insegura fazem com que muitas mulheres faleça durante o processo. Com efeito, segundo o Ministério da Saúde, houve mais de 1,6 milhões de hospitalizações por aborto entre 2008 e 2017 (ANIS, 2019).
É fundamental que se divulgue essas informações sobre os atendimentos de rede saúde, mas também que essa informação seja dada seguramente. Além disso, o direito à informação é uma forma de garantir o direito a um procedimento seguro e legal. Gerando para o Estado uma responsabilidade do repasse dessa informação. Ainda, preciso que haja um aumento da disponibilidade desse serviço, levando em reflexo de que há muito tempo há previsão legal e pouco ainda se fez eficaz.
4 A ONDA CONSERVADORA E A ALTERAÇÃO DAS POSSIBILIDADES DE INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ
4.1 Os argumentos contra a Interrupção da Gravidez
O aborto sempre foi uma questão polêmica, que provoca reações e debates extremos, e nos últimos anos tem ganhado destaque no cenário político brasileiro. Atualmente, na última eleição presidencial entrou na pauta dos candidatos e muitos projetos de lei visando restringir o acesso ao aborto foram criando nos últimos dez anos. Os principais argumentos contrários ao aborto, se centralizam na noção de que o direito à vida é o mais importante bem jurídico entre os demais direitos constitucionais, visto que a partir da vida poderá gozar de todos os outros direitos (SOUZA, BISPO, 2021).
Ciente disso, vigoram algumas teorias sobre a vida que impactam na questão abortiva, entre elas a mais usada como argumento de defesa dos contrários a prática de aborto, a concepção marcaria o início da vida, ensejando que toda a vida deve ser protegida desde o momento da concepção. Nesse sentido, feto é um ser humano, uma pessoa, desde o momento da concepção.
Os argumentos contra o aborto têm como fundamentos centrais: dogmas religiosos, opinião pública e argumento jurídico, principalmente de defensores da teoria concepcionistas, de acordo com pesquisa realizada na Câmara dos Deputados, de onde se iniciam a maioria dos Projetos de lei contrários ao aborto (MIGUEL, BIROLI, MARIANO, 2017).
A religião Cristã, principalmente o catolicismo, está presente no Brasil desde a sua colonização, uma vez que foi trazida pelos portugueses e durante muito tempo controlou vários aspectos da vida civil brasileira, era considerada a religião oficial do Estado. Atualmente, o debate sobre o aborto é fortemente constrangido pela influência da Igreja Católica, que o enxerga como um assassinato que deve ser proibido em caráter absoluto (MIGUEL, 2012).
Na Audiência pública realizada pelo Supremo Tribunal Federal para discussão da Arguição de Preceito Fundamental (ADPF 54) que tratava sobre a possibilidade de aborto nos casos de fetos anencefálicos, várias organizações, institutos e a sociedade civil, em geral, foram ouvidos sobre a questão. Em sua maioria os fundamentos foram de que a vida começa a existir a partir da concepção (BRASIL, 2012).
Para Igreja Católica a vida deve ser protegida e respeitada absolutamente, a partir do momento da concepção e de forma absoluta. Visto que durante a sua existência e desde o primeiro momento, o ser humano têm direitos reconhecidos como pessoa, entre eles o direito à vida. Ademais, qualquer ato de aborto provocado aos olhos da igreja, configuram-se em maldade moral, sendo o aborto gravemente contrário à lei moral. Assevera ainda a crença na existência de dano irreparável o inocente morto, seus pais e toda a sociedade. Além disso, A Conferência Nacional Dos Bispos Do Brasil, CNBB, estabelece que tais direitos precisam ser respeitados e reconhecidos pela sociedade civil e pela autoridade política através de leis.
“os direitos inalienáveis da pessoa devem ser reconhecidos e respeitados pela sociedade civil e pela autoridade política. Os direitos do homem não dependem nem dos indivíduos, nem dos pais, e também não representam uma concessão da sociedade e do Estado. Eles pertencem à natureza humana e são inerentes à pessoa em razão do ato criador do qual se origina. A este propósito, entre estes direitos fundamentais, é preciso recordar, direito À vida, À integridade física de todo ser humano desde a concepção até a morte” (CNBB, 2017).
Assim, os argumentos religiosos se centralizam na determinação de que o aborto não pode ser autorizado porque ofende a deus, criador da vida e só ele pode retirá-la. Em seu livro, contra o aborto, o autor Francisco Razzo afirma que a interrupção da gravidez não traz solução para nenhum problema pessoal, muito pelo contrário, agrava a saúde física, mental, emocional e espiritual das mulheres, com o dom sagrado de gerar o filho, todavia não tem o direito de matá-lo, pois se trata de duas pessoas diferentes, além de ser considerado crime conforme estabelece o código penal e que muitas pessoas já foram condenadas pela prática do delito (RAZZO, 2017).
Outros argumentos, partem da mera afirmação do direito à vida e a definição de que esta começa na concepção, cujo aborto violaria o direito à vida, conforme artigo 2.º do Código Civil, o ser humano é o mesmo em qualquer fase de seu desenvolvimento e possui igual dignidade desde o início de sua concepção, refutando as teorias de início da vida a partir do desenvolvimento cerebral, que iniciaria depois de 10,12 semanas de gestação.
Em razão disso, vários projetos de lei foram criados por atores políticos conservadores. Um dos mais conhecidos é o PL n° 434/2021. O projeto visa instituir o Estatuto do Nascituro e estabelecer a ele personalidade civil e direitos fundamentais, enquanto prevê mudanças na lei penal e Estatuto da Criança e do Adolescente para retirar as hipóteses de aborto legal prevista no artigo 128 do Código Penal, além de criar um tipo penal, o crime de incitação ao aborto, com pena de detenção, de seis meses a um ano, e multa (TONIETTO, SILVA, 2018).
Entre os outros projetos de lei que visam restringir o direito ao aborto, estão o PL 2125 que visa aumentar as penas para até 20 anos para mulheres ou terceiros que interrompam a gestação e para até 30 anos para quem realizar ou auxiliar um aborto sem o consentimento da gestante, ainda que a mulher seja menor de 14 anos ou pessoa com deficiência mental. O projeto de lei 232/2021 visa tornar obrigatória a apresentação de boletim de ocorrência com exame de corpo de delito positivo para realização do aborto decorrente de violência sexual.
Nesse sentido, percebe-se que o debate sobre o aborto continua atual no Brasil, gerando argumentos colocando em xeque direitos das mulheres, e que mesmo diante de uma lei restritiva, que permite a interrupção da gravidez apenas nos casos previstos e de anencefalia, o debate na política internacional brasileira, tem tomando uma onda conservadora, que através de projetos de leis se mostram contrários a garantia desses direitos, pautada em argumentos religiosos e que encontra correspondentes no Congresso Nacional, cuja aprovação representa um retrocesso da legislação atual.
4.2 Argumentos a favor da Interrupção da gravidez
4.2.1 A relatividade do direito à vida
O direito à vida é considerado o mais importante bem jurídico entre os demais direitos constitucionais, visto que a partir da vida poderá gozar de todos os outros direitos. Entretanto, o início da vida ainda é uma questão controvérsia, visto que a constituição não estabeleceu norma sobre isso, definindo um início. Segundo Masson, a constituição e as ciências jurídicas não possuem atribuição para tal, cabendo as ciências da natureza, entretanto, há muitos pontos de divergência (MASSON, 2019).
No julgamento da ADPF de 54 sobre a descriminalização do aborto no caso de fetos anencefálicos, o Ministro Marco Aurélio argumentou a favor da causa ao citar resolução do Conselho Federal de Medicina que estabelece como início da vida, o início da atividade cerebral. Na qual se daria a partir da 20ª semana de gestação (SOUZA; BISPO, 2020).
Além dessa controvérsia entre o momento que se inicia a vida, existe a ausência de delimitação sobre quando se inicia a proteção jurídica desse bem, e esse silencia acaba desorientando para solução de várias questões de direito, inclusive sobre a impossibilidade da realização do aborto. Visto que a falta de parâmetros acaba por favorecer a tese de que a realização do aborto deve ser proibida. Contudo, o direito à vida não é absoluto, apesar de aborto ser previsto como crime contra à vida, nos artigos 124 a 126 do dispositivo penal, o direito à vida, contudo, não é considerado superior aos demais direitos. Conforme relato do ministro Marco Aurélio na Arguição de Preceito fundamental, ADPF de 54 (2012, pág. 59).
“Inexiste hierarquia do direito à vida sobre os demais direitos, o que é inquestionável ante o próprio texto da Constituição da República, cujo artigo 5º, inciso XLVII, admite a pena de morte em caso de guerra declarada na forma do artigo 84, inciso XIX. Corrobora esse entendimento o fato de o Código Penal prever, como causa excludente de ilicitude ou antijuridicidade, o aborto ético ou humanitário – quando o feto, mesmo sadio, seja resultado de estupro. Ao sopesar o direito à vida do feto e os direitos da mulher violentada, o legislador houve por bem priorizar estes em detrimento daquele.” (BRASIL, 2012).
Diante disso, há uma colisão entre o bem da vida e os demais bens protegidos pela constituição, de fato, que deve ser feita uma interpretação a luz constitucional, de maneira a preservar e olhar também para os direitos à saúde, dignidade, liberdade e autonomia da mulher. E não somente à vida, ou possibilidade como único direito passível de proteção, visto que a mulher também é sujeita de direitos aos olhos da constituição (FORNI; KURKOWSKI, 2019).
Portanto, diante da ausência de uma delimitação temporal que marque o início da proteção à vida e de seu caráter não absoluto, é preciso enxergar a mulher como sujeito de direitos, e inseri-los como importantes para o debate contra a criminalização do aborto, pondo fim a vida como direito absoluto o qual anula os demais direitos. E interpretando as leis penais a luz do princípio da dignidade de modo a garantir direitos humanos sexuais e reprodutivos e com isso a possibilidade de aborto.
4.2.2 A laicidade da República Federativa do Brasil
O Brasil se tornou um país laico com o advento da primeira Constituição República de 1891. A laicidade significa reconhecer que para a vida pública, a neutralidade é garantia de segurança da sociedade, protegendo a liberdade de culto e o exercício de religião de uma possível intervenção do Estado. Ao mesmo passo que determina que concepções morais religiosas não sejam usadas como guia para as decisões estatais.
Da mesma forma, a Constituição Federal de 1988, estabeleceu em seu artigo 5º, inciso VI e 19, inciso I. Nesse sentido, em seu voto, o Ministro do Supremo Tribunal Marco Aurélio, na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental de n.º 54/2012 asseverou que o estado Brasileiro é neutro no que diz respeito a adoção de uma religião e ainda que a fé e orientações morais dela, decorrentes não podem ser impostas para a sociedade:
Ao Estado brasileiro é terminantemente vedado promover qualquer religião. Todavia, como se vê, as garantias do Estado secular e da liberdade religiosa não param aí – são mais extensas. Além de impor postura de distanciamento quanto à religião, impedem que o Estado endosse concepções morais religiosas, coagindo, ainda que indiretamente, os cidadãos a observá-las. (BRASIL, 2012, Pág.43)
Reafirma que a religião não orienta o tratamento do Estado a outros direitos fundamentais, como direito à saúde física e mental e a liberdade no campo da orientação sexual e reprodutiva, e uma vez que se inclui crenças religiosas como justificativa para tipificação de crimes. O Estado acaba se valendo de uma moral individualizada que não é adotada por toda a coletividade.
Todavia, o que se ver na realidade brasileira é uma problemática complexa, principalmente considerando o contexto histórico do país, no qual as instituições religiosas dominantes impõem suas convicções religiosas em forma de princípios e leis que regulam o uso da sexualidade e da reprodução.
E ainda, por consequência, acaba por retirar a autonomia feminina, sua liberdade de escolha e viola os direitos reprodutivos das mulheres. Nas palavras de Tomaz e Ferreira, ao estabelecer tipos penais cuja base é atender a padrões morais institucionalizados pela fé e dogmas religiosos, acaba por retirar a legitimidade da soberania popular e por consequência a liberdade dada a cada indivíduo de participar da construção das normas que incidem sobre toda a população (SOUZA; BISPO, 2020).
Logo, tendo em vista o que a moral é composta de caráter individual e subjetivo. O direito não pode se servir dela individualmente para proibir a prática de certo atos, segundo ainda o princípio da alteridade que rege suas normas, ou seja, tendo em vista o caráter coercitivo de suas normas que incidirão por toda a coletividade, indo além dos limites democráticos.
4.2.3 A garantia dos direitos sexuais e reprodutivos femininos
Na Constituição Federal Brasileira de 1988 elenca em seus artigos direitos, deveres e garantias fundamentais inerentes a pessoa humana, para garantira a igualdade e o desenvolvimento de uma sociedade justa e democrática. Contudo, quando se trata da dignidade da pessoa humana relacionada a autonomia feminina sobre seus direitos sexuais e reprodutivos a realidade é outra. As discussões e debates sobre o aborto, o qual é um ato de autonomia feminina sobre seu próprio corpo, na maioria ainda são feitos com base em crenças religiosas, discutindo-se sobre valor moral e não em fatos.
Além disso, isso gera uma grande incógnita, pois desde a antiguidade a mulher sempre foi tratada como um objeto personificado ter a função de reproduzir, além de ser propriedade única e exclusiva de seu marido e por isso não tinha o direito de exercer sua autonomia sobre seu corpo e sobre seus próprios desejos.
Ainda assim, atualmente muitas mulheres são sujeitas a um relacionamento abusivo, impedidas de desfrutar de sua autonomia e de sua dignidade, mesmo diante da nossa Constituição e principalmente da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) onde nos diz não haver distinção entre homens ou mulheres acerca de seus direitos e que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos (BRASIL, 1988; ASSEMBLEIA GERAL DA ONU, 1948).
Considerando os estudos da bioética sobre autonomia feminina, a garantia dos direitos sexuais e reprodutivos, Debora Diniz e Dirce Guilhem em seus estudos sobre feminismo, bioética e vulnerabilidade, publicado na Revista Estudos Feministas, dizem que “conquistas da liberdade são conceitos e princípios que se misturam na busca pela igualdade social, na crítica a todas as formas de opressão social ou mesmo na proteção de pessoas e/ou comunidades socialmente vulneráveis” (DINIZ; GUILHEM, 2000).
Ademais, os direitos sexuais femininos com o direito reprodutivo ainda são motivos de grandes debates. A luz da nossa Constituição e dos demais acordos, tratados e convenções do qual o Brasil é signatário como a, o exercício da sexualidade deve ser livre e respeitado sem violência ou preconceitos. Contudo, o Brasil ainda possui um patriarcado enraizado o que dificulta ainda mais a consagração desses direitos, assim a mulher ainda é vista como a pessoa que deve cumprir seu papel materno e reprodutor.
4.2.4 Um problema de saúde pública
Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), aproximadamente 39 mil mulheres morrem ou são internadas pela realização de aborto de maneira irregular. Segundo Diniz, aborto é um problema de saúde pública, e por meio da pesquisa nacional sobre aborto, confirma-se a partir dos dados nos quais em média mais de 1 milhão de abortos realizados por ano no Brasil e isso se reflete também nos gastos pelos SUS com os problemas de saúde decorrentes dele, o que se estima, na última década em um gasto de 500 milhões de reais no tratamento de complicações decorrentes de aborto (DINIZ, 2016; OMS, 2022).
Consoante a análise dos dados acima é possível concluir que mesmo com a criminalização o aborto não é nada fora realidade feminina e ocorre em abundância no Brasil. Além disso, a criminalização acaba por afetar o Sistema Único de Saúde (SUS) visto que em decorrência dela há procura de ajuda médica por muitas mulheres em decorrência de um aborto mal realizado. A grande controvérsia é que a própria tipificação do aborto como crime acarreta essas consequências, visto que obriga as mulheres a se submeterem a procedimentos inseguros, já que não as ampara. O que gera um paradoxo, visto que as mulheres morrem quando a finalidade da criminalização é proteger à vida (ORLANDI; GOMES, 2020).
Para Organização Mundial de Saúde, OMS, saúde é um estado de bem-estar total nas esferas: físico, mental e social. Um conceito que vai além da falta de doença ou enfermidade, a saúde assume maiores proporções ensejando uma total proteção a pessoa, como ser humano dotado de dignidade. Diante da criminalização do aborto, a saúde, em sua íntegra, é afetada. A mulher que aborta de clandestinamente/irregular gera inúmeros problemas a saúde física da mulher. Segundo dados do relatório ANIS, quinhentas mil mulheres interrompem a gravidez, sendo que uma mulher morre a cada dois dias em decorrências da realização de procedimentos malfeitos no Brasil e a curetagem foi o terceiro procedimento ginecológico mais realizado pelo Sistema Único de Saúde, durante o período de 2014 e 2016 (SEGRE, 1997; ANIS, 2019).
Notável que os problemas decorrentes da realização de aborto irregular violam o direito à vida e a integridade física consagrados na Carta Magna, e, no qual o Estado tem o dever de garantia. Entretanto, cabe a ressalva que de acordo com Organização Mundial de Saúde, o procedimento de aborto não, é algo inseguro e sim de baixa complexidade e risco de morte, e que o grande número de mortes e sequelas se justificam pela realização de procedimentos irregulares, sem o devido aparato médico. Diante disso, um país que criminaliza o aborto retira todas as condições de acesso a um procedimento seguro para as mulheres, e acaba por obrigá-las a arriscar sua saúde em procedimentos a margem da lei. Assim, devido à imposição legal, as mulheres buscam firam de realizar o procedimento na surdina, no qual as dores e o sofrimento são silenciados e vidas são ceifadas enquanto o Estado lhe tira o poder de escolha e autonomia sobre seus próprios corpos (ORLANDI; GOMES, 2020).
Adiante quanto ao dano ocasionado pelo aborto na saúde mental das mulheres, esta vive em constante estado de fragilidade com a reprovação social que incide na mulher que aborta, que é vista como delinquente. Sendo desamparadas pelas instituições Estatais, pela sociedade e por suas famílias. A mulher perde a sua autodeterminação e desenvolve problemas como angústia, ansiedade, depressão, sentimento de culpa entre outros. Afetando o direito a integridade psíquica das mulheres (FOGANHOLI, 2019).
Outro ponto que gera questionamento é sobre qual o perfil dessas mulheres que buscam atendimento médico do SUS, a esfera social também incide sobre o conceito de saúde. E segundo, Vignoli, em seu artigo sobre o reflexo da criminalização do aborto sob a ótica das mulheres, em situação de vulnerabilidade, a segurança do procedimento de aborto é o proporcional a quantia que a mulher pode disponibilizar. Sendo assim, o contexto de desigualdade social entra com força como uma das causas de aumento dos riscos, já que a falta de recursos por certas mulheres as coloca sem escolhas seguras e em decorrência disso em maiores riscos (BESSA, 2020).
No mais, segundo a definição da OMS, impossível não imaginar a influência dos direitos sociais previstos no artigo 6º da Constituição Federal, como à educação, à moradia, à alimentação e a ausência desses direitos acaba por refletir na situação de saúde, tanto individual como coletivamente. O que, segundo a Fundação Oswaldo Cruz, exige do setor de saúde e demais setores a adoção de medidas contra a desigualdade social. Em suma, as condições sociais afetam a saúde. E no caso do aborto, onde as condições financeiras toma proporções com a segurança do procedimento realizado, acaba por potencializar os efeitos de um procedimento aborto irregular. Então, não seria o aborto um problema linear, visto que as consequências de sua criminalização transpassam o campo do direito penal e afetam diretamente a saúde em ambos os aspectos físico, mental e social. Além de trazer gastos para o Estado e refletir problemas de desigualdade social (KRIEGER; MARCHIORI, 2007).
Os motivos que ensejaram a legalização do aborto em alguns países latino-americanos, como Cuba, México, Uruguai, Guiana, Argentina e agora Colômbia, foram justamente as mesmas causas, debatidas nos demais países onde o aborto é criminalizado, ou seja, a taxa elevada de mortalidade das mulheres que se submetem a um aborto ilegalmente e perigosa (QUINTINO, 2022).
Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) atualmente cerca de 19 milhões de abortos são realizados de forma insegura e totalmente perigosa, pois são praticados por pessoas incapacitadas. Estima-se que 13% das mortes maternas decorrem dessa prática. Sendo que ao nível mundial, as mulheres da América Latina representam 19,5%, com a taxa de mortalidade de 12%, segundo a revista IPAs, do México. Construindo uma análise entre os países que legalizaram o aborto na América Latina, é possível observar que a legalização partiu também dos países onde o conservadorismo era predominante.
No ano de 1987, Cuba foi o primeiro país a despenalizar o aborto além das hipóteses permitidas, que eram em casos de risco de vida à mulher, de estupro ou nos casos onde a mulher tivesse o risco de transmitir ao feto alguma doença hereditária. E começou a penalizar quem o realizasse fora das normas sanitárias estabelecidas em lei. Desse modo, foi possível prevenir a morte de milhares de mulheres todos os anos na ilha (CAMTRA, 2020).
Após a legalização em Cuba, o México, em 2007, por unanimidade dos votos dos ministros, deixou de penalizar o aborto. Contudo, cada estado tem sua autonomia e seus casos específicos. Na Argentina a lei 27.610/2020 aprovou que seria legal o aborto feito até a 14ª semana de gestação e que é dever do profissional de saúde prestar os devidos procedimentos para ser realizada a interrupção da gravidez com o livre consentimento da gestante maior de 16 anos (ARGENTINA, 2020).
Na Colômbia, o sexto país da América Latina a compor o quadro dos países onde descriminalizaram a prática do abortamento, teve como argumento ensejador que a criminalização alimenta o mercado clandestino e por este motivo os números de mortes aumentavam gradativamente (ARGENTINA, 2020; BBC, 2022).
Dessa forma, entendendo que não se trata apenas dos números elevados de mortes, mas também das garantias que cada mulher deve ter, principalmente a autonomia sobre sua própria vontade, onde o estado tem o dever de garantir a dignidade da pessoa humana e considerar a vontade própria de cada mulher. Contudo, no Brasil a realidade é outra, apesar de ser um estado laico, devido não adotar nenhuma religião como oficial, também é um estado democrático de direito onde a soberania popular é fundamental. Assim, observamos a estagnação do país em relação aos países circunvizinhos, onde seguem avançando por meios da legislação.
Enquanto o Brasil segue com pensamento enraizado na religião, como podemos observar nos discursos feitos na ADPF 442-DF e pensamentos moralistas, e que não avança legislativamente. Visto que a última lei penal que ainda vigora sobre o aborto é o código penal de 1940 e que a última discussão jurisprudencial que culminou na descriminalização do aborto em casos de fetos anencefálicos foi em 2012, completando 10 anos de decisão. E evidenciando cada vez mais o retrocesso brasileiro.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como pode ser observado ao longo deste artigo, o crime de aborto está elencado no Código Penal brasileiro como forma de punir as pessoas que cometem o crime. Por outro lado, a lei se torna ineficaz enquanto a prática do crime não deixa de ser realizada. Considerando que a interrupção da gravidez nas hipóteses legais é um direito garantido de constitucionalmente as mulheres, justamente com a Constituição Federal 1988 em seu art. 5° caput, a qual trouxe importantes avanços no que diz respeito aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. A exemplo disso, as decisões do Supremo Tribunal Federal no julgamento ADPF 54/2004, trouxe a possibilidade de interromper uma gestação com a realização de uma antecipação de forma terapêutica do parto no caso de anencefalia.
Em contrapartida, o fato de abortar até mesmo quando envolve as hipóteses legais de interrupção da gravidez, como a gravidez decorrente da violência sexual, é motivo de discussões quanto ao que se deve fazer em relação a essas mulheres, mesmo sendo submetidas a um processo de autorização, caso desejem realizar a interrupção. É notável a indiferença que a sociedade trata deste assunto, no momento em que muitos têm uma visão conservadora pautada no patriarcado, na religiosidade, nos costumes e na moral, e por este motivo esquecem do verdadeiro bem que está em jogo, que é a vida digna que uma mulher deve ter.
Dessa forma, faz-se uma alusão ao “Mito da caverna” de Platão, pelo fato do estado, preponderar a visão embaraçosa que envolve as questões de aborto no Brasil, considerando o que a sociedade exige para o plano moral, com influência do viés religioso (o que seria a sombra que os prisioneiros visualizavam no interior da caverna). Ao invés de visualizar o real problema, sobre a mulher não ter autonomia sobre seu próprio corpo, e seus direitos sexuais e reprodutivos estarem sendo controlados pelo estado através do ordenamento jurídico, por motivos que não são apenas jurídicos (o que seria a luz solar no exterior da caverna).
Ainda que o papel do ordenamento jurídico seja garantir a proteção dos direitos reprodutivos e a autonomia feminina através do princípio da dignidade da pessoa humana, independentemente de qualquer distinção de qualquer natureza, o preconceito está cravado no seio da justiça, vez que a grande maioria das mulheres que respondem criminalmente são pretas, pardas, analfabetas e de poucas condições econômicas, assim como demostrado pelo relatório da Defensoria Pública do estado do Rio de Janeiro no ano de 2018. São essas mulheres que sofrem ao procurar a rede de saúde pública em busca de um atendimento humanitário, e ao contrário do que pensam, encontram uma forte barreira e uma certa precariedade do sistema de saúde, vez que são poucos os profissionais destinados a prestar atendimentos necessários, e esses mesmos são responsáveis por denunciá-las.
Por consequência, identifica-se a falha do Estado quanto a lei penal vigente no país, a qual deveria ser interpretada aos olhos da Constituição Federal de 1988, preconizando todos os direitos e deveres nela estabelecidos, em especial a dignidade da pessoa humana, diante dos direitos femininos. Conclui-se então que o estado continua tendo o controle sobre o corpo feminino. Pois do mesmo modo que tutela o direito à vida, a saúde e consequentemente a integridade física de uma mulher, ele restringe a liberdade de escolha por meio da lei penal vigente.
Por este motivo é de suma importância que o tema continue sendo debatido e as falhas no sistema sejam solucionadas, de forma com que ocorra a uma política pública eficaz, desde os meios de informações sobre o assunto, quanto aos meios pelos quais os procedimentos são realizados. Além disso, que as decisões dos países vizinhos, como a Argentina, Colômbia, México e os demais favoráveis ao aborto, sejam considerados validos ao ponto de vista das políticas públicas brasileiras.
Pois, ainda que os números elevados de mortes sejam um fator determinante, deve ser considerado em conta a proteção da autonomia que cada mulher deve ter sobre seu próprio corpo. Onde o estado não tenha o dever de interferir na liberdade de escolha, mas garantir a dignidade da pessoa humana e a autonomia feminina, independentemente da cor de sua pele, classe social ou econômica.
Por fim, a mulher deve ser vista como um ser de direitos e tratada com total respeito e igualdade, sem que suas escolhas sejam jogadas em uma arena de disputa entre o conservadorismo estatal e a liberdade de escolha individual.
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[1]Acadêmica do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho UNIFSA. m
[2]Professora do curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho-UNIFSA, Doutora em Direito e Políticas Públicas pela UNICEUB.
[3] Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Anuário Brasileiro de Segurança Pública – São Paulo: Revista Brasileira de Segurança Pública, v.16 n.3, 2022. ISSN 1983-7364. Acesso em 22/07/2022.
[4] DINIZ, 2013 – Estado laico, objeção de consciência e políticas de saúde. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 29 (9): pág. 1704-1706, set, 2013.
Acadêmica do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho- UNIFSA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, ALDAYANE VIANA DE. Interrupção de gravidez: o útero como arena de disputa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 dez 2022, 04:09. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/60355/interrupo-de-gravidez-o-tero-como-arena-de-disputa. Acesso em: 23 nov 2024.
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