CAIO LEÃO CÂMARA FELGA[1]
(coautor)
RESUMO: O presente trabalho propõe estudar os pronunciamentos judiciais de primeiro grau no contexto das inovações trazidas pelo CPC/2015, discorrendo os conceitos, a estrutura e os meios de impugnação disponíveis. Com base nestas premissas, considerando a motivação como ponto comum entre as decisões interlocutórias e as sentenças, se analisará sua importância no modelo constitucional de processo, alcançando suas implicações na consciência das partes de modo a optar pela interposição de recurso ou se conformar com o pronunciamento judicial.
PALAVRAS-CHAVE: Pronunciamentos judiciais. Motivação. Recorribilidade. Conformação.
ABSTRACT: This paper proposes to study the first degree judicial pronouncements in the context of the innovations brought by the CPC/2015, discussing the concepts, structure and means of challenge available. Based on these premises, considering the motivation as a common point between interlocutory decisions and sentences, it will be analyzed its importance in the constitutional model of process, reaching its implications in the conscience of the parties so as to opt for the filing of an appeal or to conform with the judicial pronouncement.
KEYWORDS: Judicial pronouncements. Motivation. Appealability. Conformity.
1. INTRODUÇÃO
A compreensão dos meios de impugnação dos pronunciamentos judiciais impacta diretamente o comportamento dos sujeitos processuais. Partes, terceiros e até mesmo os juízes precisam entender o momento de produção dos pronunciamentos, as formas de irresignação e o tempo de insurgência, mormente pelas novidades trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015.
Transcorridos pouco mais de 6 anos da entrada em vigor da nova lei processual, a doutrina precisa continuar se aprofundando em cada um dos institutos envolvidos e suas alterações, ainda que tenham sido dados os primeiros passos para solucionas problemas do hodierno sistema processual civil.
O principal motivo que fomenta este trabalho é o impacto que a fundamentação judicial, de forma completa, pode refletir na recorribilidade dos pronunciamentos judiciais, em especial tanto para verificar a possibilidade de redução de recursos como aprimorar o julgamento destes.
Para tanto, parte-se da necessidade de conceituar os pronunciamentos judiciais decisórios, a fim de entender como a fundamentação é característica comum presente nas sentenças e decisões interlocutórios. Em seguida, o artigo aborda a importância da motivação para respaldar a atividade cognitiva judicial que permite a intromissão na esfera privada, pelo que não basta existir um fundamento, mas é necessária sua demonstração em cada caso concreto. Posteriormente, o estudo faz uma análise crítica da motivação sob a ótica do modelo constitucional de processo, mormente para verificar a necessidade de completude da fundamentação. O trabalho então adentra em aspectos relacionados aos meios de impugnação, com o intuito de entender como a fundamentação e a recorribilidade se comunicam, tanto possibilitando aos jurisdicionados encontrar eventuais motivos de desacertos dos pronunciamentos decisórios, como permitir que o órgãos recursal encontre os argumentos para manutenção ou reforma da decisão impugnada. Ao final, busca-se aferir aspectos da motivação que possa proporcionar convencimento das partes com o próprio acerto da decisão.
Com tais considerações, será possível discorrer a importância da motivação no Estado Democrático de Direito com base no tratamento dado pelo sistema jurídico brasileiro e, em razão de seus efeitos endoprocessuais e extraprocessuais, as implicações da motivação na recorribilidade.
2. PRONUNCIAMENTOS JUDICIAIS
No decorrer da marcha processual o juiz de primeiro grau pratica uma série de atos processuais, dos quais os pronunciamentos (despachos, decisões interlocutórias e sentenças) são espécies. Entre os demais atos, pode-se citar a direção da audiência, ordenação e direção do andamento processual, colheita de provas, inspeção judicial[2].
O art. 162 do Código de Processo Civil de 1973, por sua vez, apontava estes pronunciamentos como sendo os atos do juiz, como se excluísse os demais atos do magistrado, equívoco terminológico que o art. 203 do Código de Processo Civil de 2015 solucionou ao enquadrar as sentenças, as decisões interlocutórias e os despachos como espécies de pronunciamentos judiciais, trazendo conceitos para sentença e decisão interlocutória baseados no conteúdo do ato e na sua finalidade e uma definição por exclusão dos despachos[3].
Com efeito, em sua redação original, o CPC/1973 conceituava a sentença como ato pelo qual o juiz, decidindo ou não o mérito, punha termo ao processo. Neste aspecto, o efeito do pronunciamento do juiz era o fator mais importante para o legislador. A decisão interlocutória, por outro lado, era tida como o ato pelo qual o juiz resolvia questão incidente no curso do processo. O despacho não se enquadraria nos dois primeiros conceitos, tendo sua definição por exclusão.
Ocorre que os processos sincréticos sinalizaram a necessidade de alteração do conceito original de sentença, pelo que a Lei nº 11.232/2005 passou a tratar a sentença como o ato pelo qual o magistrado implicaria algumas das situações estabelecidas nos arts. 267 (extinguia o processo sem resolução do mérito) e 269 (resolvia o mérito) do CPC/1973[4], trazendo o enfoque conceitual ao conteúdo do pronunciamento judicial, ainda que permanecesse o efeito de extinguir o processo nas hipóteses em que não havia resolução do mérito, o que trouxe ao debate a possibilidade de sentenças parciais com a interposição de apelações em diferentes momentos procedimentais[5].
O CPC/2015 expressamente ressalvou eventuais previsões distintas nos procedimentos especiais e conceituou a sentença em seu art. 203, § 1º, como o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 ou 487, põe fim à fase cognitiva do processo de conhecimento, bem como extingue a execução. Assim, o atual conceito do legislador leva em consideração tanto o conteúdo do pronunciamento, como também o efeito ou finalidade do ato judicial.
Com base nestas premissas, a sentença seria o ato final do processo pelo qual o juiz extingue o feito com ou sem resolução de mérito, sendo impugnável por meio do recurso apelação (art. 1.009, CPC/2015), sem qualquer distinção quanto à resolução ou não do mérito, razão pela qual a apelação poderá ser embasada em vícios de forma e julgamento, inclusive cumulando fundamentos relativos a tais vícios.
É na análise dos requisitos da sentença previstos no art. 489 do CPC que vemos a principal inovação do CPC/2015 em relação aos pronunciamentos judiciais. Não propriamente em relação aos requisitos em si, pois vinham igualmente listas no art. 458 do CPC/1973, ou mesmo pelo dever de fundamentação, mas em relação aos parágrafos que não possuem correspondência em relação a lei adjetiva anterior e impõe observâncias mínimas no momento da fundamentação.
Quanto aos requisitos,, verifica-se que a sentença, enquanto discurso, apresenta uma estrutura fechada consoante escólio de Michele Taruffo[6], de modo que a legislação define a necessidade de possuir relatório, fundamentação e dispositivo. Cumpre ressaltar relevante posição na doutrina de que tais requisitos não são exclusivos da sentença, mas de qualquer decisão judicial[7]-[8], pelo que o dever de fundamentar não pode se restringir à sentença.
O relatório prepara o juiz para decidir por meio de um histórico das principais ocorrências da marcha processual[9]. Na fundamentação, que se aprofundará mais adiante, o magistrado analisa as questões de fato e de direito, fazendo constar a resolução das questões principais no dispositivo. Por último, no dispositivo da sentença se exterioriza a conclusão do magistrado, resolvendo as questões que as partes lhe apresentam[10].
Cumpre destacar que os demais pronunciamentos judiciais com caráter decisório, serão caracterizados como decisões interlocutórias. Assim, ainda que com conteúdo dos arts. 485 e 487 do CPC/2015, não ocorrendo o fim de uma fase processual, como na hipótese da rejeição do pedido exclusivamente em relação a um dos litisconsortes passivos com determinação de dilação probatória quanto aos demais, não há sentença na perspectiva legislativa.
Com base na sua previsão processual, o agravo de instrumento é um recurso para impugnar determinadas decisões interlocutórias[11]. O emprego da expressão determinadas indica que nem todas as decisões interlocutórias podem ser objeto do recurso de agravo de instrumento, mas apenas aquelas que estejam enquadradas no rol, caracterizado por uma das hipóteses descritas nos incisos ou parágrafo único do art. 1.015 do CPC/2015.
Por sua vez, quando a decisão interlocutória não se enquadrar no rol em questão, não será possível a interposição do recurso de agravo de instrumento, mas sua recorribilidade será diferida[12] para eventual preliminar de recurso apelação ou contrarrazões, de modo que não serão imediatamente acobertadas pela preclusão (art. 1.009, §1º, CPC/2015)[13]. Verifica-se que o intuito era tratar o rol do art. 1.015 do CPC/2015 como taxativo, de modo a impedir o manejo do aludido recurso contra as demais decisões interlocutórias, sendo que hodiernamente, em razão do Recurso Especial Repetitivo nº 1.704.520, decidiu-se que o referido rol possui uma espécie singular de taxatividade mitigada por uma cláusula adicional de cabimento, que se revelou como a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação.
Também de forma residual, o § 3º do art. 203 conceitua como despacho os demais pronunciamentos do juiz, sejam praticados de ofício ou a requerimento da parte. Depreende-se, destarte, que o despacho não possui conteúdo decisório[14], de modo que não gera prejuízo às partes.
3. A MOTIVAÇÃO NOS PRONUNCIAMENTOS JUDICIAIS
Conforme já exposto, os requisitos previstos no art. 489 do CPC, em especial, a fundamentação não se restringe a sentença, mas é característica de todo pronunciamento judicial decisório, pelo que, em primeiro grau, decisões interlocutórias e sentenças devem vir devidamente fundamentadas.
Os pronunciamentos judiciais decisórios são frutos do exercício da cognição judicial pelo magistrado, que, segundo Kazuo Watanabe, é prevalentemente um ato de inteligência, no qual o juiz deve considerar, analisar e valorar as alegações e as provas que lhe são trazidas pelos sujeitos processuais, ou seja, as questões de fato e de direito constantes no processo, de modo que o julgamento do objeto litigioso do processo é o resultado desta atividade intelectual[15].
A cognição possuiria caráter prevalentemente lógico justamente por corresponder a uma atividade intelectual[16], sendo que, didaticamente, se procura reduzir a atividade do juiz a um silogismo por meio do qual a regra jurídica abstrata constituiria a premissa maior, os fatos, por sua vez, a premissa menor e o provimento do juiz a conclusão[17].
Por certo há elementos mais complexos nesta realidade cognitiva que não podem ser expressos nesta simples estrutura, tanto que Michele Taruffo destaca que a despeito do longo período de reconhecimento na doutrina europeia, especialmente na alemã e na italiana, seus próprios defensores destacavam limitações diante da complexidade do raciocínio no magistrado, tanto que se instituiu a percepção de que há a concatenação de silogismos (polissilogismo), de modo que as diversas conclusões constituiriam as premissas do silogismo final[18]-[19]. Cumpre ressaltar que o aludido autor defende que o silogismo está mais atrelado a uma teoria da motivação do que a cognição judicial propriamente dita[20].
Doravante, não obstante a discussão sobre o uso da estrutura do silogismo como teoria da motivação ou teoria do juízo, segundo Kazuo Watanabe o esquema do silogismo final e os aspectos mais relevantes para a justificação lógica da conclusão precisam ficar expressos na “motivação”, de modo que esta se apresentaria como um discurso destinado a justificar racionalmente o ato motivado[21]-[22]. Outrossim, discorre que todo ato de intromissão na esfera jurídica das pessoas deve se submeter ao princípio da justificação necessária no duplo momento (material e formal) [23].
Isso ocorre porque, segundo Barbosa Moreira, no Estado de Direito todos os poderes devem se sujeitar à lei, de modo que qualquer intromissão na esfera dos particulares deve vir acompanhada de sua justificação, o que caracteriza o Estado de Direito como o “Estado que se justifica”. Neste aspecto, a intromissão estará materialmente justificada pela existência de um fundamento, sendo formalmente justificada pela exposição, declaração ou demonstração do fundamento[24].
Enquanto discurso destinado a justificar racionalmente o ato motivado, Taruffo[25] esclarece que a motivação não é a gravação do raciocínio que o juiz realizou para chegar a sua decisão. Caso assim o fosse, a motivação representaria a simples transcrição do que o magistrado pensou quando admitiu as provas, valorou e delas deduziu seu pronunciamento decisório. Assim, diferencia-se o raciocínio com o qual o juiz chega a uma decisão e o raciocínio com que justifica sua decisão. O primeiro, de natureza heurística, avança de acordo com a verificação das hipóteses, incluindo inferências abdutivas de modo a se articular em uma sequência de eleições até chegar a decisão final, enquanto a motivação pressupõe a decisão e é orientada a mostrar que existem argumentos lógicos para sustentá-la[26].
3.1. A MOTIVAÇÃO DOS PRONUNCIAMENTOS JUDICIAIS NAS PERSPECTIVA DO MODELO CONSTITUCIONAL DE PROCESSO
O art. 1º do CPC/2015[27] expressamente prevê que o processo civil não pode ser interpretado com dissonância das normas fundamentais estabelecidas na Constituição Federal, entre as quais destaca que todas as decisões devem ser fundamentadas (art. 11, CPC/2015[28]). De fato, o dever de fundamentar, observado na perspectiva do processo constitucional é cada vez mais marcante no processo civil, mormente por vir expressamente previsto no inciso IX do art. 93 da Constituição de 1988. Contudo, mesmo que ainda não tivesse expressa no texto constitucional pátrio, o dever de motivar continuaria a corresponder com um direito fundamental dos jurisdicionados, pois corolário do princípio do juiz natural[29], ou mesmo da garantia do devido processo legal e manifestação do Estado de Direito, pelo que a motivação consiste no conteúdo mínimo do devido processo legal[30].
A segunda guerra mundial foi determinante para que as novas Constituições, especialmente as europeias, passassem a tratar garantias relacionadas à função jurisdicional e ao processo como direitos fundamentais do indivíduo, protegendo-as na perspectiva do sistema de direitos humanos. Nesta acepção, o modelo constitucional do processo recebe proeminência, pois cristaliza a ideia de processo como uma garantia fundamental constitucional[31].
Com efeito, o modelo constitucional do processo reconhece o princípio da supremacia da Constituição, com suas garantias aos cidadãos, servindo para o fortalecimento do Estado Democrático de Direito. Neste sistema, destaca-se a garantia do contraditório, com base no voto do Ministro Gilmar Mendes no Mandado de Segurança nº 24.268/MG[32], julgado em 05/02/2004, para o qual traz a ideia de informação, manifestação e de ver seus argumentos considerados pelo juiz, do qual deriva o dever do órgão julgador de fundamentar as decisões.
As partes trazem suas alegações e provas com o intuito de influenciar o juiz, de modo que a resposta dada pelo órgão julgador deve se atentar às razões expostas pelas partes, seja para acolhimento ou para rejeição.
Na ótica da valoração das provas, ensina João Batista Lopes[33] que se deve observar o critério da persuasão racional e não o da livre convicção do juiz, de modo que o magistrado não possui liberdade absoluta na instrução, mas sim que deve observar critérios técnicos de racionalidade e lógica, bem como postulados de outras ciências, afastando-se de decidir segundo suas impressões pessoais. Para tanto, o CPC/2015 impõe requisitos rigorosos para que uma decisão se considere fundamentada.
Não se pode admitir que a cognição judicial esteja assentada em questões subjetivas não explicitadas, pelo que se torna imprescindível que cada momento da decisão esteja devidamente motivado, fazendo compreender a interpretação das normas, a apuração dos fatos, a qualificação jurídica dos fatos, bem como as consequências jurídicas da decisão[34].
Verifica-se, portanto, a relevância da extensão do dever de motivação, na medida que a fundamentação deve preencher determinados requisitos que tornam possível o controle dos fundamentos racionais da decisão, o que permite a manifestação do pleno contraditório, pois a exposição das escolhas que levaram à decisão passa pelas arguições das partes, pelo que a motivação será parâmetro de aferição da submissão do juízo ao contraditório e do cumprimento do dever de debate a ele correlato[35].
Assim, partindo da decisão e de todas as consequências que dela possa derivar, a motivação exige completude, de modo que cada questão ali resolvida (na decisão) deve vir devidamente fundamentada. Sem dúvidas, o §1º do art. 489 do CPC/2015 fortalece as preocupações atinentes à motivação, sendo que sua aplicação não pode se restringir às sentenças[36], notadamente pela possibilidade (cada vez mais patente no sistema) de interferência na esfera individual por decisões interlocutórias.
Doravante, no modelo constitucional de processo, os embargos de declaração, recurso ainda não mencionado neste trabalho, cabível para corrigir erro material, esclarecer obscuridade, eliminar contradição e suprimir omissão, ganha importante missão.
Ao regular seu cabimento, a preocupação do legislador ordinário em descrever hipóteses de omissão não pode ser ignorada. Os incisos do parágrafo único do art. 1.022 informam que há omissão quando o magistrado deixar de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou de incidente de assunção de competência aplicável ao caso ou quando ocorrer em alguma conduta descrita no §1º do art. 489. Em outras palavras, a omissão não ocorre apenas quando o órgão julgador deixar de apreciar um dos pedidos das partes, mas principalmente quando a decisão não é adequadamente fundamentada.
Desde já, é importante ressaltar que a motivação deve possuir o mínimo necessário para controle das razões com as quais o magistrado exerceu seu poder decisório, justificando as escolhas realizadas pelo juiz para chegar a uma decisão final. Se algumas destas escolhas não restarem motivadas, não será possível este controle, o que, segundo Michele Taruffo, nos permite reconhecer um princípio da completude da motivação, de modo que a justificação do ato decisório deve conter todas as escolhas feitas pelo magistrado[37].
O §1º do art. 489 do CPC/2015 ainda que não o declare expressamente, reforça no âmbito infraconstitucional o princípio da completude da motivação, trazendo balizas mínimas para que aludido princípio seja observado.
Aqui destaca-se duas funções essenciais da fundamentação: endoprocessual e extraprocessual. Com base na distinção proposta por Michele Taruffo[38], a primeira de caráter endoprocessual, correlaciona-se ao caso concreto pela percepção de processo justo para as partes, facilitando a conexão entre a sentença e sua impugnação. Por sua vez, a função extraprocessual decorrente da própria ideia de fundamentação como garantia fundamental da administração da justiça, irrenunciável no Estado democrático moderno, traz a motivação como mecanismo capaz de assegurar o controle do povo sobre a atividade jurisdicional (controle externo difuso).
Tem-se, portanto, um controle generalizado e difuso sobre o modo como o magistrado administra a justiça, de forma a estabelecer que a possibilidade de aferir a correção de um julgado não é um privilégio apenas das partes diretamente interessadas, mas se estende a todos os membros da sociedade, o que fortalece a confiança na tutela jurisdicional e a própria coesão social e solidez nas instituições, o que é essencial no Estado de Direito[39]. Afinal de contas, o recurso ao Direito se contrapõe ao emprego da violência, já que se deixa de fazer justiça pelas próprias mãos em substituição à confiança que se deposita nas instituições judiciárias[40].
A função extraprocessual, ao garantir o controle do exercício do poder judicial para além do contexto processual, advém da própria concepção democrática do poder, pelo qual o exercício do poder deve ser controlado de fora[41], submetendo o exercício da função jurisdicional ao Estado de Direito, ou, em outros termos, ao sistema de fontes constitucionalmente estabelecidos. Além de, repita-se, permitir que a sociedade saiba como os juízes exercem o poder que foi conferido[42].
Em razão desta dupla função, segundo Fredie Didier Junior[43], valendo-se do escólio de Daniel Mitidiero, a decisão judicial caracteriza-se como duplo discurso, por um lado voltado para a solução do caso, no qual se dirige às partes, e, por outro lado, um discurso para a formação do precedente, dirigido à coletividade.
3.2. A MOTIVAÇÃO DOS PRONUNCIAMENTOS JUDICIAIS E OS MEIOS DE IMPUGNAÇÃO
A garantia de um processo público não é suficiente para permitir que uma decisão seja correta e justa: é indispensável que as decisões judiciais apresentem explicações e fundamentos para as conclusões nelas adotadas.[44]
Daí o porquê de se afirmar que a justificação do Estado que se expressa por meio da fundamentação é garantia inerente ao Estado de Direito, motivo pelo qual, ainda que os recursos não sejam interpostos contra a fundamentação, as razões recursais se baseiam justamente na motivação da decisão[45].
Com base no princípio da integridade de Ronald Dworkin aplicado aos pronunciamentos judiciais, Gisele Mazzoni Welsch[46] defende que o sistema jurídico precisa garantir o julgamento em conformidade com a Constituição, proporcionando condições para se aferir este acerto.
Conforme lição de Moacyr Amaral Santos[47], a motivação ganha maior importância em face da recorribilidade da sentença, pois para obter sua reforma, o recorrente terá que atacá-la por incidir em erro de fato ou de direito, devendo demonstrar onde o equívoco se encontra. No lado oposto, ao apreciar o recurso, o órgão ad quem encontrará também na fundamentação da sentença os melhores argumentos para decidir acerca do seu acerto ou da sua injustiça. Isso porque a resolução da sentença é o resultado das motivações que nela se explicam[48].
Piero Calamandrei[49] defende que esta seria a função jurídica da motivação (em contraposição a função psicológica ou persuasiva), colocando as partes em condições de verificar o acerto das razões do juiz, de modo que a visualização de defeitos faz surgir os vários meios de impugnação. Daí o porquê de Eduardo J. Couture[50] acentuar que uma decisão judicial imotivada priva as partes de poderem fiscalizar a atuação jurisdicional do magistrado.
Ao lado da importante função de fornecer argumentos às partes e ao órgão que apreciará eventual recurso, impende ressaltar que a motivação dos pronunciamentos judiciais constitui um importante instrumento de limitação do poder do Estado, de modo a impedir o arbítrio. Com efeito, a fundamentação que expresse o real convencimento judicial permite à parte controlar a racionalidade e correção da decisão, viabilizando o exercício da ampla defesa e facilitando a submissão do ato a um órgão jurisdicional superior[51].
Importante o escólio de Barbosa Moreira[52] ao analisar a obrigatoriedade e publicidade da motivação, de que é por meio desta que se possibilita verificar no caso concreto a imparcialidade do juiz, a legalidade da decisão e o direito que têm as partes de ser ouvidas e de ver examinadas pelo órgão julgador as questões que houverem suscitado.
Com efeito, somente com a análise dos motivos que apoiam a conclusão se pode verificar se o pronunciamento judicial é decorrente da apreciação objetiva da causa mediante posição de neutralidade do magistrado perante as partes. Outrossim, é por meio da motivação que se verifica a legalidade da decisão, de modo que as razões de decidir estejam em conformidade com a lei ou não. Em especial, Barbosa Moreira[53] destaca que este exame da legalidade no processo decisório encontra maior relevância quando o julgador tem que concretizar conceitos jurídicos indeterminados, uma vez que, por se tratarem de conceitos com contornos vagos, impõe-se um dever maior de fundamentação ao juiz.
No tocante ao direito de as partes serem ouvidas e terem suas questões efetivamente apreciadas pelo órgão julgador, retorne-se a garantia do contraditório, enquanto dever de ser informado, direito de manifestação e de ver seus argumentos considerados pelo juiz, do qual justamente advém o dever do órgão julgador de fundamentar as decisões. Não se trata de meramente colocar em movimento o mecanismo judicial pelo direito de ação, mas de apresentar razões em juízo de modo efetivo, podendo-se reclamar sua consideração[54].
Assim, a deficiência na fundamentação acarreta a impossibilidade de verificar a legalidade da decisão, como também de ver as razões expostas pelas partes devidamente consideradas, o que se apresenta como peripécia tanto à interposição do recurso como também ao órgão recursal que deverá apreciar as razões recursais com base na motivação do pronunciamento judicial impugnado.
3.3. A MOTIVAÇÃO DOS PRONUNCIAMENTOS JUDICIAIS E CONFORMAÇÃO DAS PARTES
Da mesma forma que a motivação se mostra como um mecanismo de controle da racionalidade do juiz, exerce, por outro lado, função argumentativa acerca da correção do pronunciamento judicial. Pois bem, as decisões judiciais não possuem como finalidade exclusiva a interposição de recurso, mas também responder os anseios das partes de forma adequada e satisfatória, inclusive, a efetivamente colocar termo ao litígio.
Mais do que garantir a eficácia prática do ordenamento jurídico[55], a jurisdição enquanto poder, função e atividade estatal, impõe o dever de promover a pacificação social mediante a realização do direito justo por meio do processo[56]. O magistrado, portanto, ao exercer sua função, o faz de forma exitosa caso consiga colocar termo ao litígio, principalmente se convencer as partes de que a decisão proferida é a melhor para o caso concreto.
Barbosa Moreira[57], ao discorrer sobre a função extraprocessual da motivação, afirma ser insuficiente e exclusivamente técnica a percepção de que a necessidade de motivação visa, precipuamente, a conceder meios para impugnar a decisão, bem como ao juiz para investigar a ocorrência de erros ou vícios que porventura a tornem injusta eu ilegal.
Reconhecendo-se que a motivação pode conceber até mesmo um controle externo difuso sobre a atividade jurisdicional, não se pode retirar da parte a possibilidade de realizar este controle de forma subjetiva para tão somente se resignar do desfecho processual.
Segundo Piero Calamandrei[58], a partir do momento em que a justiça teria descido do céu para terra, de modo que se passou a admitir que a resposta do magistrado é palavra humana e não fruto algo sobrenatural infalível, a exigência da motivação permitiu encontrar a justiça dos homens, de modo a demonstrar que a sentença é justa, persuadindo a parte sucumbente de que sua perda é o ponto necessário de chegado de um exercício racional e não puro arbítrio[59].
Destaca ainda Chaïm Perelman[60] que a motivação da decisão, ao fim e ao cabo, objetiva “essencialmente demonstrar o caráter sensato da solução, inserindo-a no sistema jurídico em vigor”.
Por esta razão, Michele Taruffo[61] destaca que não há impedimentos para que haja aspectos retóricos-persuasivos no discurso do magistrado, embora tais aspectos sejam meramente secundários. Não é efetivamente o dever do magistrado persuadir as partes ou quais outros sujeitos, acerca da bondade de sua decisão, mas apresentar a motivação de modo que se justifique racionalmente a sua decisão.
Pois bem, é o conteúdo da motivação que pode persuadir a parte e não necessariamente o escopo do magistrado ao proferir a sentença.
Abordando uma finalidade psicológica de justificação e persuasão, Piero Calamandrei[62] defende que a motivação possibilita que os litigantes encontrem os argumentos que não haviam pensado anteriormente. Assim, diante da sucumbência em uma causa, permite-se conhecer o erro da tese anteriormente sustentada e verificar que a perda foi justa, sendo esta conclusão quase tão tranquilizadora quanto de se obter a razão quando se tem o convencimento de possuí-la.
Enquanto duplo discurso, ao se direcionar às partes, ainda que os jurisdicionados possam ter suas pretensões frustradas, a fundamentação possui valor argumentativo importante para conformação dos interessados ao conteúdo do pronunciamento decisório, haja vista que a análise das razões expostas pode e deve, sempre que possível, ensejar o reconhecimento do acerto judicial.
Em suma, o pronunciamento judicial decisório não nasce para o recurso, mas para a solução da controvérsia, sendo preferível que as partes concordem com a deliberação do magistrado, não por imposição arbitrária, mas justamente pela elucidação que a motivação pode proporcionar.
O reconhecimento do dever de motivar as decisões judiciais como norma fundamental na Constituição Federal de 1988 e no Código de Processo Civil de 2015 traz implicações importantíssimas acerca da administração da Justiça e do fortalecimento do Estado Democrático de Direito. Para além das opões legislativas na conceituação dos pronunciamentos judiciais, é a completa fundamentação que acarretará a satisfação das partes perante a atividade jurisdicional.
Com as novas definições legais, a sentença, composta por relatório, motivação e dispositivo, passa a ser definida com base no seu conteúdo e finalidade, correspondendo ao pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 ou 487 do CPC/2015, põe fim à fase cognitiva do processo de conhecimento, bem como extingue a execução, impugnável por meio de apelação. De forma residual, as decisões interlocutórias são os demais pronunciamentos decisórios que não põe fim a uma fase processual, podendo ser objeto de agravo de instrumento ou suscitada em sede de recurso de apelação ou em preliminar contrarrazões, caso não seja possível sua imediata recorribilidade. Os despachos, por sua vez, não possuem conteúdo decisório.
Na formação dos pronunciamentos decisórios, o juiz realiza importante atividade cognitiva, cujo resultado deverá ser exposto na motivação, que no modelo constitucional do processo é uma garantia fundamental dos jurisdicionados, imprescindível ao devido processo legal e ao contraditório.
Não se pode mais conceder um juiz totalmente livre, cuja resposta à pretensão apresentada ocorra de forma subjetiva sem qualquer compromisso em justificar a valoração dos fatos, a interpretação das normas, a qualificação jurídica dos fatos e as consequências da decisão, de modo que as imposições mínimas de fundamentação previstas na legislação processual civil, sob pena de as decisões serem consideradas omissas, são louváveis, e expressam um princípio da completude da motivação.
Tão somente com a completa motivação das decisões judiciais, suas funções endoprocessual e extraprocessual serão alcançadas, proporcionando processo justo às partes e controle externo difuso, respectivamente, a fim de transformar-se em um duplo discurso.
Nesta perspectiva, a motivação fornece os meios necessários para impugnação dos pronunciamentos judiciais, por consistir em argumento tanto para as partes, como para órgão judicial superior, sem olvidar da possibilidade de servir como instrumento de conformação dos jurisdicionados quando à devida prestação da tutela jurisdicional.
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[1] Procurador do Estado de São Paulo. Mestrando em Direito Processual Civil e bacharel em Direito, ambos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Membro do Grupo de Pesquisa “Tradições, Transformações e Perspectivas Avançadas” (TTPA/CNPQ) liderado pelo Professor Doutor William Santos Ferreira.
[2] LIEBMAN, Enrico Tulio. Manual de direito processual civil; tradução e notas de Cândido Rangel Dinamarco. 3ª ed. - São Paulo: Malheiros, 2005, p. 305.
[3] CPC/2015: “Art. 203. Os pronunciamentos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos. § 1º Ressalvadas as disposições expressas dos procedimentos especiais, sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução. § 2º Decisão interlocutória é todo pronunciamento judicial de natureza decisória que não se enquadre no § 1º. § 3º São despachos todos os demais pronunciamentos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte”.
[4] CPC/1973: “Art. 162. Os atos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos. § 1º Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei. (Redação dada pelo Lei nº 11.232, de 2005) § 2 o Decisão interlocutória é o ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente. § 3 o São despachos todos os demais atos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte, a cujo respeito a lei não estabelece outra forma”.
[5] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 10. ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2018, p. 818.
[6] TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil; tradução Daniel Mitidiero, Rafael Abreu, Vitor de Paula Ramos. 1ª ed. – São Paulo: Marcial Pons, 2015, p. 55.
[7] Neste sentido, Fredie Didier Junior: “o art. 489 do CPC dispõe sobre os elementos essenciais da sentença, isto é, as ‘partes que devem integrar a estrutura da sentença, a saber: o· relatório, os fundamentos ou motivação e o dispositivo ou conclusão.’ Embora se refira à sentença, esses são elementos essenciais a todo tipo de decisão judicial. Sentença aí é gênero”. (DIDIER JUNIOR, Fredie; BRAGA, Paulo Sarno, OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil v. 2: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 11 ed. - Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 319).
[8] BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil – v. 2: Procedimento Comum, Processos nos Tribunais e Recursos. 11. ed. - São Paulo: SaraivaJur, 2022, p. 152.
[9] ALVIM, Eduardo Arruda, GRANADO, Daniel Willian, FERREIRA, Eduardo Aranha. Op. cit., p. 730.
[10] BUENO, Cassio Scarpinella. Op. Cit., p. 155.
[11] Neste sentido conceitua Cassio Scarpinella Bueno: “O agravo de instrumento é o recurso apropriado para o contraste de determinadas decisões interlocutórias” (BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil – v. 2: Procedimento Comum, Processos nos Tribunais e Recursos. 11. ed. - São Paulo: SaraivaJur, 2022.). Ao conceituar o recurso, Anselmo Prieto Alvarez, dispõe: “Mais precisamente falando como preceitua o caput do art. 1.015 do CPC, o agravo de instrumento é o recurso existente no sistema processual civil à disposição do prejudicado, como instrumento de impugnação de certas decisões interlocutórias proferidas pelo juízo de primeiro grau de jurisdição durante o trâmite do processo”. (ALVAREZ, Anselmo Prieto. Op. cit., 2021).
[12] LEMOS, Vinicius Silva. A não preclusão das decisões interlocutórias e a liberdade decisória do juízo de primeiro grau. Revista de Processo. vol. 257/2016. p. 237- 254, Jul/2016, v. eletrônica. DTR\2016\21691.
[13] Conforme escólio de Fredier Didier Junior: “quando o §1º do art. 1.009 diz que estas decisões não precluem, o que está a afirmar é que não cabe agravo de instrumento contra elas. Sua impugnação há de ser feita na apelação (ou nas contrarrazões); se não for feita neste momento, haverá, evidentemente, preclusão” (DIDIER JUNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da Cunha. Curso de direito processual civil v. 3: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal. 13 ed. reform. - Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 165).
[14] Segundo Cassio Scarpinella Bueno: “O § 3º do art. 203 também define os despachos por exclusão, entendendo-os como os demais pronunciamentos, o que impõe a conclusão de que só podem ser os que não têm conteúdo decisório, independentemente de eles serem praticados de ofício ou em resposta a algum requerimento”. (BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil – v. 1: Teoria Geral do Direito Processual Civil: Parte Geral do Código de Processo Civil. 12. ed. - São Paulo: SaraivaJur, 2022, p. 312)
[15] WATANABE, Kazuo. Cognição no processo civil. 4. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2012, p. 67.
[16] Piero Calamandrei aponta que “o sinal mais importante e mais típico da ‘racionalização’ da função jurisdicional é a motivação” (CALAMANDREI, Piero. Processo e democracia: conferências realizadas na Faculdade de Direito da Universidade Nacional Autônoma do México; tradução Mauro Fonseca Andrade. – Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2017, 67).
[17] Kazuo Watanabe pontua que esta redução ocorre didaticamente, porém a operação do juiz é mais complexa do que este esquema teórico (WATANABE, Kazuo. Op. Cit., p. 67-68).
[18] TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. Op. cit., p 148.
[19] Valendo-se da estrutura do silogismo, sem se esquecer das complexidades que compõe a atividade do juiz, Moacyr Amaral Santos aduzia: ‘é verdade, entretanto, que rarissimamente a sentença se contém num único silogismo. De ordinário o juiz terá de desenvolver um trabalho lógico complexo, formulando silogismos vários, das conclusões de um se servindo para formular outros, de modo a chegar à conclusão final. E não só de silogismos se valerá o juiz para chegar à decisão, mas dos mais variados processes lógicos terá de utilizar-se. Assim. por exemplo, da analogia terá de valer-se, muitas vezes, na aplicação do direito, quando a lei for omissa quanto à situação de fato posta em juízo. Daí dizer-se que a sentença é produto de um trabalho lógico do juiz, ou, conforme ensinamento de Couture, que é um ato lógico, resultante da crítica que o juiz faz dos fatos e do direito, para chegar a uma conclusão” SANTOS, Moacyr Amaral, 1902-1983. Primeiras linhas de direito processual civil / Moacyr Amaral Santos. vol. 3; 18. ed. atualizada por Aricê Moacyr Amaral Santos. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 10).
[20] Segundo o escólio de Michele Taruffo: “a doutrina em questão resulta ambígua na medida em que não é claro se se trata de uma teoria da decisão, da motivação ou de ambas as coisas. Essa, todavia, é equivocada se apresentada como uma teoria do juízo, tendo em conta que não é possível demonstrar que o raciocínio decisório tem uma estrutura silogística, ao passo que é possível demonstrar que tem estrutura diferente. Se, ao invés, apresenta-se como uma teoria da motivação, é incompleta, dado que que estrutura dedutiva é apenas um componente da motivação” (TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. Op. cit., p 152/153).
[21] WATANABE, Kazuo. Op. Cit., p. 77.
[22] No mesmo sentido, no escólio de Michele Taruffo, tem-se que o dever de motivação serve como uma orientação do ordenamento quanto à necessidade de racionalização da decisão judicial: “Por lo que se refiere a la motivación, parece evidente que el ordenamiento se orienta hacia una concepción racional de la decisión judicial cuando impone a los jueces la obligación de motivar su propias decisiones” e “La motivación es, entonces, un discurso justificativo constituido por argumentos racionales” (TARUFFO, Michele. Verdad, prueba y motivación em la decisión sobre los hechos. México: Tribunal Electoral del Poder Judicial de la Federación, 2013, p. 95 e 103)
[23] WATANABE, Kazuo. Op. Cit., p. 122-127.
[24] BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A motivação das decisões judiciais como garantia inerente ao Estado Democrático de Direito. In: Temas de Direito Processual: segunda série. São Paulo: Saraiva, 1988. 2 ed., p. 287.
[25] TARUFFO, Michele. Verdad, prueba y motivación em la decisión sobre los hechos. Op. Cit., p. 106.
[26] Idem, p. 106.
[27] CPC/2015: “Art. 1º O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil , observando-se as disposições deste Código”.
[28] CPC/2015: “Art. 11. Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade”.
[29] WATANABE, Kazuo. Op. Cit., p. 73.
[30] DIDIER JUNIOR, Fredie; BRAGA, Paulo Sarno, OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Op. cit., p. 322.
[31] FRANCO, Marcelo Veiga. Dimensão dinâmica do contraditório, fundamentação decisória e conotação ética do processo justo: breve reflexão sobre o art. 489, § 1.º, IV, do novo CPC. Revista de Processo. vol. 247/2015, p. 105-136, Set/2015, v. eletrônica. DTR\2015\13183
[32] Relevante o seguinte trecho do voto: “(...) daí afirmar-se, correntemente, que a pretensão à tutela jurídica, que corresponde exatamente à garantia consagrada no art. 5.º, LV, da CF, contém os seguintes direitos: 1. Direito de informação (Recht auf Information), que obriga o órgão julgador a informar à parte contrária dos atos praticados no processo e sobre os elementos dele constantes; 2. Direito de manifestação (Recht auf Äusserung), que assegura ao defendente a possibilidade de manifestar-se oralmente ou por escrito sobre os elementos fáticos e jurídicos constantes do processo; 3. Direito de ver seus argumentos considerados (Recht auf Berücksichtigung), que exige do julgador capacidade, apreensão e isenção de ânimo (Aufnahmefähigkeit und Aufnahmebereitschaft) para contemplar as razões apresentadas (cf. PIEROTH; SCHLINK. Grundrechte – Staatsrecht II. Heidelberg, 1988. p. 281; BATTIS; GUSY. Einführung in das Staatsrecht. Heidelberg, 1991. p. 363-364; Ver, também, DÜRIG/ASSMANN. In: MAUNZ-DÜRIG. Grundgesetz-Kommentar. Art. 103, vol. IV, n. 85-99). Sobre o direito de ver os seus argumentos contemplados pelo órgão julgador (Recht auf Berücksichtigung), que corresponde, obviamente, ao dever do juiz ou da Administração de a eles conferir atenção (Beachtenspflicht), pode-se afirmar que ele envolve não só o dever de tomar conhecimento (Kenntnisnahmepflicht), como também o de considerar, séria e detidamente, as razões apresentadas (Erwägungspflicht) (Cf. DÜRIG/ASSMANN. In: MAUNZ-DÜRIGI. Grundgesetz-Kommentar. Art. 103, vol. IV, n. 97)”. (BRASIL. STF. MS 24.268. Tribunal Pleno. j. 05.02.2004. Rel. Min. Ellen Gracie. Rel. p/ acórdão Min. Gilmar Mendes. DJe 17.09.2004. Trechos do voto do Min. Gilmar Mendes).
[33] LOPES, João Batista. Prova científica: conceito e valoração. Revista de Processo. vol. 327/2022. p. 165 – 173, Jan/2018, v. eletrônica. DTR\2022\6261
[34] Defendendo a necessidade de justificação sobre todos os componentes estruturais da decisão, Michele Taruffo leciona que (...) existe a necessidade de motivação a respeito da interpretação das normas aplicadas, da verificação dos fatos, da qualificação jurídica do casos e da declaração das consequências jurídicas derivadas da decisão. Sob este perfil, é ‘completa’ a motivação que fornece uma justificação adequada de cada um desses momentos em que se articula a decisão, entendida em seu sentido amplo de solução das questões controvertidas: então, a decisão é o parâmetro da motivação (...)”. (TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil . Op. cit., p 152/153).
[35] SILVEIRA, Daniela Gonsalves da. Direito ao contraditório, dever de fundamentação e direito à publicidade no novo Código de Processo Civil Brasileiro. Revista de Processo. vol. 327/2022. p. 69-87, Out/2015, v. eletrônica. DTR\2015\15857
[36] Neste sentido Cassio Scarpinela Bueno: “O curioso é que aquele dispositivo não diz o que uma sentença – e, de resto, qualquer outra decisão jurisdicional, no que o dispositivo, diferentemente do caput, é expresso – precisa conter para se considerar fundamentada. Descreve-se o que se considera uma decisão não fundamentada” (BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil – v. 2: Procedimento Comum, Processos nos Tribunais e Recursos. 11. ed. - São Paulo: SaraivaJur, 2022, v. eletrônica, p. 152).
[37] TARUFFO, Michele. Verdad, prueba y motivación em la decisión sobre los hechos. Op. Cit., p. 104.
[38] TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. Op. cit., p. 20-21.
[39] BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Op. Cit., p. 288-289.
[40] PERELMAN, Chaïm. Lógica Jurídica: nova retórica. Tradução de Verginia K. Pupi. São
Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 167.
[41] TARUFFO, Michele. Verdad, prueba y motivación em la decisión sobre los hechos. Op. Cit., p. 104.
[42] AROCA, Juan Montero; COLOMER, Juan Luis Gómez; VILAR, Silvia Barona; CUADRADO, María Pía Calderón. Derecho jurisdiccional Vol. 2: Proceso civil. 10ª Ed. Valencia: Tirant lo Blanch. 2001, p. 348-349.
[43] DIDIER JUNIOR, Fredie; BRAGA, Paulo Sarno, OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Op. cit., p. 358.
[44] ECHANDIA, Hernando Devis. Nociones Generales de Derecho Procesal Civil. Madrid: Aguilar, 1966, p. 66.
[45] ALVIM, Eduardo Arruda, GRANADO, Daniel Willian, FERREIRA, Eduardo Aranha. Op. cit., p. 734.
[46] WELSCH, Gisele Mazzoni. Legitimação democrática do poder judiciário no novo Código de Processo Civil. Coleção Liebman. Teresa Arruda Alvim Wambier e Eduardo Talamini (coords.). 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 131-132.
[47] SANTOS, Moacyr Amaral, 1902-1983. Primeiras linhas de direito processual civil / Moacyr Amaral Santos. vol. 3; 18. ed. atualizada por Aricê Moacyr Amaral Santos. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 19
[48] ECHANDIA, Hernando Devis. Nociones Generales de Derecho Procesal Civil. Op. Cit., p. 66.
[49] CALAMANDREI, Piero. Op. cit., p. 68.
[50] COUTURE, Eduardo J. Fundamentos del derecho procesal civil, 3. ed. Buenos Aires: Roque Depalma, 1958. p. 286.
[51] WELSCH, Gisele Mazzoni. Op. cit., p.140.
[52] BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Op. Cit., p. 286.
[53] Ibid., p. 286-287.
[54] BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Op. Cit., p. 287.
[55] LIEBMAN, Enrico Tulio. Op. cit., p. 19.
[56] CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Candido.
Teoria geral do processo. 29. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 155.
[57] BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Op. Cit., p. 288.
[58] CALAMANDREI, Piero. Op. cit., p. 67.
[59] Igualmente, Eduardo J. Coutore, tratando da imposição da motivação como forma de comprovar que não há arbítrio no caso concreto, leciona: “La ley se lo impone como una manera de fiscalizar su actividad intelectual frente al caso, a los efectos de poderse comprobar que su decisión es un acto reflexivo, emanado de un estudio de las circunstancias particulares, y no un acto discrecional de su voluntad autoritaria. Una sentencia sin motivación priva a las partes del más elemental de sus poderes de fiscalización sobre los procesos reflexivos del magistrado. (COUTORE, Eduardo J. Fundamentos del Derecho Procesal Civil. Op. Cit., p. 286).
[60] PERELMAN, Chaïm. Op. Cit., p. 167.
[61] TARUFFO, Michele. Verdad, prueba y motivación em la decisión sobre los hechos. Op. Cit., p. 103.
[62] CALAMANDREI, Piero. Op. cit., p. 68.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SALES JUNIOR, REINALDO PAULO, FELGA, CAIO LEÃO CÂMARA. A correlação entre a recorribilidade e a motivação na perspectiva dos pronunciamentos judiciais de primeiro grau Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 dez 2022, 04:11. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60674/a-correlao-entre-a-recorribilidade-e-a-motivao-na-perspectiva-dos-pronunciamentos-judiciais-de-primeiro-grau. Acesso em: xx xxx xxxx.
Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Mestrando em Direito Processual Civil pela mesma instituição. Serventuário do Tribunal de Justiça de São Paulo.
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