Resumo: O presente artigo tem como objetivo analisar o direito de propriedade e sua função social, bem como as sanções pelo seu descumprimento. Também tem como finalidade a de demonstrar as limitações expostas na lei e jurisprudência.
Palavras-chave: Direito de propriedade. Função social. Limitações. Desapropriação. Impenhorabilidade. Jurisprudência.
Sumário: Introdução. 1. Direito de propriedade. 2. Conceito e função social. 3. As limitações impostas ao direito de propriedade. 4. Desapropriação. 5. Impenhorabilidade. 6 – Julgados mais recentes sobre a matéria. Conclusão. Referências.
Introdução
O estudo do direito de propriedade é de suma importância, principalmente da função social que deve ser cumprida, sob pena do proprietário sofrer sanções.
Tendo em vista que não há direito fundamental absoluto, é válido demostrar as limitações que podem ocorrer do direito de propriedade.
Serão expostos casos na jurisprudência que indicam se o direito de propriedade está sendo violado ou não.
Também serão analisadas as disposições da lei sobre o direito de propriedade, função social, descumprimento desta e limitações.
Destarte, para melhor entendimento do assunto, inicialmente, será analisado o direito de propriedade. Em seguida, a função social e as sanções pelo descumprimento, as limitações ao direito de propriedade, a possibilidade de desapropriação e impenhorabilidade. Também serão disponibilizados julgados mais recentes sobre o assunto em tela.
1. Direito de propriedade
O Código civil aponta que o proprietário tem o poder de usar, gozar, dispor ou reivindicar de quem injustamente a possua ou detenha, porém não conceitua o direito de propriedade.
Pinto (2013) conceitua o direito de propriedade da seguinte maneira: “É o poder jurídico concedido pela lei a algum para usar, gozar, dispor de um determinado bem e de reavê-lo, de quem quer que injustamente o esteja possuindo”.
Vale observar, que o direito de propriedade é um direito fundamental descrito na Constituição Federal.
Art. 5º, XXII – é garantido o direito de propriedade;
XXIII – a propriedade atenderá a sua função social;
XXIV – a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição;
XXV – no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano;
XXVI – a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento; (BRASIL, 1988).
2. Conceito e função social
O artigo 5º, caput, da Constituição Federal de 1988 indica que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à propriedade.
A obrigação de obediência à função social da propriedade também está descrita no artigo 5º, inciso XXII, da Constituição Federal.
A propriedade e sua função social também são princípios da ordem econômica e financeira, nos termos do art. 170, II e III, da Constituição Federal.
A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre-iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) II – propriedade privada; III – função social da propriedade privada. (BRASIL, 1988).
Consigne-se que o direito de propriedade não é absoluto, mas sim relativo, razão pela qual deve cumprir a função social. Descumprida esta, o proprietário poderá até mesmo perder a propriedade.
Nesse viés, denota-se que o direito de propriedade exige do proprietário e do Poder Público o cumprimento da função social com fundamento no princípio da supremacia do interesse público, ou seja, em prol dos interesses da coletividade.
Assim segue a afirmação da doutrina:
Para cumprir a função social da propriedade, o proprietário deve tanto respeitar limitações (dimensão negativa da função social da propriedade) quanto parâmetros de ação (dimensão positiva), agindo em prol do interesse público. Logo, o objetivo do direito de propriedade não é mais restrito aos interesses egoísticos do seu titular, mas sim é vinculado ao interesse de toda a coletividade. (RAMOS, 2019, p.1200).
Importante salientar, que a função social da propriedade urbana ou rural são diferentes. A função social da propriedade urbana está prevista no plano diretor e da rural está expressa na Constituição Federal.
De acordo com o art. 182, parágrafo 2º, da CF, a propriedade urbana cumpre a função social quando obedece às diretrizes fundamentais de ordenação da cidade fixadas no plano diretor. Esse é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana e somente é obrigatório para as cidades com mais de vinte mil habitantes, nos termos do artigo 182, parágrafo 1º, da CF.
Por outro lado a propriedade rural cumpre a sua função social quando atende, ao mesmo tempo, algumas determinações descritas no artigo 186, da CF.
Tal dispositivo estabelece que:
A propriedade rural cumpre sua função social quando atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I – aproveitamento racional e adequado; II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. (BRASIL, 1988).
Com isso, o proprietário tem limitações com relação à sua propriedade em nome do princípio da relatividade.
3. As limitações impostas ao direito de propriedade
Em razão do interesse público e das condições mínimas de sobrevivência, o Poder Público pode impor restrições e regular o direito de propriedade individual, bem como interferir nas atividades econômicas privadas.
A Constituição de 1988 distingue a forma e a intensidade de tais restrições e regulações, como se vê abaixo:
1) Propriedade que esteja cumprindo sua função social. A Constituição prevê que a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro (art. 5º, XXIV). No mesmo sentido, as desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro (art. 182, § 3º).
2) Propriedade que não esteja cumprindo a sua função social. A Constituição prevê a desapropriação para fins de reforma agrária no caso da propriedade rural (ver abaixo), com pagamento ao desapropriado por meio de títulos da dívida pública. No caso de imóvel urbano, a Constituição determinada que o Poder Público municipal, mediante lei específica para a área incluída no plano diretor, possa exigir nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano (i) não edificado, (ii) subutilizado ou (iii) não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento (função social da propriedade urbana), sob pena, sucessivamente, ou seja, da punição menos gravosa a mais gravosa, de: I – parcelamento ou edificação compulsórios; II – imposto sobre propriedade predial e territorial progressivo no tempo; III – desapropriação com o pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate em até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurado o valor real da indenização e os juros legais.
3) Propriedade que esteja sendo utilizada para produção de plantas psicotrópicas ilegais. Excepcionalmente, a Constituição prevê caso de confisco, ou seja, de perda da propriedade sem indenização, para punir o proprietário que determina ou deixa que ocorra a cultura ilegal de plantas psicotrópicas (art. 243). Em 2016, o STF fixou tese com repercussão geral, pela qual a expropriação prevista no art. 243 da Constituição Federal pode ser afastada, desde que o proprietário comprove que não incorreu em culpa (in vigilando ou in eligendo). (STF, RE n. 635.336, Plenário, julgamento em 14.12.2016).
4) Propriedade que seja indispensável para combater iminente perigo público. A Constituição prevê que, no caso de iminente perigo público, o Estado poderá usar a propriedade particular, sendo assegurada indenização posterior de danos causados ao proprietário (art. 5º, XXV). O perigo não precisa ser atual, basta a alta probabilidade de ocorrência (iminência).
5) Propriedade indispensável para a preservação do patrimônio histórico-cultural do Brasil. O patrimônio cultural brasileiro consiste no conjunto de bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. A Constituição prevê que o Estado, com a colaboração da comunidade, deve promover e proteger o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação. A própria Constituição determinou o tombamento de todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos (art. 216 e seus parágrafos). (RAMOS, 2019, p. 1201).
Conclui-se que a Constituição Federal indica as limitações em possíveis restrições ao direito de propriedade em nome de uma vida digna por todos os seres humanos.
4. Desapropriação
Tem-se que a Constituição Federal descreve que é possível a perda da propriedade pelo proprietário para atender o interesse público, a função social da propriedade urbana ou rural.
A desapropriação ordinária ou comum é a perda da propriedade para atender o interesse público. Essa espécie de desapropriação resulta na transferência compulsória da propriedade ao Poder Público. Os motivos podem ser a necessidade, utilidade pública ou o interesse social. A indenização deve ser justa prévia e em dinheiro, na forma do artigo 5º, XXIV, da Constituição Federal.
A desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária é aquela em decorrência do descumprimento da função social da propriedade rural. Essa desapropriação deve ser realizada pela União, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão.
É importante salientar, que as benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro.
O artigo 185 da Constituição Federal dispõe que nem todas as propriedades rurais são insuscetíveis de desapropriação:
São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária: I – a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra; e II – a propriedade produtiva. (BRASIL, 1988).
O artigo 186 da Constituição Federal indica os requisitos para o cumprimento da função social da propriedade:
A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I – aproveitamento racional e adequado; II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. (BRASIL, 1988).
O rito sumário para a desapropriação para fins de reforma agrária está previsto na Lei Complementar nº 76/93, que expõe o procedimento contraditório especial.
Por outro lado, a desapropriação por descumprimento da função social urbana da propriedade é a perda do direito de propriedade sobre imóvel urbano não edificado, não utilizado ou subutilizado.
A Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) também rege a desapropriação para fins de política urbana.
Cita-se o artigo 182, parágrafo 4º, da CF:
É possível que o Poder Público exija do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que este promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:
a) parcelamento ou edificação compulsórios;
b) imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;
c) finalmente, a última e mais drástica sanção (só após a ineficácia das duas anteriores): a desapropriação mediante pagamento com títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais. (BRASIL, 1988)
Dessa forma, a desapropriação somente ocorrerá em casos excepcionais, pois primeiramente serão empregados os meios menos gravosos, que consistem em parcelamento ou edificação compulsórios, em segundo lugar o imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo e por último a desapropriação.
5. Impenhorabilidade
De acordo com o art. 5º, XXVI, da CF, a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento.
Ressalte-se que há divergência quanto ao encargo de provar os requisitos da impenhorabilidade da pequena propriedade rural.
Parte da jurisprudência entende que o devedor deve mostrar os requisitos. Outra parte diz que o devedor deve provar que é pequena a propriedade, não havendo necessidade de demonstrar que é trabalhada pela família, pois essa se presume.
Segue o julgado do site buscador dizer o direito:
O art. 5º, XXVI, da CF/88 e o art. 833, VIII, do CPC preveem que é impenhorável a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família. Assim, para que o imóvel rural seja impenhorável, são necessários dois requisitos: 1) que seja enquadrado como pequena propriedade rural, nos termos definidos pela lei; e 2) que seja trabalhado pela família. Quem tem o encargo de provar esses requisitos? Quem tem o encargo de provar os requisitos da impenhorabilidade da pequena propriedade rural? 3ª Turma do STJ: o devedor. Para o reconhecimento da impenhorabilidade, o devedor tem o ônus de comprovar que além de pequena, a propriedade destina-se à exploração familiar. STJ. 3ª Turma. REsp 1843846/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 02/02/2021. STJ. 3ª Turma. REsp 1913236/MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 16/03/2021 (Info 689). 4ª Turma do STJ: • Requisito 1: comprovar que o imóvel se trata de pequena propriedade rural: trata-se de ônus do executado (devedor). Requisito 2: comprovar que a propriedade rural é trabalhada pela família: não é necessário que o executado faça prova disso. Existe uma presunção juris tantum (relativa) de que a pequena propriedade rural é trabalhada pela família. STJ. 4ª Turma. REsp 1408152-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 1/12/2016 (Info 596). STJ. 4ª Turma. AgInt no REsp 1826806/RS, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 23/03/2020. (CAVALCANTE, 2020).
Com isso, o magistrado pode adotar qualquer dos posicionamentos acima.
6. Julgados mais recentes sobre a matéria
O síndico não pode impedir o acesso do proprietário ao imóvel em razão da pandemia, de forma absoluta, sob pena de violar o direito de propriedade.
O propósito recursal é decidir se o síndico do condomínio de prédio comercial pode impedir o proprietário de entrar em sua unidade condominial, a fim de evitar a disseminação da doença COVID-19, diante da situação de pandemia. O direito de propriedade confere ao seu detentor a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha, sendo ele um direito fundamental (art. 1.228 do CC/2002 e art. 5º, XXII, da CRFB). Considerando que o síndico é o administrador do condomínio, com a competência para praticar os atos necessários à defesa dos interesses comuns (arts. 1.347 e 1.348, II, do CC/2002 e 22, caput e § 1º, da Lei nº 4.591/1964), cabe a ele adotar as medidas necessárias para proteger a saúde e a vida dos condôminos, ainda que isso implique em restrições a outros direitos, como o de propriedade, especialmente em situações excepcionais, como na pandemia da doença COVID-19, desde que tais restrições sejam proporcionais. Na hipótese de conflitos entre direitos fundamentais, para avaliar se é justificável uma determinada medida que restringe um direito para fomentar outro, deve-se valer da regra da proporcionalidade, a qual se divide em três subregras: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. A medida restritiva ao direito de propriedade, consistente em impedir, de forma absoluta, o proprietário de entrar em sua unidade condominial é adequada para atingir o objetivo pretendido, qual seja, evitar a disseminação da COVID-19, assegurando o direito à saúde e à vida dos condôminos. Entretanto, a medida não é necessária, tendo em vista a existência de outros meios menos gravosos e igualmente adequados, como a implementação, pelo síndico, de um cronograma para que os proprietários possam acessar suas respectivas unidades condominiais em horários pré-determinados, mantendo vedado o acesso ao público externo. Hipótese em que o STJ reconheceu a indevida restrição ao direito de propriedade do recorrente pela medida adotada pelo síndico do condomínio recorrido de vedar totalmente o acesso do prédio aos proprietários; e, consequentemente, o direito de o recorrente adentrar em sua unidade condominial. (SÃO PAULO (SP). STJ. 3ª Turma. REsp 1.971.304/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 14/06/2022).
Se o imóvel era objeto de copropriedade entre o falecido e outra pessoa, esta tem direito ao recebimento de aluguel da viúva, que não tem vínculo de parentalidade com o cônjuge supérstite, no que tange à sua fração ideal.
Nesse viés, se a copropriedade ocorrer antes da abertura da sucessão, não haverá o direito real de habitação. Esse somente ocorrerá se a propriedade for integral do de cujus.
Situação hipotética: João faleceu. Regina, a viúva, ficou morando no apartamento a título de suposto direito real de habitação. Esse imóvel pertencia a João e sua filha Letícia, em copropriedade. Letícia não é filha de Regina. Letícia terá direito de receber alugueis referente à sua fração ideal. Vale ressaltar que “a copropriedade anterior à abertura da sucessão impede o reconhecimento do direito real de habitação, visto que de titularidade comum a terceiros estranhos à relação sucessória que ampararia o pretendido direito” (STJ. 2ª Seção. EREsp 1.520.294/SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, DJe 02/09/2020. Info 680). Em verdade, o direito de habitação só existe sobre bem que pertence, em sua integralidade, ao de cujus. A existência de coproprietários impede o uso pelo sobrevivente. No caso, além da preexistente copropriedade, a parte, filha do primeiro casamento do de cujus, não guarda nenhum tipo de solidariedade familiar em relação à cônjuge supérstite, não havendo se falar em qualquer vínculo de parentalidade ou até mesmo de afinidade. Nessa linha de intelecção, portanto, não lhe cabe suportar qualquer limitação ao seu direito de propriedade, que é, justamente, a essência do direito real de habitação. STJ. 3ª Turma. (REsp 1830080-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 26/04/2022 (Info 734).
Se a vítima que sofrer violência doméstica for coproprietária do bem, tem direito de permanecer no imóvel sem pagar aluguel, desde que tenha sido fixada medida judicial protetiva de urgência de afastamento do lar. Tal determinação judicial está em consonância com o direito de propriedade.
Em regra, a utilização ou a fruição da coisa comum indivisa com exclusividade por um dos coproprietários, impedindo o exercício de quaisquer dos atributos da propriedade pelos demais consortes, enseja o pagamento de indenização àqueles que foram privados do regular domínio sobre o bem, tal como o percebimento de aluguéis. É o que prevê o art. 1.319 do Código Civil. Contudo, impor à vítima de violência doméstica e familiar obrigação pecuniária consistente em locativo pelo uso exclusivo e integral do bem comum constituiria proteção insuficiente aos direitos constitucionais da dignidade humana e da igualdade, além de ir contra um dos objetivos fundamentais do Estado brasileiro de promoção do bem de todos sem preconceito de sexo, sobretudo porque serviria de desestímulo a que a mulher buscasse o amparo do Estado para rechaçar a violência contra ela praticada, como assegura a Constituição Federal em seu art. 226, § 8º, a revelar a desproporcionalidade da pretensão indenizatória em tais casos. A imposição judicial de uma medida protetiva de urgência - que procure cessar a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher e implique o afastamento do agressor do seu lar - constitui motivo legítimo a que se limite o domínio deste sobre o imóvel utilizado como moradia conjuntamente com a vítima, não se evidenciando, assim, eventual enriquecimento sem causa, que legitime o arbitramento de aluguel como forma de indenização pela privação do direito de propriedade do agressor. STJ. 3ª Turma. (REsp 1966556-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 08/02/2022 (Info 724).
Se o condomínio possuir destinação exclusivamente residencial, poderá ser proibida a locação de unidade autônoma por curto período de tempo, em nome do direito de propriedade.
A exploração econômica de unidades autônomas mediante locação por curto ou curtíssimo prazo, caracterizada pela eventualidade e pela transitoriedade, não se compatibiliza com a destinação exclusivamente residencial atribuída ao condomínio. A afetação do sossego, da salubridade e da segurança, causada pela alta rotatividade de pessoas estranhas e sem compromisso duradouro com a comunidade na qual estão temporariamente inseridas, é o que confere razoabilidade a eventuais restrições impostas com fundamento na destinação prevista na convenção condominial. O direito de propriedade, assegurado constitucionalmente, não é só de quem explora economicamente o seu imóvel, mas sobretudo daquele que faz dele a sua moradia e que nele almeja encontrar, além de um lugar seguro para a sua família, a paz e o sossego necessários para recompor as energias gastas ao longo do dia. STJ. 3ª Turma. (REsp 1884483-PR, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 23/11/2021). (BRASIL, 2021)
Nesse viés, há outro julgado, que permite, por meio de convenção condominial, em condomínios residenciais, a proibição de locação de imóveis por Airbnb com a finalidade de proteger o direito de propriedade das pessoas do local.
Existindo na Convenção de Condomínio regra impondo destinação residencial, mostra-se indevido o uso de unidade condominial para fins de hospedagem remunerada, com múltipla e concomitante locação de aposentos existentes nos apartamentos, a diferentes pessoas, por curta temporada (ex: locação pelo Airbnb). Vale ressaltar que existe a possibilidade de os próprios condôminos de um condomínio edilício de fim residencial deliberarem em assembleia, por maioria qualificada (2/3 das frações ideais), permitir a utilização das unidades condominiais para fins de hospedagem atípica, por intermédio de plataformas digitais ou outra modalidade de oferta, ampliando o uso para além do estritamente residencial e, posteriormente, querendo, incorporarem essa modificação à Convenção do Condomínio. STJ. 4ª Turma. REsp 1819075/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. p/ Acórdão Min. Raul Araújo, julgado em 20/04/2021 (Info 693). Julgado correlato: O condomínio que possui destinação exclusivamente residencial pode proibir a locação de unidade autônoma por curto período de tempo A exploração econômica de unidades autônomas mediante locação por curto ou curtíssimo prazo, caracterizada pela eventualidade e pela transitoriedade, não se compatibiliza com a destinação exclusivamente residencial atribuída ao condomínio. A afetação do sossego, da salubridade e da segurança, causada pela alta rotatividade de pessoas estranhas e sem compromisso duradouro com a comunidade na qual estão temporariamente inseridas, é o que confere razoabilidade a eventuais restrições impostas com fundamento na destinação prevista na convenção condominial. O direito de propriedade, assegurado constitucionalmente, não é só de quem explora economicamente o seu imóvel, mas sobretudo daquele que faz dele a sua moradia e que nele almeja encontrar, além de um lugar seguro para a sua família, a paz e o sossego necessários para recompor as energias gastas ao longo do dia. STJ. 3ª Turma. REsp 1.884.483-PR, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 23/11/2021 (Info 720). (CAVALCANTE, 2021)
Não viola o direito de propriedade o dispositivo da Lei Geral de Antenas que proíbe os Estados, Distrito Federal e os Municípios de cobrarem contraprestação das concessionárias pelo direito de passagem em vias públicas, de faixas de domínio e outros bens públicos de uso comum na instalação de infraestrutura e redes de telecomunicação.
A Lei nº 13.116/2015 estabelece normas gerais para implantação e compartilhamento da infraestrutura de telecomunicações. Esse diploma normativo ficou conhecido como Lei Geral das Antenas. O art. 12 dessa Lei proíbe que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios cobrem contraprestação das concessionárias pelo direito de passagem em vias públicas, faixas de domínio e outros bens públicos de uso comum na instalação de infraestrutura e redes de telecomunicações. O regramento do direito de passagem previsto no art. 12, caput, da Lei Geral das Antenas (Lei nº 13.116/2015) se insere no âmbito da competência privativa da União para legislar sobre telecomunicações (art. 22, IV, da CF/88) e sobre normas gerais de licitação e contratação administrativa (art. 22, XXVII, da CF/88). O art. 12 da Lei Geral das Antenas respeita os princípios constitucionais da eficiência e da moralidade administrativa. O ônus real advindo da gratuidade do direito de passagem estabelecido no art. 12 da Lei nº 13.116/2015 é adequado, necessário e proporcional em sentido estrito, considerando o direito de propriedade restringido. Do ponto de vista material, não é compatível com a ordem constitucional vigente o entendimento de que o direito de propriedade — mesmo que titularizado por ente político — revista-se de garantia absoluta. Logo, não se pode dizer que essa restrição imposta pelo art. 12 tenha violado o direito constitucional de propriedade. STF. Plenário. ADI 6482/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 18/2/2021 (Info 1006). (CAVALCANTE, 2021)
Tendo em vista que o direito de propriedade não é absoluto, é possível a edição de leis ambientais que restringem o uso da propriedade, pois se trata de limitação administrativa. Tal disposição não caracteriza desapropriação indireta.
Consigne-se que se houver dano à propriedade, o proprietário pode ajuizar ação de indenização dentro do prazo prescricional de 5 (cinco) anos, pois se trata de limitação administrativa e não desapropriação indireta.
As restrições ao direito de propriedade, impostas por normas ambientais, ainda que esvaziem o conteúdo econômico, não configuram desapropriação indireta. A desapropriação indireta só ocorre quando existe o efetivo apossamento da propriedade pelo Poder Público. Logo, as restrições ao direito de propriedade impostas por normas ambientais configuram limitações administrativas. STJ. 1ª Turma. AgInt no AREsp 1443672/SP, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 11/02/2020. O prazo prescricional para exercer a pretensão de ser indenizado por limitações administrativas é de 5 anos, nos termos do art. 10 do Decreto-Lei 3.365/1941, disposição de regência específica da matéria. STJ. 2ª Turma. EDcl no REsp 1784226/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 06/06/2019. (CAVALCANTE, 2019)
A cláusula de inalienabilidade instituída pelo genitor sobre o imóvel doado ao filho após a morte é uma restrição ao direito de propriedade. Essa restrição pode ser cancelada pelo filho.
É possível o cancelamento da cláusula de inalienabilidade de imóvel após a morte dos doadores se não houver justa causa para a manutenção da restrição ao direito de propriedade. A doação do genitor para os filhos e a instituição de cláusula de inalienabilidade, por representar adiantamento de legítima, deve ser interpretada na linha do que prescreve o art. 1. 848 do CC, exigindo-se justa causa notadamente para a instituição da restrição ao direito de propriedade. Caso concreto: decidiu ser possível o cancelamento da cláusula de inalienabilidade após a morte dos doadores, considerando que já se passou quase duas décadas do ato de liberalidade e tendo em vista a ausência de justa causa para a manutenção da restrição. Não havendo justo motivo para que se mantenha congelado o bem sob a propriedade dos donatários, todos maiores, que manifestam não possuir interesse em manter sob o seu domínio o imóvel, há de se cancelar as cláusulas que o restrigem. STJ. 3ª Turma. REsp 1631278-PR, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 19/03/2019 (Info 646). (CAVALCANTE, 2019).
O abuso do direito de propriedade pode levar ao afastamento da proteção de impenhorabilidade do bem de família.
A regra de impenhorabilidade do bem de família trazida pela Lei nº 8.009/90 deve ser examinada à luz do princípio da boa-fé objetiva, que, além de incidir em todas as relações jurídicas, constitui diretriz interpretativa para as normas do sistema jurídico pátrio. Assim, se ficou caracterizada fraude à execução na alienação do único imóvel dos executados, em evidente abuso de direito e má-fé, afasta-se a norma protetiva do bem de família, que não pode conviver, tolerar e premiar a atuação dos devedores em desconformidade com a boa-fé objetiva. STJ. 3ª Turma. REsp 1575243/DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/03/2018. STJ. 2ª Turma. AgRg no AREsp 510970/SC, Rel. Min. Aussete Magalhães, julgado em 18/04/2018. (CAVALCANTE, 2018).
Se o proprietário do bem não tem a posse, não é parte legítima para ajuizar embargos de terceiros contra a decisão judicial transitada em julgado, proveniente de ação de reintegração de posse da qual não participou e não apresentou discussão sobre a titularidade do domínio.
O proprietário sem posse a qualquer título não tem legitimidade para ajuizar, com fundamento no direito de propriedade, embargos de terceiro contra decisão transitada em julgado proferida em ação de reintegração de posse, da qual não participou, e na qual nem sequer foi aventada discussão em torno da titularidade do domínio. STJ. 3ª Turma. REsp 1417620-DF, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 2/12/2014 (Info 553). (BRASIL, 2014).
Assim, a jurisprudência apresenta casos que asseguram o direito de propriedade e limitam de acordo com o princípio da proporcionalidade e razoabilidade.
Conclusão
Diante do estudo acima, verifica-se que o direito de propriedade é um direito fundamental descrito na Constituição Federal.
Denota-se que o direito de propriedade deve obedecer a função social descrita na Constituição Federal se o imóvel for rural e no Estatuto da Cidade se o imóvel for urbano.
Caso seja descumprida a função social da propriedade, o proprietário pode sofrer sanções, inclusive, em última hipótese a desapropriação.
No mais, o direito de propriedade pode ter limitações, como por exemplo, a desapropriação para atender o interesse público.
Dessa forma, foram explanados casos que a jurisprudência e a lei admitem a limitação do direito de propriedade, pois como todo direito fundamental, não é absoluto.
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em: 26 de outubro de 2022.
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CAVALCANTE, Márcio André Lopes. O condomínio que possui destinação exclusivamente residencial pode proibir a locação de unidade autônoma por curto período de tempo. Buscador Dizer o Direito, Manaus. 2021. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/c9bc734c0663a142b7bec265098f8dbf>. Acesso em 23 de outubro 2022.
PINTO, Luiz Fernando de Andrade. Direito de propriedade. Curso de direitos reais, 2013. https://www.emerj.tjrj.jus.br/serieaperfeicoamentodemagistrados/paginas/series/16/direitosreais_75.pdf. Acesso em 23 de outubro de 2022.
Ramos. André de Carvalho. Curso de direitos humanos. 6ª edição – São Paulo. Editora Saraiva Educação, 2019.
Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Ivaiporã-PR – UNIVALE. Pós-graduada em Direito Constitucional. Advogada.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NOGUEIRA, Daiane Maziero. O direito de propriedade e as suas limitações Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 dez 2022, 04:12. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/60728/o-direito-de-propriedade-e-as-suas-limitaes. Acesso em: 22 nov 2024.
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