RESUMO: Trata-se de pesquisa sobre “A Teoria do Desvio Produtivo do consumidor”, cujo objetivo é analisar a possibilidade de o consumidor fazer jus ao ressarcimento pelo tempo gasto na resolução de problemas que se apresentam com determinados produtos ou serviços. No Brasil, as preocupações com as relações de consumos surgiram nas décadas de 40 e 60, quando foram criadas diversas leis regulando aspectos de consumo. Dentre essas leis pode-se citar a Lei n.º 1221/51 (lei de economia popular), a Constituição de 1967 com a emenda n.º 1 de 1969 que consagrou a defesa do consumidor, a Constituição Federal de 1988 que apresenta a defesa do consumidor como princípio de ordem econômica, e o artigo 48 do ADCT que determina a criação do código de defesa do consumidor. A proteção do consumidor ao ganhou importância com a Constituição Federal de 1988, que consagrou a proteção do consumidor como garantia constitucional e como princípio norteador da atividade econômica. O presente trabalho foi desenvolvido epistemologicamente através de: livros, artigos, revistas jurídicas, legislações e entendimento de Tribunais Superiores.
Palavras-chave: Direito do Consumidor. Teoria. Risco Produtivo.
ABSTRACT: It is a research on "The Theory of Productive Deviation of the Consumer", whose objective is to analyze the possibility of the consumer to be entitled to compensation for the time spent in solving problems that present themselves with certain products or services. In Brazil, concerns about consumer relations emerged in the 1940s and 1960s, when a number of laws were created regulating aspects of consumption. These laws include Law No. 1221/51 (Popular Economy Law), Delegated Law No. 4/62, the 1967 Constitution with Amendment No. 1 of 1969, which consecrated the consumer, the Federal Constitution of 1988 that presents the consumer's defense as a principle of economic order, and article 48 of the ADCT that determines the creation of the consumer protection code. Consumer protection has gained importance with the 1988 Federal Constitution, which enshrined consumer protection as a constitutional guarantee and as guiding principle of economic activity. The present work was developed epistemologically through: books, articles, legal journals, legislation and understanding of Superior Courts.
Keywords: Consumer Law. Theory. Productive Risk.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por escopo o estudo sobre “A Teoria do Desvio Produtivo do consumidor”, cujo objetivo é analisar a possibilidade do consumidor fazer jus ao ressarcimento pelo tempo gasto na resolução de problemas que se apresentam com determinados produtos ou serviços.
No Brasil, as preocupações com as relações de consumos surgiram nas décadas de 40 e 60, quando foram criadas diversas leis regulando aspectos de consumo. Dentre essas leis pode-se citar a Lei n.º 1221/51 (lei de economia popular), a Lei Delegada n.º 4/62, a Constituição de 1967 com a emenda n.º 1 de 1969 que consagrou a defesa do consumidor, a Constituição Federal de 1988 que apresenta a defesa do consumido como princípio de ordem econômica, e o artigo 48 do ADCT que determina a criação do código de defesa do consumidor.
A proteção do consumidor ao ganhou importância com a Constituição Federal de 1988, que consagrou a proteção do consumidor como garantia constitucional e como princípio norteador da atividade econômica. [1]
A Constituição Federal, de 1988 inaugura uma nova era, ao recolocar a sociedade brasileira no plano democrático. Aos ideais clássicos de liberdade e igualdade, conhecida como “Constituição Cidadã”,[2] é o marco jurídico da institucionalização da democracia e dos direitos humanos no Brasil, agrega a concepção da solidariedade social, privilegiando uma categoria de direitos extrapatrimoniais e afirmando a preponderância do coletivo sobre o individual, ao incorporar os princípios da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e da livre iniciativa, da solidariedade social e da igualdade substancial. A mesma Constituição Federal, de 1988 incluiu a proteção do consumidor como uma garantia de linhagem constitucional.
Com e edição do Código de Defesa do Consumidor, os direitos do consumidor foram se consolidando, através da criação do microssistema das relações de consumo e da inserção de novas normas e princípios jurídicos. As relações de consumo foram se modificando, equilibrando dessa maneira as relações jurídicas entre consumidores e fornecedores.
Essa missão do fornecedor está juridicamente fundada nos seus deveres legais de colocar, no mercado de consumo, produtos e serviços que tenham padrões adequados de qualidade-adequação e qualidade-segurança; de dar informações claras e adequadas sobre seus produtos e serviços; de agir sempre com boa-fé; de não empregar práticas abusivas no mercado; de não gerar riscos ou causar danos ao consumidor; de sanar os vícios que seus produtos e serviços apresentem e de reparar os danos que eles e eventuais práticas abusivas causem ao consumidor, de modo espontâneo, rápido e efetivo. [3]
A metodologia utilizada na presente pesquisa é de cunho bibliográfico, sendo utilizado para o seu desenvolvimento, materiais como: livros, artigos, revistas jurídicas, legislações e entendimento de Tribunais Superiores.
2. DA DEFESA DO CONSUMIDOR
2.1.Conceito e evolução histórica
A proteção ao consumidor é bastante antiga e tem seus registros de origem no antigo Egito através de pinturas no próprio corpo com certos tipos de maquiagem. Neste momento, deflagrou-se a competição entre os fabricantes dos referidos produtos, determinando-se uma concorrência entre os mesmos, apresentando produtos de melhor qualidade para os consumidores. A proteção também foi verificada em textos antigos, como o Código de Hamurabi, através de legislação cuja finalidade era proteger os compradores . [4]
Ressalta-se ainda, seus registros no Império Romano através de práticas do controle de abastecimento de produtos, especialmente nas regiões conquistadas, assim como a decretação de congelamento de preços, no período de Deocleciano, haja vista a existência de um processo inflacionário, determinado em grande parte pelo déficit do tesouro imperial.
Registros também encontrados da época colonial chamou atenção das autoridades coloniais do século XVII para a punição dos infratores a normas de proteção aos consumidores. Já no Brasil, as inquietações com as relações de consumos tiveram seu início entre 1940 e 1960, quando foram instituídas várias leis introduzindo aspectos de consumo. Contudo, a proteção ao consumidor ganhou força mesmo com a promulgação da CF/1988, que consagrou a proteção consumerista como forma de garantia constitucional e princípio norteador da atividade econômica. [5]
A Constituição Federal de 1988 instituiu uma nova era, colocando mais uma vez o Brasil no plano democrático. Foi considerada um marco da democracia e direitos humanos, trazendo o entendimento de uma solidariedade social no qual privilegia um conjunto de direitos extrapatrimoniais e, garantindo o predomínio do coletivo sobre o individual. A CF/88 assegurou a proteção do consumidor em uma estirpe constitucional. [6]
Desta forma, com o surgimento do CDC, os direitos do consumidor se fortaleceram, por meio da concepção do microssistema das relações de consumo e da introdução de novas normas e princípios jurídicos. Desta forma, as relações consumeristas modificaram-se, contrabalançando desta forma as relações jurídicas entre consumidores e fornecedores.
2.2.Origem do CDC
O Código de Defesa do Consumidor teve origem na Carta Magna de 1988 e foi a primeira regra sobre o mercado de consumo no direito brasileiro. O CDC instituiu seu próprio microssistema quando foi estabelecido no ordenamento jurídico como lei principal, no qual devem se subordinar a ela todas as leis específicas quando se tratarem de questões relativas às relações consumeristas.
Trata-se de um sistema próprio, autônomo inserido na CF/88, no qual tratou de englobar tanto o consumidor real que adquire concretamente um produto ou um serviço, enquanto destinatário final, como àqueles que ele equiparou a consumidor, que são todas as pessoas que hajam intervindo na relação de consumo, todas as vítimas de um acidente de consumo e todas as pessoas expostas às práticas comerciais e contratuais.[7]
O CDC conceituou fornecedor como qualquer agente que exerce atividade no mercado de consumo de forma habitual, sendo sua atividade, de grande importância para se verificar se quem está transacionando é mesmo um fornecedor ou não. O produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial e serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, com exceção das relações trabalhistas.
2.3. Definição de Consumidor
Segundo estabelecido no artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor: "toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final." De acordo com o conceito de consumidor elencado no CDC, verificou-se que tanto as pessoas físicas como as jurídicas se enquadram nos moldes. [8]
O aspecto econômico, retrata a figura do consumidor como aquele indivíduo destinatário da produção de bens, sendo ele ou não adquirente, ou também produtor de outros bens. No psicológico, consumidor é aquele sobre o qual se analisam as reações com a finalidade de se particularizar os critérios para a produção e as motivações internas que o levam ao consumo. Sendo assim, estuda-se por meio de circunstâncias subjetivas que levam o indivíduo ou grupos a preferirem por este ou aquele tipo determinado de produto ou serviço, preocupando-se certamente com a ciência do marketing e da publicidade, assumindo especial interesse quando se trata, especialmente, dos devastadores efeitos dessa, se enganosa ou tendenciosa, diante das modernas e sofisticadas técnicas do mencionado marketing e merchandising. Segundo o ponto de vista sociológico o consumidor é qualquer indivíduo que frui ou se utiliza de bens e serviços, no qual pertence a certa categoria ou classe social. De acordo com a conceituação literária e filosófica, consumidor é saturado de valores ideológicos mais evidentes.
Consumir, pois, significa ceder sempre às sugestões veiculadas pela publicidade. Significa, estar sempre de acordo, a fim de que não se rompa o próprio consenso imposto, bem como alienar-se ante a apologia da sociedade de consumo.
Consumidor é qualquer pessoa, natural ou jurídica, que contrata, para sua utilização, a aquisição de mercadoria ou a prestação de serviço, independentemente do modo de manifestação da vontade; isto é, sem forma especial, salvo quando a lei expressamente a exigir. Ao mesmo tempo, deve-se equiparar a consumidor a coletividade que esteja propensa a tal contratação.[9]
Segundo Filomeno[10], não há como se refutar, entretanto, da definição de consumidor como um do integrantes das relações de consumo, que nada mais são do que relações jurídicas por excelência. Porém, devem ser contestadas justamente pela situação de inferioridade/ hipossuficiência face ao fornecedor de bens e serviços. Desta forma, deduz que toda relação de consumo:
a) Envolve basicamente duas partes bem definidas: de um lado o adquirente de um produto ou serviço (consumidor); de outro o fornecedor ou vendedor de um serviço ou produto (produtor/fornecedor);
b) Destina-se à satisfação de uma necessidade privada do consumidor;
c) Consumidor, não dispondo, por si só, de controle sobre a produção de bens de consumo ou prestação de serviços que lhe são destinados, arrisca-se a submeter-se ao poder e condições dos produtores daqueles mesmos bens e serviços.
E tudo isto porque o consumidor está na mesma situação de hipossuficiência que o detentor da força de trabalho experimenta em face do mesmo protagonista da atividade econômica, ou seja, os detentores dos meios de produção. Não é por acaso, por isso mesmo, que o chamado “movimento consumerista’’ surgiu com o movimento trabalhista, sobretudo a partir da segunda metade do século XIX, em que se clamava por melhores condições de trabalho e melhoria de qualidade de vida, dentro do binômio evidente poder aquisitivo/aquisição de mais e melhores bens e serviços, qualidade de vida – bem comum.
Daí a razão pela qual ousamos discordar da definição de Othon Sidou, quando insere as pessoas jurídicas como consumidores, para fins de proteção efetiva, nos moldes retropreconizados, e ao menos no que tange à sua literal “proteção’’ ou “defesa’’ jurídica. E isso, se não pelas relevantes razões já invocadas, ao menos pela simples constatação de disporem as pessoas jurídicas de força suficiente para arquitetar sua defesa, enquanto que o consumidor, ou mesmo coletividade de consumidores, ficam totalmente imobilizados pelos altos custos e morosidade crônica da justiça comum.
Prevaleceu, contudo, no CDC, a inclusão da pessoa jurídica também como consumidor de bens e serviços, embora com a ressalva de que, nessa hipótese, age exatamente como o consumidor comum, ou seja, fazendo-se ela, pessoa jurídica, destinatária final dos referidos bens e serviços.
3. A RESPONSABILIDADE CIVIL E A TEORIA DO RISCO
3.1. Do ato ilícito
O ato ilícito versa sobre uma conduta voluntária do agente que infringe um direito alheio. No entendimento de Venosa[11], “atos ilícitos são os que promanam direta ou indiretamente da vontade e ocasionam efeitos jurídicos, mas contrários ao ordenamento”.
O Código Civil em seu artigo 186 apresenta a seguinte definição: “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Nota-se que o elemento primário de todo ilícito é uma conduta humana, voluntária no mundo exterior e contrária ao direito.
A norma legal confere certa conduta e o ato ilícito é exatamente a quebra desta, seja por ação ou por omissão. Não se pode deixar de fazer a menção presente no artigo 187 do código civil, que assim dispõe: “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”. Diante disso aquele que agir com abuso de direito também estará inserido na seara da responsabilidade civil. Sua caracterização não é dada pelo simples uso de um direito, mas pelo exercício irregular deste.
Sendo assim, para que o ato ilícito ocasione, ao agente, o dever de indenizar, faz-se necessário a voluntariedade do ato contrário ao direito e a configuração de dano por ele causado. Ademais Rui Stoco[12] defende que, o elemento voluntariedade visa permitir um juízo de imputação, ou seja, a atribuição da prática de uma ação ou omissão voluntária. Impõe-se acrescentar a exigência de um juízo de reprovação, fundado na culpabilidade, que tem como elementos o dolo, enquanto vontade dirigida a um fim e a culpa em sentido estrito, nas vertentes da imprudência, negligência e imperícia.[13]
Observa-se que para a ilicitude dar ensejo à reparação civil é fundamental a presença dos seguintes elementos: a ação ou omissão do agente, a ocorrência de dano e a voluntariedade do ato. Ressalta-se ainda, a obrigatoriedade do nexo causal entre a conduta e o resultado, ou seja, a existência de correlação entre a conduta praticada e o resulto obtido. O ato praticado pelo agente ou a sua omissão, quando tinha o dever de agir, pode decorrer da efetiva intenção de realizá-lo, por dolo ou culpa.
3.2.Responsabilidade civil
O novo Código Civil de 2002 tratou, em seu art. 186, sobre a responsabilidade civil subjetiva e, nos arts. 927, parágrafo único, e 931, sobre a responsabilidade civil objetiva. Preliminarmente, para estudar sobre o tema em apreço, deve-se compreender sua evolução e incorporação no ordenamento jurídico pátrio. A noção geral do termo “responsabilidade civil” está vinculada à reparação de um dano injusto. A doutrina apresenta inúmeros conceitos sobre a responsabilidade civil.
De acordo com Francisco Amaral[14], a responsabilidade civil pode ser em sentido estrito e em sentido amplo. O renomado autor diz que é “a relação jurídica em que alguém se encontra de ter de indenizar outrem quanto à própria obrigação decorrente dessa situação”. Em sentido estrito é “o específico dever de indenizar nascido de fato lesivo imputável à determinada pessoa”. Já o doutrinador Sérgio Cavalieri Filho[15] preconiza que a responsabilidade civil é “obrigação sucessiva, decorrente de um dever jurídico preestabelecido que acarreta prejuízo a outrem”.
Pode-se dizer que ambas conceituações explicitadas pelos autores supracitados, Amaral e Cavalieri Filho, são as que mais se aproximam em termos de abrangência, incluindo nas duas uma obrigação, ou seja, de um dever jurídico prévio e um dano causado a outrem.
A doutrinadora Maria Helena Diniz[16], sugere não ser uma tarefa fácil conceituar a responsabilidade civil, haja vista sua dupla função. Inicialmente, visa assegurar o direito do lesado à segurança e, segundo, servir como uma sanção civil de natureza compensatória, mediante a reprovação do dano causado à vítima.[17]
A responsabilidade objetiva, ou seja, a responsabilidade que independe da comprovação da culpa do agente, passou a ser admitida em alguns segmentos do vigente ordenamento jurídico nacional, tal como a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938, de 31.08.1981) e o próprio Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90).
O CDC adotou uma posição inovadora abandonando o clássico conceito de culpa como fundamento da responsabilidade civil. Em seu art. 6º, VI, diz que um dos direitos básicos do consumidor é a efetiva prevenção e reparação dos danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos. Portanto, aquele que causar um dano é obrigado a repará-lo, independentemente de culpa. O CDC somente não responsabilizou objetivamente o profissional liberal, segundo disposição do art. 14, § 4º, determinou que a responsabilidade deste deverá ser apurada mediante verificação de culpa, neste caso a responsabilidade civil é subjetiva e o dano decorre diretamente da conduta do agente.
3.3. Teoria do Risco
A base da responsabilidade objetiva é a teoria do risco do negócio, ou seja, quem exerce uma atividade, qualquer que seja ela, deve assumir os riscos a ela inerentes ou riscos dela decorrentes. O lucro é legítimo, mas o risco é exclusivamente do fornecedor. Ele escolheu arriscar-se, não pode repassar esse ônus para o consumidor. Isso implica que da mesma forma que ele não repassa o lucro para o consumidor, não pode de maneira alguma passar-lhe o risco. Na livre iniciativa a ação do fornecedor está aberta simultaneamente ao sucesso e ao fracasso, mas sempre o risco será dele.
Uma das características da atividade econômica é o risco. O estabelecimento da responsabilidade de indenizar nasce do nexo de causalidade existente entre o consumidor (lesado), o produto e/ou serviço e o dano efetivamente ocorrido. O CDC preocupou-se em responsabilizar objetiva e solidariamente toda a cadeia de fornecimento. O Código de Defesa do Consumidor brasileiro trouxe para o nosso ordenamento jurídico uma mudança de paradigma, onde seu campo de atuação é bastante amplo, ele criou um sistema jurídico aberto, com princípios gerais que irão nortear todas as relações de consumo.
A ideia de reparação do dano sempre esteve presente na raça humana. Na antiguidade aquele que praticava algo em desacordo com as leis da época era severamente punido, como por exemplo, as penas prescritas no Código de Hamurabi que tinha como base os princípios da Lei de Talião. É imperioso ressaltar a afirmação feita por Aguiar Dias[18], o qual assevera a natureza dinâmica que cerca o instituto da responsabilidade civil, impondo a necessidade de sua constante adaptação à evolução da civilização que ele busca regular, amoldando-se às vicissitudes fáticas aplicadas nos diversos períodos da evolução da sociedade.
Muito antes mesmo de se imaginar sobre a responsabilidade civil, já havia a noção segundo a qual quem causasse algum dano a outrem deveria repará-lo. Preceituando temporalmente a formação do instituto da responsabilidade civil, é possível constatar sua grande ligação com o instituto da propriedade. Em uma era inculta da história existia a vingança coletiva, pois os bens eram da coletividade, ou seja, a própria tribo reagia contra o agressor, haja vista não haver naquele período a noção da propriedade privada.
Ressalta-se que a reparação do dano sofrido nos dias atuais tem como objetivo repor as coisas ao seu status quo ante, ou seja, retornar o mais próximo possível a condição que se tinha anteriormente ao dano causado. O processo indenizatório está ligado ao termo responsabilidade, que pode ser demonstrada através dos vocábulos “Alterum non Laedere”, a outro não prejudicar, e “Neminem Laedere”, a ninguém ofender. Para isso deve-se, respeitar os direitos alheios, estabelecer limites para as condutas humanas, buscando vivenciar o mundo do dever ser.
De acordo com o entendimento de Maria Helena Diniz essa nova fundamentação da responsabilidade civil, ou seja, na culpa, deve-se ao desenvolvimento doutrinário-dogmático da ideia de dolo e de culpa stricto sensu, separando definitivamente a responsabilidade civil da pena.[19] Já Aguiar Dias[20] clarifica que tal teoria que inspirou a elaboração do Código Civil Francês de 1804 buscou suporte teórico nas obras de Domat e Pothier, acolhendo a teorização contida no Direito Romano Clássico.
Tal teoria acabou por influenciar posteriormente a legislação de vários países no mundo. Francisco Amaral[21] afirma que a responsabilidade civil que antigamente era coletiva, objetiva e penal, passa a ser individual, subjetiva e civil.
Seguindo esta nova metodologia constitui-se a diferenciação entre responsabilidade civil contratual e extracontratual (ou aquiliana). Aquela é caracterizada basicamente pelo inadimplemento[22], enquanto esta encontra seu fundamento na culpa. Porém, como é sabido, com o advento do capitalismo ocorreu a Revolução Industrial, intensificaram-se as relações comerciais, houve o advento do maquinismo, impondo a mutação das condições de vida e das relações de trabalho, ocorrendo, com o passar do tempo, o agigantamento dos acidentes[23] .
4. TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO E O DEVER DE INDENIZAR
4.1 – Responsabilidade Civil pela Perda do Tempo
Em 2007 o advogado Marcos Dessaune deu origem a chamada: Teoria do Risco Produtivo do Consumidor, ao qual caracteriza-se quando o consumidor, perante uma situação de mau atendimento, precisa desperdiçar o seu tempo e desviar as suas competências, de uma atividade necessária ou por ele preferida, para tentar resolver um problema criado pelo fornecedor, a um custo de oportunidade indesejado, de natureza irrecuperável.[24] Logo a Teoria passou a ser objeto de estudo e em 2011, passou a ser acolhida e aplicada sobretudo pelos Tribunais de Justiça do Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.[25]
Embora o CDC enfatize que os produtos e serviços postos no mercado de consumo devam obedecer padrões apropriados de qualidade, de segurança, de durabilidade e de desempenho, a fim de que se tornem úteis e sem causar riscos ou danos ao consumidor, e também vede, práticas abusivas, no Brasil, essas situações nocivas ainda são tidas como normais. (DESSAUNE, 2011).
A perda do tempo livre do consumidor vem sendo também admitido tanto na doutrina quanto na jurisprudência. Situações corriqueiras do dia a dia nos trazem a percepção de perda de tempo, tais como: o tempo para cancelar a contratação que não mais nos interessa; o tempo para cancelar a cobrança indevida do cartão de crédito; a espera de atendimento em consultórios médicos, entre outras. Na verdade, parte dessas circunstâncias deve ser tolerada desde que não cause prejuízo a outrem, haja vista fazer parte da vida em sociedade.
A indenização pela perda do tempo livre diz respeito a situações intoleráveis, no qual há incúria e falta de respeito com os consumidores, que por diversas vezes são obrigados deixar sua rotina e perder o tempo livre para resolver impasses ocasionados por atos ilícitos e/ou comportamentos abusivos dos fornecedores. Uma imérita ingerência de terceiro, que dê origem ao desperdício intolerável do tempo livre, é caso ensejador de provável dano à luz do princípio da função social.(STOLZE, 2012).
Neste contexto, deve-se analisar o tempo sob dois aspectos: dinâmico e estático. De acordo com Stolze (2012, p. 2, 3) sobre o aspecto dinâmico, “o tempo é um fato jurídico em sentido estrito ordinário, ou seja, um acontecimento natural, apto a deflagrar efeitos na órbita do Direito.” Os fatos jurídicos ordinários são casos de evento comum, como: o nascimento, o decurso do tempo, a morte.
Sob o aspecto estático, o tempo é um valor, um relevante bem, passível de proteção jurídica. As reivindicações da atualidade têm nos colocado em situações de abuso evidente à livre disposição e uso do nosso tempo livre, em favor do interesse econômico ou da mera conveniência negocial de um terceiro. (STOLZE, 2012).
Para Dessaune, o art. 14, § 4º, do CDC, as condições ou pressupostos necessários para que o fornecedor faltoso possa ser civilmente responsabilizado pelo desvio produtivo do consumidor, independentemente da existência de culpa, tais como:[26]
1) o problema de consumo potencial ou efetivamente danoso ao consumidor,
2) a prática abusiva do fornecedor de se esquivar da responsabilidade pelo problema de consumo,
3) o fato ou evento danoso de desvio produtivo do consumidor,
4) o nexo causal existente entre a prática abusiva do fornecedor e o evento danoso dela resultante,
5) o dano extrapatrimonial de índole existencial sofrido pelo consumidor e, eventualmente,
6) o dano emergente e/ou o lucro cessante sofrido pelo consumidor (requisito facultativo) e
7) o dano coletivo (requisito facultativo).
Para que haja o arbitramento da indenização do dano extrapatrimonial, os entendimentos jurisprudenciais tem se posicionado acerca de dois critérios: o interesse jurídico lesado e as circunstâncias do evento danoso. Aquele estima o bem ou interesse jurídico alcançado pelo evento danoso, enquanto esse analisa as situações peculiares do caso concreto, sendo de particular interesse a culpabilidade do agente e a condição econômica do ofensor. Desta forma, ao ser arbitrada a indenização do dano extrapatrimonial de modo existencial resultante do desvio produtivo do consumidor, o magistrado averiguando que o fato abrange um grande fornecedor que reiteradamente lesa consumidores de maneira intencional, deve avaliar o grau de culpa e a condição financeira-econômica do referido agente ofensor, majorando o valor indenizatório a fim de que sejam alcançados não só o efeito satisfatório e o punitivo da condenação, mas também, o seu efeito preventivo.
Observa-se que, geralmente, a não responsabilização civil do fornecedor por desvio produtivo do consumidor ocasiona resultados lesivos sob o ponto de vista prático, destacando o fomento transmitido ao mercado de que tais eventos lesivos podem ser livremente causados e disseminados pelos fornecedores; a forma banal que a sociedade acaba adjudicando a essas condições nocivas acabam deixando os fornecedores mais à vontade para prolifera-los no mercado. Com isso, vai aumentando o nível de frustração, de irritação e de estresse do consumidor, que permanece submetido no dia a dia a essas circunstâncias danosas mesmo sabendo que não é legal e nem materialmente responsável pela solução dos problemas que deram origem a eles; e o afastamento do consumidor da sua realização pessoal, o que impacta na felicidade que cada pessoa procura conquistar ao longo da vida.[27]
4.2. Dever de indenizar
Com a ocorrência do evento danoso, vai aumentando o nível de frustração, de irritação e de estresse do consumidor, que permanece submetido no dia a dia a essas circunstâncias danosas mesmo sabendo que não é legal e nem materialmente responsável pela solução dos problemas que deram origem a eles; e o afastamento do consumidor da sua realização pessoal, o que impacta na felicidade que cada pessoa procura conquistar ao longo da vida.[28]
A função compensatória diz respeito à tentativa de diminuir o dano de forma a tornar mínimo seus resultados, tentando agradar a vítima com valor econômico que servirá como conforto pela lesão cometida.
Rizzato Nunes[29] diz que
“a reparação de todos os danos que sejam incapazes de avaliação pecuniária atende em regra ao princípio da satisfação compensatória: o quantitativo pecuniário a ser atribuído ao lesado nunca poderá ser equivalente a um ‘preço’, será o valor necessário para lhe proporcionar um lenitivo para o sofrimento infligido, ou uma compensação pela ofensa à vida ou à integridade física.”
Para o entendimento do doutrinador Tartuce[30], “não há no dano moral uma finalidade de acréscimo patrimonial para a vítima, mas sim de compensação pelos males suportados”.
4.3 Dano Moral
O dano moral se traduz em uma violação ao direito da personalidade de outrem, como a honra, a imagem, enfim, sua dignidade. Entretanto, o que acontece em nossos dias é uma banalização do instituto do dano moral. Não é todo dano passado pela vítima que deve ser compensado a título de dano moral.
É sensato que, para se averiguar essa diferenciação ingressaríamos numa esfera subjetiva, pois ninguém é capaz de mensurar especificamente o grau de dano emocional e psíquico passado por alguém. Parte-se então do que se espera, como reação, de um homem médio.
Prever que uma circunstância ofensiva, também analisada lesiva, inaceitável, revoltante e que acarrete considerável estrago para a pessoa vitimada, não seja abordada apenas como um mero aborrecimento. Tal situação deve sim, ser vista como passível de ser indenizada com danos morais.[31]
Acontece que, por ambição de muitos, tornou-se corriqueira a propositura de muitas ações com o único intuito de ganhar ganhos a título de compensação por danos morais. Nos Juizados Especiais Cíveis, várias ações que não diz respeito a violação ao direito de personalidade, mas facilmente uma questão de fato e de direito a ser definida com a restituição de valores ou reparação de lesões materiais. Abarrotou-se o Judiciário com tais ações, pois se idealizou a máxima de que tudo poderia ser objeto de propositura de ação indenizatória, recebendo assim altas somas de dinheiro.
CONCLUSÃO
A presente pesquisa teve por finalidade estudar “A Teoria do Desvio Produtivo do consumidor”, cujo objetivo foi analisar a possibilidade do consumidor fazer jus ao ressarcimento pelo tempo gasto na resolução de problemas que se apresentam com determinados produtos ou serviços.
Concluiu-se que com a promulgação do Código de Defesa do Consumidor, os direitos do consumidor foram de solidificando, por meio da elaboração da política das relações de consumo e da introdução de novas normas e princípios jurídicos. Através dessa relação de consumo, as relações jurídicas foram se transformando e se equilibrando entre consumidores e fornecedores, constituída nos seus deveres de colocar no mercado de consumo, produtos e serviços que tenham padrões adequados de qualidade-adequação e qualidade-segurança, além de não gerar riscos ou causar danos ao consumidor; de sanar os vícios que seus produtos e serviços apresentem e de reparar os danos que eles e eventuais práticas abusivas causem ao consumidor, de modo espontâneo, rápido e efetivo.
Desta feita, tem sido aceita a indenização pela perda do tempo livre e os tribunais tem entendido que é devido justamente pelo fato de serem situações intoleráveis, no qual há desídia e desrespeito com os consumidores, que por diversas vezes são obrigados deixar sua rotina e perder o tempo livre para resolver impasses ocasionados por atos abusivos dos fornecedores. Sendo assim, pode-se enfatizar que o presente trabalho não tem o objetivo de se esgotar em si, sendo de grande importância estudos mais aprofundados sobre o tema.
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[1] RIZZATTO NUNES, Luiz Antonio. Curso de direito do consumidor: São Paulo: Saraiva, 2004.
[2] NERY JÚNIOR, Nelson. Os princípios gerais do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. In: Revista de Direito do Consumidor, n. 3. São Paulo: Revista dos Tribunais. set.-dez., 1992
[3] DESSAUNE, Marcos V. Teoria Aprofundada do Desvio Produtivo do Consumidor.(2017). Revista Luso – Corrigida. Disponível: https://bdjur.stj.jus.br/jspui/bitstream/2011/116703/teoria_aprofundada_desvio_dessaune.pdf. Acesso em 10 de nov. 2022..
[4] FILOMENO, José Geraldo Brito. Direitos do Consumidor. 2018.
[5] RIZZATTO NUNES, Luiz Antonio. Curso de direito do consumidor: São Paulo: Saraiva, 2004.
[6] NERY JÚNIOR, Nelson. Os princípios gerais do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. In: Revista de Direito do Consumidor, n. 3. São Paulo: Revista dos Tribunais. set.-dez., 1992
[7] OLIVEIRA, Júlio Moraes. Curso de Direito do Consumidor Completo. 2 ed. Belo Horizonte: D´Plácido, 2015.
[8] BRASIL, 1990.
[9] OLIVEIRA, 2015.
[10] Filomeno, 2018.
[11] VENOSA, Sílvio de Salvo. Op.cit. p. 286
[12] STOCO, Rui. Op.cit, p.113.
[13] STOCO, Rui. Op.cit, p.113.
[14] AMARAL, Francisco. Direito Civil: introdução – 6ª ed. rev., atual. e aum. – Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 545.
[15] CAVALIERI FILHO, Sérgio, in Programa de Responsabilidade Civil – 2ª ed. – São Paulo: Malheiros, 1998, p. 20.
[16] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro / volume 7 – São Paulo: Saraiva, 1990-1992. p. 29.
[17] DINIZ, Maria Helena. Op. cit. p. 7.
[18] DIAS, José Aguiar. Da Responsabilidade Civil. 11ª ed. revista, atualizada de acordo com o Código Civil de 2002, e aumentada por Rui Berford Dias. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 25.
[19] DINIZ, Maria Helena. Ibidem. p. 9.
[20] DIAS, José Aguiar. Obra citada. p. 58.
[21] AMARAL, Francisco. Obra citada. p. 549.
[22] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 7ª ed. – São Paulo: Atlas, 2007. –(Coleção direito civil; v. 2) – p. 283.
[23] DINIZ, Maria Helena. Obra citada. p. 10.
[24] LÉLLIS, Leonardo. Tempo gasto em problema de consumo deve ser indenizado. Março 2014. Disponível em < https://www.conjur.com.br/2014-mar-26/tempo-gasto-problema-consumo-indenizado-apontam-decisoes >. Acesso em 01 de nov. 2018.
[25] Lellis, 2014.
[26] Dessaune, op. Cit. P. 74.
[27] Dessaune, 2017, p.75.
[28] Dessaune, 2017, p.75.
[29] Rizzato Nunes (2012) , p. 907/908
[30] Rizzato Nunes (2012)
[31] Dessaune, 2017.
Promotor de Justiça no Estado do Ceará
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, marcos luiz nery. O tempo é ouro: a teoria do desvio produtivo e sua aplicabilidade nos contratos de consumo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 jan 2023, 04:26. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/60743/o-tempo-ouro-a-teoria-do-desvio-produtivo-e-sua-aplicabilidade-nos-contratos-de-consumo. Acesso em: 22 nov 2024.
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