RESUMO: O presente artigo analisa a possibilidade de os vereadores, agentes políticos de nível municipal, receberem ou não a gratificação natalina e terço constitucional de férias, utilizando-se como base de estudo o tema 484 – STF –, dispositivos constitucionais e arestos estaduais.
Palavras-chave: abono. gratificação. vereador.
1.INTRODUÇÃO
O presente artigo visa compreender com mais clareza acerca do agente político ocupante do cargo de vereador, cargo esse que é exercido junto ao Poder Legislativo, com representação na Câmara Municipal, sendo uma autoridade política na esfera daquela respectiva cidade.
Dessa forma, é possível observar os limites traçados por lei ao vereador, assim como os meios que se dão para que se alcance o referido cargo público. Dentre esses limites, além dos próprios do cargo, bem como requisitos elegíveis e funções, os quais são estabelecidos na Constituição Federal, Lei Orgânica Municipal e Regimento Internos, traçaremos aqui uma breve discussão acerca da possibilidade do referido agente político receber ou não a verba referente à gratificação natalina e terço constitucional de férias.
Tal discussão se dá pela previsão constitucional disposta no art. 39 da Carta Magna de 1988, em que no §4º do referido dispositivo, há uma vedação a todo detentor de mandato eletivo de receber, em sua remuneração, “o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória” (CF, 1988). Contudo, o §3º do mesmo artigo constitucional dispõe que, aos ocupantes de cargo público, aplica-se o disposto no art. 7º, ainda da Constituição Federal, nos interessando o que se encontra previso nos incisos VIII e XVII, os quais referem-se ao Décimo Terceiro Salário e Terço Constitucional de Férias, caracterizando grande confusão jurídica, tendo inclusive posicionamento do Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral para este tema.
Neste artigo, contudo, pretende-se destacar a discussão acerca do 13º salário (gratificação) e terço constitucional de férias (adicional).
Ainda, discute-se a possibilidade das referidas verbas serem pagas a vereadores sem a necessidade de lei infraconstitucional, haja vista que a Constituição Federal, em seu art. 5º, §1º, estabelece que as normas que garantem direitos fundamentais são de aplicação imediata, porém, como será visto, não é o que vem sendo aplicado pelos Tribunais de Justiça Estaduais, que, hora ou outra, condicionam o direito do agente político detentor de mandado eletivo para o legislativo municipal a uma lei infraconstitucional.
2. VEREADORES: CARGO, REQUISITOS ELETIVOS E FUNÇÕES
Sabe-se que, da leitura do art. 29 e incisos, da Constituição Federal, os municípios regem-se mediante lei orgânica, a qual funciona como uma verdadeira Carta Magna de nível municipal, bem como os vereadores são eleitos pelo voto direto para o exercício de um mandato de quatro anos.
Contudo, antes de adentramos ao mérito do artigo, cumpre esclarecer alguns pontos acerca do cargo de vereador, como o processo para se alcançar o cargo, requisitos e funções típicas e atípicas.
Veja-se o conceito de vereador traçado pelo Senado Federal: “Vereador é sinônimo de Edil. Vereador é a “pessoa que verea”, ou seja, é o cidadão eleito para cuidar da liberdade, da segurança, da paz, do bem-estar dos munícipes” (SENADO FEDERAL, 2005, p. 40).
No entanto, para que o cidadão seja um vereador é necessário passar por diversas etapas. A primeira é a de se filiar a um partido político e, em sede de convenção partidária, ser escolhido por este partido para então confirmar a filiação.
No que concerne aos partidos políticos, tem-se que, no entendimento de Padilha (2020, p.52) “partidos políticos são pessoas jurídicas de direito privado que, após adquirirem personalidade jurídica, na forma da lei civil, devem registrar seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral (art. 17, § 2.o, da CF)”.
Após, é realizado o registro de candidatura, onde, em observância à Constituição Federal, é necessário o preenchimento de alguns requisitos. Vejamos na íntegra o que dispõe o art. 14, §3º, I, II, III, IV, V e VI, “d”, da Constituição Federal:
Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: [...] § 3º São condições de elegibilidade, na forma da lei: I - a nacionalidade brasileira; II - o pleno exercício dos direitos políticos; III - o alistamento eleitoral; IV - o domicílio eleitoral na circunscrição; V - a filiação partidária; VI - a idade mínima de: [...] d) dezoito anos para Vereador. (BRASIL, 1988). (grifei)
Assim, não basta apenas ter a vontade de candidatar-se, é necessário o cumprimento de requisitos legais, conforme supracitado, bem como outros, como a exigência de não ser parente consanguíneo, conforme as normas civilistas, do prefeito do município em que se pretende concorrer à vaga e, à luz do entendimento de Silva, (2004, p. 41), e da legislação pátria, “que não exerça funções, cargos ou empregos, definidos em lei complementar, como comprometedores da normalidade e legitimidade das eleições”.
Avançando um pouco, tem-se que o sistema de eleição para o cargo de vereador é o proporcional. O referido sistema, ao contrário do usado para as eleições de senadores, governadores e presidente, é um pouco diferente, o que pode causar dúvida e certa desconfiança, dado que no outro programa, o majoritário, vence aquele que obtiver a maioria dos votos válidos e no proporcional é rateado o número de vagas aos partidos que fizerem mais votos, vencendo aquele que, dentro do partido, recebeu a maioria.
Trata-se de um sistema relativamente complexo, que comumente gera dúvidas, mas que como bem explanado no site do TSE, por Pedro Luiz Barros Palma da Rosa[1]:
Funciona assim o sistema proporcional: para se chegar ao resultado final, aplicam-se os chamados quocientes eleitoral (QE) e partidário (QP). O quociente eleitoral é definido pela soma do número de votos válidos (= votos de legenda3 e votos nominais4, excluindo-se os brancos e os nulos), dividida pelo número de cadeiras em disputa. Apenas partidos isolados e coligações que atingem o quociente eleitoral têm direito a alguma vaga. A partir daí, analisa-se o quociente partidário, que é o resultado do número de votos válidos obtidos, pelo partido isolado ou pela coligação, dividido pelo quociente eleitoral. O saldo da conta corresponde ao número de cadeiras a serem ocupadas. Havendo sobra de vagas, divide-se o número de votos válidos do partido ou da coligação, conforme o caso, pelo número de lugares obtidos mais um. Quem alcançar o maior resultado assume a cadeira restante. Depois dessas etapas, verifica-se quais são os mais votados dentro de cada partido isolado ou coligação.
Nas eleições anteriores à 2018, por força da reforma constitucional nº 97 de 2017, era possível, além da coligação de candidatos ligados a um partido – em que os políticos de um partido se juntam para se alcançar o coeficiente –, a coligação partidária – em que diversos partidos se coligassem para aumentarem as chances de alcançar o coeficiente e fazer o máximo de candidatos eleitos possível.
O vereador exerce, atualmente, como função típica, o dever de fiscalizar as contas municipais, conforme preconiza o caput do art. 31 da Constituição da República, de criar leis de cunho municipal, bem como representar, junto ao prefeito, os interesses locais do povo. Por funções atípicas, entende-se que o referido agente político realiza tanto a função de julgador, como a de administrador. A primeira atividade atípica – a de julgador – se dá pelo fato de que, conforme previsto na Constituição Federal em seus art. 31, §2º, art. 49, inciso IX e art. 71, inciso I, sendo os dois últimos dispositivos aplicados na esfera municipal por força do princípio da simetria, o vereador julga as contas do prefeito. Já a outra – a de administrador – se dará quando a mesa diretora da respectiva casa municipal de leis contratar serviços, a qual deverá exercer ato de cunho administrativo, ao necessitar realizar os procedimentos licitatórios.
Assim, dito isto, sem mais desvios, alcança-se o mérito do presente artigo, que visa compreender acerca da remuneração dos vereadores e a possibilidade de recebimento de gratificação natalina e terço constitucional, condicionados a lei infraconstitucional ou não.
2.1 REMUNERAÇÃO DOS VEREADORES
À luz da Constituição Federal, os vereadores são remunerados por subsídio, que:
É uma retribuição pecuniária (em dinheiro) paga a determinados agentes públicos em apenas uma parcela. Existia a proibição de se fazer acréscimo de gratificações, adicionais, abonos, prêmios ou outra espécie de remuneração no subsídio, verba de representação ou outra espécie remuneratória. No entanto, a CF permitiu que alguns acréscimos salariais pudessem ser feitos (DESTÉFANO, 2020).
A fixação destas verbas, nos termos da Emenda à Constituição nº 19/98, se dava por meio de lei em sentido estrito, consoante se verifica no art. 2º da referida emenda, que alterou o inciso VI do art. 29 da Constituição Federal, vigorando com a seguinte redação:
[...] VI - subsídio dos Vereadores fixado por lei de iniciativa da Câmara Municipal, na razão de, no máximo, setenta e cinco por cento daquele estabelecido, em espécie, para os Deputados Estaduais, observado o que dispõem os arts. 39, § 4º, 57, § 7º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I. (BRASIL, 1998).
Contudo, com a reforma ocorrida em 2000, pela emenda nº 25, o inciso supracitado passou a contar com teor diverso, confira-se: “[...] o subsídio dos Vereadores será fixado pelas respectivas Câmaras Municipais em cada legislatura para a subseqüente [...].”
Assim, não mais necessitando de sanção do gestor municipal, bastando que os vereadores fixem suas remunerações por meio de resolução aprovada nos termos de regimento interno da respectiva casa de leis.
2.1.1 Gratificação Natalina
A gratificação natalina, também conhecida como 13º salário, é uma bonificação paga a todo trabalhador, seja rural ou urbano, conforme se verifica no inciso VIII do art. 7º da Constituição Federal. In verbis: “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] VIII - décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria”.
Em relação a gratificação natalina e ao cargo de vereador, existe discussão acerca da viabilidade ou não do pagamento desta verba aos candidatos eleitos para o cargo em questão. Assim, para apresentarmos a celeuma, se faz necessário, num primeiro momento, colacionar o §4º do art. 39 da Constituição Federal:
§ 4º O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI. (BRASIL, 1988)
Em apertada leitura do supracitado dispositivo legal, seria possível constatar a impossibilidade de os vereadores receberem a gratificação natalina, bem como o terço constitucional de férias.
Por outro lado, em contradição ao que preconiza o §4º do art. 39 da Constituição Federal, o §3º do mesmo dispositivo traz a seguinte redação: “§ 3º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º [...] VIII [...], podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir” (grifei).
Conforme visto no início do presente tópico, o décimo terceiro salário encontra-se previso no inciso VIII do art. 7º, cuja previsão do §3º do art. 39 da CF prevê a possibilidade de pagamento desta gratificação àqueles que ocupam cargo público, a exemplo: o vereador.
Assim, ao menos até o presente momento, verifica-se grande divergência entre o que preconizam os §§ 3º e 4º, ambos do art. 39 da Constituição Federal, entretanto, a discussão acerca desta é bem mais profunda, tendo sido tema de repercussão geral perante o Supremo Tribunal Federal (tema 484), objeto de análise desta pesquisa e que será apresentado adiante em pormenores acerca do que foi decidido no julgamento.
2.1.2 Terço Constitucional de Férias
O terço constitucional de férias, também conhecido como abono de férias, é uma bonificação paga a todo trabalhador, nos mesmos termos da gratificação natalina, consoante se verifica no inciso XVII do art. 7º da Constituição Federal. In verbis: “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;”.
Sendo assim, constata-se mais uma divergência ao que preconiza o §4º do art. 39 da Constituição Federal, pois o §3º do mesmo dispositivo traz a seguinte redação: “§ 3º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º [...] XVII [...], podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir” (grifei).
Conforme visto no início do presente tópico, terço constitucional de férias encontra-se previso no inciso XVII do art. 7º, cujo a previsão do §3º do art. 39 da CF prevê a possibilidade de pagamento desta bonificação àqueles que ocupam cargo público, a exemplo: o vereador.
Desta maneira, verifica-se mais uma divergência entre o que preconizam os §§3º e 4º, ambos do art. 39 da Constituição Federal, cuja análise mais profunda dar-se-á no tópico seguinte.
2.2 ANÁLISE DETIDA AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO N. 650.898 RIO GRANDE DO SUL E AS NORMAS PREVISTAS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Antes de aprofundarmos na análise deste recurso em comento, cumpre acostar a este artigo o inteiro teor do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do tema 484, ou, Recurso Extraordinário 650.898 Rio Grande do Sul:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE ESTADUAL. PARÂMETRO DE CONTROLE. REGIME DE SUBSÍDIO. VERBA DE REPRESENTAÇÃO, 13 º SALÁRIO E TERÇO CONSTITUCIONAL DE FÉRIAS. 1. Tribunais de Justiça podem exercer controle abstrato de constitucionalidade de leis municipais utilizando como parâmetro normas da Constituição Federal, desde que se trate de normas de reprodução obrigatória pelos Estados. Precedentes. 2. O regime de subsídio é incompatível com outras parcelas remuneratórias de natureza mensal, o que não é o caso do décimo terceiro salário e do terço constitucional de férias, pagos a todos os trabalhadores e servidores com periodicidade anual. 3. A “verba de representação” impugnada tem natureza remuneratória, independentemente de a lei municipal atribuir-lhe nominalmente natureza indenizatória. Como consequência, não é compatível com o regime constitucional de subsídio. 4. Recurso parcialmente provido. (STF - RE: 650898 RS - RIO GRANDE DO SUL, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 01/02/2017, Tribunal Pleno).
O recurso tratado neste tópico foi interposto pelo Município de Alecrim – RS, tendo como recorrido o Procurador-geral de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Inicialmente, o Procurador-geral ajuizou ação direta de inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça do respectivo Estado, visando barrar o recebimento de férias e gratificação natalina do Gestor Municipal, que foi julgada procedente perante aquele Tribunal, sendo reformado perante o Supremo Tribunal Federal no julgamento do referido recurso.
Consoante se verifica da leitura do acórdão supracitado, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, o entendimento é de que não há divergência entre o que preconizam os §§3º e 4º do art. 39 da Constituição Federal, sendo possível o pagamento das verbas em comento, o que, durante o julgamento foi ponto de grande controversa, ao passo que, em primeira vista, o Ministro relator havia lançado seu voto pela não possibilidade do pagamento, sendo fixada a tese em sentido contrário pelo Ministro Luís Roberto Barroso, durante a leitura de seu voto divergente, o qual assim fundamentou:
§ 4º O membro de Poder - portanto dos três Poderes -, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI. (BARROSO, 2017, p. 86).
Ainda, completou, noutro momento, com a seguinte fala: “se nós fizermos essa leitura textual do § 4º, "membro de Poder" incluirá o Judiciário. Portanto nós teríamos que suprimir também as férias e o décimo terceiro de todo o Poder Judiciário”, concluindo, logo em seguida com o seguinte fundamento: “de modo que, parodiando o nosso Procurador-Geral Doutor Rodrigo Janot: Pau que bate em Chico bate em Francisco". Portanto se valer para um, tem que valer para outro” (BARROSO, 2017, p. 88 e 89).
Há de ser verificado o que disse o Ministro Luiz Fux em seu voto acerca da contradita levantada: “deveras, não há nenhuma norma constitucional que impeça de forma límpida a percepção da gratificação de férias e o 13º salário por parte dos agentes políticos, salvo uma indesejável leitura isolada e reducionista do art. 39, §4º, da CRFB” (FUX, 2017, p. 75).
Portanto, conclui-se que o entendimento da Corte Superior, por maioria, foi no sentido de que não existe divergência entre os §§ 3º e 4º do dispositivo acima citado, desde que a leitura seja feita em conjunto, resultando na possibilidade de os agentes políticos, cerne do presente trabalho, receberem as bonificações em tela.
A propósito, torna-se importante colacionar também trecho da fala do Ministro Luís Roberto Barroso, que disse: “se todos os trabalhadores têm direito a um terço de férias e têm direito a décimo terceiro salário, eu não veria como razoável que isso fosse retirado desses servidores públicos” (BARROSO, 2017, p. 38).
Doutra banda, existe outra ponderação a ser levantada, que diz respeito ao §1º do art. 5º da Constituição Federal, o qual dispõe: “§ 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata” (BRASIL, 1988).
Ou seja, os direitos sociais previstos no artigo 39, §3º, da Constituição Federal, que fazem remissão aos dispostos no art. 7º, em especial aos aqui tratados, são direitos fundamentais e, como tal, estando inseridos no rol dos direitos e garantias fundamentais, devendo, para tanto, terem aplicação imediata, à luz do que dispõe o §1º supracitado.
Neste sentindo disse o Ministro Luiz Fux:
A natureza jurídica dos direitos sociais – terço de férias e o 13º salário – como direitos fundamentais reclama exegese conducente a conferir-lhes aplicabilidade, interpretação na máxima medida possível (arts. 5º §§ 1º e 2º, da CRFB) à sua efetivação. (FUX, 2017, p. 74).
Assim, é possível concluir que, de toda análise dos votos dos ilustres Ministros à época e da ata de julgamento, que não houve posicionamento que defendesse a necessidade de lei infraconstitucional para assegurar direitos que, segundo o Ministro Luiz Fux, deveriam ter aplicação imediata, nos termos do que dispõe o §1º da Constituição Federal.
Entretanto, no Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, os entendimentos não são alinhados, alterando-se com frequência mês a mês, sessão por sessão, ao menos de alguns julgadores, consoante se verá no tópico seguinte.
2.3 JULGADOS DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO TOCANTINS
Conforme visto no decorrer deste, não há dúvidas de que as verbas são, de fato, devidas aos agentes políticos, no entanto, uma pequena lacuna no julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, fez com que magistrados condicionassem estes direitos à lei local, em razão do que dispõe o art. 37, caput, da Constituição Federal, que traz a inteligência de que a Administração Pública reger-se-á pelo princípio da legalidade, não podendo, portanto, terem essas garantias o processamento sem a devida previsão legal aprovada e sancionada pelos poderes de nível municipal.
No Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, tanto os Desembargadores quanto os Juízes em substituição, já tiveram entendimento na corrente do Ministro Luiz Fux, não condicionando a garantia destas verbas à lei municipal, bem como, em contrapartida, há decisões que pugnam pela necessidade de lei, causando certa insegurança jurídica, dado a não uniformização, existindo, inclusive, decisões em ambos os sentidos proferidas pelo mesmo julgador.
Adiante veremos os entendimentos dos julgadores da 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, em sede de julgamento de apelação, acerca deste tema.
No primeiro quadro, encontram-se os entendimentos que vão no sentido de conceder a gratificação natalina e terço constitucional de férias, sem que haja a necessidade de norma, aplicando o disposto no §1º do art. 5º da Constituição Federal.
Quadro 1: Entendimentos pela desnecessidade de lei local
Processo nº |
Relator(a) |
Votaram acompanhando o relator (a) |
Data de Julgamento |
0006159- 84.2018.8.27.2722 |
Des. Pedro Nelson. |
Juiz José Ribamar; Desa. Jacqueline Adorno |
24/03/2021 |
0006160- 69.2018.8.27.2722 |
Des. Pedro Nelson. |
Juiz José Ribamar; Desa. Jacqueline Adorno |
24/03/2021 |
0006161- 54.2018.8.27.2722 |
Des. Pedro Nelson. |
Juiz José Ribamar; Desa. Jacqueline Adorno |
24/03/2021 |
0006164- 09.2018.8.27.2722 |
Des. Pedro Nelson. |
Juiz José Ribamar; Desa. Jacqueline Adorno |
24/03/2021 |
0000498- 78.2018.8.27.2705 |
Des. Pedro Nelson. |
Des. Helvécio |
12/05/2021 |
0000538- 60.2018.8.27.2705 |
Des. Pedro Nelson. |
Juiz José Ribamar; Desa. Jacqueline Adorno |
12/05/2021 |
Fonte: Elaborado pelo autor 1
Agora, no quadro que segue, tem-se os entendimentos no sentido de que os direitos em tela devem estar condicionados à existência de lei infraconstitucional.
Quadro 2: Entendimentos pela necessidade de lei local
Processo nº |
Relator(a) |
Votaram acompanhando o relator (a) |
Data de Julgamento |
0001802- 87.2019.8.27.2702 |
Des. Pedro Nelson. |
Juiz José Ribamar; Desa. Jacqueline Adorno |
10/02/2021 |
0001037- 87.2018.8.27.2723 |
Juíza Edilene Pereira |
Juiz Rafael Gonçalves; Des. Pedro Nelson. |
24/02/2021 |
0003109- 23.2018.8.27.2731 |
Juiz José Ribamar |
Desa. Jacqueline Adorno; Des. Helvécio |
23/06/2021 |
0002901- 96.2019.8.27.2733 |
Desa. Maysa Vendramini |
Des. Pedro Nelson; Juiz José Ribamar |
07/07/2021 |
0001424- 29.2018.8.27.2715 |
Desa. Jacqueline Adorno |
Des. Helvécio; Desa. Maysa Vendramini |
21/07/2021 |
Fonte: Elaborado pelo autor
Com isso, da leitura que pode ser feita a partir dos quadros acima expostos, é que todos os julgadores já aplicaram o entendimento pela desnecessidade de lei, contudo, em sessões ocorridas desde junho de 2021, a uniformização ocorreu perante a primeira câmara cível, para que os direitos ao recebimento por parte dos vereadores fiquem condicionados à existência de lei no respectivo município em que o agente atua como legislador.
Importante trazer, acerca dos julgados expostos, trechos que fundamentam pela necessidade e excertos que dão base à desnecessidade de lei específica. O primeiro fragmento apresentado abaixo foi extraído dos autos de n. 0000538-60.2018.8.27.2705, sob a relatoria do Desembargador Pedro Nelson de Miranda Coutinho, que teve como votantes o Juiz em substituição José Ribamar e a Desembargadora Jacqueline Adorno, julgado em 12/05/2021, conforme se afere no quadro de número 1 do presente artigo, representando o entendimento que compreende a desnecessidade de lei específica para garantir o direito ao recebimento das verbas em comento. Já a segunda citação, concernente ao entendimento que condiciona o direito em tela à necessidade de lei especifica, refere-se aos autos de n. 0003109-23.2018.8.27.2731, o qual encontra-se sob a relatoria do Juiz em substituição José Ribamar, julgado em 23/06/2021, tendo como votantes a Desembargadora Jacqueline Adorno e Desembargador Helvécio. Confira-se:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. VERBAS SALARIAIS. DÉCIMO TERCEIRO SALÁRIO E ADICIONAL DE FÉRIAS. MANDATO ELETIVO DE VEREADOR. DESNECESSIDADE DE LEI ESPECÍFICA PARA PAGAMENTO. PREVISÃO CONSTITUCIONAL. PRECEDENTES DO STF. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA. 1. O décimo terceiro salário é verba de caráter remuneratório, assentada em preceito constitucional e devida a todo trabalhador, conforme artigo 7º, inciso VIII da Constituição Federal, não dependendo de legislação infraconstitucional para que o recorrido tenha direito ao seu recebimento, assim como o adicional de férias, previsto no inciso XVII do mesmo artigo. 2. As verbas referentes a décimo terceiro salário e adicional de férias são devidas a todos os trabalhadores, não afrontando a determinação contida no artigo 39, § 4º da Constituição Federal. 3. Afronta ao artigo 37, inciso X da Constituição Federal não configurada. 4. Precedentes do STF. Tema 484 em repercussão geral. 5. Apelação conhecida e provida. Sentença reformada.
AÇÃO DE COBRANÇA - AGENTE POLÍTICO - VEREADOR - PRETENÇÃO À PERCEPÇÃO DE FÉRIAS E DÉCIMO-TERCEIRO SALÁRIO - DIREITOS CONDICIONADOS À EXISTÊNCIA DE LEI LOCAL QUE OS PREVEJA E AUTORIZE - SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. 1- O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, AO JULGAR O RE 650898, EM REGIME DE REPERCUSSÃO GERAL (TEMA 484), FIRMOU O ENTENDIMENTO DE QUE AS FÉRIAS E O DÉCIMO TERCEIRO SALÁRIO, NÃO SÃO INCOMPATÍVEIS COM O SUBSÍDIO, FORMA REMUNERATÓRIA DOS DETENTORES DE MANDATO ELETIVO (ART. 39, §4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). 2- TAL ASPECTO, CONTUDO, NÃO INIBE A EXIGÊNCIA DE LEI LOCAL QUE PREVEJA E AUTORIZE O PAGAMENTO, SOB PENA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE, UMA DAS PILASTRAS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, QUE EXIGE TAL CONDIÇÃO À REMUNERAÇÃO PAGA, TANTO A AGENTES POLÍTICOS, QUANTO A AGENTES E SERVIDORES PÚBLICOS. 3- INEXISTENTE A NORMA NO PERÍODO EM QUE EXERCIDO O MANDATO ELETIVO PELO DEMANDANTE, O JULGAMENTO DE IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO DE COBRANÇA É MEDIDA QUE SE IMPÕE. 4- RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA.
Importante frisar, ainda, que os entendimentos colacionados até o presente momento ao artigo em tela, correspondem, tão somente, aos dos julgadores da primeira câmara cível do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, ou seja, magistrado representantes do segundo grau de jurisdição, em que há ainda de se fazer uma menção a entendimentos isolados de alguns Juízes de primeiro grau de jurisdição, haja vista que, os excertos de julgados posto em observação são oriundos de recursos voluntários, porém, há a possibilidade de as partes, com o devido conformismo com a sentença proferida pelo magistrado de 1º grau, deixarem de interpor recurso de apelação, assim, prevalecendo o entendimento do Juiz singular.
Destarte, passamos a análise dos entendimentos de Juízes de 3 (três) comarcas do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, sendo as seguintes: comarca de Gurupi, especificamente o Juízo da 1ª Vara da Fazenda e Registros Públicos de Gurupi, em que nos autos de n. 0006159-84.2018.8.27.2722, tendo como Magistrado sentenciante o Dr. Elias Rodrigues dos Santos, que julgou procedentes os pedidos autorais para condenar a Fazenda Pública Municipal ao pagamento das verbas em discussão no presente artigo sem a necessidade lei específica; comarca de Araguaçu, onde o Juízo da 1ª Escrivania Cível de Araguaçu, nos autos de n. 0000498-78.2018.8.27.2705, tendo como juiz sentenciante o Dr. Nelson Rodrigues Da Silva, julgou improcedentes os pedidos autorais condicionando o direito à necessidade de lei específica; comarca de Alvarada, em que o Juízo da 1ª Escrivania Cível de Alvorada, nos autos de n. 0001802-87.2019.8.27.2702, pelo Juiz sentenciante Dr. Fabiano Goncalves Marques, julgou improcedentes os pedidos iniciais, momento em que, em sentido igual ao Magistrado da comarca de Araguaçu, condicionou o pagamento das verbas a vereadores à necessidade de lei infraconstitucional.
Importante colacionar ao artigo, trecho da sentença do Magistrado da Comarca de Gurupi, em que vai em sentido ao exposto na fundamentação posta acima na análise do julgamento perante o STF (tópico 2.2), em que assim fundamentou em sua sentença:
Por outro lado, há orientação vinculante do STF - Repercussão Geral, no julgamento do RE nº 650.898 acerca da matéria, no qual, não fez qualquer ressalva de necessidade de edição de lei municipal sobre o assunto, nem estabeleceu necessidade de marco temporal para percepção das verbas ora pretendidas. (SANTOS, 2019, p. 2).
Veja-se, o entendimento do MM. Juiz Dr. Elias Rodrigues dos Santos corresponde a análise feita no tópico 2.2 (análise ao recurso extraordinário n. 650.898/RS), em que foi constatado que os Ministros do STF não fizeram alusão acerca da necessidade de lei específica, pelo contrário, em fala, o Ministro Luiz Fux fundamentou em seu voto que as verbas em questão devem ser aplicadas em conformidade com o §1º do art. 5º da Constituição Federal, ou seja, imediatamente pelo comando constitucional, não podendo ser vinculada à lei municipal.
3.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se que, apesar da previsão constitucional de que os vereadores podem receber verbas referentes ao 13º salário e terço constitucional de férias, os interpretes da lei acabam que violam outra norma constitucional, qual seja: a prevista no art. 5º, §1º, da Constituição Federal, que estabelece que as normas garantidoras de direitos fundamentais possuem aplicação imediata, ou seja, não precisam de outra norma infraconstitucional para assegurar o respectivo direito, o que deveria ocorrer na possibilidade de os vereadores receberem ou não as referidas verbas, dado que, como visto, em que pese tenha havido confusão no texto de lei constitucional, foi fixado, perante o Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral, que os vereadores, assim como outros detentores de poder, podem receber tais verbas.
Contudo, os Tribunais de Justiça Estaduais, tendo como objeto de estudo para este artigo o do Estado do Tocantins, condicionam a garantia deste direito à existência de norma infraconstitucional, o que faz da Carta Magna um verdadeiro papel sem eficácia, dado que, conforme preconiza Carlos Roberto Gonçalves 2021, p. 77): “toda lei está sujeita a interpretação, não apenas as obscuras e ambíguas”, competindo aos interpretes o que bem entender.
Importante frisar que, de plano, o relator do Recurso Extraordinário com repercussão geral reconhecida, lançou seu voto em sentido contrário à possibilidade de os vereadores receberem as mencionadas verbas. No entanto, na sessão de julgamento, levantou-se a discussão de que aqueles ministros do STF, detentores de Poder, deveriam ser afetados pelo julgamento, haja vista que, nas palavras do Ministro Roberto Barroso (2017, p. 88 e 89): “pau que bate em Chico bate em Francisco".
Portanto, a discussão acerca da possibilidade ou não de os vereadores receberem décimo terceiro salário e terço constitucional de férias foi superada perante o Supremo Tribunal Federal e bem recepcionada pelos Tribunais de Justiça Estadual, porém, abriu-se caminho a uma nova discussão, haja vista que, embora não tenha, o STF fixado a exigência de norma infraconstitucional, os Juízes e Desembargadores Estaduais condicionam o pagamento destas verbas remuneratórias à existência de uma lei local municipal, o que viola o disposto no §1º do art. 5º da Constituição Federal, dado que são garantias fundamentais constitucionais.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal,1988
GIL, Antônio Carlos. Como Elaborar Projetos de Pesquisa. 6. Ed. São Paulo: Atlas, 2019
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Vol. 1: parte geral. 19. Ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021. p. 77.
MARCONI, M. de A. LAKATOS, E. M. Metodologia Científica. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2011.
PADILHA, Rodrigo. Direito Constitucional. 6. Ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2020. p. 52.
SENADO FEDERAL. Manual do vereador. Brasília: Interligues, 2005. p. 40.
SILVA, De Plácido. Vocabulário jurídico. Editora. Rio de Janeiro, Forense, 1991. p. 282.
STF, Plenário. RECURSO EXTRAORDINÁRIO 650.898/RS. Rel. Min. Mauro Aurélio, DJe 01.02.2017.
[1] https://www.tse.jus.br/institucional/escola-judiciaria-eleitoral/publicacoes/revistas-da-eje/artigos/revista-eletronica-eje-n.-5-ano-3/como-funciona-o-sistema-proporcional
Graduanda em Direito pela Faculdade Serra do Carmo - FASEC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FONSECA, Monize Araújo. Décimo terceiro salário e terço constitucional de férias a vereadores: Divergência entre o §1º do art. 5º da Constituição Federal e o Recurso Extraordinário nº. 650.898/RS Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 jan 2023, 04:13. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/60916/dcimo-terceiro-salrio-e-tero-constitucional-de-frias-a-vereadores-divergncia-entre-o-1-do-art-5-da-constituio-federal-e-o-recurso-extraordinrio-n-650-898-rs. Acesso em: 21 nov 2024.
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