RESUMO: O Estatuto da Cidade (Lei n.° 10.257 de 2001) trouxe para o ordenamento jurídico brasileiro uma gama de disposições gerais sobre o processo de urbanização dos Municípios. Instituiu a Política Urbana e seus instrumentos, além de reinserir, com uma nova roupagem, o Direito Real de Superfície, propulsionando o desenvolvimento urbano nas cidades em harmonia com as novas funções sociais constitucionalmente impostas aos Municípios. Este estudo tem como objetivo geral analisar como o Direito Real de Superfície atua no aperfeiçoamento da organização urbanística municipal por meio da implementação da Política Urbana. A metodologia de pesquisa usada é a revisão de literatura, de natureza qualitativa e caráter descritivo. Obteve-se como resultado que uso do Direito Real de Superfície beneficia todos os envolvidos, sejam eles os particulares a construir um contrato de concessão ou o Poder Público Municipal que pode ganhar com o investimento da destinação dos imóveis urbanos contribuindo na organização urbanística das cidades brasileiras, criando e destinando imóveis que antes eram vistos como problemas urbanos melhorando o bem-estar social urbano.
PALAVRAS – CHAVE: Urbanismo. Organização. Superfície. Política. Direito.
ABSTRACT: The City Statute (Law No. 10,257 of 2001) brought to the Brazilian legal system a range of general provisions on the process of urbanization of Municipalities. It instituted the Urban Policy and its instruments, in addition to reinserting, with a new guise, the Real Surface Right, promoting urban development in cities in harmony with the new social functions constitutionally imposed on Municipalities. The general objective of this study is to analyze how the Real Surface Law acts in the improvement of the municipal urban organization through the implementation of the Urban Policy. The research methodology used is the literature review, of a qualitative and descriptive nature. As a result, the use of the Real Surface Right benefits all those involved, whether they are individuals building a concession contract or the Municipal Public Power that can gain from the investment in the allocation of urban properties, contributing to the urban organization of Brazilian cities. , creating and allocating properties that were previously seen as urban problems, improving urban social well-being.
KEYWORDS: Urbanism. Organization. Surface. Policy. Right.
SUMÁRIO: Introdução. 1. O Direito Urbanístico, o Estatuto da Cidade e os instrumentos da Política Urbana. 2. O Direito De Superfície: Generalidades E Atualizações Jurídicas. 3. O Direito Real De Superfície Como Instrumento De Organização Urbanística Municipal. 3.1 A importância da organização urbanística municipal. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
A Constituição Federal, em seu artigo 182 estabelece uma política de desenvolvimento urbano cujos objetivos são ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e o desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana, em aspectos individuais e coletivos, garantindo instrumentos para tal aplicabilidade, ficando a cargo do Poder Público Municipal a prática desta política.
O direito a propriedade, o pleno desenvolvimento local e a função social da cidade são princípios garantidos aos cidadãos e estão esculpidos nas linhas da Constituição Federal de 1988, através do processo de constitucionalização do Direito Urbanístico, com uma ênfase maior no capítulo II que trata sobre a política urbana, o que inclusive devido a sua importância, criou-se a Lei n.° 10.257 de 2001, conhecida com Estatuto da Cidade.
O Estatuto da Cidade se tornou o mais pleno instrumento legal de reforma urbana capaz de gerir o uso da propriedade urbana. Diante desse cenário, com uma robusta legislação, surgiu a necessidade de uma melhor organização urbanística, mas não apenas para melhorar o lado governamental na administração do Município, mais sim, o lado do particular.
Os instrumentos da política urbana, criados através do Estatuto da Cidade, viabilizam as diretrizes gerais que propulsionam o pleno desenvolvimento do processo de urbanização das cidades. De semelhante modo, esses instrumentos – que se subdividem em instrumentos urbanísticos gerais e específicos - possuem a função de efetivar essas diretrizes gerais e são úteis para todas as cidades brasileiras, atendendo também de forma especifica circunstâncias particulares de algumas cidades.
Diante desse cenário, o direito de superfície elencado no rol de instrumentos jurídicos e políticos da Política Urbana através do artigo 4° da Lei n.° 10.257/2001, foi reinserido no ordenamento jurídico brasileiro limitado a propriedades urbanas. Com essa nova roupagem o Direito Real de Superfície atua para as cidades como um instrumento para melhor organizarem suas propriedades, permitindo aos particulares um melhor uso da coisa. Neste sentido, indaga-se: Como o direito real de superfície contribui para a organização urbanística dos Municípios brasileiros?
Delineou-se como objetivo geral deste estudo analisar como o Direito Real de Superfície atua e contribui no aperfeiçoamento da organização urbanística municipal por meio da implementação da Política Urbana do Estatuto das Cidades. Possui, ainda, como objetivos específicos: conhecer a Política Urbana, seus instrumentos e o Estatuto da Cidade; Compreender o Direito Real de Superfície e Refletir sobre a contribuição do Direito Real de Superfície na organização urbanística municipal.
Para tal cumprir com os objetivos traçados, utilizou-se da metodologia de pesquisa bibliográfica, através da revisão de literatura, artigos e dados que se encaixem ao tema abordado, possui caráter descritivo e natureza qualitativa por meio da abordagem objetiva e sistemática. Com os resultados obtidos se realizou uma sincronia de dados e se buscou responder o problema levantado.
O presente estudo foi dividido em três itens principais que também se utilizou de subitens cujos títulos são: 1. O Direito Urbanístico, o Estatuto da Cidade e os instrumentos da Política Urbana. 2. O Direito Real de Superfície: Generalidades e Atualizações Jurídicas. 3. O Direito De Superfície como Instrumento de Organização Urbanística Municipal. 3.1 A importância da organização urbanística municipal.
No primeiro item se apresentará o Direito Urbanístico e suas múltiplas facetas, o Estatuto da Cidade e os instrumentos da Política Urbana em conjunto com estudos doutrinários que demonstre a importância da matéria e as suas legislações pertinentes, por meio de uma abordagem sistemática, objetiva e atualizada sobre o tema desta pesquisa e o problema levantado.
No segundo item se compreenderá o Direito Real de Superfície por meio da demonstração de suas generalidades e atualizações jurídicas. Para isso, neste item foi utilizada a revisão de literatura de estudos doutrinários e dados atualizados cujos aspectos foram previamente selecionados em cotejo com o Direito Civil, Constitucional e a subsunção de tais dados com o Direito Urbanístico.
De semelhante modo, no terceiro item desta pesquisa se refletiu como o Direito Real de Superfície, um dos instrumentos da Política Urbana elencado no Estatuto da Cidade contribui para a organização urbanística municipal. Utilizou-se o subitem sobre a importância da organização urbanística municipal com dados e estudos doutrinários que colaborem com o tema.
Por fim, resta respondida a pergunta apresentada diante da fundamentação teórica que baseia os itens deste estudo confirmando que o Direito Real de Superfície contribui como instrumento da Política Urbana, advindo do Estatuto da Cidade – Lei n.º 10.257/2001 - para a organização urbanística municipal diante de sua devida importância para o desenvolvimento das cidades brasileiras.
1. O DIREITO URBANÍSTICO, O ESTATUTO DA CIDADE E OS INSTRUMENTOS DA POLITÍCA URBANA.
O Direito Urbanístico surgiu através de uma inquietude por respostas jurídicas para os problemas urbanos que foram surgindo ao longo dos anos com desenvolvimento das relações humanas e o surgimento das cidades que se formaram. Esses anseios locais denominaram, conforme as palavras de Hely Lopes Meirelles (2014, p. 493) em um “ramo do direito público que é destinado ao estudo e a formulação dos princípios e normas que devem reger os espaços habitáveis, no seu conjunto cidade-campo”.
O objetivo desta ciência jurídica engloba “ajustar e organizar o meio ambiente urbano, regulando a atividade urbanística, ordenando todo o território urbano onde as pessoas vivem” (FRANCISCO; GOLDFINGER, p. 18, 2017). Logo, a concepção do conceito jurídico atualmente perpassa por diversas nuances, sendo complexo seu conceito final. Todavia, traduz Kiyoshi Harada (2021, p. 23) que:
Tendo em vista as disposições constitucionais e infraconstitucionais, concernentes à política de desenvolvimento urbano, podemos conceituar, sinteticamente, o Direito Urbanístico como ramo do direito público, que tem por objeto normas e atos que restringem o exercício do direito de propriedade, para assegurar o desenvolvimento ordenado da cidade, regulando os espaços habitáveis, buscando harmonizar o interesse do proprietário urbano com a preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, de sorte assegurar o bem-estar de seus habitantes (HARADA, 2021, p. 23).
Possui como objetivos o ajuste e a organização do meio ambiente urbano, regendo as relações urbanísticas onde há uma organização legal do território habitável para que todos vivam em conformidade com os princípios constitucionais vigentes. Em resumo, o objeto dessa ciência é toda e qualquer lei que discipline o planejamento urbano, criando até instrumentos capazes de organizar os espaços das cidades, a ocupação do solo urbano e a intervenção estatal urbanística.
José Afonso da Silva (2010, p. 45) relata princípios do Direito Urbanístico: Princípio de que o urbanismo é uma junção pública; Princípio da conformação da propriedade urbana; Princípio da coesão dinâmica das normas urbanísticas; Princípio da afetação das mais valias ao custo da urbanificação e princípio da justa distribuição dos benefícios e ônus derivados da atuação urbanística.
O princípio de que o urbanismo é uma junção pública fornece ao Direito Urbanístico a característica de instrumento normativo pelo qual o Poder Publico pode atuar no meio social e também no domínio privado, ao passo que pode ordenar a realidade do interesse coletivo em cotejo com o princípio da legalidade.
Já o princípio da conformação da propriedade urbana se traduz nas normas de ordenação urbanística, ao qual deve existir uma adequação da propriedade com o arcabouço jurídico sobre a organização urbanística. Por sua vez, o princípio da coesão dinâmica das normas urbanísticas possui sua eficácia também no conjunto de normas e procedimentos administrativos em conjunto.
O princípio da afetação das mais-valias ao custo da urbanificação narra que os “proprietários dos terrenos devem satisfazer os gastos da urbanificação, dentro dos limites do benefício dela decorrente para eles, como compensação pela melhoria das condições de edificabilidade que dela derivam para seus lotes” (FRANCISCO; GOLDFINGER, 2017, p. 18).
Com o princípio da justa contribuição dos benefícios e ônus derivados da atuação urbanística, o qual possui similaridade com o princípio administrativo da isonomia, assevera que na medida em que todos têm o direito ao bônus das melhorias também arcarão com os ônus do Direito Urbanístico, sendo os proprietários contemplados por tal princípio na medida de suas possibilidades.
A necessidade de intervenção jurídica aos problemas urbanos existentes também criou o Estatuto da Cidade – Lei n.° 10.257 de 2001 – cuja vigência trouxe a reforma urbana, tornando-se o instrumento mais completo de ordem pública e que respeite o interesse social no que tange a propriedade urbana. Com o Estatuto da Cidade surge a Política Urbana com o intuito de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana.
O Direito Urbanístico possui caráter multidisciplinar abrangendo diversos ramos do Direito. Todavia, os princípios do Estatuto da Cidade refletem o processo de constitucionalização do Direito Urbanístico, ao passo que demonstra a real importância da matéria diante do cenário de necessidades para promoção da função social da propriedade em aspecto individual e das funções da propriedade urbana em caráter coletivo com ênfase aos direito e garantias individuais.
Esse avanço legislativo da temática permite concluir que pela primeira vez a uma Constituição Brasileira destina um capítulo para tratar sobre os objetivos da Política Urbana, os quais se traduzem em melhorar e organizar a vida em sociedade em seus diversos aspectos, influenciando diretamente no bem-estar social. Assim, os objetivos da Política Urbana são consequência do processo de constitucionalização do Direito Urbanístico, resumidos no princípio da função social da cidade e da propriedade urbana. Sobre os objetivos da Política Urbana, assevera Francisco e Goldfinger (2017, p. 21):
O desenvolvimento das funções sociais de uma cidade representa o implemento de diversas ações e execuções de programas relacionadas à industria, à educação, ao ensino, ao transporte, à assistência médica etc., proporcionar e garantir o bem-estar do cidadão. Por sua vez, a função social da propriedade urbana, consiste na adequação da propriedade à uma ordem urbanística implementada pelo plano diretor. Há que se adequar o exercício do direito de propriedade, pois deixou-se de possuir um direito absoluto e intangível como épocas passadas, de modo que o direito de propriedade deve atender a sua função social (FRANCISCO; GOLDFINGER, 2017, p. 21).
Para tal desenvolvimento, há diretrizes gerais que dão norte aos administradores e legisladores no Estatuto da Cidade, pois concretiza os objetivos gerais a Política Urbana. São cinco hipóteses de diretrizes “jurídicas, sociais, relativas ao solo urbano, governamentais e econômico-financeiras” (CARVALHO FILHO, 2013, p. 32). Essas revelam os fins em que foi criada a Política Urbana e devem ser cumpridas diante da atividade do Poder Público.
As diretrizes governamentais se baseiam na atuação do Poder Público em iniciativa direta, ou seja, é no planejamento do desenvolvimento das cidades, na distribuição espacial da população e nas atividades econômicas municipais ou de sua influência. Corrige e evita as distorções de crescimento urbano, colaborando para diminuir ou até zerar os impactos ambientais negativo.
Também pode ser observada na oferta dos equipamentos urbanos e no sistema operacional de direitos da população em serviços públicos. Observa-se, ainda, nas atividades urbanas de complementação e desenvolvimento socioeconômico do município, na concessão dos limites da sustentabilidade ambiental, social e econômica, visando também à cultura e as necessidades locais.
Já as diretrizes sociais visam o benefício direto da sociedade em participação no processo de urbanização através da garantia do direito a cidades sustentáveis, à moradia, ao saneamento básico e ambiental, à infraestrutura urbana, transporte e serviços públicos ofertados sem quaisquer distinções, seja para a sociedade presente ou as futuras gerações.
Por sua vez, as diretrizes econômico-financeiras se pautam nos recursos e investimentos para fins de urbanização, podendo ser constado nesta descrição a adequação dos instrumentos da política economia, tributária e fiscal para financiamento dos gastos públicos com os objetivos do desenvolvimento urbano cuja obrigação é do Poder Público.
As diretrizes relativas ao solo urbano fazem referência aos instrumentos destinados ao processo de uso e ocupação do solo urbano, sendo divididas em controle e ordenação dessa aplicação. No tocante ao controle, visa-se usar instrumentos capazes de evitar a utilização inadequada dos imóveis urbanos, uso excessivo ou inadequado que prejudique a infraestrutura urbana local e instalação de empreendimentos capazes de gerar algum dano ao pleno funcionamento e desenvolvimento da cidade. Também se inclui nesta categoria de diretrizes a regularização fundiária.
As diretrizes jurídicas são caracterizadas pela “simplificação da legislação do parcelamento, uso e ocupação do solo e das normas edilícias, com vistas a permitir a redução dos custos e o aumento da oferta dos lotes e unidade ocupacionais” (FRANCISCO; GOLDFINGER, 2017, p. 26), abrangendo todas as leis e atos que estão no tocante a atuação em geral das normas jurídicas.
Com o devido cumprimento de políticas públicas capazes de ordenar o desenvolvimento das diretrizes gerais de atuação dos objetivos da Política Urbana, o cidadão pode perceber a atuação do Poder Público Municipal, na certeza de que haverá uma atenção especial a parte urbanística da cidade em que vive. Mas, para que haja a devida aplicação dessa Política, o próprio Estatuto da Cidade orientou o uso de instrumentos que possam alcançar os objetivos da Política Urbana. Estes se subdividem em gerais e específicos que podem ser conceituados como os que atendem a utilidade de todas as cidades e os que atendem de forma particular.
O Estatuto da Cidade possui como instrumentos a disposição para a aplicação da Política Urbana: os planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social; planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões; planejamento municipal; institutos tributários e financeiros; institutos jurídicos e políticos; Estudo Prévio de Impacto Ambiental e o Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança.
Diante disso, delineado as linhas gerais sobre a temática, passa-se a compreensão do uso de um desses instrumentos da Política Urbana está elencado no artigo 4º, V, “L” do Estatuto da Cidade: o Direito de Superfície. Mecanismo jurídico que visa utilização dos imóveis em prol do bem coletivo com aspectos relevantes a proteção ambiental e intuito visionário da política urbana.
2. O DIREITO DE SUPERFÍCIE: GENERALIDADES E ATUALIZAÇÕES JURIDÍCAS.
O Direito de Superfície, também conhecido como Direito Real de Superfície é um dos instrumentos de aplicação da Política Urbana trazida pelo Estatuto da Cidade com ênfase ao bem-estar coletivo e a garantia ao direito à propriedade, elementos básicos que constituem um dos direitos fundamentais da pessoa humana, disponíveis na Constituição Federal de 1988.
Há a confusão de entendimento deste tema, pois o Direito Real de Superfície ressurgiu no sistema de leis brasileiras através do Estatuto da Cidade (Lei n.° 10.257 de 2001), o que anteriormente era confundido com a enfiteuse. Mas, com limitações apenas para os imóveis urbanos e, posteriormente, no Código Civil de 2002 havendo haja vista que as questões sobre propriedades rurais foram delimitadas no Código Civil vigente. Sobre isto assevera GONÇALVES (2019, p. 453):
Não se aplica à hipótese, com efeito, o princípio da especialidade, segundo o qual Lex specialis derrogat legi genereli quando disciplinar, de forma diversa, o mesmo assunto. Ocorre a revogação tácita quando a lei nova, de caráter amplo e geral, passa a regular inteiramente a matéria versada na lei anterior, vindo a lei revogadora, neste caso, substituir inteiramente a antiga. Desse modo, se toda uma matéria é submetida à nova regulamentação, desaparece inteiramente a lei anterior que tratava do mesmo assunto. (GOLÇALVES, 2019, p. 453)
Portanto, sobre direito de superfície o Código Civil de 2002 é a única legislação que prever sobre esse instituto no âmbito das relações particulares. Todavia, é importante ressaltar que há uma diferença sobre as relações entre os particulares e o caráter público deste instituto. Segundo Francisco e Goldfinger (2017, p. 74) se faz necessário o conhecimento prévio do viés em que se estuda esse instituto:
O direito de superfície previsto no Código Civil possui um enfoque no âmbito privado, estabelecendo um mecanismo para pessoas físicas e empresas estabelecerem negócios jurídicos mais flexíveis e que permitam a melhor utilização da propriedade. Já o direito de superfície previsto no Estatuto da Cidade possui como objetivo primordial as políticas urbanas, buscando a utilização da propriedade em prol de um bem coletivo, da segurança e do bem-estar do cidadão, além da busca de um equilíbrio ambiental. [...] Predomina o entendimento que ambas as legislações possuem a aplicação quanto às regras do direito de superfície (FRANCISCO; GOLDFINGER, 2017, p. 74).
Assim, para fins de Política Urbana – objeto desse estudo – ambas as legislações estão vigentes, pois uma possui a finalidade diferente da outra. Nesse sentido a orientação aprovada pela I Jornada de Direito Civil em seu Enunciado 93 alega que “as normas previstas no Código Civil, regulando o direito de superfície, não revogam [...] as constantes no Estatuto da Cidade, por ser um instrumento de política urbana”. Finda essa necessária discussão, deve-se compreender o que venha a ser esse instituto.
O Direito Real de Superfície, de semelhante modo tratado tanto no Estatuto quanto no Código Civil vigente, é o ato de conceder a outrem o uso da propriedade para fins próprios como plantação e construção. Quando utilizado como instrumento de Política Urbana, o proprietário pode ceder por tempo determinado ou indeterminado sua propriedade para fins urbanísticos mediante anotação no Cartório de Registros de Imóveis, conforme dispõe o artigo 21 do Estatuto da Cidade:
Art. 21. O proprietário urbano poderá conceder a outrem o direito de superfície do seu terreno, por tempo determinado ou indeterminado, mediante escritura pública registrada no cartório de registro de imóveis.
§ 1o O direito de superfície abrange o direito de utilizar o solo, o subsolo ou o espaço aéreo relativo ao terreno, na forma estabelecida no contrato respectivo, atendida a legislação urbanística.
§ 2o A concessão do direito de superfície poderá ser gratuita ou onerosa.
§ 3o O superficiário responderá integralmente pelos encargos e tributos que incidirem sobre a propriedade superficiária, arcando, ainda, proporcionalmente à sua parcela de ocupação efetiva, com os encargos e tributos sobre a área objeto da concessão do direito de superfície, salvo disposição em contrário do contrato respectivo.
§ 4o O direito de superfície pode ser transferido a terceiros, obedecidos os termos do contrato respectivo.
§ 5o Por morte do superficiário, os seus direitos transmitem-se a seus herdeiros.
Esse direito abrange também a utilização do solo, do subsolo e do espaço aéreo conforme permissão da legislação urbanística, haja vista o que dispõe no artigo 21, §1, do Estatuto da Cidade. Também é importante ressaltar que não há limitações quanto às concessões, podendo ser acertado entre as parte as concessões mistas que abrangem cumulativamente o plantar e construir. De semelhante modo, a legislação em comento permite que essa concessão de direito seja gratuita ou onerosa, nos termos do artigo 21, §2° do Estatuto da Cidade.
É gratuito o Direito Real de Superfície quando não estipulado a onerosidade, e esta é estipulada sobre as participações nos frutos da superfície. De acordo com a legislação urbanística, nos termos do artigo 21, §3°, cabe ao superficiário – aquele que está atuando ativamente no imóvel, mas não é o proprietário - pagamento dos encargos e tributos, e, na hipótese do não pagamento cabe ao concedente – aquele que concede a propriedade para o uso do superficiário – o pagamento destes.
Além disso, o Direito Real de Superfície pode ser transferido a terceiros, respeitado o direito a preferência. Também deixa de existir o referido instituto com o advento do termo de contrato registrado no Cartório de Imóveis ou por descumprimento das obrigações contratuais assumidas pelo superficiário. Assim, o simples fato de conceder a terra para fins urbanísticos ao superficiário, não permite que este use da forma como quiser a coisa, mas que esteja atrelado aquilo que foi pactuado entre as partes sob pena de extinção do direito de superfície, o que também será averbado no Cartório de Registro de Imóveis. Sobre algumas limitações deste uso, afirma Francisco e Goldfinger (2017, p. 76) que:
O Estatuto da Cidade não esclarece se o direito de superfície se refere apenas as construções e plantações a serem feitas, ou também a construções e plantações previamente existentes, denominadas pela doutrina de superfície por cisão. O Estatuto da Cidade admite a superfície por cisão, na medida em que a lei não limita a concessão de superfície, além do que pode-se, para a hipótese, admitir a superfície por cisão em razão do princípio da tipicidade elástica dos direitos reais [...]. Já a formação de uma subsuperfície, em razão da omissão legal, não é admitida. Ademais, a superfície não é propriedade para instituir outra superfície a partir dela (FRANCISCO; GOLDFINGER, 2017, p. 76).
Diante desta celeuma jurídica, não pode as partes envolvidas no negócio jurídico da concessão do Direito Real de Superfície agir diante daquilo que a lei permite com a aplicação das leis civis e o respeito aquilo que a lei especifica traduz. Neste aspecto há entendimentos jurisprudenciais sobre o Direito de Superfície que precisa ser citados, dentre eles a decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais em sede de apelação cível:
EMENTA: CONCESSÃO DE DIREITO DE SUPERFICIE – INADIMPLEMENTO DO SUPERFICIÁRIO – BENFEITORIAS – AUSENCIA DE PREVISÃO. O art. 23 do Estatuto da Cidade dispõe que o direito de uso superfície pode ser extinto pelo advento do termo e pelo descumprimento das obrigações contratuais assumidas pelo superficiário. Extinta a concessão do direito de superfície, o proprietário passa a ter a propriedade plena do bem, independentemente de indenização, salvo se as partes não estipulares o contrário (Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJ-MG – Apelação Cível: AC XXXX-48.2014.8.13.0346, 14ª CAMARA CÍVEL. Relator Marco Aurelio Ferenzini).
Nesta perspectiva jurisprudencial se percebe que a concessão do Direito de Superfície respeita, nos limites legais, a vontade das partes que é legitimada com a inscrição no cartório da respectiva localização de inscrição do título do imóvel, para que se possa melhorar com o uso desse instrumento da política urbana a organização urbanística e distribuição da população.
A relação desse instrumento com o Direito Urbanístico demonstra que este pode compactuar com as possibilidades de melhoria da cidade diante do cenário dos avanços e do progresso que com os anos surgem nas cidades brasileiras. É importante salientar que, embora haja a concordância das vontades dos envolvidos se faz necessário que ambos compreendem que o Direito Real de Superfície é um mecanismo de melhoria do planejamento dando destinação útil ao imóvel. Afirma Kiyoshi Harada (2021, p. 52)
Para uma cidade, que cresceu sem planejamento ao longo do tempo, é preciso corrigir as distorções existentes de forma paulatina e por meios de mecanismos indiretos, sem afrontar os princípios basilares que dizem respeito aos direitos e garantias fundamentais, dentre os quais os direitos adquiridos e os atos jurídicos perfeitos (HARADA, 2021, p. 52).
Por esta razão, o Direito real de Superfície é um dos instrumentos jurídicos de concretização municipal da política urbana, sendo ainda respaldado com o Código Civil na atenuação e expansão dos limites da aplicação desse instituto jurídico. Em recurso provido, em sede de agravo de instrumento, há a pacificação de que este instrumento não compactua com os débitos atrelados ao uso do local, sendo sobre o direito de superfície de produzir ou construir:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. DIREITO REAL DE SUPERFICIE. Liminar suspensa. Determinação para suspensão do processo, diante do deferimento do processamento da recuperação judicial da empresa agravada. Irresignação da recorrente. Elementos suficientes para cumprimento do mandado de reintegração de posse. O deferimento da recuperação judicial não é motivo para suspender o curso da ação. Autora que visa tão somente a retomada do imóvel, inexistindo cobrança dos débitos atrelados ao uso do local. Decisão reformada. RECURSO PROVIDO (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – TJSP – Agravo de instrumento nº.: 213363031.2017.8.26.0000, Julgado em 04 de setembro de 2017, Relator Afonso Bráz).
Todavia, pouco se tem conhecido acerca do uso desse Direito ou reconhecido como um negócio jurídico para promoção da Política Urbana nos Municípios, restringindo-se a questões de cunho particular. A natureza peculiar sobre esse instrumento jurídico demonstra seu caráter real de forma autônoma sendo possível sua utilização para fins de Administração Pública quanto para as questões particulares predominantes na jurisprudência nacional. Sobre isso, afirma Farias e Rosenvald (2022, p. 693):
Em virtude da omissão do Estatuto da Cidade e do Código Civil quanto à natureza jurídica do modelo, repercute-se na doutrina uma polêmica. Seria o direito real de superfície uma verdadeira propriedade ou um direito real em coisa alheia? A resposta é: ambos. O direito de superfície é um direito real sobre coisa alheia(lote ou gleba), pois sua formação resulta de uma concessão do titular da propriedade para fins de futura edificação (sobre ou sob o solo) ou plantação, que, quando concretizada pelo superficiário (concessionário), converterá o direito inicialmente incorpóreo, em um bem materialmente autônomo à propriedade do solo do concedente (FARIAS; ROSENVALD, 2022, p. 693).
Assim, pode-se concluir que o Direito de Superfície possui natureza de direito real atingindo diretamente as partes envolvidas sob o aspecto da propriedade e, ao mesmo tempo, agindo na organização urbanística municipal e bem-estar coletivo.
3. O DIREITO REAL DE SUPERFÍCIE COMO INSTRUMENTO DE ORGANIZAÇÃO URBANÍSTICA MUNICIPAL.
Tecidos os comentários pertinentes sobre as linhas gerais do Direito de Superfície, passa-se a analise deste como instrumento da Política Urbana atuante na organização urbanística municipal, Logo, enquanto um mecanismo do sistema urbano através da concessão do uso da coisa, este serve de aparato para melhor organização do espaço urbano municipal. GONÇALVES (2019, p. 454) afirma:
Pelo novo instituto, uma pessoa cujo terreno não seja apropriado para a construção que pretende erigir pode, por exemplo, permutar o uso do solo temporariamente, mantendo a propriedade deste, com outra pessoa que possua terreno que atenda as suas necessidades, cedendo, por outro lado, a esta, que nele tem interesse, o direito de superfície de seu imóvel. Assim, o proprietário de um terreno localizado na zona central, próprio para a edificação de um prédio de escritórios, mas que deseja investir na construção e montagem de uma indústria pode permutar o uso do solo de seu imóvel com o de um terreno localizado na periferia da cidade cujo proprietário tem interesse de construir um prédio de escritórios. (GONÇALVES, 2019, p. 454)
Diante disso, ambas as partes saem ganhando, pois os interesses particulares são alcançados. Não somente os particulares se beneficiam com essa forma de “permuta”, mas o Poder Público Municipal também ganha na organização urbanística da cidade, pois não há desconformidades de estrutura seja ela na valorização dos imóveis quanto na estética da cidade. Logo todos com o uso do direito de superfície saem ganhando.
Para melhor compreensão basta pensar que com o uso do Direito real de Superfície, muitos bairros serão mais valorizados e terão seu devido planejamento, pois cada espaço urbano terá sua finalidade econômica. Assim, os bairros que são usados para áreas comerciais manterão essa função, enquanto que os demais que não “exigem” essa denominação serão designados para outros segmentos, sem que haja perda patrimonial aos particulares além de solucionar o problema das propriedades que não tem cumprido com a função social imposta pela lei.
O texto constitucional é claro ao auferir as propriedades a sua função social, por meio do artigo 5º, inciso XXIII, que “a propriedade atenderá a função social”, conferindo aos imóveis e seus respectivos proprietários o olhar humanizado a criação da sociedade diante dos direitos fundamentais e sob a ótica dos Direitos Humanos, por meio dos interesses sociais.
Assim, a propriedade seja ela rural ou urbana precisa atender o princípio da função social da propriedade para que haja um aproveitamento racional e adequado dos recursos naturais disponíveis, bem como do meio ambiente a qual o lote faz parte diante do cenário do uso do direito de propriedade, que se traduz nos verbos usar, dispor, reaver e gozar da coisa. O artigo 1228 do Código Civil de 2002 afirma:
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
§ 1o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.
§ 2o São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem.
§ 3o O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente.
§ 4o O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.
§ 5o No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores.
Neste sentido, qualquer ação ou omissão aos interesses sociais e ambientais geram o abuso do direito à propriedade passando a violar o principio da função social, o que acarreta aplicação de multas e até a perda da propriedade do imóvel. Com isso, a propriedade não é apenas um direito mas também se torna um dever de cumprir com a legislação vigente, não podendo o proprietário dispor de qualquer forma, devendo cumprir com as obrigações importas pela Constituição em vigor.
Sobre tal ponto, a natureza dos direitos reais, do qual o Direito de Superfície faz parte, perpassa pelo importante viés da coletividade, demonstrando que a propriedade precisa atuar em conjunto e em caráter individual em cotejo com os direitos e garantias fundamentais assegurado a todos os cidadãos conforme o artigo 5º, caput da Constituição Federal de 1988.
Afirma Farias e Rosenvald (2022, p. 30) que “o direito das coisas regula o poder do homem sobre certos bens suscetíveis de valor e os modos de sua utilização econômica [...] contornos modernamente definidos pelo princípio da função social”, o que significa dizer que o direito real passa a ser um ramo que cuida das funções econômicas sob a ótica constitucionalista do apreço ao coletivo. Neste sentido, assevera Figueiredo e Figueiredo (2022, p. 72) que:
De fato, é garantido o direito de propriedade. Significa isso dizer que a propriedade tem natureza de garantia, traduzindo um direito, fundamental. Ademais disso, esta propriedade atenderá a sua função social, sendo nítida a possibilidade de intervenção estatal para restringir a autonomia privada em situações nas quais o proprietário não a respeite. Tal se dá, por exemplo, por meio de normatizações de planos diretores, em grandes centros urbanos, os quais traduzem normas recheadas de regras que visam potencializar a função social dos imóveis e evitar o intuito meramente especulativo. A propriedade está funcionalizada em um interesse metaindividual, exógeno e social. O direito de propriedade não se justifica apenas para proteger, exclusivamente, o seu titular, mas também para realizar interesses de toda a sociedade. Em decorrência disso, o proprietário hoje sofrerá limitação jurídica de faculdades proprietárias, dantes absolutas (FIGUEIREDO; FIGUEIRIEDO, 2022, p. 72).
Logo, o princípio constitucional da função social impera nas relações particulares sobre a propriedade, sendo possível verificar a atuação direta do Poder Público diante da inobservância do mesmo, e, ainda, com fins assistenciais e preferenciais nos casos em que o interesse público se torna maior que o interesse individual do proprietário, o qual terá a justa indenização em casos de perda do bem imóvel e ainda colaborará com a organização urbanística da cidade a qual pertence.
O Direito de Superfície é a alternativa encontrada para que todos os imóveis possam cumprir com sua função social, além de embelezar mais a cidade através de sua organização urbanística. Assim, cumprindo com a função social o caráter individualista da propriedade é retirado passando a pensar em todo, dando a esta propriedade uma visão mais coerente e apropriada aos dias atuais, além é claro de ser uma medida de baixo custo.
Também não se pode deixar de citar que através do uso do Direito Real de Superfície como instrumento da Política Urbana, ganhou-se soluções para o problema agrário das invasões de terras no cenário nacional, pois evitaria a permanência de imóveis desocupados, os quais geram problemas sociais como o uso de terrenos baldios para prática de crimes violentos, crises habitacionais locais por falta de planejamento municipal, danos ambientais inevitáveis com a expansão territorial dos novos bairros entre outros. Afirma Zemuner e Oliveira (2020, p. 58):
Sendo assim, o parcelamento do solo com o direito de superfície pode ser explorado de diferentes formas, desde empreendimentos habitacionais de alto padrão, estabelecendo-se contratos que se perpetuem a superfície e com transferência de áreas comuns por alienação de frações ideais, até empreendimentos de baixo custo, viabilizando o acesso a terra com direito de superfície limitado, mas com longa duração, ao passo que uma administradora faz a gestão e cobra pelas áreas estabelecidas como comuns (ZEMUNER; OLIVEIRA, 2020, p. 58).
É importante salientar que o uso deste mecanismo da Política Urbana também oferece a quem interessar a oportunidade de investimento imobiliários através do aproveitamento das terras urbanas, desenvolvendo o Município e permitindo que seja cumpridos os objetivos da Política Urbana. Assim, com uma melhora atuação do Poder Público Municipal os particulares não terão mais com que se preocupar em como vão dá a devida destinação de suas propriedades urbanas, permitindo a possibilidade para os interessados investirem em seu lugar.
3.1 A IMPORTÂNCIA DA ORGANIZAÇÃO URBANÍSTICA MUNICIPAL
Conforme já visto neste estudo, os Municípios são dotados de gestão administrativa, autonomia e organização própria conferida pela Constituição Federal de 1988. Todavia, além das linhas iniciais dos Municípios a Constituição ainda confere as cidades por meio dos seus artigos 182 e 183, a competência de gerir e regulamentar o uso da propriedade urbana em face aos direitos de interesse coletivo, meio ambiente e ordenamento organizado. Afirma Libório e Júnior (2017):
O processo de democratização no país, tendo como marco institucional e legal a Constituição Brasileira de 1988, propiciou a organização de uma ordem legal urbana configurando o direito urbanístico brasileiro. A ordem legal urbana confere um papel preponderante ao Município como ente federativo para atuar no campo legislativo, administrativo e econômico na promoção das políticas de desenvolvimento urbano, no planejamento e ordenamento de uso e ocupação de seu território (urbano e rural), e na promoção de políticas públicas que propiciem o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade e do bem-estar de seus habitantes. Essa responsabilidade preponderante do Município não exclui de forma alguma as responsabilidades e competências da União e dos Estados para enfrentar os problemas urbanos (LIBÓRIO; JÚNIOR, 2017).
As cidades, diante disso, passa a serem competentes todas as prefeituras o disciplinamento e a fiscalização do uso e ocupação do solo urbano através da atuação nos processos de construção de imóveis, funcionamento dos estabelecimentos comerciais e atividades econômicas locais, instalação de indústrias e preservação de áreas da cidade em harmonia com a legislação urbanística municipal e o texto constitucional.
Isso significa que a organização urbanística municipal simboliza diversas nuances de atuação do Poder Público, impactando diretamente a população local diante das necessidades desta sociedade específica. Por isso, pensar na organização urbanística municipal tem sua importância, pois perpassa por diversas esferas refletindo na vida das pessoas. A cidade, conforme Gomes (2022, p. 25) possui características precisam ser pensadas na organização urbanística:
A crise das cidades é provocada pela organização do espaço urbano pelo processo global de planificação. A função da cidade é servir principalmente de lugar de encontro (ao invés de simplesmente lugar onde se realizam trocas mercantis), ela só realiza suas funções sociais quando se transforma no lócus do encontro das diversidades (GOMES, 2022, p. 25).
Com isso, a organização urbanística municipal é de suma importância para o desenvolvimento das cidades, pois por meio dela são realizadas as funções sociais dos Municípios em conformidade com o princípio constitucional da Política Urbana que repensa toda a estrutura social e legal das cidades e seus respectivos progressos, sejam eles em diversas áreas. Deve ser compreendida como uma atuação direta do Poder Público diante da necessidade do desenvolvimento e aplicação das funções sociais na cidade. Segundo Libório e Júnior (2017):
O desenvolvimento das funções sociais da cidade, por ser interesse de todos os habitantes da cidade, se enquadra na categoria dos interesses difusos, pois todos os habitantes são afetados pelas atividades e funções desempenhadas nas cidades: proprietários, moradores, trabalhadores, comerciantes e migrantes têm como contingência habitar e usar um mesmo espaço territorial. Logo, a relação que se estabelece entre os sujeitos é com a cidade, que é um bem comum. O desenvolvimento das funções sociais da cidade através da política urbana significa a priorização de funções destinadas a combater e reduzir as desigualdades sociais e territoriais, a combater e eliminar a pobreza, a promover a justiça social, a satisfazer os direitos fundamentais das pessoas de terem condições de vida digna, como à moradia e um meio ambiente sadio. O pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade deve ser entendido como um interesse difuso de proteger e promover o direito à cidade (LIBÓRIO; JÚNIOR, 2017).
Assim, para assegurar essa organização urbanística e sua ligação com o pleno desenvolvimento das funções sociais da sociedade, há legitimidade conferida em ação na esfera administrativa que permite a todos que residem como cidadãos nesse perímetro territorial e suas múltiplas facetas a interposição de ação civil pública para combater quaisquer possíveis violações, conforme o artigo 53 do Estatuto da Cidade culminado com o artigo 1º da Lei n.º 7.347/1985.
Por isso, pensar na organização urbanística municipal no Brasil é tentar solucionar o impasse sobre proteger os bens tutelados coletivamente pela Constituição Federal de 1988 que traz o olhar humanizado em face aos problemas urbanos que interferem abertamente na promoção do progresso urbano. Acima de tudo, é compreender que pensar no desenvolvimento urbano em conjunto com uma cidade organizada permite aos seus habitantes o devido respeito aos Direitos Humanos, decorrendo de vários sistemas que em se juntam em uma só linguagem.
Cria-se, assim, um olhar humanizado para o progresso urbano sob óticas influentes como as concepções básicas: demográfica, econômica e de subsistemas, ofertando as cidades organização e combatem as desigualdades vivenciadas em vários aspectos, sendo um mecanismo de concretização dos direitos e garantias fundamentais e também de cumprimento dos fundamentos da sociedade brasileira.
CONCLUSÃO
Nos dias atuais, o Direito Real de Superfície pode ser usado para construção de prédios, plantações, criação de granjas, estacionamentos, e se ainda pensar em uma atuação pública pode ser utilizado e, conjuntos habitacionais, ofertando destino rentável aos imóveis urbanos cujos proprietários não possuem condições para tal construção, auxiliando no propósito dos interesses coletivos.
É notório que existem nos espaços urbanos propriedades subutilizadas ou até mesmo abandonadas. O imóvel que por restrições legais ou de mercado possuía a dificuldade de ter uma destinação, tem a possibilidade de através do uso deste instituto estabelecer um equilíbrio tanto para o Poder Público Municipal quanto para o particular. Diante desse problema estrutural do crescimento desordenado das cidades, buscar por uma solução passa ser uma necessidade social.
Assim, ambas as partes ganham com o uso do Direito Real de Superfície, pois de um lado tem o particular que tem a imposição legal de cumprir com a função social de sua propriedade, e, em caso negativo fica passível de sanções, e do outro lado tem o Poder Público que precisa cumprir com o seu papel de garantidor da Política Urbana para a promoção do progresso nas cidades.
Logo, não apenas visa o imóvel parado como um problema, mas criando soluções se pode perceber que através do uso desse instituto menos custoso para os envolvidos, gera-se renda, emprego e permite que esses benefícios retornem ao cidadão através de serviços públicos, permitindo que a máquina estatal local consiga satisfazer os anseios da sociedade local que é diretamente atingida.
Além disso, esse é um dos institutos arrolados no rol de instrumentos da Política Urbana que mais se aproxima das condições econômicas atuais, tendo em vista que não há o custo para o superficiário de comprar o imóvel, mas pode desenvolver seu projeto mesmo que em imóvel alheio, utilizando a renda necessária para investimentos naquilo que se tem em mente.
A vantagem também de estende ao concedente, pois este não ficar mais sujeito as sanções tributárias, como, por exemplo, o IPTU progressivo pelo tempo tendo em vista que já houve a destinação urbana cabível ao imóvel. Cedendo a propriedade para que se realize um investimento ou, até, para que um agricultor expanda suas plantações, permite que as terras atendam a Política Urbana, atendendo aos princípios básicos do planejamento participativo e a função social da propriedade.
No primeiro item deste estudo, pode-se conhecer sobre o Direito Urbanístico e suas nuances diante da falta de divulgação de tal ramo do Direito, com pauta nos estudos doutrinários que abordam sobre a temática em conjunto com o Estatuto da Cidade e a Política Urbana, por meio de seus instrumentos de implementação desta política nos Municípios brasileiros.
Por sua vez, no segundo item, compreendeu-se o instituto jurídico civil do Direito de Superfície, sua natureza e temática especifica em cotejo com o Direito Urbanístico, por meio da apresentação de estudos doutrinários, do uso de jurisprudências e possíveis respostas às celeumas jurídicas que pairam sobre esse instituto, utilizando-se de uma abordagem sistemática e progressiva.
No terceiro e último item, refletiu-se sobre o Direito Real de Superfície como instrumento da Política Urbana e demonstrou-se a sua contribuição no aperfeiçoamento da organização urbanística municipal por meio da consumação da Política Urbana do Estatuto das Cidades. Também, por meio de apresentação de estudos jurídicos, apresentou-se a importância da organização urbanística municipal para o desenvolvimento das funções sociais das cidades, sob as quais sem elas não se tem o respeito ao interesse coletivo que deve ser pensado de forma primordial aos interesses individuais, sejam eles em diversas esferas da sociedade.
Nesta perspectiva positiva do uso do instituto em comento, obteve-se como resultado desta pesquisa que o uso do Direito Real de Superfície beneficia todos os envolvidos, sejam eles os particulares a construir um contrato de concessão quanto ao Poder Público Municipal que pode ganhar com o investimento da destinação dos imóveis urbanos, sem prejuízo de gastos desnecessários. Ainda, contribui de forma eficaz, na organização urbanística das cidades brasileiras, criando e destinando imóveis que antes eram vistos como problemas urbanos, melhorando na estética, na área financeira e melhorando o bem-estar social urbano.
Portanto, diante do que até aqui foi exposto, podemos compreender que o direito real de superfície é um dos instrumentos da Política Urbana de menor custo, mas que soluciona grande parte dos problemas urbanos das cidades, através da destinação útil das propriedades que não possuem o devido atendimento da função social, permitindo que o cidadão possa encontrar uma resposta acessível e prática, contribuindo diretamente com a organização urbanística municipal cujos impactos se estendem a todos os setores da sociedade.
REFERÊNCIAS
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GOMES, Ana Maria Isar dos Santos. Direito urbanístico: uma análise crítica da produção doutrinária nacional. Belo Horizonte: Editora PUC Minas, 2022.
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Advogada, Mestranda em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA), pós-graduada em Direito Civil, Direito Notarial e Registral, Docência no Ensino Superior e Metodologias Ativas de Aprendizado, MBA em Gestão e Políticas Públicas Municipais e Finanças e Política Fiscal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Amanda Nicole Aguiar de. Dos Instrumentos da Política Urbana e o Estatuto da Cidade: O Direito Real de Superfície na Organização Urbanística Municipal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 abr 2023, 04:57. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/61309/dos-instrumentos-da-poltica-urbana-e-o-estatuto-da-cidade-o-direito-real-de-superfcie-na-organizao-urbanstica-municipal. Acesso em: 23 nov 2024.
Por: JAQUELINA LEITE DA SILVA MITRE
Por: Elisa Maria Ferreira da Silva
Por: Hannah Sayuri Kamogari Baldan
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