CAROLINA TUONI MATIAS[1]
(coautora)
RESUMO: O presente estudo tem como objetivo analisar a necessidade de o Superior Tribunal de Justiça observar a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes para a homologação de sentença arbitral estrangeira no Brasil. Para tanto, se analisará a utilização e o expoente crescimento da arbitragem no Brasil, bem como em todo o mundo, o que se dá graças às peculiaridades, maior flexibilização e tecnicidade nos procedimentos arbitrais. Também se analisará que, o que se abrange nos conceitos de soberania nacional, ordem pública e bons costumes para fins de internalização do decisum estrangeiro necessários para a homologação, a fim de impedir que haja incongruências com o sistema nacional. Assim, de acordo com o estudo realizado, será possível concluir que a tendência do ordenamento jurídico brasileiro é a de conhecer e executar as sentenças arbitrais estrangeiras no território nacional, contudo não se pode admitir que a Soberania Nacional, Ordem Pública e bons costumes sejam violados com a homologação da decisão sob análise, atuando tais elementos como limitadores desta homologação. Destaca-se que o método utilizado neste artigo foi o fenomenológico-hermenêutico, por privilegiar estudos teóricos e análise de documentos e textos.
PALAVRAS-CHAVE: Arbitragem; homologação de sentença arbitral estrangeira; soberania nacional; ordem pública; bons costumes.
IMPORTANCE OF SOVEREIGNTY, PUBLIC ORDER AND GOOD PRACTICE FOR THE RATIFICATION OF A FOREIGN ARBITRATION COURT DECISION
ABSTRACT: The purpose of this paper is to analyze the need, for the Superior Court of Justice, to observe national sovereignty, public order and good practice for the ratification of a foreign arbitration court decision in Brazil. For this purpose, it will be analyzed the use and exponent growth of arbitration in Brazil, as well in the whole world, what takes place thanks to the peculiarities, greater flexibility and technicality in arbitration procedures. It will also be analyzed that, what is included in the concepts for internalization of the foreign decisum, beyond the national sovereignty, public order and good practice, necessary for internalization of the foreign decisum, in order to preventing inconsistencies with the national system. According to the undertaking study it will be able to conclude that the Brazilian legal order tendency is to implement and perform the foreign arbitration court decisions in Brazil, however it’s not possible to admit decisions that are against national sovereignty, public order and good practice, which are limiting items for the internalization. The applied method in this paper was phenomenological and hermeneutical, by means of using theorical studies and documents/texts analysis.
KEYWORDS: Arbitration; ratification of a foreign arbitration court decision; national sovereignty; public order; good practice.
1. INTRODUÇÃO
A Arbitragem é forma extrajudicial de solucionar conflitos, cujas matérias arbitráveis são aquelas que se referem a direito patrimonial disponível, sendo o seu marco histórico no direito brasileiro a entrada em vigor da Lei 9.307/96[2]. A maior flexibilidade outorgada pela arbitragem, em relação aos processos judiciais, favorece debates mais técnicos e profundos, o que acaba por encerrar conflitos de forma mais interessante às Partes, notadamente quando se está diante de relações comerciais.
O Instituto, assim, vem ganhando amplo destaque e se tornando um instrumento habitual e de preferência por aqueles que desejam soluções breves e com bastante tecnicidade, ganhando extrema importância no Brasil, bem como no âmbito internacional.
Dentro desse contexto, é certo que a utilização mundial deste método de resolução de conflitos acaba fazendo com que sentenças arbitrais estrangeiras venham a ser executadas no Brasil e vice-e-versa. Contudo, a executoriedade só pode ocorrer após homologação pela justiça brasileira, a qual, no âmbito nacional é realizada pelo Superior Tribunal de Justiça, oportunidade em que a Corte deverá seguir algumas regras para tanto.
Especificamente no que diz respeito às disposições atinentes à arbitragem, a Lei 9.307/96, mais precisamente em seu artigo 35, dispõe que para que a sentença arbitral estrangeira seja reconhecida ou executada no Brasil basta que esta seja sujeitada à homologação do Superior Tribunal de Justiça. O artigo 38, do mesmo Diploma Legal, prevê os casos em que a homologação poderá ser negada.
Em suma, para análise das sentenças arbitrais, o Superior Tribunal de Justiça deverá verificar os elementos formais da decisão para que, então, possa internalizá-la no ordenamento jurídico brasileiro. Apesar disso, verifica-se que o Superior Tribunal de Justiça também deverá analisar se a outorga de eficácia e exequibilidade à sentença arbitral, nos termos em que foi prolatada, não se viola quaisquer dos preceitos da República Federativa do Brasil.
Assim, também é necessário de se considerar a existência de outros dispositivos que versam sobre o tema e deverão ser observados pela Corte Superior no momento em que for ser realizada a análise da sentença arbitral a ser homologada, como é o caso da própria Constituição Federal, do Código de Processo Civil e da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
Nesse contexto, será necessário observar a abrangência do conceito de ordem pública, soberania nacional e bons costumes, para fins de homologação da sentença arbitral estrangeira e a possibilidade de sua internalização no ordenamento jurídico brasileiro. É justamente nesse sentido que o artigo 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro prevê que não terão eficácia no Brasil as sentenças estrangeiras que ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.
Sobre o tema, é importante destacar que a tendência é, de fato, conhecer e executar as sentenças arbitrais estrangeiras no Brasil, contudo não se pode admitir que a Soberania Nacional, Ordem Pública e bons costumes cultural e moralmente aceitos no país sejam violados com a homologação e execução da decisão.
Esta análise deve se dar, de fato, caso a caso e não pode ser generalizada, notadamente pela arbitragem outorgar um escopo de maior liberdade para as partes, além do fato de ter o conceito de Soberania Nacional Ordem Pública e bons costumes uma amplitude bastante extensa.
Ou seja, mesmo sendo o dever da Col. Corte Superior homologar a sentença arbitral estrangeira, não se pode permitir que decisão em afronta ao ordenamento jurídico brasileiro como um todo seja internalizada e executada no Brasil.
E, com esta análise, será possível de responder quais as sentenças que, efetivamente, poderão ser internalizadas no ordenamento jurídico brasileiro. É o que o presente estudo pretende demonstrar.
2. O INSTITUTO DA ARBITRAGEM NO BRASIL
A Arbitragem é primordialmente reconhecida como forma de resolução de conflitos, por meio da qual as partes elegem um (ou mais de um), árbitro, para a resolução de uma lide. Conforme expõe a doutrina especializada[3], é o “meio alternativo de solução de controvérsias através da intervenção de uma ou mais pessoas que recebem seus poderes de uma convenção privada, decidindo com base nela, sem intervenção estatal, sendo a decisão destinada a assumir a mesma eficácia da sentença judicial”.
Ao explicar o instituto, a doutrina reconhece ser a arbitragem “vantajosa e adequada modalidade para a solução de controvérsias sobre direitos patrimoniais disponíveis, por meio da participação de uma ou mais pessoas (árbitros), que recebem poderes de uma convecção de arbitragem, decidindo com fundamento nesta, sem participação estatal, certo que a decisão tem, diante expressa previsão legal, os mesmos efeitos de uma sentença judicial”[4].
A arbitragem também se conceitua “como forma extrajudicial de solucionar conflitos de caráter patrimonial disponível” [5], sendo esta considerada “uma definição clássica e unânime albergada por todos os estudiosos do assunto”.
No que diz respeito ao direito brasileiro, o marco histórico sobre arbitragem é, sem dúvidas, a entrada em vigor da Lei 9.307/96. Muito se discutiu sobre a constitucionalidade da arbitragem, a qual, após amplo debate, foi reconhecida como sendo constitucional[6].
Desde então, a jurisdição privada em questão vem sendo utilizada de forma crescente no país, mas, apesar disso não são todos os temas que podem ser levados à jurisdição arbitral, entendendo-se como arbitráveis as questões de direito patrimoniais disponíveis. Referido conceito vem sendo analisado com cautela e de forma cada vez mais ampliada, sendo que atualmente já se aceita que diversas questões que discutam matérias envolvendo a administração pública e de direito de família, por exemplo, sejam levadas à arbitragem.
Ou seja, apesar de haver, de fato, um conjunto de matérias que são absolutamente inarbitráveis, isso não impede que as questões marginais a estas sejam levadas à arbitragem, como é o caso, por exemplo, de questões de direito de família que são puramente de direito patrimonial disponível. Nesse sentido, é de se destacar o quanto expõe a doutrina[7]:
“Os exemplos da arbitragem envolvendo interesses de entes estatais e direitos dos trabalhadores demonstra que a tendência observada nos últimos anos no Brasil, assim como em outros países, tem sido a progressiva ampliação dos limites da arbitrabilidade objetiva, sem prejuízo de existirem pontuais retrocessos e ainda muitas incertezas nas chamadas matérias sensíveis, já referidas no início do presente estudo. Além dos dois exemplos destacados nos itens anteriores, a doutrina nacional tem também discutido o espaço da arbitragem em outras matérias, como no direito falimentar e até no direito tributário, embora ainda seja cedo para apontar conclusões definitivas. A evolução da arbitrabilidade objetiva no país cria, assim, as condições para que se possa discutir a viabilidade da arbitragem em outras áreas ainda inexploradas.”
Superada a questão da arbitrabilidade da matéria, as partes podem livremente convencionar se determinada relação jurídica será encaminhada ao Poder Judiciário ou à jurisdição privada em caso de litigiosidade. Entende-se que essa liberdade das partes em convencionar a jurisdição outorga ao instituto uma natureza mista – conceito este que também gera controvérsias[8], mas que se utilizará de premissa neste artigo -, viabilizando que as Partes possuam uma maior flexibilidade nas regras do procedimento como um todo.
Assim, em razão da “parcela” contratual da arbitragem (apesar de suas diversas características inegavelmente jurisdicionais), as Partes possuem uma maior autonomia de vontade no que diz respeito ao procedimento, à matéria discutida, à legislação aplicada, entre outras questões que influenciará diretamente no conteúdo da sentença arbitral a ser prolatada.
Ou seja, é outorgada às Partes uma maior liberdade, sendo comum a fixação de regras que não são observadas perante o Poder Judiciário, inclusive com a instauração de Procedimentos Arbitrais julgados por equidade, por exemplo, o que acaba por favorecer debates mais técnicos e profundos e encerrar conflitos de forma mais interessante às Partes, notadamente quando se está diante de relações comerciais.
A doutrina[9] expõe como algumas das vantagens da arbitragem a (i) celeridade; (ii) forma de tratamento da lide; (iii) escolha do árbitro especializado; (iv) flexibilidade procedimental; (v) possibilidade de confidencialidade; (vi) redução de custos – questão que, contudo, parece ser controversa.
Dentro desse contexto, explica-se que a utilização da arbitragem é, justamente, “uma maior eficiência, entendendo-se esta como rapidez, especialidade, sigilo e efetividade, ou seja, um mecanismo que ofereça às partes todos esses atributos, com plena segurança jurídica”[10].
A Arbitragem, assim, vem ganhando amplo destaque e está se tornando, cada vez mais, um instrumento habitual e de preferência por aqueles que desejam soluções breves e com bastante tecnicidade, mas, talvez, essa ampla “liberdade” possa acabar por gerar sentenças que talvez se mostrem inexequíveis no âmbito nacional se se considerar aquelas prolatadas em territórios estrangeiros e com aplicação de legislação alienígena.
3. O CRESCIMENTO DA ARBITRAGEM NO BRASIL E NO MUNDO
A origem da arbitragem remonta desde a antiguidade e a sua aplicação se encontra em franco crescimento nos dias atuais, em diversos locais do globo. Dentre os países que mais utilizam a arbitragem como solução de controvérsia, se destacam países como Estados Unidos e França.
Apesar de se tratar de um meio bastante custoso, o Brasil também passou a receber destaque na utilização da arbitragem para a solução das controvérsias, sendo cada vez mais comum no dia-a-dia dos operadores do direito e daqueles que se encontram diante de um conflito, principalmente aqueles que possuem objetos complexos e de grande vulto.
De acordo com pesquisa realizada pela i. jurista e árbitra Dra. Selma Ferreira Lemes, nome de destaque no meio, é possível constatar um aumento sensível no número de Procedimentos Arbitrais, inclusive naqueles envolvendo a administração pública. Demonstra-se que em 2019 apurou-se um aumento de quase 20% (vinte por cento) de participação de árbitros estrangeiros em arbitragens com partes brasileiras na CCI (Câmara de Comércio Internacional), em relação ao ano anterior, o que seria justificado pelo aumento de contratos internacionais[11].
Tal constatação é capaz de indicar, então, que a arbitragem no Brasil também passa a estar cada vez mais vinculada a outras culturas e a outros países, sendo instituto que vem ganhando extrema força no Brasil e no mundo. Isso corrobora a força da jurisdição privada em questão e a conexão dos procedimentos arbitrais realizados dentro e fora do país, o que acaba fazendo com que sentenças arbitrais estrangeiras venham a ser executadas no Brasil e vice-e-versa.
4. AS SENTENÇAS ARBITRAIS ESTRANGEIRAS
Como dito, a “internacionalização” da arbitragem e seu crescente desenvolvimento em diversos países acabam fazendo com que sentenças arbitrais estrangeiras venham a ser executadas no Brasil, gerando a necessidade de análise e validação formal do decisum, competência esta que atualmente é outorgada ao Superior Tribunal de Justiça.
Para fins deste estudo, é importante destacar que a doutrina distingue a arbitragem interna da internacional, sendo possível de se adotar diversos critérios para tanto, tais como localização das partes, sede do Tribunal Arbitral, natureza do negócio. Essa discussão varia, inclusive, entre países[12], mas foi outorgada solução pela Lei Modelo sobre Arbitragem da Uncitral, a qual estabelece a vontade das partes como fundamento para escolha da nacionalidade da sentença[13] [14].
Em que pese o conceito de “arbitragem internacional” possa adotar critérios variantes para sua caracterização, fato é que quando se está diante da necessidade de reconhecimento de uma sentença arbitral estrangeira no Brasil, o critério utilizado é o local da sede do Tribunal que a prolatou[15][16].
Aliás, conforme preceitua o artigo 34 da Lei 9.307/96, parágrafo único, é considerada sentença arbitral estrangeira aquela que seja proferida fora do território nacional.
Ultrapassada a questão conceitual, é necessário de analisar a adequada aplicação do direito brasileiro para sentenças que tenham sido prolatadas em países estrangeiros.
Conforme explica a doutrina[17], não há maiores dúvidas quanto às arbitragens internas, ou domésticas, no que diz respeito à aplicação das normas pátrias do Estado em que esta ocorre. Contudo, se se considerar a arbitragem internacional ou estrangeira haveria que se observar a conceituação diversa que é outorgada pela teoria monista ou dualista, sendo a monista a adotada pelo Brasil.[18].
Apenas para que se entenda esta distinção, o monismo “consagra a ideia, defendida inicialmente por Hans Kelsen, na sua Teoria pura do direito, de que direito internacional e direito interno estão presentes dentro de um mesmo plano, [Sistema] no qual há a primazia do Direito Internacional sobre o Direito Interno.” [19].
Apesar dessa visão, “[d]erivado da teoria monista e criado pelo discípulo de Kelsen, Alfred Verdross, está o monismo ‘moderado’”. Este monismo moderado reconhece que “as normas de direito internacional devem ser o fundamento do direito interno, mas não devem contrariar a Constituição do Estado.” e, deste modo, “as normas de direito internacional deveriam respeitar a Constituição e o juiz deve aplicar as normas de direito interno e de direito internacional conforme o disposto na Constituição.”.
E, assim sendo, a posição do Brasil seria monista, porque admite o conflito entre normas de direito interno e estrangeiro, mas seria o monismo de forma moderada.
Seja como for, é certo que o ordenamento jurídico determina que a sentença arbitral estrangeira seja primeiro reconhecida para posteriormente ser executada no Brasil, sendo que o regramento para sua homologação se encontra esparso, desde disposições contidas na própria Constituição Federal, até em normas infraconstitucionais.
Tem-se, assim, os artigos 105, I, i, da Constituição Federal, artigos 960 e s/s do Código de Processo Civil, além de ser necessária a observação das disposições contidas na da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, o que será objeto de análise específica no tópico seguinte.
Ainda, especificamente no que diz respeito às disposições atinentes à arbitragem, a Lei 9.307/96, mais precisamente em seu artigo 35, dispõe que para que a sentença arbitral estrangeira seja reconhecida ou executada no Brasil basta que esta seja sujeitada à homologação do Superior Tribunal de Justiça.
O artigo 38 do mesmo Diploma Legal, por outro lado, prevê as hipóteses em que a homologação poderá ser negada, sendo esses casos os seguintes:
“I - as partes na convenção de arbitragem eram incapazes; II - a convenção de arbitragem não era válida segundo a lei à qual as partes a submeteram, ou, na falta de indicação, em virtude da lei do país onde a sentença arbitral foi proferida; III - não foi notificado da designação do árbitro ou do procedimento de arbitragem, ou tenha sido violado o princípio do contraditório, impossibilitando a ampla defesa; IV - a sentença arbitral foi proferida fora dos limites da convenção de arbitragem, e não foi possível separar a parte excedente daquela submetida à arbitragem; V - a instituição da arbitragem não está de acordo com o compromisso arbitral ou cláusula compromissória; VI - a sentença arbitral não se tenha, ainda, tornado obrigatória para as partes, tenha sido anulada, ou, ainda, tenha sido suspensa por órgão judicial do país onde a sentença arbitral for prolatada.”
Também não se pode olvidar que o Brasil ratificou à Convenção de Nova Iorque[20] e deve respeitar igualmente os seus preceitos, no que diz respeito ao tema, a qual, no mesmo sentido da Lei de Arbitragem acima transcrita, em seu artigo V, também noticia hipóteses em que a sentença arbitral estrangeira poderá não ser reconhecida[21].
Dentro desse contexto, verificando a redação do artigo 38 da Lei 9.307/96 (acima transcrito) e do artigo V da Convenção de Nova Iorque, é possível reconhecer que o Superior Tribunal de Justiça deverá analisar os elementos formais da sentença arbitral estrangeira, para que, então, possa internalizá-la no ordenamento jurídico brasileiro.
Por outro lado, ao tratar das sentenças estrangeiras, o artigo 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro veda sua eficácia quando ofenderem a Soberania Nacional, Ordem Pública e bons costumes. Contudo, referido dispositivo não faz referência expressa às sentenças arbitrais internacionais, de modo que não é claro sua aplicação para esses casos.
5. A HOMOLOGAÇÃO DA SENTENÇA ARBITRAL ESTRANGEIRA E A SOBERANIA NACIONAL, ORDEM PÚBLICA E BONS COSTUMES
Para que se viabilize a entrada de uma sentença arbitral estrangeira, em que pese a regra geral seja a análise formal do decisum, para nós, a Corte Superior[22] [23] também não poderá se olvidar de elemento extremamente essencial, qual seja a observação da Soberania Nacional, Ordem Pública e bons costumes, o que se mostra sistematicamente lógico.
E assim, é de se transcrever o comando expresso do artigo 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro:
“Art. 17. As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.”
Ao tratar das sentenças de outro país, o dispositivo em comento não fala especificamente na sentença arbitral estrangeira. Contudo, isso não significa que a expressão “sentença” trate apenas daquelas provenientes do Poder Judiciário.
Até porque, apesar de o artigo 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro não mencionar expressamente as sentenças arbitrais ele não as excluiu e nem mesmo especifica que estaria tratando apenas das judiciais, o que acreditamos não ser o caso. Não bastasse isso, é importante que se reconheça que a Lei 9.307/96 equipara a figura do árbitro à do juiz (artigo 18)[24], sendo a sua sentença arbitral título executivo judicial capaz de iniciar Cumprimento de Sentença perante o Poder Judiciário, quando findada a jurisdição arbitral.
Desta feita, verifica-se que a análise do Superior Tribunal de Justiça deverá ir um pouco além dos requisitos meramente formais, também analisando se a eficácia ou execução da sentença arbitral, como se encontra, não pode ir de encontro aos preceitos da República Federativa do Brasil.
A Soberania Nacional, Ordem Pública e bons costumes devem ser completamente observados para a homologação das sentenças arbitrais estrangeiras no Brasil, sob pena de se internalizar comando que não esteja inserido de forma que se considere todo o sistema jurídico brasileiro.
A propósito, a própria Convenção de Nova Iorque, no artigo V, item 2, estabelece que o reconhecimento de sentença arbitral estrangeira poderá ser recusado caso contrarie a ordem pública:
“O reconhecimento e a execução de uma sentença arbitral também poderão ser recusados caso a autoridade competente do país em que se tenciona o reconhecimento e a execução constatar que: (...) b) o reconhecimento ou a execução da sentença seria contrário à ordem pública daquele país.”
Nesse sentido, é importante rememorar que, por ser a arbitragem método de resolução de conflitos muito mais flexível em relação ao método judicial puro e simples, é comum que haja regras mais diversificadas ante a maior aplicação da autonomia da vontade das Partes, conforme já mencionado nos tópicos acima.
Ou seja, na medida em que as Partes podem livremente estipular regras que entendam conveniente, como, por exemplo, ao optarem por um procedimento arbitral julgado com base na equidade, é certo que pode haver conflitos culturais entre as decisões proferidas em uma ou em outra nação.
Não bastasse isso, a própria aplicação do direito alienígena pode causar algum conflito com as normas internas, devendo ser analisado dentro do que o ordenamento jurídico brasileiro entende por adequado. Nesse sentido, seria possível de imaginar a completa discrepância ao ordenamento jurídico brasileiro se se entendesse por bem a internalização de uma sentença – de qualquer natureza que fosse – advinda de países que admitem a pena de morte, contendo comandos desta natureza, por exemplo.
O conceito de Soberania Nacional é, por certo, amplo e não possui uma definição pacífica e bem definida entre os estudiosos e os aplicadores do direito. Seria possível de entender que a Soberania é um “poder supremo de decisão, acima do qual não incide qualquer outro poder.”[25].
Esta dificuldade também é reconhecida no que diz respeito à conceitualização de ordem pública e bons costumes. Enquanto, por um lado, pode-se dizer que a Ordem Pública “atua ao mesmo tempo, como um termômetro dos valores sociais e morais a serem protegidos em determinado momento histórico, ademais de servir como uma barreira para repelir forte violação a princípios fundamentais que mereçam ser preservados em determinado país”[26], por outro lado, os bons costumes podem ser considerados “as regras de conduta limpa nas relações familiares e sociais, em harmonia com os elevados fins da vida humana e com a cultura moral de nossos dias”[27].
A Ordem Pública também é vista como uma garantia de “estabilidade social, econômica e jurídica” e que viabiliza e que “garante a segurança jurídica servindo como balizador e orientador para que a internalização de atos normativos, contratuais e decisórios estrangeiros sejam compatíveis com nosso corpo normativo(...)”[28].
Nada obstante a dificuldade de enquadramento do efetivo conceito de Soberania Nacional, Ordem Pública e bons costumes, o Superior Tribunal de Justiça deverá aplicá-los quando da análise sobre a aceitação do ingresso de uma sentença arbitral estrangeira na Nação, e isso é legalmente imposto.
Esta dificuldade de conceitos demonstra que cada caso é único e deverá ser analisado com extrema cautela.
A homologação de sentença arbitral estrangeira se mostra tarefa árdua que deve levar em conta o ordenamento jurídico brasileiro como um todo, compatibilizando com o ordenamento jurídico interno alguns princípios que se mostram convergentes em todos os Estados e as novas fontes do direito[29].
Como visto, alguns exemplos extremos de situações que não podem adentrar o ordenamento jurídico seriam a impossibilidade em se homologar uma decisão que determine a morte de alguém. Outras impossibilidades de comandos seriam o corte da mão de um sujeito que tenha cometido algum crime ou, ainda, a condenação de uma mulher a chibatadas por trair seu cônjuge.
Dentre os casos em que o Superior Tribunal de Justiça negou a homologação de sentença arbitral estrangeira, pode-se destacar o conhecido caso “Abengoa” (SEC nº 9412/US).
Na oportunidade, o Colendo Superior Tribunal de Justiça verificou que o caso teria sido conduzido por Árbitro que teria recebido quantia da empresa parte no Procedimento Arbitral. Apesar de o árbitro ter sido reconhecido como idôneo para o julgamento do feito pela justiça americana, ao analisar o feito, o Tribunal de Cúpula não pôde deixar de observar que a decisão não estaria em consonância com a Ordem Pública brasileira.
Assim, por ter o árbitro o dever de revelação no ordenamento jurídico brasileiro, se trataria de arbitragem não idônea, cuja sentença foi prolatada em flagrante conflito de interesses[30].
E veja que referido acórdão demonstra um detalhe de extrema relevância para o tema: o Superior Tribunal é responsável pela análise dos requisitos formais da sentença arbitral estrangeira, contudo, poderá, sim, analisar o mérito da decisão quando este possa ferir a Soberania Nacional, a Ordem Pública e os bons costumes e, com isso, negar a homologação de determinada sentença estrangeira.
Ou seja, reconheceu o Superior Tribunal de Justiça, ainda que indiretamente, a possibilidade de aplicação do artigo 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro às sentenças arbitrais estrangeiras, tal como acreditamos ser possível.
Um ponto de destaque sobre o tema, no entanto, é que a necessidade de observância da Soberania Nacional, da Ordem Pública e dos bons costumes, não se confunde com a impossibilidade de homologação de sentença estrangeira quando houver decisão proferida em sentido diverso no Brasil.
A esse respeito, é de se destacar que é plenamente possível que haja a homologação nesses termos, desde que inexista coisa julgada da decisão brasileira.
E o Tribunal de cúpula se manifestou sobre a questão de forma expressa, quando do julgamento da HDE 3014/EX, ao reconhecer que “[o] fato de existir uma decisão liminar do Judiciário Brasileiro regulando de forma diversa da sentença estrangeira os alimentos e a guarda de menor não importa, só por si, em ofensa à soberania da jurisdição nacional, o que impediria o deferimento do exequatur à decisão estrangeira. Precedentes”[31].
Se, por um lado, a mera existência de decisão (ainda não objeto de coisa julgada) em sentido contrário à sentença a que se pretende homologar não gera ofensa à Soberania Nacional, Ordem Pública e bons costumes, por outro lado, existem questões que não se pode tolerar que ingresse no ordenamento jurídico.
Esta análise deve se dar, de fato, caso a caso e não pode ser generalizada, notadamente pela arbitragem outorgar um escopo de maior liberdade para as partes, além do fato de ter o conceito de Soberania Nacional Ordem Pública e bons costumes uma amplitude bastante extensa.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se, assim, que a tendência é conhecer e executar as sentenças arbitrais estrangeiras no Brasil, contudo não se pode admitir que a Soberania Nacional, Ordem Pública e bons costumes sejam violados com a homologação da decisão sob análise.
Para que tenha sido alcançada esta conclusão, observou-se que a arbitragem é instituto que vem ganhando grande força no Brasil, tendo em vista a sua maior flexibilidade, celeridade e tecnicidade que é outorgada aos debates. Mas. mais do que isso, vem ganhando força em todo o globo, sendo certo que a utilização mundial deste método de resolução de conflitos acaba fazendo com que sentenças arbitrais estrangeiras venham a ser executadas no Brasil e vice-e-versa.
A homologação de sentenças arbitrais estrangeiras é de competência do Superior Tribunal de Justiça, o qual deverá analisar aspectos formais do decisum para a efetivação de sua homologação.
A Lei 9.307/96 dispõe expressamente sobre o tema, sendo que limita à não homologação das sentenças arbitrais estrangeiras, situações expostas em seu artigo 38, além das disposições contidas na Convenção de Nova Iorque.
Em que pese as sentenças arbitrais estrangeiras devam ser como regra incorporadas ao ordenamento jurídico, o que é positivado pela Lei de Arbitragem, fato é que o Col. Superior Tribunal de Justiça não poderá deixar de verificar se aquela decisão não ofende a Soberania Nacional, a Ordem Pública e/ou os bons costumes, ou seja, aplicando o artigo 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro ao homologar as sentenças arbitrais estrangeiras.
Mesmo sendo o dever da Col. Corte Superior homologar a sentença arbitral estrangeira, não se pode permitir que decisão em afronta ao ordenamento jurídico brasileiro, como um todo, seja internalizada e executada no Brasil.
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[1]Formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Especialista em Gestão de Negócios pela Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" (USP/Esalq). Mestranda em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Advogada
[2] Publicada em 23 de setembro de 1.996, entrou em vigor sessenta dias após sua publicação (art. 43).
[3] CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: um comentário à Lei nº 9.307/96 – 3 ed. ver atual e ampl – São Paulo: Atlas, 2009. p.31
[4] FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves [et all]. Lei de Arbitragem comentada artigo por artigo. São Paulo. JusPodivm, 2019. P. 29
[5] FLENIK, Giordani. A eficácia máxima da sentença arbitral: um estudo comparado dos direitos norte-americano, francês e brasileiro sobre homologação de sentenças estrangeiras. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2019. p. 6.
[6] A constitucionalidade do instituto foi reconhecida em 12 de dezembro de 2001, pelo Supremo Tribunal Federal por maioria de votos, no julgamento do recurso em processo de homologação de sentença estrangeira (SE 5206).
[7] ROQUE, Andre Vasconcelos. A evolução da arbitrabilidade objetiva no brasil: tendências e perspectivas. Revista dos Tribunais. Revista de Arbitragem e Mediação | vol. 33/2012 | p. 301 - 337 | Abr - Jun / 2012DTR\2012\44754
[8] “A discussão a respeito da natureza da arbitragem – jurisdicional, contratual ou mista/composta – revela, segunda a doutrina francesa, debate clássico na arbitragem. Também a doutrina italiana destaca que o debate sobre a natureza da sentença arbitral é antigo, mas que não foi até hoje aplacado ou acalmado, e adentra o século XXI permeando as discussões em torno das reformas legislativas da arbitragem. (...) A posição clássica no debate assinalava a natureza contratual da arbitragem, centrada no argumento de que a jurisdição seria monopólio do Estado, de modo que só poderia ser exercida pelo Estado e seus agentes, enquanto a arbitragem seria exercitada por particulares, razão pela qual só poderia ser enquadrada no panorama contratual, fora do ambiente jurisdicional, então considerado monopólio estatal. (...) Por outro lado, a posição da natureza jurisdicional é bem ressaltada por Giuseppe Ruffini, indicando que o acordo compromissório se situa como condição de legitimação do exercício da arbitragem, uma vez que esta é prevista na própria lei, e, por isso, o árbitro, apesar de não inserido no organismo estatal-jurisdicional, exerce função jurisdicional e sua decisão tem natureza de sentença. Destaca-se, ainda, que tal posição remete ao pensamento de Carnelutti, quando inseria a arbitragem como jurisdicional e seu produto como sentença, já que o árbitro exercitaria função pública delegada pela lei. (...) Daí a evidente necessidade de dar um passo adiante nessa clássica discussão a respeito da natureza jurídica da arbitragem e seu enquadramento jurídico, como ponto importante para soluções de problemas e interfaces com o processo judicial que podem ocorrer no âmbito da arbitragem. Isso porque, como leciona Carmine Punzi, se ainda hoje é legítima a investigação em torno da natureza jurídica da arbitragem, talvez seja o momento de rediscutir o tema a partir da superação da alternativa ‘contratualidade-jurisdicionalidade’ da arbitragem, saindo do terreno estéril das antigas polêmicas e posições contrapostas na doutrina e na jurisprudência, que não trouxeram resultados satisfatórios.” (ANDRADE, Érico. Novas fronteiras da arbitragem: superação da discussão em torno da natureza contratual ou jurisdicional. Revista dos Tribunais. Revista de Processo | vol. 305/2020 | p. 461 - 491 | Jul / 2020DTR\2020\7922)
[9] FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves [et all]. Lei de Arbitragem comentada artigo por artigo. São Paulo. JusPodivm, 2019. PP. 30/38.
[10] FLENIK, Giordani. A eficácia máxima da sentença arbitral: um estudo comparado dos direitos norte-americano, francês e brasileiro sobre homologação de sentenças estrangeiras. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2019. p. 37.
[11] Conforme é explicado na obra: “Observe-se que esse aumento de participação de árbitros estrangeiros está vinculado, provavelmente, ao aumento de contratos internacionais, pois de 50 contratos envolvendo partes estrangeiras em 2018 passou-se para 86 arbitragens referentes a contratos internacionais na CCI, o que resultou num aumento de 72%. No caso do CAM-CCBC, tanto em 2018 como em 2019 o número de arbitragens com base em contratos internacionais permaneceu o mesmo (15 casos).” (LEMES, Selma Ferreira. Arbitragem em Números e Valores. Pesquisa 2020. Acessado em 19.06.2021; Disponível em http://selmalemes.adv.br/artigos/Analise-Pesquisa-ArbitragensNseValores-2020.pdf).
[12] V.g. “A Lei Francesa, segundo entendimento do art. 1.º da Convenção Européia sobre Arbitragem Internacional de 1961, considera internacional a arbitragem que envolva questões de comércio internacional. As demais questões são tratadas como arbitragens nacionais (art. 1.492 do CPC (LGL\1973\5) francês). Assim, uma arbitragem que se desenvolve na Inglaterra, mas tem como partes comerciantes franceses, discutindo sobre questões do mercado interno francês, será considerada arbitragem nacional francesa. De outra forma, uma arbitragem realizada entre comerciantes franceses na cidade de Lyon, discutindo questões de comércio internacional, será considerada arbitragem internacional, mesmo tendo ocorrido em território francês.” (GUERRERO, Luis Fernando. Arbitragem e jurisdição: premissa à homologação de sentença arbitral estrangeira. Revista dos Tribunais. Revista de Processo | vol. 159/2008 | p. 9 - 34 | Maio / 2008 DTR\2008\310)
[13] GUERRERO, op cit
[14] Conforme se verifica: “Quando se faz referência à arbitragem, muitas vezes se distingue entre arbitragem interna e arbitragem internacional. No Brasil, a Lei 9.307, de 23.09.1996, congrega normas sobre a arbitragem interna e a internacional no mesmo diploma legal (o art. 2.º da Lei 9.307/1996, por exemplo, focaliza em especial a arbitragem internacional). Cumpre, no entanto, registrar que não existem critérios uniformes, mundialmente reconhecidos, para se fazer tal distinção. O que na realidade se detecta são diferentes variantes desse conceito, orientando-se ora por elementos formais, como a localização do estabelecimento (place of business) das partes, eventualmente em combinação com outro elemento, tal como, entre outros, a sede do tribunal (cf., em particular, os arts. 1.º, 3. a e b, e 4.º da Lei Modelo da UNCITRAL - United Nations Commission on International Trade Law - sobre Arbitragem Comercial Internacional, de 21.06.1985), ora por elementos materiais, tendo em vista a natureza do negócio jurídico como critério básico da distinção (...)” (RECHSTEINER, Beat Walter. Sentença arbitral estrangeira – aspectos gerais de seu reconhecimento e sua execução no Brasil. Revista de Arbitragem e Mediação. vol. 5/2005. p. 35 – 51. Abr - Jun / 2005. DTR\2005\230)
[15] Conforme explica a doutrina: “Na medida em que se trate, todavia, do reconhecimento e da execução da sentença arbitral estrangeira no território nacional, esta, necessariamente, opõe-se à sentença arbitral doméstica, levando em consideração a distinção entre ambas. O critério decisivo para tal distinção, no fundo, é o lugar da sede do tribunal arbitral. Quando este tem a sua sede no Brasil, a sentença ou o laudo por ele proferido é brasileiro. Quando a sede do tribunal arbitral está situada no exterior, a procedência da sentença ou do laudo é estrangeira.” (RECHSTEINER, Beat Walter. Sentença arbitral estrangeira – aspectos gerais de seu reconhecimento e sua execução no Brasil. Revista de Arbitragem e Mediação. vol. 5/2005. p. 35 – 51. Abr - Jun / 2005. DTR\2005\230)
[16] “Abandonando estas dificuldades, optou o legislador brasileiro por definição mais objetiva, mais simples, embora tecnicamente criticável, baseando-se apenas e tão somente no local onde o laudo será proferido. Será assim nacional a sentença arbitral se o laudo for proferido dentro do território brasileiro, ainda que os árbitros devam tratar de questão ligada ao comércio internacional e mesmo que estejam em jogo ordenamentos jurídicos variados; será estrangeiro o laudo proferido fora do território nacional, ainda que sejam as partes brasileiras, resolvendo a controvérsia decorrente de contrato celebrado no Brasil e que aqui deva ser cumprido.” (CARMONA, Op Cit. P. 439)
[17] FLENIK, Giordani. A eficácia máxima da sentença arbitral: um estudo comparado dos direitos norte-americano, francês e brasileiro sobre homologação de sentenças estrangeiras. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2019. p. 7.
[18] “(...) segundo a Teoria Monista, cujo maior defensor é Hans Kelsen, ‘o Direito Internacional e o Direito interno são dois ramos do direito de um só sistema jurídico’, explica Mazzuoli. (...) Países como Brasil, Guatemala, Peru, entre outros, adotam tal posicionamento, tendo um único conjunto de normas para serem aplicadas tanto em arbitragens domésticas quanto internacionais.” E assim continua a explicar que, por este motivo, no Brasil “no campo da arbitragem se aplica uma única lei para reger tanto as arbitragens internas quanto internacionais”. (FLENIK, Giordani. A eficácia máxima da sentença arbitral: um estudo comparado dos direitos norte-americano, francês e brasileiro sobre homologação de sentenças estrangeiras. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2019. p. 7.)
[19] FINKELSTEIN, Cláudio. CARVALHO, Marina Amaral Egydio de. Homologação de sentença estrangeira e execução de carta rogatória no Brasil. Revista dos Tribunais. Revista de Direito Constitucional e Internacional | vol. 50/2005 | p. 255 - 289 | Jan - Mar / 2005. Doutrinas Essenciais de Direito Internacional | vol. 4 | p. 1031 - 1070 | Fev / 2012 | DTR\2005\903
[20] Convenção que versa sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, promulgada pelo Brasil em 23 de julho de 2002, por meio do Decreto 4.311.
[21] Artigo V. 1. O reconhecimento e a execução de uma sentença poderão ser indeferidos, a pedido da parte contra a qual ela é invocada, unicamente se esta parte fornecer, à autoridade competente onde se tenciona o reconhecimento e a execução, prova de que: a) as partes do acordo a que se refere o Artigo II estavam, em conformidade com a lei a elas aplicável, de algum modo incapacitadas, ou que tal acordo não é válido nos termos da lei à qual as partes o submeteram, ou, na ausência de indicação sobre a matéria, nos termos da lei do país onde a sentença foi proferida; ou b) a parte contra a qual a sentença é invocada não recebeu notificação apropriada acerca da designação do árbitro ou do processo de arbitragem, ou lhe foi impossível, por outras razões, apresentar seus argumentos; ou c) a sentença se refere a uma divergência que não está prevista ou que não se enquadra nos termos da cláusula de submissão à arbitragem, ou contém decisões acerca de matérias que transcendem o alcance da cláusula de submissão, contanto que, se as decisões sobre as matérias suscetíveis de arbitragem puderem ser separadas daquelas não suscetíveis, a parte da sentença que contém decisões sobre matérias suscetíveis de arbitragem possa ser reconhecida e executada; ou d) a composição da autoridade arbitral ou o procedimento arbitral não se deu em conformidade com o acordado pelas partes, ou, na ausência de tal acordo, não se deu em conformidade com a lei do país em que a arbitragem ocorreu; ou e) a sentença ainda não se tornou obrigatória para as partes ou foi anulada ou suspensa por autoridade competente do país em que, ou conforme a lei do qual, a sentença tenha sido proferida.
2. O reconhecimento e a execução de uma sentença arbitral também poderão ser recusados caso a autoridade competente do país em que se tenciona o reconhecimento e a execução constatar que: a) segundo a lei daquele país, o objeto da divergência não é passível de solução mediante arbitragem; ou b) o reconhecimento ou a execução da sentença seria contrário à ordem pública daquele país.
[22] “Com a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 45, em 8 de dezembro de 2004, a competência para a homologação de sentenças estrangeiras e para o trâmite de cartas rogatórias foi deslocada do Supremo Tribunal Federal (STF) para o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Essa transferência de competências entre as duas mais relevantes cortes judiciais do país foi uma das diversas alterações realizadas no contexto da chamada reforma do Judiciário, corporificada no texto da emenda. Um dos principais objetivos para tal modificação era de diminuir o excesso — e o consequente acúmulo — de processos julgados pelo Supremo e torná-lo cada vez mais uma corte eminentemente constitucional.” (MARTINS, Pedro A. Batista. BARROS, Octávio Fragata M. de. O STJ e a Sentença Arbitral Estrangeira. Disponível em http://batistamartins.com/wp-content/uploads/kalins-pdf/singles/o-stj-e-a-sentenca-arbitral-estrangeira-2.pdf )
[23] Sobre o tema, é de se destacar que, por muito, se discutiu sobre a natureza da sentença arbitral (então “laudo arbitral”), o que acabava por gerar questionamentos sobre a necessidade de prévia homologação da decisão pelo órgão estatal estrangeiro, antes da homologação pelo Tribunal de Cúpula Pátrio. Nesse sentido: “Quanto às decisões proferidas em juízo arbitral, trata-se de questão expressamente regulada em vários ordenamentos, mas a cujo respeito o Código silenciou, apesar de versada no anteprojeto BUZAID, cujo art. 527, nº I, mandava aplicar o regime previsto para as sentenças alienígenas, “desde que a matéria do laudo possa constituir objeto de compromisso segundo o direito brasileiro”. Na antiga legislação, o Dec. nº 6.982, de 27.7.1878, dizia “exeqüíveis no Brasil”, mediante a aposição do “cumpra-se”, “as sentenças arbitrais homologadas pelos tribunais estrangeiros”. A tese subjacente à cláusula derradeira teve eco na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que admitia a homologação de laudo arbitral estrangeiro, porém a subordinava à circunstância de ter ele sido homologado por tribunal do Estado de origem” (destacamos) (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil (Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Volume V (Arts. 476 a 565). 1ª edição eletrônica. Revista e atualizada. Editora Forense. Rio de Janeiro. 2002. P. 50)
[24] A doutrina esclarece que “A natureza privada da relação entre as partes e o árbitro em nada afeta o poder jurisdicional deste (a dimensão pública originada de uma relação jurídica privada).” (ALVES, Rafael Francisco. Árbitro e direito: o julgamento do mérito na arbitragem – São Paulo. Almedina. 2018. P. 65)
[25] Nesse sentido, buscando esclarecer o conceito, Walter Douglas Stuber assim explica: “A soberania pode ser definida como um poder supremo de decisão, acima do qual não incide qualquer outro poder. A soberania do Estado deve ser considerada sob seus dois aspectos: interno e externo. A soberania interna significa que a autoridade do Estado, representada pelas leis e ordens que o Estado edita para disciplinar o relacionamento de todas as pessoas físicas ou jurídicas que são residentes, domiciliadas ou sediadas em seu território, predomina sem limites dentro do território nacional. Ou seja, o Estado age summa potestas, o que vale dizer que o poder do Estado é o mais alto existente dentro de seu próprio território. A soberania externa significa que, nas relações recíprocas entre os Estados, não há relação de subordinação, nem de dependência, mas sim de igualdade. Conseqüentemente, a soberania, em seu aspecto interno, é o poder supremo do Estado dentro de seu próprio território e, em seu aspecto externo, é um poder independente e igual em relação aos demais Estados.” (STUBER, Walter Douglas. Soberania e Direito Internacional. Revista de Direito Constitucional e Internacional. vol. 18/1997. p. 223 – 225. Jan - Mar / 1997. DTR\1997\52)
[26] FORNASAR, María Laura. A ordem pública na homologação de sentenças arbitrais estrangeiras. Revista de Processo. vol. 311/2021. p. 355 – 374. Jan / 2021. DTR\2020\15185
[27] LIMA, J. Franzen de. Curso de Direito Civil Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, p. 107
[28]MAIA, Alberto Jonathas. A arbitragem como meio de proteção da ordem pública transnacional. Revista dos Tribunais. Revista de Arbitragem e Mediação | vol. 76/2023 | p. 155 - 183 | Jan - Mar / 2023 | DTR\2023\575.
[29] Nas palavras da doutrina, homologar e internalizar a sentença arbitral estrangeira: “Não se trata apenas de proceder ao reconhecimento para fins de internacionalização da sentença arbitral em solo executivo. Muito mais que isso, trata-se de harmonizar, ou melhor, compatibilizar alguns dos princípios máximos inerentes a todos os Estados, como a ordem pública, a soberania e as novas fontes do direito contemporâneo, como a soft law, a fim de que, ao mesmo tempo em que sejam cumpridas as disposições da sentença arbitral proveniente de outro sistema jurídico, essa observância não afronte aos princípios internos do Estado que fará com que seja cumprida, preservando o seu próprio sistema jurídico.” (FLENIK, Giordani. A eficácia máxima da sentença arbitral: um estudo comparado dos direitos norte-americano, francês e brasileiro sobre homologação de sentenças estrangeiras. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2019. p. 37.)
[30] E assim dispôs a ementa da decisão de não homologação: “HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇAS ARBITRAIS ESTRANGEIRAS. APRECIAÇÃO DO MÉRITO. IMPOSSIBILIDADE, SALVO SE CONFIGURADA OFENSA À ORDEM PÚBLICA. ALEGAÇÃO DE PARCIALIDADE DO ÁRBITRO. PRESSUPOSTO DE VALIDADE DA DECISÃO. AÇÃO ANULATÓRIA PROPOSTA NO ESTADO AMERICANO ONDE INSTAURADO O TRIBUNAL ARBITRAL. VINCULAÇÃO DO STJ À DECISÃO DA JUSTIÇA AMERICANA. NÃO OCORRÊNCIA. EXISTÊNCIA DE RELAÇÃO CREDOR/DEVEDOR ENTRE ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA DO ÁRBITRO PRESIDENTE E O GRUPO ECONÔMICO INTEGRADO POR UMA DAS PARTES. HIPÓTESE OBJETIVA PASSÍVEL DE COMPROMETER A ISENÇÃO DO ÁRBITRO. RELAÇÃO DE NEGÓCIOS, SEJA ANTERIOR, FUTURA OU EM CURSO, DIRETA OU INDIRETA, ENTRE ÁRBITRO E UMA DAS PARTES. DEVER DE REVELAÇÃO. INOBSERVÂNCIA. QUEBRA DA CONFIANÇA FIDUCIAL. SUSPEIÇÃO. VALOR DA INDENIZAÇÃO. PREVISÃO DA APLICAÇÃO DO DIREITO BRASILEIRO. JULGAMENTO FORA DOS LIMITES DA CONVENÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. 1. O procedimento de homologação de sentença estrangeira não autoriza o reexame do mérito da decisão homologanda, excepcionadas as hipóteses em que se configurar afronta à soberania nacional ou à ordem pública. Dado o caráter indeterminado de tais conceitos, para não subverter o papel homologatório do STJ, deve-se interpretá-los de modo a repelir apenas aqueles atos e efeitos jurídicos absolutamente incompatíveis com o sistema jurídico brasileiro. 2. A prerrogativa da imparcialidade do julgador é uma das garantias que resultam do postulado do devido processo legal, matéria que não preclui e é aplicável à arbitragem, mercê de sua natureza jurisdicional. A inobservância dessa prerrogativa ofende, diretamente, a ordem pública nacional, razão pela qual a decisão proferida pela Justiça alienígena, à luz de sua própria legislação, não obsta o exame da matéria pelo STJ. 3. Ofende a ordem pública nacional a sentença arbitral emanada de árbitro que tenha, com as partes ou com o litígio, algumas das relações que caracterizam os casos de impedimento ou suspeição de juízes (arts. 14 e 32, II, da Lei n. 9.307/1996). 4. Dada a natureza contratual da arbitragem, que põe em relevo a confiança fiducial entre as partes e a figura do árbitro, a violação por este do dever de revelação de quaisquer circunstâncias passíveis de, razoavelmente, gerar dúvida sobre sua imparcialidade e independência, obsta a homologação da sentença arbitral. 5. Estabelecida a observância do direito brasileiro quanto à indenização, extrapola os limites da convenção a sentença arbitral que a fixa com base na avaliação financeira do negócio, ao invés de considerar a extensão do dano. 6. Sentenças estrangeiras não homologadas.” (STJ. SEC nº 9412/US. Min Rel Felix Fischer. Corte Especial. J. 19.04.2017)
[31] STJ. HDE 3014/EX. Min Rel. Og Fernandes. Corte Especial. J. 07.10.2020
Vinculada atualmente à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Formada pelo Centro Universitário de Rio Preto – UNIRP. Especialista em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – Cogeae. Mestre e Doutoranda em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Advogada. Professora.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PITTA, Fernanda Pagotto Gomes. A importância da soberania nacional, ordem pública e bons costumes na homologação das sentenças arbitrais estrangeiras Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 maio 2023, 04:31. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/61376/a-importncia-da-soberania-nacional-ordem-pblica-e-bons-costumes-na-homologao-das-sentenas-arbitrais-estrangeiras. Acesso em: 24 nov 2024.
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