Resumo: O presente trabalho busca analisar um problema do dia a dia daqueles que lidam com normas públicas, bem como apresentar possível solução.
Palavras-chave: Direito Administrativo. Normas jurídicas. Acesso. Solução.
Abstract: This study aims to analyse a daily problem regarding those who work with public law and standards, as well as to propose a possible remedy.
Key-words: Administrative Law. Legal standards. Access. Remedy.
A criatividade é necessária quando temos um problema aparentemente sem solução. Daí por que precisamos ser criativos para resolvê-lo. Normalmente, buscamos o novo. Olhamos para fora. Importamos. Aí, chegamos ao “apagão das canetas”. São tantas formas de tentar controlar o gestor que a máquina se torna ineficiente e tem medo de decidir.[1]
Pensando – não só – nisso, a Lei 13.655/2018 deu um importante salto para introduzir as normas do direito brasileiro ao século XXI. Para ultrapassar a administração pública burocrática, ineficaz e – porque não – atrasada, o diploma normativo buscou aproximá-la do pragmatismo: o legislador deu uma chance para o contextualismo, consequencialismo e para a consensualidade.
No plano teórico, representou grande evolução. No dia a dia, porém, parece que a burocracia ainda figura como obstáculo à eficiência. São tantas novidades que, por vezes, esquecemos do básico. É justamente esse o tema deste trabalho.
2.A que, de fato, estamos vinculados?
Como molho dessa nova administração pública gerencial, a segurança jurídica possui o importante papel de garantir estabilidade, isonomia, confiança, não surpresa e evitar autoritarismos injustificados. Assim, o artigo 30 da Lei positivou o chamado por Egon Bockmann Moreira e Paula Pessoa Pereira de “dever público de incrementar a segurança jurídica”.[2]
A proposta do legislador, seguindo a tendência do processo civil de 2015, foi atribuir caráter vinculante aos regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas. Mas uma pergunta não quer calar: a que, de fato, estamos vinculados?
Como diria Carlos Ari Sundfeld, vivemos na “era da concorrência normativa”.[3] Há muito a lei deixou se der a única fonte de obrigações, direitos e garantias. Hoje, o ordenamento jurídico é guiado por leis, decretos, regulamentos (de execução, autônomos e independentes), resoluções, portarias, anexos da norma... E mais: são produzidos tanto pelo Legislativo, quanto pelo Judiciário e Executivo.
Vivemos uma proliferação normativa desconhecida. Não se sabe o que existe, o que está em vigor, o que foi revogado. No dia a dia, são horas e horas gastas procurando folha a folha no diário oficial se existe alguma norma, através de pesquisa que sequer é 100% segura. Achei a norma. Será que já foi revogada? Mais incertezas.
Esse desagradável incômodo acompanha principalmente aqueles que lidam diretamente com normas estaduais e municipais ou de ministérios, secretarias, autarquias e agências reguladoras; e assombra a pessoa – jurídica ou física, hiper ou hipossuficiente – que recebeu uma multa e tem 15 dias para impugnar o ato sem nem saber o que foi violado ou onde achar o dispositivo.
E sejamos sinceros: talvez nem os próprios servidores públicos saibam ao certo que normas existem e que normas estão em vigor. Como esperar que o administrado consiga exercer legitimamente seus direitos sem saber o básico: quais são eles?
O ponto que se questiona não é a ampla competência normativa, mas a falta de acesso a ela, que gera sistemática violação da confiança legítima e da boa-fé do administrado. O mar normativo é tão incógnito que a parte pode ser convocada a demonstrar ao judiciário – a quem é dado saber o direito – o teor e a vigência do direito local.[4] Até o iura novit curia é colocado em risco.
Então, antes de saltar, é preciso dar um passo para finalmente virar a página da publicidade formal, da burocracia e garantir eficiência onde mais se sente a diferença: no trabalho diário. Parafraseando Barroso, muitas vezes a solução do problema está em elementos do próprio problema.[5]
A nova onda legislativa parece caminhar no sentido de incorporar a internet na consolidação de institutos e direitos. Não à toa, o CPC/15 determina a publicação de diversos atos no sítio do respectivo tribunal na rede mundial de computadores.[6] Seguindo o que parece ser a tendência, deveríamos abraçar de vez a rede mundial de computadores e aproveitar esse instrumento que está à disposição para amenizar os entraves rotineiros.
Possível solução para a incerteza jurídica apresentada seria a lei de introdução às normas do direito brasileiro condicionar a eficácia dos atos normativos à publicação em site oficial do ente federativo, que deve se manter constantemente atualizado. E mais: com o objetivo de garantir a publicidade material, que a página seja intuitiva e facilmente inteligível.[7]
Certamente essa não é proposta simples e envolveria custos de transição e adaptação, principalmente para Municípios mais deficitários. Porém, o esforço não parece ser em vão. A despeito da solução, o que parece inegociável é que a situação não pode permanecer como está, em que a burocracia originária viola frontalmente a segurança jurídica, impedindo até o conhecimento dos dispositivos normativos.
3.Conclusão
Antes de ir à lua, é preciso garantir que o foguete esteja muito preparado. Assim também é o mundo jurídico. O passo para frente depende de toda consolidação do que já existe, para que não desmorone como um castelo de cartas.
De nada adiantaria encontrar soluções inovadoras para problemas inexistentes ou criar problemas para que possam ser brilhantemente solucionados. Por isso, é preciso verificar o que ainda está deficitário na atual conjuntura para que, posteriormente, seja possível avançar.
Assim, o presente trabalho buscou trazer uma proposta para um problema básico: a falta de acessibilidade e conhecimento das normas jurídicas (leis, decretos, regulamentos...), o que dificulta – e muito – o dia a dia da Administração e dos administrados. A solução, simples, mas com potencial de ser eficaz, seria incluir na LINDB a condição da eficácia dos atos normativos à publicação em site oficial do ente federativo, de forma intuitiva e facilmente inteligível.
De forma ou de outra, a conclusão é uma: temos que pensar mais dentro da caixa para trazermos soluções reais para empecilhos concretos.
REFERÊNCIAS
BARROSO, Luís Roberto. O constitucionalismo democrático no Brasil: crônica de um sucesso imprevisto. Disponível em: http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/uploads/2017/09/constitucionalismo_democratico_brasil_cronica_um_sucesso_imprevisto.pdf. Acesso em 14/11/2020.
MENDONÇA, José Vicente dos Santos de. As tecnologias discretas que revolucionaram o Direito Administrativo: menos disrupção festiva, mais mão na massa. Publicado em 29/10/2019. Disponível em: <https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/publicistas/as-tecnologias-discretas-que-revolucionaram-o-direito-administrativo-29102019>. Acesso em 06/04/2023.
MENDONÇA, José Vicente dos Santos. Art. 21 da LINDB: Indicando consequências e regularizando atos e negócios. In: Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, Edição Especial: Direito Público na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro – LINDB (Lei nº 13.655/2018), p. 43-61, nov. 2018. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/77649/74312. Acesso em 04/09/2020.
MOREIRA, Egon Bockmann; PEREIRA, Paula Pessoa. Art. 30 da LINDB: O dever público de incrementar a segurança jurídica. In: Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, Edição Especial: Direito Público na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro – LINDB (Lei nº 13.655/2018), p. 243-274, nov. 2018. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/77657/74320. Acesso em 04/09/2020.
SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo para céticos. 2ª edição. Editora Malheiros: São Paulo, 2017.
[1] Sobre a cultura do hipercontrole público: MENDONÇA, José Vicente dos Santos. Art. 21 da LINDB: Indicando consequências e regularizando atos e negócios. In: Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, Edição Especial: Direito Público na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro – LINDB (Lei nº 13.655/2018), p. 43-61, nov. 2018.
Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/77649/74312. Acesso em 04/09/2020.
[2] MOREIRA, Egon Bockmann; PEREIRA, Paula Pessoa. Art. 30 da LINDB: O dever público de incrementar a segurança jurídica. In: Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, Edição Especial: Direito Público na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro – LINDB (Lei nº 13.655/2018), p. 243-274, nov. 2018.
Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/77657/74320. Acesso em 04/09/2020.
[3] SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo para céticos. 2ª edição. Editora Malheiros: São Paulo, 2017, p. 253.
[4] Art. 376, CPC/15. A parte que alegar direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário provar-lhe-á o teor e a vigência, se assim o juiz determinar.
[5] “Os fatos, por sua vez, passam a fazer parte da normatividade, na medida em que só é possível construir a solução constitucionalmente adequada a partir dos elementos do caso concreto” (BARROSO, Luís Roberto. O constitucionalismo democrático no Brasil: crônica de um sucesso imprevisto. Disponível em: http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/uploads/2017/09/constitucionalismo_democratico_brasil_cronica_um_sucesso_imprevisto.pdf. Acesso em 14/11/2020).
[6] A título exemplificativo, os seguintes artigos do CPC/15, dentre outros: art. 199, art. 257, inciso II, art. 741, art. 745, art. 746, parágrafo segundo, art. 755, parágrafo terceiro, art. 866, inciso IV, art. 887, parágrafo segundo, art. 979, parágrafo primeiro e segundo.
[7] Nesse sentido, confira José Vicente dos Santos de Mendonça: “Outra mudança, nem tão sofisticada, foi (iii) a criação de sites de pesquisa de jurisprudência e de legislação. Você já pensou que um dos maiores poderes de transformação do Direito está na indexação de documentos?, a serem replicados, estudados, e, afinal, aplicados. Hoje, o segredo da efetividade da norma está na facilidade com que pode ser encontrada em pesquisas na internet. Aqui, há muito espaço para avanço. Entes subnacionais têm sites de pesquisa de normas de baixa qualidade. Sites com acesso intuitivo e confiável a normas em vigor em municípios e estados – englobando todos os atos de secretarias, autarquias, fundações e estatais – seriam revolucionários. Minha sugestão: condicionar a vigência das normas ao cadastramento nos sites. Não é ideia que faria bonito num seminário de teoria do Direito, mas concretizaria a segurança jurídica melhor do que muito princípio” (MENDONÇA, José Vicente dos Santos de. As tecnologias discretas que revolucionaram o Direito Administrativo: menos disrupção festiva, mais mão na massa. Publicado em 29/10/2019. Disponível em: <https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/publicistas/as-tecnologias-discretas-que-revolucionaram-o-direito-administrativo-29102019>. Acesso em 06/04/2023).
Advogada. Graduada em direito pela UERJ. Pós-graduada em Direito e Advocacia Pública (Curso de Pós-Graduação lato sensu em Direito e Advocacia Pública). Pós-graduada em Direito Público e Privado (Curso de Pós-Graduação Lato Sensu “Especialização em Direito Público e Privado”).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ANNA CINTIA ROCHA XIMENES DE MENDONçA, . O passo que a LINDB não deu Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 maio 2023, 04:14. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/61384/o-passo-que-a-lindb-no-deu. Acesso em: 24 nov 2024.
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