GUSTAVO ANTÔNIO NELSON BALDAN
(orientador)
RESUMO: Esse estudo monográfico tem o escopo discorrer sobre a evolução do casamento e seus impedimentos relativos e causas de anulabilidade expressas na legislação vigente no ordenamento jurídico, fazendo uma equiparação com o instituto da união estável configurada na convivência pública, continua e douradora, com objetivo de constituir família, bem como a evolução das entidades familiares com as modificações trazidas pelo Novo Código de Processo Civil de 2015. Isso posto, tem o desígnio de explanar sobre as diferenças do cônjuge e companheiro e analisar a constitucionalidade do artigo 1790 do Código Civil vigente, que faz previsão ao direito do companheiro na sucessão.
Palavras-chave: Casamento. União estável. Entidades familiares. Sucessão.
ABSTRACT: This monographic study has the scope to discuss the evolution of marriage and its relative impediments and causes of annulment expressed in the current legislation in the legal system, making an equivalence with the institute of the stable union configured in public coexistence, continuous and lasting, with the objective of constituting family, as well as the evolution of family entities with the changes brought by the New Code of Civil Procedure of 2015. That said, it aims to explain the differences between spouses and partners and analyze the constitutionality of article 1790 of the current Civil Code, which provides for the partner's right to succession.
Keywords: Marriage. Stable union. Family entities. Succession.
INTRODUÇÃO
O presente estudo monográfico possui o intuito de analisar sobre o ramo do direito de família, consistindo em um fenômeno social, que está interligado no cotidiano, abrangendo princípios e normas que norteiam e regulamentam relações pessoais, nota-se que é de suma relevância abordar sobre a família, visto que é o início de toda abordagem apresentada, na qual houve contínua evolução sobre os valores da sociedade, como as diversidades e construções de novas entidades familiares.
Para Carlos Roberto Gonçalves (2017,p.17):
O direito de família de todos os ramos do direito o mais intimamente ligado própria vida uma vez que de modo geral as pessoas provêm de um organismo familiar e a ele conservam-se vinculadas durante a sua existência mesmo que venham a constituir nova família pelo casamento ou pela união estável.
Dessarte, a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 226, dispõe que a família é a base da sociedade, e tem especial proteção do Estado, ademais, o parágrafo 3° do artigo supracitado expõe que é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, podendo ser convertido em casamento.
Neste segmento, tem como ponto principal a análise e equiparação entre o casamento e a união estável na legislação brasileira, abordando a evolução desses institutos com o decorrer do tempo, abordando as diferenças e similaridades do cônjuge e companheiro na legislação vigente no ordenamento jurídico.
De início, será feita uma breve análise do matriarcado ao advento do patriarcado, com aspecto nas famílias constituídas pelo direito Romano e Canônico possuindo um enfoque sobre a influência delas no direito civil brasileiro, com comparações que norteiam a igreja católica, como também os novos paradigmas da família. Ademais, será mencionado sobre o casamento, na qual, houve modificações durante a contemporaneidade, trazendo inovações expressas na Constituição Federal de 1988, consistindo nas relações jurídicas formadas pelo matrimônio, sendo entendido como um negócio jurídico bilateral, além de ser a instituição mais solene e importante do direito privado, sendo regido pelo direito das famílias.
Nesta perspectiva, tem como escopo abordar sobre a união estável, na qual o Código Civil entende como uma entidade familiar, com a finalidade de constituição de família, determinando os impedimentos do artigo 1521 do CC, como também as causas suspensivas do artigo 1523, CC . Será feita uma breve análise do concubinato sendo relação que não detém proteção do direito de família, se diferenciando da união estável.
Assim, esta monografia tem como objetivo discorrer sobre a (in)compatibilidade do tratamento desigual entre companheiros e cônjuges, à luz da doutrina e a jurisprudência. Por fim, é de extrema importância salientar sobre a problemática do artigo 1790 do CC, ao se tratar da sucessão do convivente, e abordar as discussões relacionadas a sua aplicabilidade na legislação.
1 ORIGEM E EVOLUÇÃO DA FAMíLIA
É notório que a família teve diversas modificações e adaptações ao longo dos anos, para se adequar com os novos paradigmas da sociedade, se constituindo em um fenômeno social, que está interligado no cotidiano, abrangendo um conjunto de princípios e normas que regulamentam relações pessoais, destarte, o Estado dispõe função de resguardar a família, consoante com o artigo 226 da Constituição Federal.
Em síntese, o direito de família alude as relações familiares, uma delas compostas pelo casamento e união estável, consideradas entidades familiares, sendo garantidas pela Constituição de 1988. Destaca Sílvio de Salvo Venosa:
O casamento é o centro do direito de família irradiando dele normas fundamentais. Sua importância como negócio jurídico formal, abrange as formalidades que antecedem sua celebração, passando pelo ato material de conclusão até os efeitos do negócio que deságua nas relações entre os cônjuges, os deveres recíprocos. (VENOSA, 2006, p.27).
O instituto do casamento passou por diversas mudanças no decorrer do tempo, sendo considerado o mais significativo de todas as instituições do direito privado, pois é o ato mais formal e solene do direito de família, na qual os nubentes necessitam passar pelo processo de habilitação para que seja celebrado o matrimônio. Para conceituar o casamento civil, o doutrinador Euclides de Oliveira, explica que:
O casamento civil é o ato em que o Estado intervém desde a habilitação, para controle da inexistência de impedimentos, até a celebração por autoridade competente. Caracteriza-se como contrato, porque resultante do necessário consentimento dos contraentes, mas depende, ainda, da final declaração do celebrante, de que se acham casados na forma da lei [...]. (OLIVEIRA, 2003, p. 38-39).
Anteriormente o casamento era visto como a única forma reconhecida pelo Estado como entidade familiar, mas ao decorrer dos tempos, a sociedade passou por diversas modificações. Posto isso o Código Civil de 2002 em seu artigo 1723, prevê que é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
Maria Helena Diniz explana:
A união estável é a relação convivencial, more uxório, que passa a ser convertida em casamento, ante as ausências dos impedimentos do art. 1521 do Código Civil, visto que as causas suspensivas arroladas no art. 1523 não impedem sua caracterização, e reconhecida como entidade familiar, constituindo uma família. Assim, solteiros, viúvos, separados judicialmente, ou de fato, e divorciados poderão constituir união estável, por força do art. § 1°do art. 1723. (DINIZ, 2002, p.1120).
1.1 A FAMÍLIA NO DIREITO ROMANO E CANÔNICO
Ao longo da evolução histórica, a família passou por significativas modificações, sendo classificada como um instituto de ampla importância, dessarte, o Direito Romano dispôs de uma vasta influência, na qual detinha natureza patriarcal, onde o autoritarismo masculino conferiu origem ao pátrio poder possuindo caráter unitário exercido pelo pai, que chefiava toda a família que se mantinha sobre seu comando. No Direito Romano, consolidava-se através do matrimônio, sendo um estado de fato que produzia efeitos jurídicos e para que acontecesse era primordial o affectio (afeição em latim) durante o casamento, sem isso era causa de dissolução. Nesse ínterim, sucedeu uma intensa modificação na concepção da família com o surgimento do Direito Canônico na sociedade.
A análise da família, sob a ótica do Direito Canônico foi marcada pelo cristianismo, na qual os canonistas intitularam que o casamento religioso era algo sagrado, que não poderia ser desfeito, sendo assim um matrimônio indissolúvel. Ademais, para que ocorresse a dissolução deste matrimônio, só poderia ser permitido se houvesse morte de um dos nubentes ou em caso de adultério.
O doutrinador Carlos Roberto Gonçalves acentua:
Podemos dizer que a família brasileira, como hoje é conceituada, sofreu influência da família romana, da família canônica e da família germânica. É notório que o nosso direito de família foi fortemente influenciado pelo direito canônico [...] Só recentemente, em função das grandes transformações históricas, culturais e sociais, o direito de família passou a seguir rumos próprios, com as adaptações à nossa realidade. (GONÇALVES, 2022, p.51)
1.2 A FAMÍLIA NO DIREITO BRASILEIRO
A evolução da família no direito brasileiro é marcada por mudanças significativas que visam reconhecer e proteger as diferentes formas de constituição familiar, posto isso, a primeira legislação a abordar sobre este tema foi o Código Civil de 1916, na qual o casamento era concebido como uma entidade rigidamente estruturada, composto somente entre homem e mulher não permitindo o divórcio. O legislador classificou a instituição familiar como matrimonializada, patriarcal, hierarquizada, heteroparental, sendo formada por laços biológicos, tornando-se restrita outras modalidades.
Com a promulgação da Constituição de 1988, foram ampliados os direitos e garantias fundamentais, pautadas pelos princípios da dignidade humana e ideias de igualdade, onde o legislador trouxe expressamente o surgimento de novas entidades familiares, como a união estável, uniões homoafetivas e família monoparental, reconhecendo a diversidade e a pluralidade familiar, garantindo-lhe especial proteção do Estado, conforme dispositivo 226 da CF/88. Hodiernamente, o núcleo familiar é visto como uma instituição flexível e dinâmica, com fundamento nos laços afetivos, que se adapta aos diferentes contextos sociais e culturais.
2 DO CASAMENTO
O casamento é estabelecido por um vínculo entre duas pessoas firmada perante o Estado, com intuito de constituir família, sendo inescusável o consentimento de ambos, outrossim, é um contrato solene, gerando a sociedade conjugal, formando a união legitima. No tocante ao conceito de casamento, segundo Rodrigues (2002, p.19), “O casamento é o contrato de Direito de Família que tem por fim promover a união do homem e da mulher, de conformidade com a lei, a fim de regularem suas relações sexuais, cuidarem da prole comum e se prestarem mútua assistência”.
Preliminarmente, a sociedade vivia de uma maneira conservadora e sob grande influência da igreja católica, a qual justificava o instituto do casamento como sagrado e indissolúvel, nesse contexto, o Código Civil de 1916 instituiu o desquite, sendo a única forma de dissolução do casamento, configurando uma modalidade de separação do casal e de seus bens materiais, o qual dissolvia a sociedade conjugal, sem romper o vínculo matrimonial, impossibilitando-os de contrair novas núpcias.
Em 1977, com o advento da lei 6.515, o instituto do divórcio foi criado, e o desquite passou a ser equiparado com a separação judicial, sem embargo, a Emenda Constitucional 09, aquiesceu que o divórcio era passível de dissolução, e para isso, era necessário passar por um período de separação de corpos, desse modo, após 2 anos ininterruptos de separação, iniciava-se o processo de divórcio. Consoante com Venosa (2010, p.15), “A batalha legislativa foi árdua, principalmente no tocante à emenda constitucional que aprovou o divórcio. O atual estágio legislativo teve que suplantar barreiras de natureza ideológica, sociológica, política, religiosa e econômica. (...)”.
Sumariamente, no ano de 2010, foi promulgada a Emenda Constitucional 66, na qual, essa alteração gerou vultosos avanços ao direito de família, trazendo a possibilidade de o divórcio ser efetuado de modo direto, sem a imposição da separação prévia ou de fato, do mesmo modo, essa medida extinguiu a exigência dos prazos legais. Além, do fim da exigência do lapso temporal, um dos basilares benefícios que a nova redação da que a Emenda traz é a extinção da separação judicial.
O artigo 226 § 6º da Constituição Federal, passou a vigorar com sua nova redação:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
(...) § 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 66, de 2010) (BRASIL, CONSTITUIÇÃO, 1988).
2.1 CAPACIDADE E CAUSAS SUSPENSIVAS
Via de regra, para se contrair o matrimônio, é necessário que os nubentes atendam o requisito da capacidade plena, contudo, a legislação brasileira nos dispositivos 1.517 a 1520 do CC, estabelece que a idade núbil para o casamento é de 16 anos de idade, mediante autorização de ambos os representantes legais. É válido ressaltar que, caso seja celebrado um casamento em que um dos nubentes não tenha atingido a idade núbil ou não tenha a autorização dos representantes legais, a consequência será sua anulabilidade conforme o art. 1.550, I, II do CC.
Outrossim, os artigos 1521 a 1524 do CC demonstra os impedimentos e causas suspensivas, que tem por finalidade impedir temporariamente ou permanentemente o casamento. O Código Civil em seu rol taxativo menciona que:
Art. 1.521. Não podem casar:
I - os ascendentes com os descendentes seja o parentesco natural ou civil;
II - os afins em linha reta;
III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante;
IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive;
V - o adotado com o filho do adotante;
VI - as pessoas casadas;
VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte. (BRASIL, CÓDIGO CIVIL, 2002)
Esclarece Maria Berenice Dias:
[...] Os pais de cada um dos noivos viram sogro e sogra do outro. Os parentes colaterais até o segundo grau (os irmãos) tornam-se cunhados. Cessando o casamento, o parentesco em linha reta (sogro, sogra, genro e nora) não se dissolve vindo a gerar, inclusive, impedimento para o casamento (CC, 1521, I). [...] (DIAS, 2010, p. 149)
Correlacionado as causas suspensivas, estas se traduzem em um impedimento relativo à realização do matrimônio, que não impedem a celebração do casamento, mas tem por escopo proteger o patrimônio de um ou ambos os nubentes, porquanto podem dispor sanções àqueles que contraírem o matrimônio, dado que o casamento é apenas irregular. Para André Borges de Carvalho Barros (2009, p. 333), “as causas suspensivas tem como finalidade evitar, além de confusão patrimonial, dubiedade com relação à filiação”. Estão dispostos nos incisos do art. 1523 do Código Civil:
Art. 1.523. Não devem casar:
I - o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros; II - a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal; III - o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal; IV - o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas. Parágrafo único. É permitido aos nubentes solicitar ao juiz que não lhes sejam aplicadas as causas suspensivas previstas nos incisos I, III e IV deste artigo, provando-se a inexistência de prejuízo, respectivamente, para o herdeiro, para o ex-cônjuge e para a pessoa tutelada ou curatelada; no caso do inciso II, a nubente deverá provar nascimento de filho, ou inexistência de gravidez, na fluência do prazo.
2.2 HABILITAÇÃO PARA O CASAMENTO
O processo de habilitação de casamento é o primeiro passo para que seja possível consolidar o matrimônio, na qual o Estado por meio de um procedimento administrativo perante o Oficial de Cartório de Registro Civil indaga se não há qualquer impedimento legal para a consumação da união. Dessarte, estando em ordem a documentação, será feito o edital para dar publicidade a pretensão expressa pelos nubentes, que será fixado durante 15 dias no Cartório de Registro Civil da cidade de ambos, e compulsoriamente será publicado na imprensa local, convocando as pessoas que saibam de algum impedimento venha a opô-lo. É a habilitação de casamento que averigua se os noivos atendem a quaisquer exigências legais para essa celebração.
Paulo Lôbo sublinha:
"O oficial do registro público, verificando que a documentação da habilitação está regular, dar-lhe-á imediata publicidade em meio eletrônico, emitindo a certidão de habilitação 5 dias depois, findo os quais os nubentes poderão celebrar o casamento perante qualquer serventia de registro civil de sua livre escolha, ou perante autoridade religiosa, dentro do prazo de 90 dias (art. 67 da Lei de Registros Públicos, com a redação da Lei n. 14.382/2022)." (LÔBO, 2023, p.269).
3 CONCUBINATO
Preliminarmente, é válido acentuar que anterior a Constituição Federal de 1988, o casamento era tido por indissolúvel e os desquitados eram impedidos de constituir novo matrimônio, posto isso, passavam a ter uma relação afetiva de maneira ilegal, sem oficializar essa união. Ademais, não era reconhecida legalmente como entidade familiar, sendo considerada uma situação de fato. Conforme prevê o artigo 1.727 do Código Civil “As relações não eventuais entre homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato”.
Á vista disso, o concubinato era visto como um passo alternativo ao casamento, sendo uma união consensual e duradoura, sem a proteção do Estado no âmbito familiar, na qual não gerava direitos no âmbito de direito de família, como também não produz os efeitos da união estável, isto é, o concubinato não gera direito quanto a alimentos e sucessórios.
Segundo Carlos Roberto Gonçalves :
A expressão “concubinato” é hoje utilizada para designar o relacionamento amoroso envolvendo pessoas casadas, que infringem o dever de fidelidade, também conhecido como adulterino. Configura-se, segundo o novo Código Civil, quando ocorrem “relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar” (CC, art. 1.727).
Malgrado a impropriedade da expressão utilizada, deve-se entender que nem todos os impedidos de casar são concubinos, pois o § 1º do art. 1.723 trata como união estável a convivência pública e duradoura entre pessoas separadas de fato e que mantêm o vínculo de casamento, não sendo separadas de direito.(GONÇAVES, 2023 p. 1302-1303)
4 UNIÃO ESTÁVEL
A união estável se configura na convivência pública, continua e duradora com o objetivo de constituir família (art. 1.723 C.C), diferentemente do casamento, pois trata-se de uma situação de fato, informal que não possui solenidade, com isso não altera o estado civil dos companheiros, mas está amparada pelos mesmos direitos garantidos no casamento civil. No Brasil, existem duas formas de obter a união estável, sendo por meio de escritura pública, ou por contrato particular, de resto, o dispositivo 1.725 do Código Civil prevê que salvo em contrato escrito pelos companheiros, aplica-se às relações patrimoniais o regime da comunhão parcial de bens.
Em suma, respalda em um direito garantido a todos os cidadãos, independente da orientação sexual, e inclusive as pessoas casadas podem vir a estabelecer união estável, basta que estejam separadas de fato, conforme §1.º do Art. 1723 do Código Civil. Outrossim, não é delimitado um período mínimo de convivência entre o casal para que seja requerida a união estável, sendo o critério para análise a relação continua duradora, como também não é um requisito essencial habitarem sob o mesmo teto.
Desse modo exemplifica Rainer Czajkowski:
Convivência explica-se bem por participação de um na vida do outro, é o entrosamento de vidas [...] A convivência ditada pela lei não deve ser entendida como exigência de moradia comum, nem como necessidade de vida em comum more uxório. Um homem e uma mulher podem conviver mesmo que habitem residências distintas. (CZAJKOWSKI 2001, p. 77).
4.1 CONVERSÃO DA UNIÃO ESTÁVEL EM CASAMENTO
Preliminarmente, o dispositivo 226 §3° da Carta Maior assegura que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento, desse modo, decorre da vontade de ambos os conviventes tratando-se de um procedimento que poderá ser realizado de forma administrativa ou judicial. Consoante com o artigo 1726 do Código Civil “A união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil”.
Logo, quando for da vontade do casal, as partes podem comparecer ao Cartório de Registro Civil para solicitar a conversão. Á vista disso, o casamento civil dispensa a cerimônia realizada pelo juiz de paz no cartório, tornando indispensável as demais etapas de habilitação.
Conforme entendimento do doutrinador Paulo Lobo:
"A conversão da união estável em casamento pode ser realizada apenas extrajudicialmente, de modo consensual. A Lei n. 14.382/2022 introduziu o art. 70-A na Lei de Registros Públicos para permiti-la, sem necessidade de intervenção do Ministério Público e de autorização judicial. Basta requerimento assinado pelos companheiros ao oficial do registro civil de sua residência, que promoverá o procedimento de habilitação nos mesmos moldes do casamento, com dispensa da celebração. A conversão se concluirá se não houver oposição de impedimentos para o casamento, durante o procedimento de habilitação. O requerimento deverá indicar o regime de bens que será adotado após o casamento." (LÔBO, 2023, p.454).
É valido acentuar que caso um dos companheiros estiverem apenas separados de fato, sem regularizar o divórcio na justiça, não será possível a conversão da união estável em casamento, por ser configurado como crime de bigamia.
5 INCOMPATIBILIDADE DO TRATAMENTO DESIGUAL ENTRE CÔNJUGE E COMPANHEIRO
Mediante revisão da legislação vigente no ordenamento brasileiro, nota-se a incompatibilidade do tratamento desigual do cônjuge e companheiro a luz do artigo 1790 do CC, ao se tratar da sucessão do convivente. Isso posto, mesmo com os avanços ao longo dos anos, o direito do companheiro para fins sucessórios ainda apresenta uma posição desfavorável conforme expõe o artigo supracitado:
Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: (Vide Recurso Extraordinário nº 646.721) (Vide Recurso Extraordinário nº 878.694)
I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;
II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;
III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;
IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.
Por conseguinte, o dispositivo constitucional estabelece a sucessão do companheiro, sendo um assunto polêmico visto que ao analisá-lo, nota-se que na união estável, não existem os mesmos direitos sucessórios, na qual, o companheiro sobrevivente tem direito somente à totalidade da herança quando inexistirem herdeiros, de outro modo, irá atingir unicamente os bens que foram adquiridos onerosamente na vigência da união. Á vista disso, é válido referenciar que é elencado dois regimes sucessórios distintos, onde o companheiro não se constitui herdeiro necessário, somente o cônjuge. Portanto, evidencia que, mesmo sendo institutos com objetivos semelhantes, possuem efeitos totalmente distintos. Ao apresentar um tratamento discriminatório concedido à união estável, explica Dias:
[...] O conjugue é herdeiro necessário e figura no terceiro lugar na ordem de vocação hereditária. O companheiro é somente herdeiro legitimo herda depois dos parentes colaterais de quarto grau. O direito a concorrência sucessória também é diferente. Quando ocorre os descendentes e ascendentes, o direito do companheiro se limita aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável. (DIAS, 2013, p.26)
Sumariamente, é assegurado aos companheiros o direito real de habitação relativamente ao único imóvel destinado a residência da família, conforme a lei nº 9.278/96 . O Código Civil nada diz sobre o direito real de habitação na união estável, desta forma, permanece válido o artigo 7º, parágrafo único da lei supracitada para aplicação de tal direito. Nas palavras de Nevares (2014, p.127-128). “Além do usufruto legal, ou de parte da propriedade plena da herança, terá, ainda, o companheiro sobrevivente o direito real de habitação, relativamente ao imóvel destinado à residência da família (Lei 9.278/96, art. 7º, parágrafo único)”.
A respeito, Silvio de Salvo Venosa, entende:
Poderia o legislador ter optado em fazer a união estável equivalente ao casamento em matéria sucessória, mas não o fez. Preferiu estabelecer um sistema sucessório isolado, no qual o companheiro supérstite nem é equiparado ao cônjuge nem se estabelecem regras claras para sua sucessão. (VENOSA, 2007, P. 127).
Todavia, no tocante à equiparação entre união estável e casamento, e a polêmica envolvendo a sucessão do companheiro na legislação vigente, foi necessária uma decisão do STF para decidir sobre o tema, dado que muitas injustiças vinham sendo realizadas em face dos companheiros, visto que os mesmos não recebiam a mesma proteção que os cônjuges recebiam. Logo, em sede de Recurso Extraordinário nº 878.694 o qual se transformou na Repercussão Geral n. 809, o STF declarou inconstitucional o dispositivo 1.790 do Código Civil de 2002, não podendo haver distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, posto isso, o companheiro passou a ter o mesmo tratamento que o cônjuge, conforme o artigo 1.829 do CC/02.
Ademais, a mesma tese foi fixada para o tema 498 da repercussão geral, nos seguintes termos: “É inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002”.
7- CONCLUSÃO
O desenvolvimento do presente estudo monográfico possibilitou uma análise dos institutos do casamento e união estável, trazendo de forma evidente as conquistas jurídicas obtidas ao longo do tempo elencados desde os primórdios até a situação atual, sendo abordado a visão histórica da constituição da família, como também os aspectos referentes à incompatibilidade da sucessão do cônjuge e companheiro na legislação vigente.
Assim, o direito de família se mostrou muito abrangente dentro do Direito Civil, onde resguarda direitos dos indivíduos, visando proteger as relações advindas das entidades familiares. Tais entidades que foram concebidas ao longo da evolução da sociedade brasileira, visto que anteriormente só existia uma entidade familiar, sendo esta constituída pelo matrimônio indissolúvel, não obstante, mediante tais avanços, a legislação reconheceu diversas entidades que são amparadas pela Carta Magda.
É valido acentuar que, o instituto da união estável antes de ser reconhecida como entidade familiar, era denominada concubinato, sendo uma união prolongada entre homem e mulher, sem o casamento.
Posto isso, ao reconhecer a união estável como entidade familiar, ensejou-se proteção do Estado, não obstante, é constatado que este instituto não se equipara ao casamento, visto que são totalmente divergentes. Sem embargo, mesmo que possuam a finalidade de constituir família, o casamento se fundamenta em um negócio jurídico formal e solene, à medida que, a união estável, não possui solenidade, sendo uma situação de fato, decorrendo efeitos distintos.
Este estudo demonstrou as vantagens e desvantagens entre o casamento e união estável, onde a principal diferença destaca-se na sucessão hereditária prevista no artigo 1.790 do Código Civil de 2002, quanto ao direito de garantido ao companheiro. Em face ao exposto, em razão da polêmica do dispositivo, foi declarado inconstitucional pelo plenário do STF o artigo 1.790 do Código Civil, na qual determinava a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado em ambos os casos o regime jurídico estabelecido no artigo 1.829 do CC/02. Portanto o companheiro possuirá os mesmos direitos que o cônjuge quando for referente à sucessão.
Por fim, a referida decisão modificou vários aspectos referente ao direito sucessório dos companheiros, trazendo uma proteção extensiva, na qual se equipara aos direitos obtidos em virtude do casamento. A decisão do STF tem por escopo trazer uma maior segurança jurídica aqueles que optam pela união estável, trazendo deste modo um maior amparo legal ao instituto da união estável, da mesma forma que é quando se trata de casamento.
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graduando em Direito pela Universidade Brasil, Campus Fernandópolis.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SAMPAIO, BRIANY ESTER. Equiparação dos institutos do casamento e união estável na legislação brasileira: diferenças e similaridades entre o cônjuge e companheiro na legislação brasileira Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 maio 2023, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/61542/equiparao-dos-institutos-do-casamento-e-unio-estvel-na-legislao-brasileira-diferenas-e-similaridades-entre-o-cnjuge-e-companheiro-na-legislao-brasileira. Acesso em: 22 nov 2024.
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