WALDOMIRO GOMES NETO
(coautor)
RESUMO: O homem, de fato, é um ser cultural, e a arte vem de sua cultura. Para eles, é impossível não mostrar a música - a arte das musas - uma combinação de sons e silêncio, que é resultado de melodia, harmonia e ritmo. A arte das artes, sempre presente em todas as sociedades e manifestada voluntária ou intuitivamente para os mais diversos fins, desde momentos rituais até simples divertimentos; em cura mental, musicoterapia, até a extravagância enlouquecida da rebelião adolescente. Música evolutiva, atemporal, transcendente; apropriado e inadequado; protegido e contaminado. A música, ao mesmo tempo, é objeto de propriedade intelectual e a cada dia se torna um exemplo crescente na busca pela desregulamentação legal, pelo “fair use” legal: a música é compartilhada, desconstruída, digitalizada, remixada. Este trabalho visa justamente enquadrar essas reflexões na perspectiva de um novo direito autoral, de acordo com a nova lógica jurídica exigida pelo século XXI e as novas tecnologias de informação e comunicação que dele surgiram: conflitos morais e de gênero diante da nova era digital, novas modalidades de distribuição e comercialização de obras musicais e novas formas de criação e licenciamento.
Palavras-chave: Direitos Autorais; Novas Tecnologias; Propriedade Intelectual.
ABSTRACT: The man, indeed, is a cultural being, and art arises from his culture. For them, it is impossible not to showcase music - the art of the muses - a combination of sounds and silence, resulting from melody, harmony, and rhythm. The art of arts, always present in all societies and manifested voluntarily or intuitively for various purposes, from ritual moments to simple amusements; in mental healing, music therapy, to the wild extravagance of adolescent rebellion. Evolving, timeless, transcendent music; appropriate and inappropriate; protected and contaminated. Music, at the same time, is the subject of intellectual property and increasingly becomes an example in the pursuit of legal deregulation, through "fair use" legality: music is shared, deconstructed, digitized, remixed. This work aims precisely to frame these reflections from the perspective of a new copyright law, in accordance with the new legal logic demanded by the 21st century and the new information and communication technologies that have emerged from it: moral and gender conflicts in the face of the new digital era, new modalities of distribution and commercialization of musical works, and new forms of creation and licensing.
Keywords: Copyright; New Technologies; Intellectual Property.
1 INTRODUÇÃO
O advento da Internet e o desenvolvimento de novos formatos de distribuição de conteúdo, principalmente música, mudaram significativamente a forma como o conteúdo é acessado, compartilhado, distribuído e - por que não? - a música é criada. As novas tecnologias causaram inicialmente um verdadeiro colapso do mercado, pois a maior parte dos lucros dos proprietários de direitos autorais e direitos conexos na indústria fonográfica veio da venda do produto físico.
Os avanços tecnológicos se espalharam e criaram um ambiente propício para a reprodução ilegal ("pirataria") de produtos vendidos a preços abaixo do mercado, sem permissão e possivelmente repassando royalties aos respectivos detentores dos direitos autorais. Além disso, a Internet acelerou as mudanças no comportamento do consumidor em relação à compra e consumo de uma obra, dada a facilidade de fluxo de informações trazida pela World Wide Web, que amplia a noção de liberdade de expressão e livre acesso à informação no comportamento e a facilidade de acesso ao conteúdo têm incentivado os usuários a mudar para o consumo descarregável, muitas vezes ilegalmente gratuito, criando obscuridade de estoque inerte, baixos níveis de acumulação de receita e, portanto, menores retornos para detentores de direitos, bem como autores, editores, artistas e gravadoras rótulos.
O novo comportamento do consumidor provocou uma verdadeira revolução nos modelos de negócios utilizados pela indústria fonográfica até então, exigindo uma rápida adaptação e uma rápida reação das gravadoras para adequar a forma de comercialização dos produtos à nova forma de consumo.
Não obstante, o atual projeto aborda a relação do momento atual com a lei brasileira que protege o direito autoral e os desafios relacionados ao surgimento de novas mídias, formatos e mídias não previstos pelo ordenamento jurídico. Tentaremos entender os esforços da comunidade para preservar os direitos autorais diante da mudança de hábitos de consumo trazida pela revolução tecnológica? Que debates e divergências conceituais estão causando atualmente processos judiciais? Além disso, tais mecanismos legais são eficazes diante de novas formas de exploração insurgentes que já se estabeleceram no mercado? Haverá necessidade de atualização dos conceitos legais para melhor contemplar as mudanças de mercado ou a Lei 9.610/1998 funciona plenamente?
2 DIREITO AUTORAL NO BRASIL
A primeira norma, a Lei de 11 de agosto de 1827, sobre direitos autorais no Brasil, foi a que lançou os cursos de direito no país, e no artigo 7º continha o seguinte texto:
Art. 7º - Os lentes farão a escolha dos compêndios da sua profissão, ou os arranjarão, não existindo já feito, contando que as doutrinas estejam de acordo com o sistema jurado pela nação. Esses compêndios, depois de aprovados pela Congregação, servirão interinamente, submetendo-se, porém, à aprovação da Assembleia Geral, e o governo fará imprimir e fornecer às escolas, competindo aos seus autores o privilégio exclusivo da obra por dez anos”.
A diplomacia normativa dá ao autor a prerrogativa de usufruto de sua obra por dez anos sobre os compêndios das matérias elaboradas por professores, analisando o cumprimento de algumas condições. Da análise da Lei fica claro o interesse do governo imperial em manter o poder sobre o que foi produzido intelectualmente no território nacional, ou por pouco tempo, ou o direito exclusivo de imprimir e distribuir materiais. O sistema era de eficácia limitada porque era compatível apenas com universidades recém-criadas.
No Brasil sempre foi assentada que a tutela dos direitos autorais se deu por meio do código criminalista e o Código Criminal do Império de 1831 em seu artigo 261, que indiretamente idealizou o direito autoral para reprodução, a começar pelo tipo penal, que proibia a repetição. obras ou gravuras criadas, compostas ou traduzidas por cidadãos do Brasil, ipses literis:
Art. 261 – Imprimir, gravar, litografar ou introduzir quaisquer escritos ou estampas, que tiverem sido feitos, compostos ou traduzidos por cidadãos brasileiros, enquanto estes viverem, e dez anos depois de sua morte se deixarem herdeiros.
Penas – Perda de todos os exemplares para o autor ou tradutor, ou seus herdeiros, ou, na falta deles, do seu valor e outro tanto, e de multa igual ao dobro do valor dos exemplares. Se os escritos ou estampas pertencerem a corporações, a proibição de imprimir, gravar, litografar ou introduzir durará somente por espaço de dez anos.
O Código Penal de 1890 deu continuidade à tradição de legislar os direitos autorais por meio do direito penal. O título XII do Capítulo V do Código, intitulado “Dos Crimes contra a Propriedade Literária, Artística, Industrial e Comercial”, trata dos crimes contra a propriedade científica e literária, dos recursos afetados pelos códigos penais da França e de Portugal e da proteção das traduções, exigindo autorização do proprietário dos direitos sobre a obra original. Uma comparação entre o Código Penal do Império e o Código Penal de 1890 mostra que há o início de um movimento de maximização do direito autoral.
A proteção constitucional dos direitos autorais no Brasil se deu apenas com a Constituição da República de 1891, que dispôs em seu Título IV "Dos Cidadãos do Brasil", seção II, Artigo 72, § 26: "É garantido aos autores das obras literárias e artísticas o direito exclusivo de reprodução ou qualquer outro processo mecânico. Os herdeiros exercerão esse direito enquanto a lei determinar”, emenda à Constituição de 3 de setembro de 1926.
Segundo a doutrina moderna, é tradição do direito constitucional brasileiro garantir o direito autoral, pois houve pequenas alterações no texto de outras Cartas Constitucionais, com exceção das Cartas do Império de 1824 e de Vargas de 1937, essas Constituições previam o direito do autor às suas obras no rol dos direitos fundamentais.
Atualmente, o direito autoral é protegido pelo artigo 5º, incisos XXVII e XXVIII da CRFB/88, que dispõe:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direto à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
XXVII – aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar; XXVIII – são assegurados, nos termos da lei: a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas; b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores, aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e associativas.
Nota-se que a constituição de 1988 avançou na terminologia, aproveitando a exclusividade na publicação da obra. Preste atenção também na escolha do termo geral "obras" ao invés da expressão "obras literárias artísticas ou científicas", juntando-se a obras literárias, plásticos, programas de computador, etc. Assim, foi garantida ao autor a oportunidade de oferecer ou não a aproximação do público à sua obra, observadas as pré-condições.
Como observado anteriormente, desde o Código Penal de 1830, existem leis que protegem os direitos autorais brasileiros. No entanto, o direito civil demorará a concluir sobre a proteção dos direitos autorais. A primeira lei a tratar dessa questão foi a Lei nº 496, de 1º de agosto de 1898, conhecida como Lei Medeiros e Albuquerque, promulgada logo após a Convenção de Berna, que incluía um cardápio definindo e garantindo os direitos autorais. Este diploma considera o direito de autor como um privilégio, conferindo-lhe uma validade de cinquenta anos a contar de 1 de janeiro do ano de publicação da obra (art. 3º, 1º), vinculando tal proteção ao depósito na Biblioteca Nacional, dentro de dois anos (art. 13), sob pena de o direito expirar. Por outro lado, a Lei Medeiros e Albuquerque introduziu um mecanismo para listar restrições de direitos autorais, por exemplo, seu artigo 22 continha sete disposições restringindo direitos autorais, distorcendo condutas descritas como falsificação e levantando preocupações sobre violação de direitos autorais referentes à liberdade de expressão e educação.
Com a publicação do Código Civil de 1916, as disposições da Lei de Medeiros e Albuquerque foram revogadas, mas seu texto pouco diferiu daquela lei. Os artigos 649 a 673 do Código Civil de 1916 tratavam desse tema sob o título "Propriedade Literária, Científica e Artística", garantindo ao autor o direito exclusivo de reproduzir suas obras literárias, científicas ou artísticas para prolongar sua vida, bem como do que sessenta anos aos seus sucessores, a contar da data do seu falecimento, artigo 649 do Código Civil/16. O artigo 666 estabelece uma lista de dez restrições aplicáveis aos direitos de autor. O debate sobre o depósito de uma obra continuou no Código Civil de 1916, que trata disso em seu artigo 673, que põe em dúvida se tal ato seria uma forma de aquisição de direitos autorais ou uma mera forma de provar de que tal trabalho era realmente seu.
Essa disputa foi resolvida em 1973 com a promulgação da Lei nº 5.988 de 1973, que afastou a ambiguidade do artigo 673 do CC/16. Outra mudança foi o período de proteção dos direitos patrimoniais decorrentes da produção autoral, que passou para a vida do autor mais a vida dos sucessores, se filhos, pais ou esposa, ou sessenta anos, se diferente os sucessores. Este novo diploma era uma compilação de legislação posterior sobre o assunto, em consonância com as instruções da Convenção de Berna, que na época oferecia proteção mínima cinquenta anos após a morte do autor.
O direito autoral é atualmente regido pela Lei nº 9.610 de 1998 (Lei de Direitos Autorais), que, juntamente com a Lei nº 9.609 de 1998 (Lei de Software), abrange as regras básicas de copyright atualmente em vigor. As mudanças mais significativas na Lei de Direitos Autorais foram: redução das restrições de direitos autorais, o que é muito prejudicial aos direitos dos usuários (artigo 46); alteração do prazo de proteção vitalício do autor, acrescido de setenta anos para os sucessores (artigo 41); proteção de bancos de dados (artigo 87); e obrigações relativas aos sistemas DRM (Artigo 107).
O diploma normativo de 1998 foi duramente criticado por grupos de usuários sob o argumento de que seria prejudicial à cultura do país, dificultando o acesso às informações contidas em obras intelectuais. Um exemplo marcante é que a lei proíbe a cópia completa de obras para fins acadêmicos, artigo 46, II, da Lei nº 9.610/98, que se estende ainda na vedação à cópia integral para fins de preservação do original, ou ainda de cópias de publicações que se esgotaram, o que restringe o acesso ao ideal contido nessas obras, contribuindo para o perecimento da próxima geração de novos conhecimentos e a futura criação intelectual. Isso é apresentado como uma proibição pela proibição, e se bem testado, nem mesmo o autor da obra será beneficiado. Segundo Vieira (2018, p. 102):
As restrições ao uso de direitos autorais na legislação atual são tão severas que, por exemplo, permite a leitura em voz alta de uma obra intelectual apenas com a prévia e clara permissão do autor da obra (Lei Direitos Autorais, artigo 29). Em outras palavras, um pai que lê um livro infantil em voz alta para uma criança sem a permissão prévia do autor infringe direitos autorais e está sujeito a responsabilidade civil e criminal. Isso demonstra uma compreensão radical que nenhum autor/editor provavelmente exigiria, mas sim uma combinação de arte. 29, Inc. VIII, com o artigo 4º, não põe em causa o direito de impedir a recitação.
O legislador nacional, percebendo que a sociedade caminha para a informatização, procurou criar um diploma normativo padrão, suficiente para garantir a longevidade da lei. Há expressões amplas que são usadas em sentido ilimitado, como no caso de fixar obras em qualquer base, tangível ou intangível (artigo 7º, da referida lei), ou o uso da obra por quaisquer outras formas de utilização existentes ou que venham a ser inventado, artigo 29, X. Aderindo rigorosamente aos dispositivos acima, torna-se ilegal a gravação de um vídeo tutorial na Internet para visualização posterior ou mesmo de quem transfere música de um CD do seu formato físico para o formato digital.
Em 2003, outra importante alteração legislativa foi feita no Código Penal com a publicação da Lei 10.695, que acrescentou quatro novos parágrafos ao artigo 184 sobre violação de direitos autorais. Atualmente, possui a seguinte redação:
Art. 184 – Violar direito de autor e os que lhe são conexos:
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.
§ 1º - Se a violação consistir em reprodução total ou parcial, com o intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de obra intelectual, interpretação, execução ou fonograma, sem autorização expressa do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor, conforme o caso, ou de quem os represente:
Pena – reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 2º - Na mesma pena do § 1º incorre quem, com o intuito de lucro direto ou indireto, distribui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no país, adquire, oculta, tem em depósito, original ou cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito de autor, do direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma, ou, ainda, aluga original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa autorização dos titulares dos direitos ou de quem os represente.
§ 3º - Se a violação consistir no oferecimento ao público, mediante cabo, fibra óptica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para recebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, com intuito de lucro, direto ou indireto, sem autorização expressa, conforme o caso, do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor de fonograma, ou de quem os represente:
Pena – reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 4º - o disposto nos § 1º, 2º e 3º não se aplica quando se tratar de exceção ou limitação ao direito de autor ou os que lhe são conexos, em conformidade com o previsto na Lei n. 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, nem a cópia de obra intelectual ou fonograma, em um só exemplar, para uso privado do copista, sem intuito de lucro direito ou indireto.
A mudança mais importante para este trabalho está contida no terceiro parágrafo, que caracteriza a divulgação pública de obras intelectuais, criminalizando assim as atividades de compartilhamento de arquivos pela Internet. O texto do quarto parágrafo apresenta um sério problema de interpretação, e é duvidoso que copiar um único exemplar para uso exclusivo do copista sem preservar a intenção deste de lucrar com tal trabalho seja crime.
A aplicação imediata dessas disposições seria uma violação dos princípios que regem o direito penal, pois a utilização de tais recursos para obtenção de conteúdo protegido é apenas uma infração civil sem reflexo na esfera penal, que deve ser utilizada apenas como último recurso, e a possibilidade de crime só pode haver lucro com a atividade exercida, que é dominada pela frase “sem lucro, não há crime”, previsto em tal parágrafo, contrariando o fato de se tratar de norma incriminadora, de fato , é um dispositivo. o que elimina o fato típico quando não há lucro direto.
Para Marcus Vinicius Ribeiro, diretamente do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade do Cruzeiro do Sul e servidor da Defensoria Pública, as infrações penais referidas nos§§ 1 a 3 do artigo 184 do Código Penal são inconstitucionais porque violam os princípios da proporcionalidade, interferência mínima, adequação social, igualdade, etc. Ele também proclama que o direito penal deve atentar apenas para ataques muito graves aos interesses legítimos mais importantes da sociedade, e aplicá-lo apenas quando todos os outros ramos do direito forem insuficientes. Na mesma linha segue Oscar Sarrule (2017), que distingue o uso de proibições penais como justificado apenas quando detectam comportamentos que violem gravemente direitos de terceiros, não podendo ser criados como uma resposta puramente moral aos problemas que surgem, se não apenas como ferramentas de uso preciso para garantir obrigações regulatórias aplicáveis quando não houver outra forma de solucionar o impasse legal.
Desde o início da era moderna, não havia direitos patrimoniais garantidos aos autores que gozavam apenas do direito moral de autoria. Portanto, a única vantagem do prêmio para os criadores era ajudar o patrono. Nesse cenário, o autor viu que estava destinado a determinar a opinião de seus financiadores: magnatas, igreja ou governo. A ideia formada pelo direito autoral deve ter como função primordial a garantia de premiar os autores por seus produtos intelectuais e, assim, garantir sua independência e progresso técnico e cultural para a sociedade. Não há equívoco de que qualquer proteção beneficia a sociedade como um todo, pois ao permitir que os autores vivam do produto de suas obras, esse sistema permite que eles continuem criando.
Como o direito autoral em seu viés patrimonial estabelece uma espécie de propriedade, muito se fala em sua “função social”, atendendo ao disposto nos artigos 5º, XXIII e 170, III da CRFB/88:
Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade nos termos seguintes: XXIII – a propriedade atenderá a sua função social;
Art. 170 – A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observado os seguintes princípios: III – função social da propriedade;
Há noções de que a concordância de que a simples distribuição de uma obra é, por si só, suficiente para garantir o cumprimento da função social da produção intelectual. Essa tendência defende que a função social do direito autoral se limita a uma simples divulgação cultural em benefício da comunidade e do meio social; Eles também argumentam que quanto mais legalmente protegido o trabalho do intelecto, mais incentivos para que seu criador e outras pessoas produzam, mais conhecimento será produzido e mais desenvolvida será toda a sociedade.
Assim, percebe-se que o direito autoral possui duas funções claramente definidas, a saber: a primeira visa ao autor manter a independência e estimular a criação; e o segundo é voltado para a sociedade, incentivando os estímulos culturais e técnicos e o crescimento do país.
Em geral, tais teorias são convergentes e complementares, mas, de fato, tem-se observado que nem sempre é fácil vincular tais aspectos, e notou-se várias vezes que os interesses empresariais dos intermediários acabam por se apropriar de direitos que teoricamente incentivam os autores. Nessa sequência podemos ver os extremos na proteção do autor em detrimento do interesse público na Lei de Direitos Autorais, como a proibição da reprodução integral de uma obra esgotada, mesmo que sem fins lucrativos para uso privado e a falta de clareza que serão "pequenos trechos", o usuário tem o direito de copiar. É importante ressaltar que agregar proteção de direitos autorais a uma obra que é fruto da inteligência humana e restringir seu uso livre nem sempre simboliza benefício para o criador individual da obra. A proteção constante da proteção e restrição do uso livre de obras intelectuais é a bandeira da própria indústria cultural para proteger seus interesses.
Durante setenta anos após a morte do autor, a proteção claramente buscou defender os interesses da indústria, em detrimento da sociedade, pois setenta anos representam duas ou até três gerações de herdeiros. Tal regra mudará, por exemplo, dez anos de proteção após a morte, alguma alteração no incentivo do autor? Algum autor interromperá a obra porque seus bisnetos não poderão mais explorar economicamente seus produtos? Caso contrário, veria-se que sessenta anos a menos de proteção trariam uma enorme vantagem para uma sociedade que poderia ter acesso a conteúdo intelectual com menor custo e limitação. Ascensão (2008, p. 64) afirma que:
O prazo de proteção das obras pelo direito autoral vem aumentando rapidamente nos últimos anos, fazendo com que a entrada delas no domínio público seja sempre adiada em favor dos herdeiros e, principalmente, dos grupos empresariais que se valem desse monopólio para continuarem explorando economicamente a obra no mercado.
A extensão sistemática da proteção de direitos autorais associada a bilhões no comércio de bens culturais parece distorcer a existência de proteção de direitos autorais. Anteriormente, o foco era a identidade do autor e a garantia da existência de seus sucessores, agora o foco é cada vez mais a expansão que o mediador poderá explorar o trabalho intelectual. Por exemplo, nos Estados Unidos, o maior exportador mundial de cultura pop, Wal Disney e Time Warner expirou a proteção de direitos autorais para alguns de seus trabalhos, incluindo Mickey Mouse, que seria de domínio público, o Pluto que em 2003 entrou em domínio público em 2005, e Perna Longa, que se tornou pública apenas em 2001.
No Brasil, a indústria cultural está claramente ampliando suas prerrogativas em detrimento da sociedade. Como exemplo, há a exceção da cópia para uso pessoal, que veio com o Código Civil de 1916, que permitia a cópia manual de qualquer obra que não fosse destinada à venda. Não levando em conta o fato de exigir cópias manuscritas, a lei permitia a reprodução integral da obra. A Lei de Direitos Autorais de 1973 estendeu a ressalva ao permitir a cópia completa para fins não comerciais, mas agora alterou o número da cópia manualmente de qualquer forma. A lógica é que a introdução da cópia manual da lei de 1916 limitou o número de cópias. Pela lei vigente, desde 1998, a redação do dispositivo permitia apenas “reprodução em um só exemplar de pequenos trechos para uso privado do copista, desde que feita pelo mesmo, sem intenção de obter lucro”. O termo "copista" pode significar que tal cópia deve ser escrita à mão, o conceito de passagens curtas pode variar muito dependendo do ponto de vista do detentor dos direitos autorais ou do ponto de vista do usuário. Escrever esta seção em combinação com o artigo quarto da lei, que define uma interpretação negativa do direito autoral, praticamente elimina qualquer possibilidade de cópia. De qualquer forma, é evidente o enfraquecimento dos direitos da sociedade LDA/98, o que repercute negativamente principalmente na educação e na cultura.
Expressar as preferências da sociedade, dos autores e da indústria cultural é uma tarefa difícil, mas fundamental para cumprir a real função social do direito autoral.
2.1 Os requisitos de proteção da obra autoral
Ainda que o autor seja titular de um direito de autor, moral, conexo ou patrimonial, o objeto de proteção deve ser observado, pois “um dos temas mais motivadores da propriedade intelectual é a definição de direito autoral, ou seja, a exigência de caracterizar o que chamamos de criação de espírito ou obra intelectual protegida” (CAMARGO; STEVANIM; SILVEIRA, 2017, p. 01).
Nesse sentido, a Lei de Direitos Autorais (LDA, Art. 7º I a XIII) estabelece uma lista de obras protegidas por direitos autorais, a saber:
Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:
I - os textos de obras literárias, artísticas ou científicas;
II - as conferências, alocuções, sermões e outras obras da mesma natureza;
III - as obras dramáticas e dramático-musicais;
IV - as obras coreográficas e pantomímicas, cuja execução cênica se fixe por escrito ou por outra qualquer forma;
V - as composições musicais, tenham ou não letra;
VI - as obras audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive as cinematográficas;
VII - as obras fotográficas e as produzidas por qualquer processo análogo ao da fotografia;
VIII - as obras de desenho, pintura, gravura, escultura, litografia e arte cinética;
IX - as ilustrações, cartas geográficas e outras obras da mesma natureza;
X - os projetos, esboços e obras plásticas concernentes à geografia, engenharia, topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e ciência;
XI - as adaptações, traduções e outras transformações de obras originais, apresentadas como criação intelectual nova;
XII - os programas de computador;
XIII - as coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de dados e outras obras, que, por sua seleção, organização ou disposição de seu conteúdo, constituam uma criação intelectual.
§ 1º Os programas de computador são objeto de legislação específica, observadas as disposições desta Lei que lhes sejam aplicáveis.
§ 2º A proteção concedida no inciso XIII não abarca os dados ou materiais em si mesmos e se entende sem prejuízo de quaisquer direitos autorais que subsistam a respeito dos dados ou materiais contidos nas obras.
§ 3º No domínio das ciências, a proteção recairá sobre a forma literária ou artística, não abrangendo o seu conteúdo científico ou técnico, sem prejuízo dos direitos que protegem os demais campos da propriedade imaterial. (BRASIL, 1998).
Note-se que na última parte do caput do artigo citado, o termo “tal como” significa que o legislador escolheu uma lista de amostra, pelo que as obras não se limitam a esta lista, mas devem seguir esta linha de interpretação; por outro lado, a lei não esclarece suficientemente os requisitos para o que faz uma obra protetiva. (CAMARGO; STEVANIM; SILVEIRA, 2017). Se, por um lado, o legislador fez uma lista de obras protegidas por direitos autorais, então no próximo artigo, o artigo 8 da LDA, o legislador fez uma lista de obras que não gozam de direitos autorais. Assim, o artigo 8º do LDA define:
Art. 8º Não são objeto de proteção como direitos autorais de que trata esta Lei:
I - as ideias, procedimentos normativos, sistemas, métodos, projetos ou conceitos matemáticos como tais;
II - os esquemas, planos ou regras para realizar atos mentais, jogos ou negócios;
III - os formulários em branco para serem preenchidos por qualquer tipo de informação, científica ou não, e suas instruções;
IV - os textos de tratados ou convenções, leis, decretos, regulamentos, decisões judiciais e demais atos oficiais;
V - as informações de uso comum tais como calendários, agendas, cadastros ou legendas; VI - os nomes e títulos isolados;
VII - o aproveitamento industrial ou comercial das ideias contidas nas obras. (BRASIL, 1998).
Diferentemente do artigo anterior, o artigo 8º da LDA é uma lista exaustiva, o legislador decidiu encerrar e estabelecer quais obras não são protegidas por direitos autorais (RAPOSO, 2017). É extremamente importante impor tais restrições, pois "reivindicar o monopólio de um método ou sistema através da exclusividade da versão literária ou científica relevante significaria transformar o direito autoral em um substituto para preencher lacunas ou obstáculos na chamada propriedade industrial" (DUVAL apud BIBLIOTECA NACIONAL, 2021, 01), ou seja, esta lista inclui obras pertencentes a outros ramos da propriedade intelectual, que, protegidas por direitos autorais, confundiriam os requisitos da propriedade industrial, inibindo a propriedade científica de desenvolvimento.
As criações e obras intelectuais são pertencentes a uma autoria, e a legislação de direitos autorias, no seu artigo 11º, traz a seguinte definição: “Autor é a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica” (BRASIL, 1998). No mesmo sentido, entende-se que autor:
É a pessoa física criadora de obra intelectual (literária, artística ou científica). O autor é definido por sua contribuição intelectual e/ou artística na composição de uma obra, os demais envolvidos são compreendidos como colaboradores. É, também, titular de direitos de autor quem adapta, traduz, arranja ou orquestra obra caída no domínio público. (UNASUS, 2014, p. 6).
Ou seja, aquele de que alguma forma cria e expande de forma artística ou intelectual, uma criação. É certo que os direitos morais do autor não podem ser transferidos, mas os direitos patrimoniais das obras são comumente transferidos:
[...]embora a LDA proíba a negociação dos direitos morais de autor, permite que a titularidade dos direitos patrimoniais, sobretudo voltados para a exploração econômica da obra intelectual, seja alienada enquanto bem móvel para qualquer terceiro, desde que observadas as suas disposições normativas. (BABINSKI; PARAHYBA, 2015, p. 8).
Desta forma os direitos patrimoniais podem ser dispostos pelo autor para serem explorados economicamente por terceiros interessados, porém respeitando os direitos morais do autor. A LDA (art. 15 e §§ 1º e 2º) também traz a figura do coautor:
Art. 15. A coautoria da obra é atribuída àqueles em cujo nome, pseudônimo ou sinal convencional for utilizada.
§ 1º Não se considera coautor quem simplesmente auxiliou o autor na produção da obra literária, artística ou científica, revendo-a, atualizando-a, bem como fiscalizando ou dirigindo sua edição ou apresentação por qualquer meio.
§ 2º Ao coautor, cuja contribuição possa ser utilizada separadamente, são asseguradas todas as faculdades inerentes à sua criação como obra individual, vedada, porém, a utilização que possa acarretar prejuízo à exploração da obra comum. (BRASIL, 1998).
O coautor tem participação direta na obra, participando juntamente com o autor na criação da obra, pois “a obra em coautoria é aquela criada em conjunto, por dois ou mais autores, numa parceria intelectual (literária, artística ou científica). Nesse caso, o crédito da obra deve ser atribuído a cada um dos autores e todos eles deverão autorizar o seu uso[...]” (RAPOSO, 2017, p.7), porém há de se destacar que a coautoria é o desenvolvimento intelectual em conjunto, e não apenas um auxílio, como traz o parágrafo 1º de citado artigo, como dita a Universidade Aberta do SUS (2015, p.7):
[...] O mero auxílio em tarefas que não sejam direta e essencialmente criadoras não constitui um papel de 'criação' intelectual, mas apenas uma colaboração. Não se considera coautor quem simplesmente auxiliou o autor na produção da obra literária, artística ou científica, revendo-a, atualizando-a, bem como fiscalizando ou dirigindo sua edição ou apresentação por qualquer meio. Assim sendo, um colaborador não é um coautor, não cabendo a ele atribuição de direitos autorais.
Sendo assim, o autor é aquele que cria a obra, e o coautor é aquele que cria em conjunto, e não apenas a pessoa que auxilia o autor. Assim, a Lei de Direitos Autorais (art. 12) estabelece algumas hipóteses para que o autor se identifique na obra: “Art. 12. Para se identificar como autor, poderá o criador da obra literária, artística ou científica usar de seu nome civil, completo ou abreviado até por suas iniciais, de pseudônimo ou qualquer outro sinal convencional” (BRASIL, 1998), ou seja, o autor poderá colocar sua própria identificação na obra ou criação para fazer prova de autoria, como dita o artigo seguinte: “Art. 13. Considera-se autor da obra intelectual, não havendo prova em contrário, aquele que, por uma das modalidades de identificação referidas no artigo anterior, tiver, em conformidade com o uso, indicada ou anunciada essa qualidade na sua utilização”. (BRASIL, 1998).
Dessa forma o autor terá recurso para comprovar a autoria, caso não haja prova em contrário. Uma forma eficaz de comprovar a autoria é o registro, que é trazida pela da Lei 5.988/1973, parcialmente substituída pela Lei 9.610/1998, porém seu artigo 17º ainda vigora e diz o seguinte:
Art. 17. Para segurança de seus direitos, o autor da obra intelectual poderá registrá-la, conforme sua natureza, na Biblioteca Nacional, na Escola de Música, na Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no Instituto Nacional do Cinema, ou no Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia. (BRASIL, 1973).
Ou seja, para garantir a segurança da autoria da obra, o autor poderá realizar o registro em instituição correspondente. Vale ressaltar que mesmo sem o devido registro a obra é defendida pelos direitos autorais, isso é colocado na própria LDA no seu artigo 18º, onde diz que “a proteção aos direitos de que trata esta Lei independe de registro” (BRASIL, 1998).
O registro das obras intelectuais não cria direitos do autor, mas apenas meios de comprovação de autoria:
Embora não constitua nenhum direito, pois vimos que a proteção jurídica nasce com a criação da obra intelectual, o registro pode se constituir em importante meio de prova de anterioridade da obra, em caso de alguma disputa judicial ou não, pois confere publicidade à sua criação e proteção. No entanto, caso se comprove que a obra fora criada antes por outra pessoa que não a registrou, de nada valerá o registro (RAPOSO, 2017, p. 11).
Entende-se então que caso seja feita o registro posterior de uma obra já registrada, a tentativa posterior não valerá, e em uma situação de disputa judicial, haverá o registro para comprovar a autoria em instituição correspondente, sem a necessidade de criação de meio de prova.
2.2 Das Limitações
Além de proteger criadores, coautores e detentores de direitos autorais, os direitos autorais cumprem a função social de difundir a cultura em benefício da comunidade e do meio social. (SANTOS, 2009, p. 87)
Esses direitos são restringidos para que possam devolver à sociedade o uso e gozo dos privilégios concedidos a um autor que dele tenha retirado elementos para criar sua obra na seção de direitos. O acesso ao conhecimento visa construir um espírito crítico quer através de uma variedade de obras quer através do acesso obrigatório a estas fontes de conhecimento. A isenção, em algumas situações, da autorização prévia de autores e proprietários de obras intelectuais para seu uso, atende e afasta o interesse público e é classificada como restrição de direitos privados. (ABRÃO, 2014, p. 338)
Convenções internacionais nesse sentido contêm disposições sobre a função social desses direitos, que visam abrir exceções ao acesso de terceiros às obras. Na Convenção de Berna, por um lado, preconiza a proteção desses direitos de forma efetiva e uniforme, por outro, deixa a cada Estado-membro a possibilidade de reprodução de obras em casos especiais de dano. O Acordo TRIPS não reconhece direitos morais, mas menciona uma exceção à proteção de ideias e medidas para evitar o uso indevido de direitos de propriedade intelectual por seus titulares e práticas que restringem indevidamente o comércio e a transferência de tecnologia. (ABRÃO, 2014, p. 339)
O artigo 5º de nossa lei introdutória estabelece que, ao aplicar a lei, o juiz atenderá aos objetivos públicos a que se dirige e às exigências do bem comum. E o parágrafo único do artigo 2.035 do Código Civil afirma que nenhuma convenção terá precedência se contrariar os requisitos de ordem pública, por exemplo, estabelecidos no código para garantir a função social. Assim, a ordem pública é conceituada como um conjunto de normas que ampliam os interesses do coletivo em detrimento do individual, e essas regras transitam entre o controle sobre a constitucionalidade das leis, protegendo o interesse público para coibir o abuso da privacidade. Seu conceito também está associado a bons costumes, regras não legais de interação social baseadas na boa-fé e honestidade. (ABRÃO, 2014, p. 340)
No ordenamento jurídico brasileiro, essas restrições estão contidas no artigo 46 da LDA, e sua interpretação tem um papel abrangente. Este artigo abrange algumas exceções, como o uso da imprensa, retratos, pessoas com deficiência visual, citações, uso de professores, benefícios de marketing e muito mais. Mas uma parte interessante, é o inciso II, que trata da reprodução de pequenas partes da cópia para uso do copista, conforme falado em tópicos anteriores. (BRANCO, 2007, p. 68)
Conforme artigo:
Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais: II - a reprodução, em um só exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro;
O artigo 666, IV do Código Civil/16 previa a cópia manuscrita de um exemplar se não se destinasse à venda, e na legislação anterior, enquanto a Lei 5.988/73 previa a possibilidade de reprodução da obra na íntegra, desde que não fosse para lucro. Isso foi permitido porque ficou então entendido que o autor não era prejudicado por nenhum interessado no material, pois a tecnologia de cópia não era tão avançada. Os métodos de cópia mudaram ao longo do tempo, e percebeu-se que essa prática está se tornando prejudicial aos autores, por isso o legislador LDA/98 decidiu fazer essa alteração no texto. (BRANCO, 2007, p.77)
Assim, após a entrada em vigor da LDA, a cópia de uma obra inteira para uso privado, como a reprodução de livro ou a reprodução integral de um CD, torna-se ilegal, mesmo sem a intenção de um lucro. Às vezes, torna-se quase impossível rastrear essa prática, mas mesmo assim, grandes indústrias têm sido propícias ao apoio à defesa. Esse argumento é essencialmente consistente, por exemplo, se várias pessoas no país começaram a fazer cópias de uma publicação recente para fins particulares. Para o autor, isso seria uma grande perda de receita, dada a possibilidade de venda de obras. Assim, o trabalho privado está previsto em convenções internacionais e no artigo de pedra da Constituição brasileira, uma cópia completa é civilmente ilegal, mas não caracteriza crime. (ABRÃO, 2014, p. 347)
Como se vê, os argumentos são bem fundamentados, mas a decisão do legislador e a forma como o texto legal está disposto, levam a sérios problemas de interpretação. A própria complexidade da fiscalização já é um grande problema, pois muitas pessoas cometem essas ações ilícitas sem sequer saber sua atitude. A lei também não indica obras recém-publicadas ou obras raras ou pouco disponíveis, nem especifica um número igual a "pequenas passagens", deixando um espaço para ser interpretado. (BRANCO, 2007, p. 79)
A Convenção de Berna prevê a instituição da lei anglo-saxônica, o “fair use", ou seja: o uso justo de uma obra, independentemente de permissão prévia de direitos autorais, e, em suas disposições, permite que cada estado permita e identifique casos especiais. No ordenamento jurídico brasileiro, para atender a esse entendimento, adota a chamada “regra dos três passos”. Qualquer uso livre de uma obra deve atender às seguintes condições: a) a reprodução em si não pode ser o objetivo principal da nova obra, ou seja, a reprodução parcial ou completa deve servir apenas como referência ou exemplo e não como material novo; b) a reprodução em si não deve prejudicar o funcionamento normal da obra reproduzida, ou seja, se alguém quiser comprar uma obra de determinado autor, não deve deixar de comprar este livro em favor de outro que exponha fragmentos da obra para crítica, causando distração; c) não causar danos injustificados à nova obra aos autores, como a posição do autor, que vive sob pequena licença de obras, se for necessário confirmá-la com auxílio da lei. (ABRÃO, 2014, p. 354)
Como dito, se um artista vive da renda das licenças, qualquer atitude contrária pode gerar prejuízos, mas deve ser injustificada, conforme a lei. Uma lei que proíba danos injustificados também pode justificar danos de tal forma que entre barrar o acesso a todos em benefício da cultura e do conhecimento e entre reconhecer a exclusividade individual, o advogado entenda a prevalência da coletividade. Devido à incerteza das interpretações, resta aguardar um entendimento pacífico da lei e a definição de seus limites, e entretanto, resolvendo o conflito será a interpretação de cada caso utilizando os princípios acima. (ABRÃO, 2014, p. 355)
Resumindo o posicionamento anteriormente estabelecido de acordo com os artigos da LDA e do Código Penal e com base nas explicações de Eliane Abrão (2014) e Sérgio Branco (2007), a efetuação de cópias de CDs, DVDs, copiar arquivos ou baixar para um computador não é crime se o uso for para uso privado e sem fins lucrativos. Vender ou distribuir sem a devida autorização, como um vendedor ambulante vendendo comida na rua, é crime. No contexto da Internet, embora seja um mundo virtual, ainda é regida por regras LDA e com a promoção da disponibilidade de arquivos, principalmente por meio de um sistema peer-to-peer que consiste em compartilhamento de usuários, entende-se que o downloader ou seja, disponibilizar os materiais a outros usuários, incorreria em infração civil e criminal.
Aqui está um exemplo de ação movida pela 21ª Vara da Capital de São Paulo, mencionada na obra de Sérgio Branco (2007, p. 101), em que o dono do site publicou cerca de 40% do livro sobre perícia judicial e o autor do livro se sentiram ofendidos e o processaram por danos morais e materiais. A sentença não indenizou danos morais, mas causou danos materiais no valor de R$ 42.300,00. O cálculo desse valor foi baseado no custo das páginas publicadas, 14,11 reais contra 35,00 reais do livro inteiro, e multiplicado pelo número de pessoas que visitaram o site. A decisão referia-se ao inciso II do artigo 46, que o autor considerou errôneo, pois deveria ter entrado no inciso III do mesmo artigo, pois era para fins de estudo ou crítica.
Dada a atividade dos indivíduos no mundo digital, a decisão de buscar reparação por via judicial é sempre uma via extrema, tendo em conta os custos envolvidos e a demora na decisão. É fácil concluir que as medidas extrajudiciais são a melhor forma de compensar essas perdas perceptíveis. (BRANCO, 2007, p. 101)
Segundo Eliane Abrão (2014), além da falta de interpretação da norma LDA para cópia de obras, afirma que o principal problema que prejudica autores e indústrias é a incapacidade de monitorar todos essas distribuições, que somente a severidade da lei não atinge o objetivo de evitar essas falhas. Em um sistema peer-to-peer, identificar os usuários é demorado e difícil, pois fontes podem vir de todo o mundo e ir à justiça para recuperar os danos dos proprietários, dependendo do valor do material conjunto e das condições do infrator. Analisando o funcionamento e o comportamento atual dos internautas, podemos ver que a maioria deles já baixou um arquivo de uma fonte ilegal, e mais ainda, por exemplo, o sistema discorrido acima, provavelmente compartilhou esse arquivo sem conhecimento, porque os programas geralmente são baixados automaticamente, o que requer intervenção do usuário para evitar que isso aconteça.
Pesquisando jurisprudências em tribunais pátrios, a maioria segue as mesmas formas, sendo os infratores vendedores não autorizados de mídias físicas e que hora são condenados, hora são absolvidos por estado de necessidade, como se infere:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL. ART. 184, § 2º, DO CP. VIOLAÇÃO DE DIREITOS AUTORAIS. PIRATARIA. CDS E DVDS. ESTADO DE NECESSIDADE. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO QUE SE IMPÕE NA VIA ESTREITA DO RECURSO ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME DA PRETENSÃO MINISTERIAL. SÚMULA 7/STJ. 1. No que diz respeito à prática criminosa descrita no art. 184, § 2º do Código Penal, o tribunal de origem, soberano na análise dos fatos da causa, entendeu a inviabilidade de diversas condutas e concluiu que a exclusão do ilícito relacionava-se ao estado de necessidade. 2. É duvidoso que a análise do recurso implique em intromissão na prova, medida de proteção no âmbito de recurso especial, nos termos da Súmula 7/STJ. 3. A reclamação regimental não deve ser satisfeita, porque as razões colhidas na insurreição não são capazes de anular o entendimento baseado na decisão impugnada. 4. Queixa regimental imprópria. (STJ - AgRg no REsp: 1407834 SP 2013/0331276-2, Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de Julgamento: 14/10/2014, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 31/10/2014)
Podendo destacar como julgado de condenação:
APELAÇÕES CRIMINAIS. CRIME CONTRA A PROPRIEDADE INTELECTUAL. VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL (ART. 184, § 2º, DO CÓDIGO PENAL). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSOS DEFENSIVOS. ALEGADA FALTA DE COMPROVAÇÃO DA MATERIALIDADE, PORQUE O TERMO DE APREENSÃO NÃO ESTÁ ASSINADO POR 2 (DUAS) TESTEMUNHAS. NÃO ACOLHIMENTO. DESCRIÇÃO QUANTITATIVA DOS OBJETOS APREENDIDOS, COM A RESPECTIVA ASSINATURA DA AUTORIDADE POLICIAL, DO ESCRIVÃO DE POLÍCIA DO AGENTE APREENSOR. ATOS DAQUELES QUE LANÇARAM SUAS ASSINATURAS NO DOCUMENTOS DOTADOS DE PRESUNÇÃO DE VERACIDADE. LAUDO ELABORADO PELO PERITO CRIMINAL QUE RELATOU PORMENORIZADAMENTE OS MATERIAIS ENCAMINHADOS PARA EXAME CUJA CONCLUSÃO ATESTOU CLARAMENTE A "PIRATARIA" DOS PRODUTOS. AUSENCIA DE PREJUÍZO. MERA IRREGULARIDADE. PRETENDIDA A ABSOLVIÇÃO DOS RÉUS. INVIABILIDADE. DEPOIMENTOS COLHIDOS QUE COMPROVAM A DESTINAÇÃO COMERCIAL DOS BENS APREENDIDOS. CONDENAÇÕES MANTIDAS. RECURSOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS.(TJ-SC - APR: 20130638799 SC 2013.063879-9 (Acórdão), Relator: Volnei Celso Tomazini, Data de Julgamento: 28/07/2014, Segunda Câmara Criminal Julgado)
É possível ainda encontrar casos de processos sobre sites que publicaram conteúdo sem autorização e foram condenados:
DIREITO DE AUTOR – Associação de proteção de direitos autorais - Site www.baixandolegal.org, que disponibiliza links que permitem baixar programas, livros e filmes sem pagar pelos direitos autorais. Embora o requerente não atuasse como provedor de compartilhamento de arquivos, era uma forma de vincular hipertexto, permitindo downloads não autorizados de obras protegidas, e mais, apontou obras que poderiam ser baixadas, o que incentiva e promove a violação de direitos autorais - Não é apenas uma informação de "guia" porque escolheu o conteúdo a ser baixado e não pôde ignorar a violação porque direcionou os usuários para hiperlinks ou mecanismos de busca que violavam o material protegido e que geralmente admitiam ter problemas legais, sem limitação - Prática que trouxe economia benefícios sob a forma de publicidade - Obrigação de reembolso - Recurso não fornecido. (TJ-SP - APL: 01213018520128260100 SP 0121301-85.2012.8.26.0100, Relator: Alcides Leopoldo e Silva Júnior, Data de Julgamento: 09/08/2016, 1ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 09/08/2016)
Analisando-se os acórdãos apresentados, o que se observa é o alcance da justiça apenas para o comércio ilegal de mídias física e sites que facilitem sua identificação. Ainda não há julgamento sobre o carregamento de conteúdo com um sistema peer-to-peer, sistema que pode aumentar o tráfego para conteúdo distribuído ilegalmente, conforme identificado anteriormente. O mais próximo do que aconteceu foi a condenação desses sites, que disponibilizavam links para acesso. Recentemente, em 2016, a Polícia Federal lançou uma operação chamada "Barba Negra" para fechar sites que disponibilizavam links para filmes e séries de TV e prender seus proprietários, cuja renda era gerada por meio de publicidade gerada por usuários.
Como já explicado, devido à grande dificuldade de rastreamento dos infratores no ambiente digital, o sistema de justiça repressivo é ineficaz, sugerindo que a saída para reduzir essas práticas não é a punição pós-evento, mas sim a ação para que não ocorra.
3 CONCLUSÃO
Conforme explorado aqui, parece que desde seu início, a Internet trouxe consigo um alto grau de instabilidade e insegurança de direitos autorais. Diante desse novo contexto, Fragoso observa que para alguns a Internet representa mais do que uma simples expansão do campo da expressão artística, científica e literária; representa um verdadeiro novo direito ao desenvolvimento. Para outros, a Lei de Direitos Autorais existente cobre integralmente todas as novas situações trazidas por este novo e complexo ambiente digital.
A evolução tecnológica, que inicialmente levou a uma crise no mercado da música, acabou por se tornar um fomentador da indústria e do mercado fonográfico em geral, provocando uma resposta de sobrevivência por parte dos consumidores e fornecedores, alterando assim as formas de consumo.
Hoje, a música é consumida não apenas por meio de mídia física, que antes limitava o acesso a um dispositivo capaz de ler mídias já recebidas. A música agora pode ser escutada sem restrições, com o usuário tendo acesso a todos os conteúdos disponibilizados pelos serviços, em qualquer lugar e a qualquer hora, o que significa que toda a experiência dos consumidores de música mudou e melhorou.
Do ponto de vista jurídico, essa crise acarretou inicialmente no aumento das ações criminais relacionadas ao direito autoral, dadas as tentativas desesperadas de coibir a pirataria, causando uma necessidade crescente de mudanças no aspecto civil, fato que culminou com a promulgação da Lei 9.610 /98 e posteriores alterações pela Lei 12.853/13.
Com o advento da Lei 9.610/98, os direitos morais e patrimoniais foram mais bem definidos, regulamentando os direitos autorais e conexos à luz das garantias previstas na Constituição de 1988.
No entanto, a velocidade com que as novas tecnologias estão se desenvolvendo é ainda maior do que no período crise eclodiu pela primeira vez, fato que exige constante atualização e manutenção da legislação para que possa atender às novas necessidades e solicitações de autores e titulares de direitos conexos.
Um exemplo disso é o recente debate sobre a aplicação do Estado. A LDA, ao estabelecer seu conceito, previa execuções em locais de atendimento coletivo, mas o conceito de atendimento coletivo não é mais suficiente para determinar se, por exemplo, mídias digitais são contempladas, uma vez que a interatividade, como no caso do streaming, pode mudar todo o cenário em mídia digital. Embora não existam medidas legislativas eficazes, os conceitos têm sido delineados na jurisprudência caso a caso.
Há uma necessidade constante de respostas legislativas e legais para definir e flexibilizar as regras de direitos autorais, fato que acaba por provocar iniciativas alternativas, como a criação de licenças baseadas em Creative Commons, conforme explicado acima.
Além disso, tais mudanças provocaram uma revolução na celebração de contratos relacionados aos titulares de direitos autorais e conexos no mercado fonográfico. Os instrumentos legais devem ser adaptados a esta nova realidade digital, fato que tem tornado os contratos cada vez mais abrangentes, para definir de forma clara e clara a transmissão e licenças dos direitos concedidos, bem como os meios e meios autorizados em cada um desses contratos.
Tendo em vista a premissa do copyright de interpretação textual mais restritiva, foi necessário reorganizar os projetos de tratados para que o texto das disposições relativas à transferência e licenciamento de direitos pudesse abranger com precisão os meios digitais e meios que muitas vezes ainda não foram inventados e/ ou consolidada no mundo. Assim, os contratos terão a oportunidade de permanecer válidos e eficazes mesmo nas condições de desenvolvimento acelerado de novas tecnologias relacionadas ao mercado digital.
O desafio para a indústria da música e os proprietários de direitos autorais nesse contexto é apoiar e preservar efetivamente seus trabalhos e conteúdo.
O direito autoral ainda tem um longo caminho a percorrer antes que possa se adaptar verdadeiramente às novas tecnologias. Enquanto esperamos, o bom senso e a aplicação das regras existentes por analogia parecem ser a melhor forma de resolver os conflitos que enfrentaremos.
REFERÊNCIAS
ABRÃO, Eliane. Y. Direitos de Autor e Direitos Conexos. São Paulo: Migalhas, 2014.
ASCENSÃO, José de Oliveira. O direito intelectual em metamorfose. Revista de direito autoral, Ano II. n. IV, fev., 2008.
BRANCO, Sérgio. A lei autoral brasileira como elemento de restrição à eficácia do direito humano à educação. Sur, Rev. Int. direitos human. [online]. 2007, v.4, n.6, p.120-141. ISSN 1806-6445
BRASIL. FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL. O que não é protegido como direitos autorais? 2021. Disponível em: https://www.bn.gov.br/pergunta-resposta/que-nao-protegidocomo-direitos-autorais. Acesso em: 25 de maio de 2023.
CAMARGO, Isadora; ESTEVANIM, Mayanna; SILVEIRA, Stefanie C.da. Cultura Participativa e Convergente: O Cenário que Favorece o Nascimento dos Influenciadores Digitais. Artigo publicado na Revista Communicare. Vol.17 - Edição especial de 70 anos da Faculdade Casper Líbero, 2017.
RAPOSO, João Francisco; SAAD, Elizabeth. Prosumers: colaboradores,cocriadores e influenciadores. Artigo publicado na Revista Communicare. Vol.17 - Edição especial de 70 anos da Faculdade Casper Líbero, 2017.
SARRULE, Oscar apud GRECO, Rogério. Curso de Direito Parte Geral. 19. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2017.
UNASUS (Brasil). Perguntas & Respostas sobre Direito Autoral. 2015. Disponível em: https://www.unasus.gov.br/uploads/pagina/ACESSO_ABERTO/perguntas_e_respostas_sobre _direitos_autorais.pdf. Acesso em: 17 de maio de 2023.
VIEIRA, Alexandre Pires. Direito Autoral na Sociedade Digital. 2ª ed. São Paulo, SP: Montecristo Editora, 2018.
Graduando em Direito pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MENEZES, Gustavo Grana Pereira de. Direito autoral na era digital Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 jun 2023, 04:17. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/61777/direito-autoral-na-era-digital. Acesso em: 21 nov 2024.
Por: Maria Laura de Sousa Silva
Por: Franklin Ribeiro
Por: Marcele Tavares Mathias Lopes Nogueira
Por: Jaqueline Lopes Ribeiro
Precisa estar logado para fazer comentários.