DANIEL CARDOSO GERHARD
(orientador)
RESUMO: Este artigo analisa as alterações trazidas pela Lei nº 14.230 de 25 de outubro de 2021 que modificou substancialmente a Lei de Improbidade Administrativa (LIA), tendo grande impacto na atuação de gestores na administração pública e sua responsabilização pelos seus atos. Por intermédio do presente artigo tem-se como escopo examinar as mudanças legislativas e sua repercussão. Esta pesquisa tem o importante papel de trazer o tema de improbidade administrativa de modo sucinto e prático. A metodologia aplicada foi a análise bibliográfica de doutrinas, artigos científicos e as legislações relacionadas ao tema.
SUMMARY: This article analyzes the changes brought about by Law nº 14.230, of October 25, 2021, which modified the Administrative Improbity Law (LIA), having a great impact on the performance of managers in public administration and their accountability for their actions. Through this article, the scope is to monitor legislative changes and their repercussions. This research has the important role of bringing the subject of administrative impropriety in a succinct and practical way. The applied methodology was the bibliographical analysis of doctrines, scientific articles and legislation related to the theme.
Palavras Chaves: Agente público; Lei de Improbidade Administrativa; Gestão pública; Atos ilícitos; Sanções.
1.INTRODUÇÃO
Este artigo analisa as repercussões da nova Lei de Improbidade Administrativa, Lei 14.230/2021, que alterou significativamente a legislação anterior da Lei 8.429/1992, doravante designada como “LIA”. Tendo como finalidade aprofundar as principais alterações trazidas pela nova legislação e um comparativo com a legislação anterior.
A legislação sobre Improbidade Administrativa formalizou a obrigação dos servidores públicos de observar, além das disposições legais, os princípios que regem a administração pública no desempenho de suas funções. O administrador público é apenas o representante da sociedade, logo, deverá pautar suas ações na Lei e no atendimento do interesse público.
Segundo NEVES e OLIVEIRA (2017), o tema possui grande relevância para o interesse público:
Trata-se de tema atual e de extrema relevância para o país, pois envolve a ética na gestão de recursos públicos por parte dos agentes públicos e dos particulares que se relacionam com a Administração Pública (...) no contexto brasileiro, o tema da improbidade administrativa encontra-se na ordem do dia, com destaque para a interpretação e a aplicação da Lei nº 8.429/1992, considerada um dos principais instrumentos no combate à corrupção administrativa. (NEVES e OLIVEIRA; 2017; pag. 23)
A abordagem desse artigo será a apresentação das principais mudanças legislativas na matéria de improbidade administrativa, como: a alteração da responsabilização do agente público, que em texto expresso há a exigência de dolo, não sendo admitido o dolo genérico, pois a finalidade de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade passou a ser explícita no texto legal.
Para mais, para que seja considerado ímprobo, o ato deve derivar de vontade livre e consciente do agente público de causar algum tipo de prejuízo ao erário, ferir os princípios da Administração Pública ou enriquecer ilicitamente, não bastando à voluntariedade ou o mero exercício da função; não podendo ser punida como improbidade a ação ou omissão decorrente de divergência na interpretação da lei.
A nova legislação trouxe também alterações que configuraram a prática do nepotismo como modalidade de improbidade; houve alteração no prazo prescricional, assim como na titularidade da propositura da ação. E por fim, as sanções sofreram mudanças relevantes.
Como consequência lógica dessa pesquisa, emitir-se-á um posicionamento conclusivo acerca das diversas alterações legislativas apresentadas, pautado na doutrina, na jurisprudência e no raciocínio lógico e crítico.
Referente à metodologia, será utilizada a pesquisa bibliográfica sob o método de abordagem dedutivo - partindo de teorias e leis mais gerais para ocorrências de fenômenos particulares - com o objetivo de estabelecer um diálogo reflexivo entre a teoria e o objeto da investigação escolhida.
2.IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Para se chegar a uma melhor interpretação da lei de Improbidade Administrativa, é necessário entender a semântica de certas palavras e a definição de certos termos, a começar por “improbidade”. Etimologicamente, a palavra improbidade vem do latim improbitas (atis), que denota má qualidade de algo. Improbus, - que deu origem à palavra ímprobo -, significa mau, má qualidade. Por outro lado, probus significa bom ou de boa qualidade. Assim, ao citar o administrador desonesto, há que ter em conta que não estamos necessariamente a referir-nos à sua característica de desonesto ou de má-fé, mas também é possível que tal expressão seja invocada para designar uma administração de má qualidade (Fernandes F.S., 2018, p. 101).
ANDREUCCI (2017) adota o termo improbidade de maneira unidimensional, sem imiscuir nele conceitos sobre a qualidade da administração:
Improbidade é desonestidade, indicando qualquer ato que infringe a moralidade pública. O ato de improbidade administrativa afronta a honestidade, a boa-fé, o respeito à igualdade, às normas de conduta aceitas pelos administrados, o dever de lealdade, além de outros postulados éticos e morais (Andreucci, 2017, p. 496).
O agente público quando munido de dinheiro público deve observar acima de tudo o interesse social, tendo uma proporcionalidade entre valor gasto e o benefício à sociedade. O administrador do dinheiro público não é titular dos bens que administra, sendo de sua competência praticar apenas os atos administrativos que tenham uma motivação válida e real, em benefício do povo, sob pena de responder pelo que praticou, se agir de má fé e faltar zelo.
Conforme PRESTES (2016), a Administração Pública começou a se organizar nos séculos XVIII e XIX, uma época de prevalência do Estado Absolutista, onde o poder era centralizado impedindo qualquer desenvolvimento público. Não existia entendimento normativo baseado em princípios constitucionais; havia somente obras e regras esparsas que originariam conceitos de direitos constitucionais e administrativos.
Com o surgimento do Estado de Direito houve uma contenção do poder absoluto com uma ideologia extremamente poderosa para todos aqueles que lutam contra o autoritarismo e o totalitarismo, transformando-se num dos principais pilares do regime democrático.
Para RAZ (1979), p. 212, o Estado de Direito em seu sentido amplo “significa que as pessoas devem obedecer às leis e serem reguladas por elas. Porém, em uma teoria política e jurídica, ele deve ser lido de uma maneira mais estrita, no sentido de que o governo deve ser regulado pelas leis e submetido às mesmas”. Nesse sentido, o Estado não possui uma autoridade suprema, onde seus atos estão isentos de qualquer sanção e responsabilidade.
No ordenamento jurídico brasileiro, a ideia de improbidade administrativa teve uma notoriedade com a Proclamação da República em 1889, no entanto somente com a Constituição Federal Brasileira de 1946 (art. 141, §31) que existiu formalmente o tratamento sobre o tema, que posteriormente houve alteração com Constituição Federal de 1967 (art.150, §11), depois modificada pela EC. nº 1/1969 (art.153, §11), conforme CARVALHO FILHO (2018).
Nesse contexto foi inserido nas premissas do direito constitucional brasileiro a prevenção e correção de distorções da administração pública por parte de seus agentes. COSTA (2000) ressalta que o instituto da improbidade como delito disciplinar, embora com eficácia contida, foi consagrado no art. 37, § 4º, da Constituição Federal Brasileira de 1988:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e do Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
[...] § 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível (BRASIL, 1988).
Em síntese, pode-se definir a improbidade administrativa como sendo ato ilegal ou contrário aos princípios básicos da Administração Pública, cometido por agente público, durante o exercício de função pública, ou até mesmo por pessoa que não configura agente público, mas que participa ou se beneficia da prática de ato de improbidade, sendo sujeito às penalidades previstas na lei.
Conforme MATTOS (2012), infelizmente sempre existiram pessoas com má intenção, se corrompendo por poder e status, o que também ocorre na própria administração pública, a presença de pessoas que não apresentam o mínimo de zelo exigido para o exercício de sua função. Portanto para punição de pessoas com má índole é necessário sanções para suas condutas que visam benefício próprio e não do interesse público.
No que tange a um conceito legal sobre improbidade administrativa, o legislador ordinário quando a editou a Lei n.º 8.429/1992, o conceito de improbidade administrativa consistia, originariamente, na violação a todo e qualquer princípio da Administração Pública, com a apresentação de condutas exemplificativas.
Ademais, o legislador tratou de organizar os atos de improbidade em três grupos, sendo eles: a) os atos de improbidade administrativa que importam enriquecimento ilícito (Cap. II, Seção I, art. 9 da LIA); b) os atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário (Cap. II, Seção II, art. 10 da LIA) e; c) os atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da Administração Pública (Cap. II, Seção III, art. 11 da LIA).
A nova redação legislativa trazida pela Lei n.º 14.230/2021 alterou demasiadamente a redação do art. 1 da LIA, trazendo novos elementos ao tipo, e ainda restringindo o entendimento do que constitui ato de improbidade administrativa, como iremos aferir no decorrer do presente artigo.
Logo, a LIA deixou de dar conceituação única e ampla para todos os atos de improbidade, passando a tratar como atos ímprobos somente os praticados com dolo e tipificados nos artigos 9, 10 e 11 do mesmo diploma normativo. Salienta-se que o legislador evidenciou, por meio da redação dada ao § 1º do art. 1º, que o rol do artigo 11 – anteriormente exemplificativo – ora é taxativo, não existindo espaço para o entendimento de que condutas diversas das ali tratadas possam constituir ato de improbidade.
Vale ressaltar que a LIA não deve ser aplicada apenas às irregularidades ou infrações à disciplina, pois essas ações serão punidas na esfera administrativa com a instauração de processo disciplinar, mas visa à manutenção dos princípios da administração pública.
Através da ação de improbidade administrativa se pretende o reconhecimento judicial das condutas de improbidade na Administração perpetradas por administradores públicos e terceiros, coma consequente aplicação de sanções legais, que possuem o propósito de preservar o princípio da moralidade administrativa (CARVALHO FILHO, 2018).
Essa ação é um instrumento de controle judicial da Administração Pública, sendo uma conquista de imensurável relevância firmada na Constituição Federal de 1988 para garantir o interesse público e o Estado Democrático de Direito, permitindo que os cidadãos brasileiros possam usufruir de um desenvolvimento mais uniforme e isonômico.
3.DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR E AS SANÇÕES DE IMPROBIDADE
É de notório saber que os processos criminais, administrativos e civis tramitam de forma independente, logo a má conduta pode ser sancionada nas três esferas. As hipóteses de sanções por improbidade administrativa previstas na legislação são de natureza civil, sem prejuízo da apuração de responsabilidades nas esferas administrativa e criminal. Para aplicação dessas sanções no âmbito Administrativo utilizamos o Direito Administrativo Sancionador (DAS) que foi ampliado pelas novas perspectivas da soberania popular.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e mudança de paradigma constitucional para o do Estado Democrático de Direito houve alterações nos valores jurídicos; sendo consagrado o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado. Resultando na expansão do Direito Administrativo, conforme os ensinamentos de DI PIETRO (2022):
[...] houve uma ampliação das atividades assumidas pelo Estado para atender às necessidades coletivas, com a consequente ampliação do próprio conceito de serviço público. O mesmo ocorreu com o poder de polícia do Estado, que deixou de impor obrigações apenas negativas (não fazer) visando resguardar a ordem pública, e passou a impor obrigações positivas, além de ampliar o seu campo de atuação, que passou a abranger, além da ordem pública, também a ordem econômica e social.
A expansão desse princípio fundamentou uma das bases do Direito Administrativo Sancionador, o qual pode ser definido como a expressão do efetivo poder de punir estatal, que se direciona a movimentar a prerrogativa punitiva do Estado, efetivada por meio da Administração Pública e em face do particular ou administrado.
Constata-se que é por meio do Direito Administrativo Sancionador (DAS) que a Administração Pública impõe sanções. Uma das principais leis que regem o DAS no Brasil é a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92), por prever diversas sanções para os responsáveis por tais atos, como a perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, pagamento de multas e proibição de contratar com o poder público.
Para que a responsabilização dos envolvidos e a aplicação das sanções previstas na LIA, é necessário o ajuizamento da Ação Civil Pública por ato de improbidade (ou, simplesmente, Ação de Improbidade). Apesar de ter natureza de ação civil pública, a ação de nulidade não é regida pela Lei ACP (Lei nº 7.347/85), visto que a própria Lei nº 8.429/92 define os contornos dessa ação.
As alterações legislativas trazidas pela Lei n.º 14.230/2021 positivou a ponderação do exercício do ius puniendi na esfera administrativa com o Direito Público Sancionador. A redação conferida ao §4º do artigo 1º da nova legislação determina que o sistema da improbidade se rege pelos princípios constitucionais do Direito Administrativo Sancionador, o que nos leva a concluir de imediato que no âmbito dos processos penaliformes de improbidade administrativa aplica-se o princípio da retroatividade da norma penal mais benéfica; veda-se o emprego da analogia in malam partem e admite-se a invocação do estado de necessidade como excludente de ilicitude por exemplo.
Verifica-se ainda esse respeito aos princípios constitucionais do DAS, na redação do artigo 12, §7º, que estabelece uma expressa vedação ao bis in idem, que, em que pese fazer referência às sanções aplicadas a pessoas jurídicas e à Lei nº 12.846/2013, evidenciando que a dupla punição pelo mesmo fato é intolerável, algo que aliás encontra albergue no §3º do artigo 22 da LINDB (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro).
Por fim, a nova pela Lei de Improbidade Administrativa prevê em seu artigo 17, §6º, I, a inserção no regime jurídico da Lei nº 8.429/1992 a necessidade de individualização das condutas na petição inicial; instituto indispensável para um pleno exercício dialético de um contraditório efetivo no qual se garanta ao imputado a possiblidade de influenciar no resultado do processo.
Logo, percebe que o legislador teve cautela ao entender a necessidade aproximar garantias processuais constitucionais do Direito Público Sancionador às ações de improbidade administrativa; buscando promover a transparência, a moralidade e a eficiência na Administração Pública, responsabilizando aqueles que agem de forma contrária aos princípios que regem a atividade pública.
4.ALTERAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI 14.230/2021
Em 1992 foi editada a Lei 8.429, conhecida como Lei de Improbidade Administrativa – ou LIA, com fundamento em dispositivo constitucional, a qual dispõe sobre as sanções aplicáveis em virtude da prática de atos de improbidade. Porém, em 2021, esta lei foi profundamente alterada, a alteração na redação original da LIA traz novos questionamentos e possibilidades caracterizadoras do ato ilícito de Improbidade. Sendo assim, o debate acerca das alterações, ainda que pontuais, se faz necessário.
A partir da nova normatização, é possível conceituar os atos de improbidade administrativa como aquelas condutas dolosas tipificadas nos artigos 9º, 10 e 11 da própria lei, com exceção dos tipos previstos em leis especiais.
4.1 Responsabilização apenas por condutas dolosas
Referente ao dolo na improbidade administrativa, há várias discussões em razão da importância atribuída a ele para a caracterização do ato ímprobo, que, com a Lei nº 14.230/2021 adquiriu ênfase. Visto que a nova legislação trouxe a exigência de dolo específico para responsabilização por improbidade.
Na antiga redação da LIA, conforme a interpretação mais pacífica da lei 8.429/1992, o elemento subjetivo podia se expressar somente sob duas formas: o dolo e a culpa, sendo por meio destas que haveria a fixação do elo de encadeamento lógico entre vontade, conduta e resultado, com a consequente demonstração do grau de culpabilidade do agente.
A jurisprudência tradicional do STJ, firmada a partir da antiga redação da LIA, entendia que bastava o dolo genérico para a configuração da improbidade. No entanto, as alterações legislativas decorrentes da reforma trouxeram à baila o dolo específico, ou seja, ato eivado de má-fé; instituto necessário para caracterização de ato de improbidade. Nesse ínterim, destaca-se a nova redação do artigo 1° juntamente com os §1° e 2°, in verbis:
Art. 1º O sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa tutelará a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de assegurar a integridade do patrimônio público e social, nos termos desta Lei.
§ 1º Consideram-se atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, ressalvados tipos previstos em leis especiais.
§ 2º Considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente.
§ 3º O mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa. (BRASIL, 2021)
Analisando o texto legal da Lei n. 14.230/2121 percebe-se que o legislador deu ênfase ao elemento psicológico do ato ímprobo, pois previu de forma expressa a necessidade de uma intenção ilícita (art. 1°, §2° e 3°), de um fim de obter proveito ou benefício indevido (art. 11, §1°), somada à retirada da figura culposa e a determinação de que a voluntariedade é insuficiente para configurar o dolo em sede de improbidade, ou seja, danos causados por imprudência, imperícia ou negligência não podem mais ser configurados como atos ímprobos. Na LIA nº 8.429/92 nessas hipóteses era admitido tanto o dolo quanto a culpa.
Tais ordenamentos normativos conduzem à presunção de que o desejo do legislador foi de estabelecer um dolo na visão psicológica, pois, do contrário, bastaria determinar a necessidade do dolo para configurar o ato ímprobo.
As alterações foram no sentido de conferir maior segurança jurídica ao gestor público e de diminuir os espaços de subjetividade das autoridades encarregadas da aplicação da lei, em especial o Poder Judiciário e o Ministério Público.
As condutas consideradas como improbidade são apenas aquelas listadas no texto da lei. Antes, a lista era considerada exemplificativa. A legislação considera atos de improbidade administrativa aqueles que causam enriquecimento ilícito do agente público, lesão ao erário ou violação dos princípios e deveres da administração pública (vide artigos 9º, 10 e 11 da Lei nº 14.230/21).
Ademias, o parágrafo 8º do artigo 1º afirma que quando a ação ou omissão decorrer de divergência interpretativa da lei, ainda que a jurisprudência não tenha sido pacificada não será considerada como Ato de Improbidade.
4.2 Nepotismo e promoção pessoal como atos ímprobos
O nepotismo, enquanto forma corrupta de burlar as normas relativas à ação administrativa pode ser identificado como uma modalidade de apadrinhamento que se destina ao preenchimento de cargos de livre nomeação de forma que, pela sua eficácia, favorece a concessão dos mesmos em virtude de laços de sangue paterno.
Segundo GARCIA (2004), o nepotismo está intrinsecamente associado à lealdade e à confiança existente entre a autoridade pública e o beneficiado. Deduz que esta relação implica em um favorecimento direto do beneficiado, contudo, em vistas resguardar o direito daquele que o nomeou.
No artigo 11, inciso XI, a Lei 14.230/21 trouxe previsão expressa do nepotismo, em sua forma simples e modalidade cruzada, como ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da Administração Pública, in verbis:
Art. 11 – Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas:
(…)
XI– nomear cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas;
Ademais, o Supremo Tribunal Federal já se posicionou para proibir essa prática em qualquer um dos poderes da República com base nos princípios constitucionais da impessoalidade, eficiência, igualdade e moralidade. Nessa linha de pensamento a editou a Súmula Vinculante n° 13:
‘‘A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica, investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança, ou, ainda, de função gratificada na Administração Pública direta e indireta, em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.’’
É nítido que o nepotismo viola a padronização da prossecução do interesse público, sendo a motivação para nomear cargos de confiança ou de chefia por parte do nomeador prejudicada pela influência das preferências pessoais, preferencialmente em detrimento da motivação pública. Então ter uma previsão expressa na legislação para essa conduta ímproba é beneficial para o interesse público.
4.3 Prazo Prescricional
A importância do instituto da prescrição se relaciona à garantia da segurança jurídica e, neste sentido, estabelece uma barreira à arbitrariedade, posto que estabelece limites temporais ao exercício da pretensão punitiva. Segundo Mayara Bueno Barretti Rocha, citando Osório,
[...] ninguém pode ficar à mercê de ações judiciais ou administrativas por tempo e prazos indefinidos ou perpétuos, de forma que a prescrição é uma garantia individual, com transcendência social, já que as relações sociais necessitam de segurança e o Direito busca, em um de seus fins, assegurar essa estabilidade (BARRETTI ROCHA, 2022, apud OSÓRIO, 2018).
Na improbidade administrativa, a prescrição é a perda da pretensão do direito do titular em aplicar as sanções previstas na Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa – LIA) por inércia no exercício da ação judicial no prazo legal. Nesse sentido, a Lei nº 14.130/2021 modificou a sistemática da prescrição nas ações de improbidade administrativa.
É importante ressaltar que a LIA enfatiza, no caput do seu artigo 23, que o que prescreve são as ações que versam sobre a aplicação de sanções aos agentes públicos ou a terceiros que cometem atos considerados como de improbidade administrativa. Logo, a prescrição não alcança a pretensão de ação por ressarcimento de danos ao erário, visto que a Constituição Federal de 1988 ressalva a sua imprescritibilidade em seu artigo 37, §5º.
Conforme a nova redação do artigo supramencionado, o prazo prescricional para apuração de atos de improbidade aumentou de 5 (cinco) anos para 8 (oito) anos, contados a partir da ocorrência do fato; e nos casos de infração continuada ou permanente, o prazo prescricional se inicia na data em que houver o seu encerramento. Essa dilatação de prazo resultou em favorecimento a apuração e repressão das infrações, pois na maioria das vezes esses eventos de investigação podem ser complexos.
Além da alteração de dilatação do prazo prescricional, a nova lei em seu art. 23, §5º, expressamente passou a prever a prescrição intercorrente, ao dispor que se nos períodos entre as hipóteses de interrupção da prescrição elencadas nos incisos do caput do dispositivo, houver o decurso do prazo de 4 (quatro) anos, o juiz ou o tribunal, depois de ouvido o Ministério Público, deverá, de ofício ou a requerimento da parte interessada, reconhecer a prescrição da pretensão sancionadora e decretá-la de imediato.
Essa novidade legislativa tem o intuito de evitar que as ações de improbidade administrativa permaneçam por um longo período sem movimentação processual, seja pelo Judiciário ou pelo Ministério Público. Observa-se que essa nova disposição tem o condão de evitar que ações de improbidade permaneçam sem qualquer movimentação, pelo Judiciário ou pelo Ministério Público, durante anos.
Cumpre ressaltar que a morosidade processual traz efeitos nefastos não só para a sociedade, que almeja uma rápida resolução das lides, mas também vai de encontro ao direito fundamental dos acusados de ter a lide resolvida em tempo razoável. Em outras palavras, a inserção do dispositivo supramencionado busca observar e garantir a segurança jurídica e a duração razoável do processo no âmbito das relações jurídicas disciplinadas pela LIA. Trata-se, assim, de uma novatio legis in mellius, na medida em que reforça uma garantia fundamental aos acusados.
4.4 Titularidade da Ação de Improbidade
Na redação original da Lei nº 8.429/92, a titularidade da ação de improbidade era restrita a pessoa jurídica interessada e Ministério Público.
Com base na nova normatização, apenas o Ministério Público possuí a titularidade de propor a ação de improbidade. Nessa perspectiva, qualquer pessoa que tiver conhecimento de atos e fatos considerados ímprobos, representará o Ministério Público para que sejam tomadas as providências cabíveis, aquele que tem ciência de condutas e fatos considerados ímprobos, representará ao Ministério Público, para que sejam adotadas as medidas cabíveis, conforme preconiza o art. 7° da lei, in verbis:
Art. 7º Se houver indícios de ato de improbidade, a autoridade que conhecer dos fatos representará ao Ministério Público competente, para as providências necessárias.
Essa alteração tem gerado controvérsias em sua aplicação, visto que pela legislação anterior, qualquer pessoa jurídica podia fazê-la. Em julgamento da ADIS 7042 e 7043, por maioria de votos, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que entes públicos que tenham sofrido prejuízos em razão de atos de improbidade também estão autorizados a propor ação e celebrar acordos de não persecução civil em relação a esses atos.
A maioria do colegiado acompanhou o voto do relator, ministro Alexandre de Moraes, e entendeu que a Constituição Federal prevê a legitimidade ativa concorrente entre o Ministério Público e os entes públicos lesados para ajuizar esse tipo de ação. Visto que, a supressão dessa legitimidade fere a lógica constitucional de proteção ao patrimônio público.
Por meio desse julgamento o Supremo Tribunal Federal pôs fim ao debate quanto à legitimidade para a propositura da ação de improbidade administrativa, reconhecendo o bem maior defende neste tipo de ação, que é a probidade, reflexo maior do princípio da moralidade administrativa, uma vez que conferiu aos entes lesados a legitimidade para ingressar com a ação de improbidade administrativa e, dessa forma, proteger a Administração Pública, tendo em vista que seu papel não deve se limitar a reaver o prejuízo causado pelo agente improbo, mas também afastá-lo do trato da coisa pública.
Com essa decisão, o STF encerrou o debate sobre a legitimidade para a propositura da ação de improbidade administrativa e reconheceu o bem maior defendido nesse tipo de ação: a probidade, que transparece os princípios morais da administração. Posto que ortogou aos entes lesados a legitimidade para ingressar com a ação de improbidade administrativa e, dessa forma, proteger a Administração Pública.
4.5 Sanções
A sanção é o “efeito” da infração. A previsão de uma punição traduz o exercício do poder estatal orientado a produzir um sacrifício de direitos ou interesses do agente responsável pelo ilícito segundo JUSTEN FILHO, 2021.
Houve profundas alterações quanto as penalidades quanto a forma de aplicação e o tempo de cumprimento da sanção.
A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5°, inciso XL, não deixou que a lei, e no caso, a Lei de Improbidade Administrativa, retroagisse de forma gravosa, em virtude das sanções que trazia, especialmente porque é uma norma administrativa sancionadora e que tem como consequência sanções, inclusive monetária e políticas.
A nova redação legislativa dispõe sobre as sanções aplicáveis em virtude da prática de atos de improbidade administrativa, de que trata o § 4º do art. 37 da Constituição Federal. Apresentando uma relação de atos que podem ser considerados crimes de má-fé pelos agentes públicos, que se dividem em três categorias principais: prejuízo às finanças públicas, enriquecimento ilícito e atentado aos princípios da administração pública.
Nos casos de atos de improbidade administrativa que resultarem no enriquecimento ilícito do agente, a Lei nº 14.230/2021 fixou no art. 12, I, da LIA que devem ser aplicadas as penas de perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio; perda da função pública; suspensão dos direitos políticos pelo período de até 14 (catorze) anos, pagamento de multa civil equivalente ao valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo período de até catorze anos.
Verifica-se ainda que nessa categoria foi mantida a sanção da perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio e a perda da função pública. Todavia, o prazo de suspensão dos direitos políticos teve um aumento, na legislação anterior era de 8 (oito) a 10 (dez) anos, agora passou a ser de até 14 (quatorze) anos. A multa civil foi reduzida para o valor do próprio acréscimo, deixando de ser até 3 (três) vezes o valor do acréscimo patrimonial. E houve o aumento do prazo fixo de 10 (dez) anos para prazo não superior a 14 (catorze) anos de proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário.
No art. 12, II, da LIA foram fixadas as penalidades aplicáveis aos atos de improbidade administrativa que causem prejuízo ao erário, sendo a perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos até doze anos, pagamento de multa civil equivalente ao valor do dano e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a doze anos;
Para os casos de prejuízo ao erário, a Lei 14.230/2021, manteve penalidade da perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, e a perda da função pública. Contudo, alterou o prazo da suspensão dos direitos políticos, que possuía prazo mínimo de 5 (cinco) e máximo de 8 (oito) anos na legislação anterior, sendo ampliada para foi elevada para até 12 (doze) anos, sem a previsão de prazo mínimo. Referente a multa civil, houve uma redução para o valor do próprio dano causado. E a proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios foi ampliada 5 (cinco) anos para período não superior a 12 (doze) anos.
Referente aos atos de improbidade que violem os princípios da Administração o art. 12, inciso III, definiu as penalidades, sendo o pagamento de multa civil de até 24 (vinte e quatro) vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, por período não superior a quatro anos.
Nessa categoria constata-se que as sanções foram significativamente diminuídas. A penalidade de suspensão dos direitos políticos foi excluída, a multa civil que era de até 100 (cem) vezes a remuneração, passou a ser de até 24 (vinte e quatro) vezes e o prazo de proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios ampliou de3 (três) anos para período não superior a 4 (quatro anos).
5.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Estando ausente a pretensão de esgotar o tema, o presente artigo se propôs através de análise comparativa entre o texto original da Lei de Improbidade Administrativa e o texto oriundo da reforma promovida pela Lei nº 14.230/21, e com base em apontamentos doutrinários e posicionamento do Supremo Tribunal Federal, a apontar as principais alterações e seus respectivos efeitos no tocante a responsabilização do agente público.
Ficou evidenciado que as alterações promovidas foram tão significativas que é possível afirmar que foi criada uma nova lei, haja vista que a reforma legislativa promovida, alterou a redação originária do texto legal de tal forma a alterar inclusive sua axiologia.
A Lei de Improbidade Administrativa representou um avanço na tutela dos interesses públicos representados pela Administração Pública, além de ser um instrumento de controle da probidade e na concretização do princípio constitucional da moralidade administrativa. O legislador desenvolveu a legislação que tratava da matéria, que já estava em desconformidade em relação ao novo contexto social e o atual ordenamento jurídico, inserindo conceitos valiosos para essa proteção.
A legislação sobre a temática ofereceu mecanismos que sancionam civilmente os atos ímprobos dos agentes públicos que violem o erário ou conflitem com os princípios da administração pública. A natureza civil da LIA proporciona maior agilidade em relação aos instrumentos do processo penal.
As significativas alterações legislativas que a temática sofreu foram visando a proteção integral do interesse público. No entanto, a sua aplicação prática flexibilizou a lei e ocasionou o surgimento de lacunas das quais o agente público de má fé podem utilizar para se esquivar de sua responsabilidade quanto ao zelo pela moralidade e probidade no serviço público. Todavia, em termos gerais, a nova legislação teve aspectos positivos, gerando mais segurança jurídica para o exercício da função pública para os agentes públicos de boa-fé.
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Acadêmica do Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal do Amazonas. Brasil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALVES, Paula Larissa Almeida. Repercussões da reforma da lei de improbidade administrativa uma análise crítica das alterações da legislação pela lei 14.230/2021 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 jun 2023, 04:32. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/61778/repercusses-da-reforma-da-lei-de-improbidade-administrativa-uma-anlise-crtica-das-alteraes-da-legislao-pela-lei-14-230-2021. Acesso em: 21 nov 2024.
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