LETÍCIA LOURENÇO SANGALETO TERRON
(orientadora)
RESUMO: Buscou-se através da pesquisa, analisar a responsabilidade civil dos genitores diante do abandono afetivo, no que se refere à possibilidade de punição por descumprirem os deveres legais básicos perante seus filhos. Pautado no Direito Civil, será exposto um breve conceito a respeito das entidades familiares, visto que, diante das mudanças que ocorreram ao longo dos anos, a família passou a ser vista como aquela que compõe tanto por laços sanguíneos, quanto jurídicos e afetivos. Após, foi analisado o conceito de abandono afetivo, bem como os requisitos para sua configuração. Embora a corrente majoritária reconheça que o dever de reparo se trata de algo meramente exemplificativo, o Juízo não pode se distanciar dos preceitos existentes, fazendo com que os genitores cumpram com seus deveres como pais, dando assistência e suprindo suas necessidades. Conclui-se que a tese que merece prosperar é a que, para a indenização do abandono, deve existir um meio de compensação pelo ocorrido à vítima, haja vista que, ao nos referirmos à crianças, suas necessidades são presumidas e os reflexos da ausência afetiva irão se espelhar na vida futura, causando desgaste emocional e revolta. O trabalho foi desenvolvido utilizando a revisão de literatura pautada em pesquisas bibliográficas, por meio de pesquisas em sites, doutrinas, artigos e legislações.
Palavras-chave: Responsabilidade Civil. Direito Civil. Entidades Familiares. Família. Abandono Afetivo.
ABSTRACT: Through the research, the civil liability of the parents of affective abandonment was sought, not that it refers to the possibility of punishment for failing to comply with basic legal duties towards their parents. Based on Civil Law, a brief concept about the entities will be exposed, in the face of family changes over the years, the family has come to be seen as one that is composed of both blood, legal and affective. After wards, the concept affective abandonment was developed, as well as the requirements for its configuration. Although a main current need recognizes that the duty of repair is due in a merely exemplary way, the Court cannot distance itself from the existing precepts, making the parents fulfill their duties as parents, giving assistance and endowing them. It is concluded that the thesis that deserves to be concluded is that, for the reparation to prosper, there must be a means of recovery that, due to the victim’s problem, there must be a means of recovery for what happened to the victim and the reflexes of the absence of affective refer to children, their needs are assumed from the affective absence in the future, get emotional and reflect on life. The work was developed using a literature review based on bibliographic research, through searches on websites, articles, articles and legislation.
Keywords: Civil Responsability. Civil Right. Family Entities. Family. Affective Abandonment.
1 INTRODUÇÃO
O tema do presente trabalho traz como objetivo a análise da responsabilidade civil diante do abandono afetivo que, apesar de muito discutido no meio jurídico, não possui legislação própria. O conceito de abandono afetivo surgiu da necessidade de evolução da entidade familiar, que pontuou importantes avanços para o Direito de Família.
Como se sabe, a família é considerada por muitos o primeiro referencial de socialização e de estabelecimento de vínculos, sendo diretamente responsável pelo equilíbrio físico, psíquico e afetivo, de modo que a ausência ou o rompimento desse laço, pode acabar por gerar desequilíbrios emocionais e problemas futuros.
A criança e do adolescente esperam de seus genitores o mínimo de cuidado, seja um abraço acolhedor ou gestos de carinho, crendo fielmente que naquele meio poderá ter estabilidade emocional, bem como suporte e proteção. Todavia, não é o que ocorre na prática. Vê-se, atualmente, muitos genitores que não se importam em manter contato com seus filhos, ignorando-os e os deixando suscetíveis à frustações.
Acerca disso, a discussão do presente trabalho paira acerca da punibilidade dos genitores, de qual maneira séria, e se haveria ou não, a incidência de prestação pecuniária, ou seja, a indenização para reparar danos.
Há entendimentos de que é descabido a possibilidade de responsabilizar os genitores por abandono afetivo, por afirmarem que a relação parental não se compra, não cabendo ao judiciário obrigar alguém a prestação de um valor pecuniário ao amor, se tornando ainda mais prejudicial.
Todavia, deve-se ter em mente que o objetivo principal da indenização resultante desta responsabilidade civil não é de obrigar os genitores a amarem e criarem vínculos com seus filhos, mas sim de zelar pelos interesses da criança, equiparando a responsabilização dos danos com o sofrimento causado pela rejeição.
Este tema traz uma importante discussão no meio acadêmico e ganha cada vez mais visibilidade. A reflexão também importa pelo fato de ser um problema cotidiano que muitas pessoas não tem conhecimento, dando, portanto, o devido destaque.
A metodologia utilizada para o desenvolvimento deste artigo foi por meio revisão pautada em pesquisas bibliográficas, com apoio de artigos científicos, doutrinas, artigos e jurisprudências, através de um estudo qualitativo, analisando o entendimento e suas consequências sobre a temática.
2 ENTIDADE FAMILIAR
Inicialmente, devemos elencar três pilares essenciais acerca do afeto familiar, quais sejam: sua importância, necessidade e essencialidade. Para isso, não é necessário ir tão longe, haja vista seu modelo rotineiramente conhecido pela sociedade, todavia, necessita-se da compreensão de que a esfera do afeto está intimamente ligada com o sentimento de amor.
Com o passar dos anos, podemos observar as mudanças que ocorrem, sabendo disso, tem-se que o conceito de “família” não é mais compreendido como uma entidade hierárquica, e sim como uma entidade baseada no afeto entre os membros. Portanto, o poder familiar não se limita apenas nas figuras de genitores, como também pode ser exercido por avós e tios.
O modelo entendido anteriormente como família era aquele composto por uma figura masculina e feminina, com seus respectivos familiares, sendo que o homem era o chefe de família, no qual todos deviam respeito e obediência. Pode-se dizer que, neste modelo primitivo, o interesse familiar era mais importante do que o direito individual (CHANAN, 2007).
Depreende-se que, nos dias atuais, no âmbito jurídico, família é uma organização social que pode ser formada tanto por laços sanguíneos, quanto jurídicos e afetivos, observando o Princípio da Dignidade Humana e levando em consideração os interesses individuais de cada membro, sob a mesma importância e intensidade, resultando no declínio do patriarcalismo (GONÇALVES, 2007).
A partir daí, da liberdade que se criou, consagrou e redimensionou a autoridade parental à uma equalização das normas e dos procedimentos jurídicos entre os indivíduos, bem como as transformações ao que se referia como “poder familiar”, ambos em razão a importante observância do Princípio da Isonomia.
Em consequência, pode-se dizer que a “extinção” do vínculo de filiação passou da existência e dependência exclusiva, proporcionando o alcance dos modelos de famílias monoparentais, uma vez que para exercer o poder familiar, não é mais necessário que a família esteja completa.
Em relação ao tema, leciona Venosa (VENOSA, 2012):
Em conceito restrito família compreende somente o núcleo formado por pais e filhos que vivem sobre o pátrio poder ou poder familiar. Nesse particular a Constituição Federal estendeu sua tutela inclusive para a entidade familiar formada por apenas um dos pais e seus descendentes, a denominada família monoparental.
Dessa forma, é fácil compreender que, qualquer que seja o número de indivíduos, o papel da família no desenvolvimento do indivíduo como pessoa é de suma importância, baseando-se inteiramente na ideia de que o modelo familiar que a criança cresce vivenciando, esta será sua base no processo de desenvolvimento para a vida adulta.
2.1 Noções gerais sobre a família
Como visto, a família pode ser formada com ou sem laços sanguíneos, ou por vínculo matrimonial que uniu as vontades das partes envolvidas. Conforme o entendimento de Carlos Roberto Gonçalves (GONÇALVES, 2007) “lato sensu, o vocábulo família abrange todas as pessoas ligada por vínculo de sangue e que procedem, portanto, de um tronco ancestral comum, bem como as unidas pela afinidade e pela adoção”.
Para a doutrinadora Maria Helena Diniz (DINIZ, 2010), o direito de família é definido como:
[...] o complexo de normas que regulam a celebração do casamento, sua validade e os efeitos que dele resultam, as relações pessoais e econômicas do matrimônio, a dissolução deste, a união estável, as relações entre pais e filhos, o vínculo do parentesco e os institutos complementares da tutela e curatela.
Ademais, nos termos do artigo 226 da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988): “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”.
Já no que se refere ao Código Civil, este também seguiu os mesmos ditames da Constituição Federal, em relação à proteção ou assistência, alimentos e união estável. Sendo assim, os pais tem igualdade de direito sobre seus filhos menores, tudo isso em consequência do poder familiar.
Para Paulo Nader (NADER, 2006): “Se os pais, que detém o chamado poder familiar em relação aos filhos, possuem o dever de lhes dar instrução, as gestões que visam à efetivação de tal objetivo não emanam de um direito subjetivo correlato ao dever jurídico, mas de sua potestade.”
A partir daí, podemos observar que o Direito de família não encontra previsão apenas no Código Civil, mas sim abrangido por outras normas que compõem o direito brasileiro. No mesmo sentido, vê-se que a participação do Estado é importante para que cada indivíduo que constitua a família, tenha uma contribuição para instituição familiar.
É certo que o dever do Estado não é somente garantir o direito de família, como também o de instituir normas de proteção. Sendo assim, este interfere diretamente nas relações familiares, devendo possuir como objetivo a imposição de regras para os membros da instituição familiar, de modo que passem a ter seus direitos resguardados pelo Estado.
2.2 Princípios do Direito de família
Levando-se em conta que a sociedade vive em constante evolução, onde o conceito familiar é discutido diariamente, o direito de família fica responsável por assegurar um lugar na comunidade à aquela pessoa além da necessidade de endossar a igualdade onde não haverá discriminação por alguma característica que venha ocasionar um pré-julgamento.
Considerado como resultado de mudanças geradas pela Constituição Federal, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana trouxe consigo a valorização do indivíduo dentro da própria família, protegendo a vida e a integridade dos membros envolvidos, levando em conta o respeito às pessoas e assegurando seus direitos de personalidade.
Já no que se refere ao Princípio da Afetividade, tem-se que a construção familiar ocorre constantemente pela interação afetiva entre os indivíduos, de modo que a construção dos lares se dá por meio do amor parental.
Acerca do Princípio da Convivência Familiar, este assegura que todos os entes tenham direito se desfrutar do lar como ambiente afável, fortalecendo e gerando todos os dias laços que venham a consolidar o âmbito familiar.
O Princípio do Pluralismo Familiar demonstra bem os modelos da sociedade atual, de modo que reconhece a existência das várias composições de famílias. Não há entre elas o modelo de entidade familiar prevalecente, o que se usa no caso concreto é a afinidade encontrada entre os integrantes da família ao compô-la.
Levando-se em conta sua semelhança quanto ao discurso em comum com a igualdade, o Princípio da Igualdade entre os filhos diz respeito a segurança de que todos os filhos sejam iguais, sejam eles concebidos fora do matrimônio e adotados, possuindo os mesmos direitos e impedindo qualquer resquício de discriminação.
Como já mencionado, o interesse do menor deve ser levado em consideração, é o que se refere o Princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente. Embora haja constante reforma da escala da sociedade em relação à família, a criança e o adolescentes devem ocupar o centro, onde suas necessidades são levadas em consideração e respeitada.
3 ABANDONO AFETIVO E SUAS CONSEQUÊNCIAS
Do mesmo modo que houveram significativas modificações a respeito da entidade familiar, a legislação se viu na necessidade de criação de novas leis e novos entendimentos no âmbito do Direito de Família. Criou-se novos princípios, dentre eles, pode-se citar o da afetividade.
O Princípio da Afetividade se baseia inteiramente no direito de família moderno, ou seja, coloca como prioridade toda e qualquer relação familiar constituída com afeto. Segundo Pablo Stolze (2011, p. 90):
[...] o próprio conceito de família, elemento chave de nossa investigação científica, deriva – e encontra a sua raiz ôntica - da própria afetividade. Vale dizer, a comunidade de existência formada pelos membros de uma família é moldada pelo liame socioafetivo que os vincula, sem aniquilar as suas individualidades.
Diante disso, depreende-se que o vínculo afetivo é o propulsor das relações familiares, e que a falta acaba por gerar, inclusive, danos irreparáveis. A ausência de apoio, de presença física de ambos os genitores, ou apenas um deles, compromete de forma negativa o comportamento para com os filhos. É nesse sentido que Maria Berenice Dias (2009, p. 21) dispõe:
Dentre os inescusáveis deveres paternos figura o de assistência moral, psíquica e afetiva, e quando os pais ou apenas um deles deixa de exercitar o verdadeiro e mais sublime de todos os sentidos da paternidade, respeitante a interação do convívio e entrosamento entre pai e filho, principalmente quando os pais são separados ou nas hipóteses de famílias monoparentais, onde um dos ascendentes não assume a relação fática de genitor, preferindo deixar o filho no mais completo abandono, sem exercer o direito de visitas, certamente afeta a higidez psicológica do descendente rejeitado.
Sabe-se que existem casos em que os genitores não tem intenção de deixar de atuar no desenvolvimento dos filhos, todavia, deixam de cumprir com suas responsabilidades e necessidades emocionais, agindo de forma omissiva e negligente. São as consequências desse abandono que acabam gerando problemas futuros na vida dos filhos.
Sobre o assunto, Maria Helena Diniz (2015, p. 33) pontua:
A conduta de um genitor ausente, que não cumpre as responsabilidades intrínsecas ao poder familiar, enquadra-se perfeitamente entre os atos ilícitos, tendo ele descumprido seus deveres parentais perante o filho, inerentes ao poder familiar, esculpidos nos artigos 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA.
A partir disso, impõe-se que os pais cumpram com seus deveres legais de cuidado e proteção, e caso isso não ocorra, como aqueles que não cumprem, devem ser punidos por sanções pecuniárias. Consequentemente, para que incida a responsabilidade civil e o dano seja ressarcido, deve-se analisar o caso concreto.
Há, no entanto, divergências acerca da temática. Baseiam-se que não se pode mensurar os danos causados pela negligência de forma monetária, por isso, para os que assim entendem, a indenização é insuficiente e ineficaz para ressarcir os danos sofridos pelos filhos.
Gagliano e Filho (2012, p. 740) assim demonstram ao ressaltar que:
Já aqueles que se contrapões a tese sustentam, em síntese, que sua adoção importaria em uma indevida monetarização do afeto, com o desvirtuamento de sua essência, bem como a impossibilidade de se aferir quantidade e qualidade do amor dedicado por alguém a outrem, que deve ser sempre algo natural e espontâneo e não uma obrigação jurídica, sob controle estatal.
Diante disso, necessário destacar que, a partir dos pedidos de indenização, o que se busca, principalmente, é que os filhos sejam indenizados pela falta de cuidado, pela ausência no dia a dia, pelas situações constrangedoras causadas pela ausência de qualquer dos genitores, que são indicadores de abandono e de direitos, todos garantidos pela Constituição Federal.
4 RESPONSABILIDADE CIVIL: CONCEITO E CONFIGURAÇÃO
Sabe-se que a responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo que surge para restaurar um dano causado pela violação do dever jurídico originário, seja ele por ação ou omissão, através da indenização.
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (GAGLIANO; PAMPLONA, 2013) conceituam responsabilidade como:
Responsabilidade, para o Direito, nada mais é, portanto, que uma obrigação derivada – um dever jurídico sucessivo – de assumir as conseqüências jurídicas de um fato, conseqüências essas que podem variar (reparação dos danos e/ou punição pessoal do agente lesionante) de acordo com os interesses lesados.
No mesmo sentido, o doutrinador Carlos Alberto Bittar (BITTAR, 1994):
O lesionamento a elementos integrantes da esfera jurídica alheia acarreta ao agente a necessidade de reparação dos danos provocados. É a responsabilidade civil, ou obrigação de indenizar, que compele o causador a arcar com as consequências advindas da ação violadora, ressarcindo os prejuízos de ordem moral ou patrimonial, decorrente de fato ilícito próprio, ou de outrem a ele relacionado.
Nesse sentido, o Código Civil (BRASIL, 2014), dispõe em seu artigo 186:
Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Diante disso, pode-se dizer que os requisitos para configuração da responsabilidade civil são: a) conduta humana, sendo ela comissiva ou omissiva; b) dano ou prejuízo; e, c) nexo de causalidade entre o dano e a ação. Encontra-se presente também a culpa ou o dolo do agente, agindo como elemento essencial quando se refere à culpa da negligência ou imprudência.
Ao que se refere a conduta humana, esta deve ser de forma voluntária, se baseando principalmente na capacidade do agente em compreender seus atos. Já no que se refere ao dano ou prejuízo, tem-se que sem sua ocorrência, não haveria o que se indenizar.
Desse modo, dispõe-se que o dano pode ser considerado como um prejuízo causado a qualquer bem jurídico, patrimonial ou moral (DINIZ, 2012). No que diz o dano patrimonial, também denominado de material, se configura como uma lesão que atinge o patrimônio da vítima, gerando destruição ou diminuição de um bem que possua certo valor econômico. Por outro lado, o dano moral pode ser interpretado como aquele que afeta a dignidade, a honra, reputação, intimidade, ou seja, que não seja um mero dissabor cotidiano, além de desencadear sentimentos como tristeza, humilhação, entre outros.
Como já mencionado, o dano se encontra entre os requisitos para configuração da responsabilidade civil e, para que haja o dano, é fundamental a relação entre o nexo causal e a culpa do agente, do mesmo modo que a conduta humana e o dano são indispensáveis.
Nesse sentido, ressalta-se que a teoria adotada pelo Código Civil é a Teoria da Causalidade Direta ou Imediata, de modo que “requer ela haja, entre a conduta e o dano, uma relação de causa e efeito direta e imediata. É indenizável todo dano que se filia a uma causa, desde que esta seja necessária, por não existir outra que explique o mesmo dano” (GONÇALVES, 2014, p. 360).
4.1 Responsabilidade objetiva e subjetiva
Como visto anteriormente, a responsabilidade surge quando há o descumprimento de uma obrigação, ocasionando assim uma consequência jurídica ou patrimonial, que decorre de lei ou de um contrato. Nesse sentido, há duas espécies de responsabilidade civil, quais sejam: 1) responsabilidade civil objetiva; 2) responsabilidade civil subjetiva.
No que se refere à responsabilidade objetiva, esta se dá com a necessidade de que a vítima comprove três elementos como: o fato, o dano e o nexo causal, para que só assim tenha o direito a indenização. O elemento da culpa é imprescindível, já que esta responsabilidade independe da culpa. Já em relação à responsabilidade subjetiva, esta diz respeito à incidência de quatro elementos, ou seja, o fato, dano, nexo causal e culpa. Nesse caso, os elementos da culpa se mostram indispensáveis para que a pessoa tenha o dever de reparar o dano.
Para o autor Carlos Roberto Gonçalves (GONÇASVES, 2014): “Na responsabilidade objetiva prescinde-se totalmente da prova da culpa. Ela e reconhecida, como mencionado, independente de culpa. Basta, assim que haja relação de causalidade entre a ação e o dano”. Já para o autor Silvio Rodrigues (RODRIGUES, 2002) define:
Na responsabilidade objetiva, a atitude culposa ou dolosa do agente causador do dano é de menor relevância, pois desde que existia relação de causalidade entre o dano experimentado pela vítima, e o ato do agente, surge o dever de indenizar, quer tenha este último agido ou não culposamente.
Na definição do autor em relação a responsabilidade objetiva, não há relevante importância na atitude do agente, pouco importando se sua conduta foi dolosa ou culposa, pois assim não excluirá a responsabilidade do agente de reparar o dano causado.
Sendo assim, podemos concluir que ambas as responsabilidades, ou seja, subjetiva e objetiva, tem o dever de recair sobre o agente causador do dano o direito de indenização, porém, é importante distinguir qual delas recaíra sobre a pessoa. E assim, é insignificante a presença da culpa para o pagamento do título de uma indenização.
4.2 Requisitos para configuração do dever de reparar civilmente
Após aprovado o Enunciado de nº 445 na V Jornada de Direito Civil, dispuseram acerca do assunto de forma que “[...] o dano moral indenizável não pressupõe necessariamente a verificação de sentimentos humanos desagradáveis como dor ou sofrimento”, sendo assim, tais sentimentos não poderiam ser utilizados como motivos para incidência do dano moral.
Através dos entendimentos doutrinários, vê-se várias posições. Todavia, embora a corrente majoritária reconheça que o dever de reparo se trata de algo meramente exemplificativo, o Juízo não pode se desvencilhar dos preceitos existentes, fazendo com que haja eficaz resolução dos casos.
Ademais, apesar de demandas como essa serem ainda incomuns, há recentes julgados que, com a comprovação do nexo de causalidade e a culpa do agente, houve o acolhimento do pedido de indenização civil, veja-se:
RESPONSABILIDADE CIVIL - Danos morais - Filha em face do pai - Autor que após a separação da genitora da ré realizou poucas visitas - Réu que permaneceu distante por longos anos - Alegação de distanciamento da filha por atritos com a genitora - Inadmissibilidade - Dever de cuidado dos genitores que deve prevalecer - Parentalidade responsável - Conduta que configura abandono moral - Estudo psicológico que concluiu pela existência do dano psicológico - Indenização devida - Precedentes do STJ nesse sentido - Montante fixado na sentença que deve ser mantido - Valor de R$ 15.000,00 que se mostra consentâneo com os fatos - Recurso desprovido. (TJSP; Apelação Cível 1003491-52.2014.8.26.0278; Relator (a): Galdino Toledo Júnior; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Privado; Foro de Itaquaquecetuba - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 10/11/2021; Data de Registro: 11/11/2021)
DANO MORAL. ABANDONO AFETIVO. Espontaneidade do afeto que não se confunde com o dever jurídico de cuidado, decorrente da relação paterno-filial. Caracterização de abandono afetivo. Elementos de informação constantes dos autos demonstram que o réu deixou, voluntariamente, de conviver com o filho menor, causando-lhe prejuízos de ordem extrapatrimonial. Réu revel, que mora próximo à residência do filho, mas não o visita e nem paga alimentos regulares. Desnecessidade da produção de prova pericial para constatar o mal que tal comportamento causa à criança de 7 anos, reatado por testemunha e pela própria genitora. Devida a fixação de indenização por danos morais no valor de R$ 15.000,00, a fim de reparar o sofrimento comprovadamente causado ao demandante. Ação procedente. Recurso provido. (TJSP; Apelação Cível 1017222-63.2019.8.26.0562; Relator (a): Francisco Loureiro; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Privado; Foro de Santos - 3ª Vara de Família e Sucessões; Data do Julgamento: 10/09/2021; Data de Registro: 10/09/2021)
No entanto, a tormenta maior que cerca o dano moral é como quantificá-lo. A indenização deve ser fixada pelo juiz considerando as condições das partes, visando ressarcir os danos causados, de forma a inibir que o causador continue causando lesões desse jaez.
Julgado o Recurso Especial de nº 1.159.242-SP em abril de 2012, o Superior Tribunal de Justiça, tendo como relatora a Ministra Nancy Andrigui, dispôs que se tratando da ofensa à dignidade e aos direitos dos filhos, o genitor causador possui a obrigação em reparar os danos, desde que comprovado que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida, implicando assim, no reconhecimento da ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão, veja-se:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE. 1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88. 3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia - de cuidado - importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. 4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. 5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes - por demandarem revolvimento de matéria fática - não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. 6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada. 7. Recurso especial parcialmente provido. (STJ – 2004).
Desse modo, apenas em situações excepcionais, nas quais restem comprovadas as consequências negativas, se justificaria a obrigação de reparar o dano moral.
Ante o exposto, a tese que merece prosperar é a que, para a indenização do abandono, deve existir um meio de compensação do dano à vítima, haja vista que, na maioria dos casos, nos referimos a crianças, onde suas necessidades são presumidas e os reflexos da ausência afetiva irão se espelhar na vida futura, causando desgaste emocional e revolta.
5 CONCLUSÃO
Como visto, a evolução do ordenamento jurídico, bem como o que dispõe os modelos de entidade familiar, o vínculo afetivo tem sido priorizado, principalmente quando se refere ao interesse da criança e do adolescente.
Nesse cenário, depreende-se que a ausência do vínculo afetivo acaba por gerar, inclusive, danos irreparáveis. A ausência de apoio, de presença física de ambos os genitores, ou apenas um deles, compromete de forma negativa o comportamento para com os filhos.
Diante disso, pode-se afirmar que a responsabilidade civil por abandono afetivo, embora seja uma questão controversa no âmbito jurídico, deve incidir à aqueles que, diante da comprovação do nexo de causalidade e a culpa do agente, arquem com os prejuízos.
Comprovar os danos emocionais não é fácil, por isso, o apoio de meios probatórios é essencial, como laudos médicos descrevendo o caso, a fim de se constatar as dificuldades, inibições e limitações originadas pelo afastamento dos seus genitores, haja vista que o Juízo não pode se desvencilhar dos preceitos existentes, fazendo com que haja eficaz resolução dos casos.
Importante salientar que o objetivo principal da indenização resultante desta responsabilidade civil não é de obrigar os genitores a amarem e criarem vínculos com seus filhos, mas sim de zelar pelos interesses da criança, compensando todo o sofrimento causado pela rejeição, dano que ultrapassa um mero dissabor cotidiano.
O sofrimento da criança que é abandonada afetivamente, pode ocasionar deficiências no seu comportamento mental e social, que perdurarão para o resto de suas vidas. A criança se isola do convívio, começa a apresentar problemas escolares, podem iniciar quadro de depressão, tristeza, baixa autoestima, além de problemas de saúde.
Deve-se olhar a situação de uma forma mais ampla, de modo que a indenização seja um modelo de caráter punitivo pela conduta dos pais ausentes, logo, devem arcar com suas responsabilidades, garantindo uma vida digna, com cuidado e responsabilidade aos seus filhos.
REFERÊNCIAS
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Apelação Cível nº 1017222-63.2019.8.26.0562. Relator: Francisco Loureiro. Julgado em: 10/09/2021. Publicado em: 10/09/2021. Disponível em: https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/resultadoCompleta.do;jsessionid=A85FF87B2A11141C2AD15791AB69FDE3.cjsg2. Acesso em: 21 jul. 2022.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Apelação Cível nº 1003491-52.2014.8.26.0278. Relator: Galdino Toledo Júnior. Julgado em: 10/11/2021. Publicado em: 11/11/2021. Disponível em: https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/resultadoCompleta.do;jsessionid=A85FF87B2A11141C2AD15791AB69FDE3.cjsg2. Acesso em: 21 jul. 2022.
graduando em Direito pelo Centro Universitário de Santa Fé do Sul – SP
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PINTO, Vander Flávio. A responsabilidade civil diante do abandono afetivo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 ago 2023, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/62705/a-responsabilidade-civil-diante-do-abandono-afetivo. Acesso em: 23 nov 2024.
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