RESUMO: Este trabalho busca desenvolver um estudo a respeito da constitucionalidade do art. 40 da Lei de Execução Fiscal, notadamente à luz do Tema 390, proferido pelo Supremo Tribunal Federal no julgado do RE 636.562/SC. Para isso, através da metodologia da pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, será feita a análise do tema em questão. A combinação dessas duas fontes, doutrina e jurisprudência, fornecerá os pressupostos essenciais para o trabalho, permitindo alcançar a conclusão desejada. Ao fim, foi possível perceber que o art. 40, da referida lei, goza de constitucionalidade, vez que há uma diferenciação teórica quanto à prescrição intercorrente e tributária, de modo que tal distinção repercute na natureza da lei que vincula as matérias.
Palavras-chave: execução fiscal; prescrição intercorrente; prescrição tributária; constitucionalidade; Supremo Tribunal Federal.
INTRODUÇÃO
Conforme preleciona Leonardo Carneiro da Cunha (2021, p. 399), a execução fiscal é um procedimento especial de execução fundado em título executivo extrajudicial para satisfação de quantia certa. Por esse motivo, somente se considera execução fiscal se o exequente for considerado no conceito de Fazenda Pública e o valor cobrado compuser sua dívida ativa.
Seu procedimento encontra-se regulado na Lei nº 6.830/1980, aplicando-se subsidiariamente o CPC. Ademais, sua existência é justificada pela necessidade de se conferir prerrogativas processuais à Fazenda Pública, a fim de que o interesse público seja tutelado da maneira mais ágil, célere e eficiente possível.
Assim, a existência de um procedimento diferenciado de execução de créditos públicos visa, em última análise, resguardar os cofres públicos e, com isso, beneficiar toda a sociedade que terá, ao seu dispor, capital a ser revestido em políticas de interesse social.
Dentre os dispositivos que regulam o procedimento executório do crédito público, encontra-se o art. 40, que trata sobre o instituto da chamada prescrição intercorrente.
O referido dispositivo foi alvo de grandes debates a respeito de sua constitucionalidade, chegando a discussão ao Supremo Tribunal Federal que, finalmente, pôs uma pá de cal ao assunto, garantindo a segurança jurídica aos feitos executórios fazendários.
1.Obrigação, crédito e dívida tributária
A relação tributária existente entre o sujeito político e o particular é uma relação eminentemente obrigacional. O ente federativo, de um lado, ocupa o polo ativo, sendo o credor da relação jurídica, e o particular ocupa o polo passivo, vez que é o devedor da obrigação.
Tratar da Execução Fiscal e do processo de execução fiscal exige conhecer a essência da obrigação tributária, motivo pelo qual faz-se necessário valer-se das lições civilistas do Direito Privado. Como ensina Flávio Tartuce (2021, p. 310), a obrigação pode ser conceituada como a relação jurídica transitória existente um sujeito ativo, denominado credor, e um sujeito passivo, o devedor, e cujo objeto consiste em uma prestação situada no âmbito do dos direitos pessoais, positiva ou negativa.
Ademais, de acordo com a doutrina majoritária, são três, basicamente, os elementos constitutivos da obrigação, quais sejam, os sujeitos ativo e passivo (elemento subjetivo), a prestação (elemento objetivo imediato) e o vínculo existente entre as partes (elemento imaterial, virtual ou espiritual).
No direito tributário, por sua vez, a obrigação tributária possui os ditos elementos da obrigação civil, no entanto, com algumas peculiaridades. O legislador do Código Tributário Nacional, no art. 113, divide a obrigação em duas espécies: principal e acessória.
O tributarista Ricardo Alexandre (2018, p. 335) ensina que tanto um crédito tributário quanto os respectivos juros e multas são considerados obrigação principal, pois o enquadramento de uma obrigação tributária como principal depende exclusivamente do seu conteúdo pecuniário. Nesse sentido é o art. 113, §1º, do CTN:
§ 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.
Por outro lado, a obrigação tributária acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos, conforme dispõe o art. 113, §2º do CTN. Portanto, tal espécie refere-se às obrigações que os civilistas classificam como de fazer ou deixar de fazer. São, pois, obrigações instrumentais ou simples deveres burocráticos que facilitam o cumprimento da obrigação principal (ALEXANDRE, 2018, p. 336).
Da obrigação tributária, através do procedimento do lançamento, nasce o crédito tributário. O lançamento consiste em um procedimento administrativo cuja finalidade é definir, com precisão, o montante do tributo, a penalidade, o dever e o prazo para pagamento, de forma a conferir exigibilidade à obrigação (ALEXANDRE, 2018, p. 441).
Segundo Maury Ângelo Bottesini e Odmir Fernandes (2018, p. 1):
A constituição da obrigação tributária ocorrerá por ato da Administração Pública, que é denominado lançamento, nos casos em que a obrigação não for declarada pelo devedor. Para configurar a constituição da obrigação por declaração, é indispensável que o devedor se afirme devedor e a Fazenda Pública aceite a condição de credora. É uma situação que se aproxima de um consenso entre as partes, devedor e credor. E este consenso se estabelece apenas a respeito daquilo que o devedor afirma devido, mas que pode ser modificado por autuação da Administração, em atividade de fiscalização.
Assim, é possível concluir que, com o lançamento, constitui-se o crédito tributário, fazendo a obrigação certa quanto à sua existência, líquida quanto ao seu valor, e exigível a partir do vencimento (BOTTESINI, FERNANDES; 2018, p. 5).
Instaurado o procedimento administrativo, o devedor é notificado para pagar o valor devido ou para apresentar suas razões de defesa contra a cobrança do crédito. Não efetuado o pagamento, não apresentada a defesa ou vindo esta a ser rejeitada, sobrevirá o ato de inscrição do valor devido em dívida ativa (CUNHA, 2021, p. 400). Sobre essa inscrição, ensinam Maury Ângelo Bottesini e Odmir Fernandes (2018, p. 6) que:
Com a inscrição do crédito tributário na Dívida Ativa, a dívida passa a ser não apenas exigível, mas exequível, no sentido de o credor – a Fazenda Pública Estadual, Federal, Municipal ou autarquia com poder para promover o lançamento e a inscrição na Dívida Ativa – poder ajuizar a Execução Fiscal.
Incluído o crédito tributário na dívida ativa, habilita-se a entidade credora a promover a Execução do crédito perante o Poder Judiciário, instrumento pelo qual se vai obrigar o devedor a cumprir a obrigação de forma forçada, com a penhora, avaliação e expropriação de bens do patrimônio do devedor ou responsável pela dívida.
Tecnicamente, enquanto o lançamento constitui ou declara o crédito tributário, segundo disposição do artigo 142 do CTN – regras repetidas no artigo 2º da LEF –, a inscrição converte ou declara o crédito tributário em dívida ativa, segundo disposições do artigo 204 do CTN.
O ajuizamento da Execução Fiscal para a cobrança da Dívida Ativa exige que a Fazenda ou autarquia credora extraia e emita a Certidão da Dívida Ativa, ou simplesmente CDA, que o artigo 784, IX, do CPC de 2015, correspondente ao artigo 585, VII, do CPC de 1973, define como título executivo extrajudicial, a exemplo do cheque, da nota promissória, da letra de câmbio, da confissão de dívida em documento particular firmado por duas testemunhas.
A Execução Fiscal instruída com a CDA e com os requerimentos exigidos pelo processo de execução, irá se desenvolver com a citação do devedor para pagar ou para nomear bens à penhora, e se não houver pagamento, seguir-se-ão os atos de constrição de bens do devedor, de avaliação e venda em leilão, depois de julgados os embargos do devedor, se forem ajuizados.
Assim, pode-se dizer que a execução fiscal somente é cabível se o valor devido for inscrito em dívida ativa como dívida tributária ou não tributária, na forma da Lei nº 4.320/1964.
2.Prescrição intercorrente: o art. 40
Dentre os aspectos processuais relevantes que existem em torno da execução fiscal, merece destaque a prescrição intercorrente. Nas palavras do Min. Luis Felipe Salomão, proferidas em seu voto no REsp nº 1.620.919, a prescrição intercorrente ocorre no curso do processo e em razão da conduta do autor que, ao não prosseguir com o andamento regular ao feito, se queda inerte, deixando de atuar para que a demanda caminhe em direção ao fim colimado.
A prescrição intercorrente existe em nome da segurança jurídica e tem por objetivo evitar a eternização dos conflitos. Além disso, é um instrumento de racionalidade e economicidade para o Estado, considerando que evita a perenização de demandas que estão fadadas ao insucesso, acarretando apenas gastos desnecessários ao erário.
A Lei nº 6.830/80 regulamenta, em seu art. 40, a prescrição intercorrente no curso da execução fiscal. O intuito do referido dispositivo é o de que nenhuma execução fiscal já ajuizada poderá permanecer eternamente nos escaninhos do Poder Judiciário ou da Procuradoria encarregada da execução das respectivas dívidas fiscais.
Nessa lógica, com o intuito de acabar com as execuções fiscais com pouca ou nenhuma probabilidade de êxito, estabeleceu-se, então, um prazo para que fossem localizados o devedor ou encontrados bens sobre os quais pudessem recair a penhora, de modo que alguns autores e julgados denominam o art. 40 da LEF de “suspensão-crise”.
3.Etapas para se analisar o art. 40 da LEF
O caput do art. 40 afirma que o juiz deverá suspender a execução fiscal se o devedor não foi localizado; ou o devedor foi localizado, mas não foram encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora. Além disso, enquanto o processo estiver suspenso, não corre o prazo prescricional.
De acordo com o § 2º do art. 40, decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o Juiz ordenará o arquivamento dos autos, momento em que se inicia o prazo da prescrição intercorrente.
Transcorrido o período prescricional e constatada a falta de efetividade do exequente, será reconhecida a prescrição. Esse transcurso do prazo é automático.
Vale ressaltar, no entanto, que o magistrado, ao reconhecer a prescrição intercorrente, deverá fundamentar o ato judicial por meio da delimitação dos marcos legais que foram aplicados na contagem do respectivo prazo, inclusive quanto ao período em que a execução ficou suspensa, conforme consta no Tema 635.
Com isso, restará a possibilidade de o exequente, intimado da decisão que reconheceu a prescrição intercorrente, utilizar-se dos meios recursais cabíveis para questionar a contagem dos marcos legais indicados na decisão judicial e demonstrar eventual equívoco do ato judicial impugnado.
4. (In)constitucionalidade do art. 40: Tema 390
Os estudiosos do Direito Tributário discutiam a respeito da constitucionalidade do art. 40. Algumas vozes alegavam a sua inconstitucionalidade, afirmando que o referido dispositivo trata da prescrição de crédito tributário, de modo que a matéria somente poderia ser regulamentada por meio de lei complementar, nos termos do art. 146, III, “b”, da CF/88:
Art. 146. Cabe à lei complementar:
I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;
b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;
c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas.
d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239.
As regras pertinentes à prescrição e decadência tributária são tratadas no Código Tributário Nacional que, apesar de ter sido editado como lei ordinária (Lei nº 5.172/1966), foi recepcionado com força de lei complementar pela Constituição Federal de 196, e mantido tal status com o advento da Constituição Federal de 1988.
Conforme ensina Ricardo Alexandre (2018, p. 254), as normas materialmente compatíveis com a nova Constituição são por essa recepcionadas, passando a ter o mesmo status da espécie legislativa exigida pela nova Carta para disciplinar a matéria.
Com base no entendimento acima exposto, os Tribunais Superiores, em diversas oportunidades, se manifestam pela inconstitucionalidade formal dos arts. 2º, § 3º, e 8º, § 2º, da Lei 6.830/80, na medida em que foram editadas no bojo de lei ordinária, mas versam sobre prescrição tributária, que é matéria própria de normas gerais de direito tributário e, por isso, reservada à lei complementar.
Entretanto, ao enfrentar a controvérsia no RE 636.562/SC (Tema 390), referente a validade da prescrição intercorrente, prevista no art. 40 da LEF, o STF decidiu pela sua constitucionalidade. Isso porque, conforme destacou a Suprema Corte, a prescrição ordinária tributária não pode ser confundida com a prescrição intercorrente tributária.
A prescrição ordinária tributária é disciplinada pelo art. 174 do CTN, que prevê o prazo de 5 anos, começando a fluir a partir da data de constituição definitiva do crédito tributário, de modo que representa espécie de extinção, nos termos do art. 156, V, do CTN.
A prescrição do crédito tributário está intrinsecamente ligada ao inadimplemento do sujeito passivo, vez que, nas palavras de Ricardo Alexandre (2018, p. 558):
Não havendo pagamento ou impugnação ou, em havendo esta, concluído o processo administrativo fiscal e ultrapassado o prazo para pagamento do crédito tributário sem que ele tenha sido realizado, surge para a Fazenda Pública o que a doutrina denomina pretensão, que é a possibilidade de exigência coativa da satisfação do crédito lançado, mediante o manejo da ação de execução fiscal.
A prescrição intercorrente, por sua vez, é matéria eminentemente processual, de modo que não seria necessário ser tratada por meio de lei complementar. Assim, como requisito processual, deve ser disciplinada por lei ordinária nacional, na forma do art. 22, I, da CF/88.
CONCLUSÃO
Portanto, é possível concluir que a execução fiscal é um procedimento especial, manejado pela Fazenda Pública em seu sentido amplo, que busca realizar o princípio do interesse público, bem como o da eficiência. Referido procedimento possui previsão na Lei nº 6.830/1980, recepcionada pela Constituição Federal de 1988 com status de Lei Ordinária.
A Lei de Execução Fiscal (LEF) estabelece, em seu art. 40, o instituto da prescrição intercorrente, o qual extingue o processo executivo sem resolução de mérito, desde que satisfeitos os pressupostos trazidos pela lei e pela jurisprudência.
Ademais, conclui-se que a prescrição intercorrente não pode ser confundida com a prescrição do crédito tributário, já que a primeira se trata de instituto processual e a segunda, de instituto do direito material. Portanto, conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal no RE 636.562/SC (Tema 390), não é necessário que a prescrição intercorrente seja tratada por meio de lei complementar, restando decidido, em caráter definitivo, que o art. 40 da Lei nº 6.830/1980 é constitucional.
ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário. 12 ed. Salvador: JusPodivm, 2018.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RAFAELA GALVãO RIBEIRO DE ARAúJO, . A (in)constitucionalidade do art. 40 da Lei de Execução Fiscal à luz do Tema 390 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 set 2023, 04:38. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/62902/a-in-constitucionalidade-do-art-40-da-lei-de-execuo-fiscal-luz-do-tema-390. Acesso em: 23 nov 2024.
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