Resumo: Alimentos são as prestações necessárias para satisfação das necessidades básicas daqueles que não podem provê-las pelo próprio trabalho. Procedimentalmente, a execução de alimentos possui alguns meios executivos que a torna especial em relação à execução de obrigação de pagar quantia certa. Dentre tais meios, discute-se se seria possível a utilização simultânea do rito da expropriação e o da prisão civil, em razão de possível vedação legal e tumulto processual. O Superior Tribunal de Justiça, por recentes decisões de suas Terceira e Quarta Turmas, entendeu que não há qualquer impeditivo, desde que os atos processuais especifiquem a quais parcelas se referem – se alimentos pretéritos, com as consequências do rito da expropriação, ou se alimentos atuais, com as consequências da prisão civil.
Palavras-chave: Alimentos. Expropriação. Prisão Civil. REsp 1.930.593/MG. REsp 2.004.516/RO.
Abstract: Alimony is the provision necessary to meet the basic needs of those who cannot provide for themselves through work. Procedurally, the execution of maintenance has some executive means that make it special in relation to the execution of the obligation to pay a certain amount. Among these means, it is discussed whether the simultaneous use of the rite of expropriation and that of civil prison would be possible, due to possible legal prohibition and procedural turmoil. The Superior Court of Justice, by recent decisions of its Third and Fourth Panels, understood that there is no impediment, as long as the procedural acts specify which installments they refer to - whether past alimony, with the consequences of the expropriation rite, or whether alimony with the consequences of civil imprisonment.
Keywords: Alimony. Expropriation. Civil Prison. REsp 1.930.593/MG. REsp 2.004.516/RO.
Sumário: 1. Execução de Alimentos. 1.1. Rito Comum. 1.2. Prisão Civil. 2. Cumulação dos procedimentos da prisão e da penhora. 2.1. Posição tradicional – vedação à cumulação. 2.2. Possibilidade de cumulação. Conclusão. Referências.
1. Introdução
Alimento encontra no latim (alimentum) sua origem etimológica: “significa sustento, alimento, manutenção, subsistência, do verbo alo, is, ui, itum, ere (alimentar, nutrir, desenvolver, aumentar, animar, fomentar, manter, sustentar, favorecer, tratar bem)” (AZEVEDO, Álvaro Villaça. Curso..., 2013, p. 304 apud TARTUCE, Flávio, 2019, p. 786).
Flávio Tartuce (2019, p. 787) define alimentos como “as prestações devidas para a satisfação das necessidades pessoais daquele que não pode provê-las pelo trabalho próprio”.
Pontes de Miranda indica que alimentos “abrangem todo o necessário ao sustento, morada, vestuário, saúde e educação do ser humano”. (MIRANDA, 1983, p. 20)
Fredie Didier Jr (2017, p. 713) conceitua que “os alimentos consistem, assim, na prestação voltada à satisfação das necessidades básicas e vitais daquele que não pode custeá-las. E essa prestação pode ser devida por força de lei (CC, art. 1.694, prevista para parentes, cônjuges ou companheiros), de convenção (CC, art. 1.920) ou em razão de um ato ilícito (CC, arts. 948, II, e 950)”.
Assim, quem não pode prover suas necessidades pelo próprio trabalho, com vistas à pacificação social, deve tê-las providas por outros, sejam órgãos estatais, particulares, ou especialmente familiares que possam fazê-lo (PEREIRA, 2012, p. 527).
A doutrina (DIDIER, 2017, p. 714-717) traz algumas classificações acerca dos alimentos. As principais que podem ser apontadas são quanto à origem (legítimos, voluntários, indenizativos), quanto à estabilidade (definitivos, provisórios), à natureza (naturais, civis).
Quanto à origem, alimentos legítimos são previstos em lei, nos termos do Código Civil, artigo 1694 e Lei 9278 art. 7º, por parentesco, matrimônio ou união estável. Voluntários são devidos por negócio jurídico. Indenizativos são os devidos pela prática de ato ilícito, conforme Código Civil artigo 948, II, e art. 950.
Aqui, importante mencionar que entende a jurisprudência (BRASIL, 2011a) que execuções de alimentos indenizativos não podem se utilizar dos meios executivos da prisão civil e do desconto em folha de pagamento, que como será visto ao decorrer deste trabalho, são justamente os elementos que especializam a execução de alimentos em detrimento das execuções em comum. Nesse caso, só se aplicaria o artigo 533 do CPC:
“Art. 533. Quando a indenização por ato ilícito incluir prestação de alimentos, caberá ao executado, a requerimento do exequente, constituir capital cuja renda assegure o pagamento do valor mensal da pensão.” (BRASIL, 2015).
Há doutrina contrária a este entendimento. Neste sentido expõe Daniel Neves:
“Não concordo com tal entendimento, porque a necessidade especial do credor de alimentos não se altera em razão da natureza desse direito, não havendo sentido criar um procedimento mais protetivo limitando sua aplicação a somente uma espécie de direito alimentar” (NEVES, 2021, p. 1313).
Já quanto à estabilidade, os alimentos definitivos são aqueles determinados por sentença, enquanto os provisórios são aqueles fixados no decorrer do processo, de forma antecedente ou incidental. Vale dizer que os definitivos não necessariamente dependem de trânsito em julgado nos termos do artigo 1.012, §1º, II do CPC:
“Art. 1.012. A apelação terá efeito suspensivo. § 1º Além de outras hipóteses previstas em lei, começa a produzir efeitos imediatamente após a sua publicação a sentença que: II - condena a pagar alimentos (...)” (BRASIL, 2015).
Quanto à natureza, os naturais são os indispensáveis ao atendimento das nossas necessidades básicas. Já os civis compreendem as necessidades morais e intelectuais.
Uma vez reconhecida em juízo a obrigação alimentar, cabe ao alimentando-credor proceder à execução da sentença.
O Código de Processo Civil traz regras atinentes a diversos tipos de execuções e cumprimentos de sentença.
A execução de alimentos nada mais é que uma execução de pagar quantia certa, especializada por conta do elevado tratamento dado ao tema da prestação alimentar.
“A especialidade da execução de alimento dá-se principalmente em razão da previsão de atos materiais específicos a essa espécie de execução, sempre com o objetivo de facilitar a obtenção da satisfação pelo exequente” (NEVES, 2021, p. 1313).
O Código de Processo Civil indica como possíveis ritos da execução de prestação alimentícia o desconto em folha de pagamento (artigo 529); a expropriação (artigos 529, §§8º e 9ª, art. 523, art. 530, art. 831); o protesto (art. 529, §1º e 517) e prisão civil (art. 528, caput e §§ 3º a 7º).
A escolha de qual caminho meio executivo será seguido é de livre vontade do credor alimentando, com algumas exceções trazidas pelo STJ:
“O mesmo tribunal tem precedente no sentido de que escolha do credor pode ser desconsiderada em aplicação do princípio da menor onerosidade, desde que mantendo-se a eficácia da tutela executiva, mas que não cabe conversão de ofício para o procedimento comum com fundamento de adimplemento parcial ou de transcurso razoável de tempo para o ajuizamento da ação.” (BRASIL, 2017a, 2019, apud NEVES, 2021, p. 1314).
Para Fredie Didier Jr. (2017, p. 718) o meio eleito depende do caso concreto, devendo-se levar em conta a aptidão da medida a tutelar o direito do credor, bem como menor onerosidade para o devedor.
O rito comum, encontra-se previsto no artigo 528 §7º e §8º do Código de Processo Civil.
Aqui, assim como as execuções em comum, busca-se bens do devedor para satisfação da dívida mediante penhora, ressalvando-se que uma das medidas que distinguem o rito da execução alimentícia de execuções comuns é a previsão do desconto em folha de pagamento (artigos 529 e 912 do CPC).
A aplicação deste rito acontece em duas hipóteses.
A situação trazida no Art. 528 §7º do CPC ocorre quando o débito alimentar se refere a prestações vencidas há mais de 3 meses, visto que a prisão só é possível quando se trata de prestações vencidas há menos de 3 meses. Isso porque a prisão se trata de medida extrema (NEVES, 2021, p. 1324).
Por sua vez, a hipótese contemplada pelo §8º diz respeito à opção do credor exequente pelo rito comum.
“Art. 528. (...) § 8º O exequente pode optar por promover o cumprimento da sentença ou decisão desde logo, nos termos do disposto neste Livro, Título II, Capítulo III, caso em que não será admissível a prisão do executado, e, recaindo a penhora em dinheiro, a concessão de efeito suspensivo à impugnação não obsta a que o exequente levante mensalmente a importância da prestação.”
Aqui, o credor renuncia ao rito da prisão. Nesse caso, aplicam-se as regras do procedimento comum do cumprimento de sentença, ou execução de quantia certa se tratando de título extrajudicial conforme artigo 913 do CPC. É o que leciona Daniel Amorim Assumpção Neves (2021, p. 1317):
“(...) preferindo o exequente adotar o procedimento previsto pelo § 8o do art. 528 e pelo art. 913 do CPC, cabe a aplicação das normas referentes ao procedimento comum do cumprimento de sentença ou processo de execução de obrigação de pagar quantia certa, a depender da natureza do título executivo. Por outro lado, optando pelo procedimento previsto no § 3o do art. 528, em razão de sua incontestável especialidade, teremos um procedimento especial tanto no cumprimento de sentença como no processo de execução.”
O CPC traz ainda a possibilidade de desconto em folha de pagamento (art. 529 e 912), um dos elementos que tornam a execução de alimentos especial em relação às execuções de quantia certa em geral.:
“Art. 529. Quando o executado for funcionário público, militar, diretor ou gerente de empresa ou empregado sujeito à legislação do trabalho, o exequente poderá requerer o desconto em folha de pagamento da importância da prestação alimentícia.”
Interpreta-se do texto legal que não cabe determinação de ofício, devendo ser requerido pelo exequente.
Para Araken de Assis (2007, p. 948), há responsabilidade solidária entre o devedor alimentante e o terceiro pagador (empregador) pelas quantias não retidas e descontadas. Ainda, não há interesse processual para que se insurja contra a determinação judicial de desconto (DIDIER 2017, p. 219) respondendo pelo crime de desobediência caso não dê cumprimento conforme parágrafo 1º do art. 529. (BRASIL, 2015).
Por outro lado, há também o rito da prisão civil. Encontra-se previsto no artigo 528, parágrafos 1º a 7º do Código de Processo Civil:
“Art. 528. No cumprimento de sentença que condene ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão interlocutória que fixe alimentos, o juiz, a requerimento do exequente, mandará intimar o executado pessoalmente para, em 3 (três) dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo.
§ 1º Caso o executado, no prazo referido no caput, não efetue o pagamento, não prove que o efetuou ou não apresente justificativa da impossibilidade de efetuá-lo, o juiz mandará protestar o pronunciamento judicial, aplicando-se, no que couber, o disposto no art. 517.
§ 2º Somente a comprovação de fato que gere a impossibilidade absoluta de pagar justificará o inadimplemento.
§ 3º Se o executado não pagar ou se a justificativa apresentada não for aceita, o juiz, além de mandar protestar o pronunciamento judicial na forma do § 1º, decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses.
§ 4º A prisão será cumprida em regime fechado, devendo o preso ficar separado dos presos comuns.
§ 5º O cumprimento da pena não exime o executado do pagamento das prestações vencidas e vincendas.
§ 6º Paga a prestação alimentícia, o juiz suspenderá o cumprimento da ordem de prisão.
§ 7º O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende até as 3 (três) prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo.” (BRASIL, 2015).
Assim, vê-se que em um primeiro momento o juiz intima o executado para em 3 dias pagar ou justificar a impossibilidade de fazê-lo.
Conforme entendimento doutrinário expresso no Enunciado 146 da II Jornada de Direito Processual Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal em setembro de 2018, conta-se este prazo em dias úteis:
“o prazo de 3 (três) dias previsto pelo art. 528 do CPC conta-se em dias úteis e na forma dos incisos do art. 231 do CPC, não se aplicando seu § 3.º” (BRASIL, 2018).
Decorrido o prazo, será determinado o protesto. Aplicam-se as mesmas regras acerca do protesto de sentença transitada em julgado. O protesto “tem como função pressionar psicologicamente o executado a cumprir a obrigação, se prestando a exercer a mesma espécie de pressão por meio de ameaça de piora da situação do devedor no cumprimento de sentença de alimentos”. (NEVES, 2021, p. 1320).
Daniel Neves ainda critica a redação do §3º ao afastar o protesto no caso de aceitação da justificativa pelo não pagamento. Para o autor, o legislador confundiu protesto e prisão civil:
“A apresentação de justificativa evita a prisão imediata do devedor de alimentos, e sua rejeição a libera. Nada tem a ver com a existência do direito do exequente, mas apenas com o afastamento da prisão civil. Dessa forma, se o executado apresentar justificativa pelo não pagamento em 3 dias, ainda assim a sentença deverá ser protestada, a par do previsto no § Io do art. 528 do CPC. Ser a justificativa acolhida ou rejeitada não terá qualquer relevância para tal protesto, que já terá ocorrido, a par da previsão do § 3o do art. 528 do CPC.” (NEVES, 2021, p. 1320).
Será ainda decretada a prisão civil por 1 a 3 meses, que ocorrerá em regime fechado, separado dos presos comuns.
Vale lembrar que a justificativa impede a prisão uma vez que, conforme nossa Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso LXVII, somente o inadimplemento voluntário autoriza a prisão civil por dívida.:
“(...) LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel;” (BRASIL, 1988).
Ademais, encontra-se tal prisão civil resguardada na Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) de 1969, em seu artigo 7º:
“Artigo 7º - Direito à liberdade pessoal (...) “7. Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar.” (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, 1969)
Além disso, no caso de execução de alimentos avoengas – quando figura no polo passivo os avós – é possível prisão em regime semiaberto ou domiciliar, conforme Jurisprudência em Teses do Superior Tribunal de Justiça, edição 77 (Alimentos – II), tese número 4:
“o cumprimento da prisão civil em regime semiaberto ou em prisão domiciliar é excepcionalmente autorizado quando demonstra” (BRASIL, 2017b)
Conforme já mencionado em tópico anterior, a prisão só é possível no caso de débito que compreenda até 3 prestações anteriores ao ajuizamento da ação.
Vale transcrever:
“Art. 528. (...)
§ 7º O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende até as 3 (três) prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo.”. (BRASIL, 2015).
Importante mencionar que este artigo foi inserido no Código de Processo Civil com a reforma de 2015, porém já era este o entendimento jurisprudencial dos tribunais superiores, conforme se nota da súmula número 309 do Superior Tribunal de Justiça, senão vejamos:
“O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo.” (BRASIL, 2006)
Tal súmula teve sua redação alterada, uma vez que anteriormente se entendia que seriam as 3 prestações anteriores à citação, o que era criticado por ser comum o devedor esquivar-se da citação para impedir sua prisão.
Por óbvio, o cumprimento da prisão não resulta em adimplemento das prestações alimentícias, como bem lembra Daniel Neves:
“Essa prisão não tem cunho satisfativo tampouco punitivo, sendo apenas um mecanismo de pressão sobre a vontade do devedor, de forma que, mesmo preso, ó executado continua a ser devedor das prestações vencidas e vincendas (...)”. (NEVES, 2021, p. 1324).
3. Cumulação dos procedimentos da prisão e da penhora
Tecidos comentários acerca dos métodos executivos da dívida alimentícia, cabe verificar-se acerca da possibilidade específica de cumulação dos procedimentos de expropriação e de prisão civil no contexto de dívida alimentícia.
3.1. Posição tradicional – vedação à cumulação
Tradicionalmente, entende-se como impossível a cumulação dos ritos, por serem excludentes entre si. Caso o credor opte pela penhora, não será possível a determinação de prisão. Por todos, veja-se o posicionamento de Denis Donoso e Rodolpho Vannucci:
“Com o devido respeito, contudo, somos adeptos da opinião contrária – que rejeita a possibilidade de cumulação de execuções de alimentos sob ritos distintos – pois parece ser mais aceitável, não apenas porque os procedimentos são diferentes (e o art. 780 do CPC literalmente exige que sejam idênticos), mas especialmente pelo fato de que tal cumulação seria agressiva ao princípio da economia processual e à instrumentalidade do processo, fato que se torna mais grave quando o pleito é de alimentos. Não é exagero imaginar, por exemplo, que num determinado momento processual não se saberá mais o que se está cobrando ou a que título o executado fez um pagamento parcial (parcelas recentes ou pretéritas).
O direito aos alimentos, exatamente pelas qualidades que ostenta, deve estar blindado de discussões desnecessárias e contraproducentes que invariavelmente surgirão se admita a cumulação de execuções por técnicas distintas. (DONOSO; VANNUCCI, 2022, p. 399)
Há dois principais fundamentos que sustentam tal entendimento: tumulto processual, e expressa vedação legal constante do artigo 780 do CPC.
“Art. 780. O exequente pode cumular várias execuções, ainda que fundadas em títulos diferentes, quando o executado for o mesmo e desde que para todas elas seja competente o mesmo juízo e idêntico o procedimento.” (BRASIL, 2015).
A título de comparação, verifica-se similaridade com o disposto no artigo 327 do CPC, acerca da cumulação de pedidos:
“Art. 327. É lícita a cumulação, em um único processo, contra o mesmo réu, de vários pedidos, ainda que entre eles não haja conexão.
§ 1º São requisitos de admissibilidade da cumulação que:
I - os pedidos sejam compatíveis entre si;
II - seja competente para conhecer deles o mesmo juízo;
III - seja adequado para todos os pedidos o tipo de procedimento.
§ 2º Quando, para cada pedido, corresponder tipo diverso de procedimento, será admitida a cumulação se o autor empregar o procedimento comum, sem prejuízo do emprego das técnicas processuais diferenciadas previstas nos procedimentos especiais a que se sujeitam um ou mais pedidos cumulados, que não forem incompatíveis com as disposições sobre o procedimento comum.
§ 3º O inciso I do § 1º não se aplica às cumulações de pedidos de que trata o art. 326” (BRASIL, 2015).
Assim, argumenta-se não ser idêntico o procedimento da penhora e da prisão, o que inviabilizaria a cumulação de ambos os ritos. Senão vejamos, conforme passagem extraída de julgado do STJ no REsp 1.930.593/MG, estudado de forma aprofundada mais à frente:
“Segundo esse ponto de vista, por haver diversidade procedimental entre o rito da prisão e o da expropriação, seria inviável a junção dos ritos no âmbito da mesma execução de alimentos. Tal normativo teria justamente o intento de evitar o aparecimento de tumulto processual em razão da cumulação de execuções sob ritos diversos.” (BRASIL, 2022a).
Daniel Amorim Assumpção Neves esclarece: “Se existem dois títulos, um expressando obrigação de fazer e outro de pagar quantia certa, é impossível a cumulação. Tal exigência decorre dos diferentes procedimentos para cada espécie de execução (tomando-se por base a natureza da obrigação do executado)”.
Todavia, na jurisprudência já era possível encontrar precedentes do Superior Tribunal de Justiça admitindo a cumulação de execuções de pagar quantia certa e obrigação de fazer, em razão dos princípios da celeridade e efetividade processual (BRASIL, 2011b).
3.2. Possibilidade de cumulação
Contrariamente aos que defendem a impossibilidade de cumulação, há corrente que entende não haver vedação legal, incidindo a celeridade processual:
“Em sentido inverso estão os favoráveis à junção das técnicas. Defendem que não há vedação legal, que o novo CPC tem como escopo a flexibilidade procedimental, de que há incidência dos princípios da economia, celeridade, eficiência, além de não ser possível presumir a existência de prejuízo. Por fim, têm como principal fundamento o fato de que a execução de alimentos foi prevista para prestigiar o alimentado, credor de alimentos e, por conseguinte, seria facultado a ele cumular ou não os ritos dentro do mesmo procedimento executivo” (BRASIL, 2022a).
Na jurisprudência, em 2022 o Superior Tribunal de Justiça enfrentou novamente a questão. No caso, em posição inovadora, decidiu a Quarta Turma da Corte pela possibilidade de cumulação no julgamento do REsp 1.930.593/MG.
Em seus argumentos, o Ministro Relator Luís Felipe Salomão, fez distinção entre os conceitos de técnica executiva e procedimento executivo. Assim, um procedimento executivo, representado em uma única pretensão de direito material, poderia abranger diversas técnicas executivas para alcançar o adimplemento.
“Conforme a doutrina, a análise sobre a cumulação de requerimentos em um cumprimento de sentença "exige que se olhe para o direito material, em primeiro lugar. Só se estará verdadeiramente diante de cumulação de 'efetivações de direitos' quando tenha havido mais de uma pretensão manifestada em juízo, inicialmente. Do contrário, estar-se-á apenas diante de verificação ou não da cumulabilidade de técnicas executivas (em relação a uma só pretensão)". Não se pode baralhar os conceitos de técnica executiva e procedimento executivo, pois os instrumentos executivos servem, dentro da faculdade do credor e da condução processual do magistrado, justamente para trazer eficiência ao rito procedimental.” (BRASIL, 2022a).
Outro ponto trazido pelo Relator foi a importância do bem jurídico tutelado ao se tratar de execução de alimentos, devendo-se buscar efetividade na tutela jurisdicional.
“Dessarte, em razão da flexibilidade procedimental de nosso sistema processual e da relevância do bem jurídico tutelado em questão, deve-se adotar um posicionamento conciliatório entre as correntes divergentes, conferindo-se concretude à opção procedimental do credor de alimentos, sem se descuidar de eventual infortúnio prático a ser sopesado no caso em concreto, trazendo adequação e efetividade à tutela jurisdicional, tendo sempre como norte a dignidade da pessoa do credor necessitado.” (BRASIL, 2022a).
Com tais razões, decidiu a corte pela possibilidade de cumulação dos ritos, a depender do caso concreto, desde que não cause tumulto processual e não haja prejuízo ao devedor.
“Assim, em regra, é cabível a cumulação das medidas executivas da coerção pessoal e da expropriação no âmbito do mesmo procedimento executivo, desde que não haja prejuízo ao devedor (a ser devidamente comprovado por ele) nem ocorra qualquer tumulto processual, ambos a serem avaliados pelo magistrado no caso concreto.” (BRASIL, 2022a).
Para se evitar a ocorrência de tumulto processual, é importante a clareza na formulação dos pedidos, bem como na elaboração do mandado de citação e na defesa do réu.
Por outro lado, é recomendável que credor especifique, em tópico próprio, a sua pretensão ritual em relação a eles, assim como o mandado de citação/intimação deverá prever as diferentes consequências de acordo com as diferentes prestações. A defesa do requerido, por sua vez, poderá se dar em tópicos ou, separadamente, com a justificação em relação as prestações atuais e impugnação ou embargos para se opor às prestações pretéritas.
A delimitação do alcance de cada pedido é apta a afastar, em tese, algum embaraço processual, cindindo-se o feito diante das técnicas executivas pleiteadas de forma a permitir que a parte adversa tenha conhecimento de que e de como se defender.” (BRASIL, 2022a).
Importante ressaltar que a Corte entendeu que eventual prejuízo deve ser alegado e provado pelo próprio devedor. Neste caso, o ainda se o magistrado reconhecer a possibilidade de a cumulação dos meios executivos causar tumulto processual, haverá a cisão dos autos, sendo um dos requerimentos – expropriação ou prisão – apensados para tramitar em apartado.
“Apenas se houver demonstração de algum prejuízo pelo devedor ou se o magistrado vislumbrar a ocorrência de tumulto processual em detrimento da prestação jurisdicional é que se determinará a cisão do feito, como o apensamento em apartado de um dos requerimentos.” (BRASIL, 2022a)
Verifica-se, portanto, que o Tribunal da Cidadania optou por posicionamento que concilia as normas processuais civis acerca da cumulação de demandas, com os princípios que visam à efetividade processual.
“Tal solução atende a um só tempo os princípios da celeridade, da economia, da eficiência e da proporcionalidade, atendendo aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana, nos termos exigidos pelo art. 8º do CPC/2015, prestigiando o alimentando na busca do recebimento do seu crédito alimentar (indispensável à sua sobrevivência), exatamente o ser vulnerável a quem o procedimento executivo visa socorrer.” (BRASIL, 2022a).
Poucos meses após, o Superior Tribunal de Justiça, dessa vez por sua 3ª Turma, enfrentou novamente tema quando do julgamento do REsp 2.004.516/RO. No caso, a corte acompanhou o entendimento da 4ª Turma.
Quanto ao argumento de que o artigo 780 do CPC vedaria a cumulação dos meios executivos, entendeu a Relatora Min Nancy Andrighi que na verdade esta regra está topologicamente na execução de título extrajudicial, aplicando-se ao cumprimento de sentença apenas no que couber, ou seja quando não houver regra acerca do tema dentro do capítulo do cumprimento de sentença.
Todavia, o artigo 531, §2º, do CPC, traz tal regra própria e “não faz nenhuma distinção a respeito da atualidade ou não do débito, de modo que essa é a regra mais adequada para suprir a lacuna do legislador no trato da questão controvertida” (BRASIL, 2022b). Senão vejamos:
“Art. 531. O disposto neste Capítulo aplica-se aos alimentos definitivos ou provisórios.
(...) § 2º O cumprimento definitivo da obrigação de prestar alimentos será processado nos mesmos autos em que tenha sido proferida a sentença.” (BRASIL, 2015)
Ainda, o artigo 780 veda cumulação de execução fundada em naturezas distintas, sendo que no caso trata-se de natureza idêntica, qual seja alimentos fixados por sentença.
Por sua vez, mencionou a existência de argumento de que o art. 528, §8º do CPC, indicaria que o cumprimento de sentença sob a técnica da penhora e expropriação, ao impedir a prisão civil, também imporia a cisão procedimental.
“Art. 528(...) § 8º O exequente pode optar por promover o cumprimento da sentença ou decisão desde logo, nos termos do disposto neste Livro, Título II, Capítulo III, caso em que não será admissível a prisão do executado, e, recaindo a penhora em dinheiro, a concessão de efeito suspensivo à impugnação não obsta a que o exequente levante mensalmente a importância da prestação.”
Porém, atacou tal argumento entendendo que o art. 528 §8º do CPC diz tão somente que não se admite a prisão civil quando o cumprimento de sentença se processar sob a penhora e expropriação. Todavia, não dispõe a obrigatoriedade de cisão em dois processos autônomos na hipótese de cumprimento de sentença parte sob a técnica de prisão e parte sob o rito da penhora e expropriação.
Ademais, quanto ao argumento de tumulto processual e risco à celeridade, argumenta a Relatora que tal argumento é genérico, não especificando qual seria tal prejuízo. Trouxe como exemplo, todavia, a ausência de especificação sobre se determinado título se refere a alimentos pretéritos (com as consequências cabíveis pelo rito penhora e expropriação) ou atuais (com as consequências da prisão civil). Trouxe assim, como as seguintes soluções:
“31) Ao credor que porventura optar pela execução cumulada de alimentos pretéritos e atuais no mesmo processo, caberá especificar, detalhadamente, no requerimento do cumprimento de sentença e em suas demais manifestações, se a parcela cobrada se refere aos alimentos pretéritos, sobre os quais incidirá a técnica da penhora e expropriação, ou se se refere aos alimentos atuais, sobre os quais incidirá a técnica da prisão civil.
32) Ao julgador, caberá especificar, no mandado de intimação queserá endereçado ao devedor, quais parcelas ou valores são referentes aos alimentos pretéritos e que, na hipótese de inadimplemento, ensejarão penhora e expropriação, e quais parcelas ou valores são referentes aos alimentos atuais e que, na hipótese de inadimplemento, resultarão na prisão civil do devedor.
33) Ao devedor, por sua vez, caberá, sobretudo nas hipóteses em que houver apenas a quitação parcial da dívida, especificar se o pagamento se refere aos alimentos pretéritos, que elidirão a possibilidade de penhora e expropriação, ou se se refere aos alimentos atuais, que impedirão a decretação de sua prisão civil, sob pena de ser lícito ao credor recebê-los na modalidade que melhor lhe convier” (BRASIL, 2022b).
A possibilidade de cumulação também é defendida por Fernanda Tartuce e Luiz Dellore:
“No sistema do Novo CPC, a sistematização soa facilitadora: há espaço para promover um único cumprimento de sentença que veicule cobrança de prestações antigas e novas. Assim, o exequente sempre será, segundo o art. 528, caput, intimado pessoalmente para em 3 dias pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de fazê-lo. O § 1º do art. 528 prevê que, caso o pagamento não seja efetuado, provado ou tenha sua falta justificada, o juiz mandará protestar o pronunciamento judicial. O protesto, por óbvio, poderá ocorrer em relação a qualquer decisão que fixe os alimentos, seja sentença ou decisão interlocutória, tenha a decisão transitado em julgado ou não. Até aí, o processo segue da mesma maneira para as prestações novas e antigas. A diferença é apenas a determinação da prisão civil, que não soa incompatível com a determinação de penhora no mesmo processo. É prudente que o mandado preveja as diferentes consequências para as diferentes prestações.” (TARTUCE; DELLORE, 2016, p. 490)
Assim, acompanhando o entendimento recente da 4ª Turma, também a 3ª Turma julgou procedente o Recurso Especial para permitir a cumulação do rito de penhora e expropriação com o rito da prisão civil dentro de um mesmo cumprimento de sentença, cabendo apenas especificar quais parcelas se referem a alimentos pretéritos e quais se referem a atuais, bem como suas distintas consequências.
O tema da cumulação das técnicas executivas de penhora e prisão na mesma execução de alimentos, atualmente, a despeito divergências doutrinárias, parece encontrar-se pacificado na jurisprudência, tendo em vista as recentes decisões da 3ª e 4ª Turmas do Superior Tribunal de Justiça.
Parece-nos que de fato a solução dada pela Corte é acertada, especialmente quando a 4ª Turma, na Relatoria do Min Luiz Felipe Salomão no REsp 1.930.593/MG, cria uma regra geral de admissão de diferentes técnicas executivas, imprimindo celeridade processual, mas sem se descuidar de eventual prejuízo ou tumulto processual, a ser aferido no caso concreto pelo juiz da causa, o que era exatamente o principal argumento de viés prático da corrente tradicional, contrária à cumulação.
Como bem apontado pela Relatora Min. Nancy Andrighi no REsp 2.004.416/RO, a nova legislação processual veio justamente buscar a simplificação processual, liberdade das formas, flexibilização procedimental, celeridade e efetividade da tutela de mérito, não cabendo ao judiciário ir de encontro com tais avanços de forma genérica, salvo se no caso concreto efetivamente se vislumbre a ocorrência de algum impeditivo.
Referências
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______. Superior Tribunal de Justiça, 4a Turma, HC n. 182.228, Rel. Min. João Otavio Noronha, j. em 01.03.2011, publicado no DJe de 11.03.2011
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Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul em 2017. Analista Judiciária no Tribunal Regional Eleitoral do Paraná .
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CASTANHARO, Daniele. Cumulação de Pedidos de Prisão e de Penhora na Mesma Execução de Alimentos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 jan 2024, 04:08. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/63034/cumulao-de-pedidos-de-priso-e-de-penhora-na-mesma-execuo-de-alimentos. Acesso em: 23 nov 2024.
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