RESUMO: O presente artigo abordará a delicada e frequente questão do pagamento indevido de valores a servidores públicos pela Administração à luz do entendimento dos Tribunais Superiores, do Tribunal de Contas da União e da Advocacia Geral da União, concluindo com a proposta ideal de solução por meio da aplicação da técnica de ponderação entre os princípios da segurança jurídica e da vedação ao enriquecimento sem causa.
Palavras-chave: pagamento indevido; servidores públicos; (des)necessidade de ressarcimento ao Erário.
ABSTRACT: This article will discuss the delicate and routine issue of undue payment of amounts to public servants by the Administration in light of the understanding of the Superior Courts, the Federal Audit Court and the Federal Attorney General's Office, concluding with the ideal proposed solution through the application the technique of balancing the principles of legal certainty and the prohibition against unjust enrichment.
Keywords: improper payment; public servants; (un)need for reimbursement to the Treasury.
1.INTRODUÇÃO
Nos termos do art. 46 da Lei nº 8.112/1990, as reposições e indenizações ao erário, atualizadas até 30 de junho de 1994, serão previamente comunicadas ao servidor ativo, aposentado ou ao pensionista, para pagamento, no prazo máximo de trinta dias, podendo ser parceladas, a pedido do interessado.
Referido dispositivo prevê duas situações distintas que possuem mesma consequência jurídica: o dever de ressarcimento ao Erário pelo servidor público.
Enquanto a indenização pressupõe necessariamente a prática de um ato ilícito pelo servidor público, o termo reposição é mais amplo, abarcando também aquelas situações em que ao servidor é imposto o dever de ressarcimento mesmo quando ausente qualquer ato ilícito, como por exemplo, na percepção indevida de valores em decorrência de erro (de fato ou de direito) da Administração.
A prática administrativa revela que a Administração Pública, sob o argumento de exercício do seu poder de autotutela e numa postura conservadora, impõe indiscriminadamente o dever de reposição dos valores pagos indevidamente, por meio de descontos em contracheque, sem uma análise casuística profunda, situação que tem provocado inúmeros questionamentos tanto na seara administrativa como judicial.
Apesar da ausência de uniformidade e grande oscilação do tema na jurisprudência – tanto judicial quanto administrativa, os respectivos órgãos têm se utilizado basicamente de dois critérios para impor ou não o dever de ressarcimento para os casos de percepção indevida de valores por servidores públicos, a saber: (i) a boa fé ou má fé do servidor e; (ii) se o pagamento indevido decorre de erro de fato ou erro de direito pela Administração.
Nesse contexto, o presente artigo abordará a questão à luz do entendimento dos Tribunais Superiores, bem como do Tribunal de Contas da União e da Advocacia Geral da União, concluindo com uma proposta de solução que mais se aproxima dos princípios gerais do Direito.
2. da jurisprudÊNCIA ACERCA DA MATÉRIA
2.1 DA JURISPRUDência da advocacia geral da união
A súmula nº 34 da Advocacia Geral da União dispõe: Não estão sujeitos à repetição os valores recebidos de boa-fé pelo servidor público, em decorrência de errônea ou inadequada interpretação da lei por parte da Administração Pública.
O verbete foi editado no ano de 2008 e sofreu influência de reiteradas decisões do Superior Tribunal de Justiça, dentre as quais se destacam: Resp. nº 643.709/PR e AgRg no REsp nº 711.995, Rel. Min. Felix Fischer; REsp. nº 488.905/RS, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca; AgRg no REsp nº 679.479/RJ, Rel. Min. Arnaldo Esteves de Lima (Quinta Turma); RMS nº 18.121/RS, Rel. Min. Paulo Medina; REsp nº 725.118/RJ e AgRg no REsp. nº 597.827/PR Rel. Min. Paulo Gallotti; REsp nº 651.081/RJ, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa (Sexta Turma); MS nº 10.740/DF, Rel. Min. Hamilton Carvalhido (Terceira Seção).
Como se vê, a súmula estabelece dois requisitos cumulativos para afastar o dever de reposição dos valores pagos indevidamente ao servidor público, quais sejam: (a) boa fé do servidor e; (b) erro de direito cometido pela Administração ao pagar indevidamente tais valores.
Portanto, numa interpretação contrario sensu, caso o pagamento indevido tenha se dado por erro de fato da Administração ou se estiver presente má fé do servidor, haverá o dever de ressarcimento ao Erário dos valores percebidos indevidamente.
2.2 DA JURISPRUDência DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
A jurisprudência do Tribunal de Contas da União acerca do tema é rica e longeva. Já no ano de 2007 foi editada a Súmula TCU nº 249:
SÚMULA TCU 249: É dispensada a reposição de importâncias indevidamente percebidas, de boa-fé, por servidores ativos e inativos, e pensionistas, em virtude de erro escusável de interpretação de lei por parte do órgão/entidade, ou por parte de autoridade legalmente investida em função de orientação e supervisão, à vista da presunção de legalidade do ato administrativo e do caráter alimentar das parcelas salariais.
Da mesma forma que a Advocacia Geral da União, o Tribunal de Contas também exige, para que seja dispensado o dever de reposição, que os valores pagos indevidamente ao servidor público decorram de erro de direito da Administração, além da boa fé do agente público.
Todavia, da leitura do verbete, percebe-se que a Corte de Contas trata a questão com mais rigor já que, além dos requisitos exigidos pela Advocacia Geral da União, também impõe que o erro de direito seja “escusável”.
Mais recentemente, quando do julgamento do processo nº 014.624/2016-8, foi lavrado o acórdão 1120/2017 de relatoria do Min. Benjamin Zymler, fixando o seguinte enunciado que tentou esclarecer o alcance do termo “erro escusável de interpretação da lei”:
[...] Para que seja dispensada a reposição de importâncias indevidamente percebidas de boa-fé, o "erro escusável de interpretação da lei" a que se refere o enunciado da Súmula TCU 249 deverá ser analisado, necessariamente, à luz do princípio da legalidade estrita, ou seja, só não haverá a devolução dos valores percebidos indevidamente quando o texto legal comportar mais que uma interpretação razoável e o intérprete, no caso, a autoridade legalmente investida em função de direção, orientação e supervisão tiver adotado uma delas, não se admitindo analogias ou interpretações extensivas que extrapolem o sentido da norma.
Desse modo, a posição do Tribunal de Contas da União pode assim ser resumida: “A reposição ao erário somente pode ser dispensada quando verificadas cumulativamente as seguintes condições: a) presença de boa-fé do servidor; b) ausência, por parte do servidor, de influência ou interferência para a concessão da vantagem impugnada; c) existência de dúvida plausível sobre a interpretação, a validade ou a incidência da norma infringida, no momento da edição do ato que autorizou o pagamento da vantagem impugnada; e d) interpretação razoável, embora errônea, da lei pela Administração. Quando não estiverem atendidas todas essas condições ou, ainda, quando os pagamentos forem decorrentes de erro operacional da Administração, a reposição é obrigatória, na forma dos arts. 46 e 47 da Lei 8.112/1990” (Processo n. 016.682/2011-4, Acórdão 3748/2017, relator Ministro Augusto Nardes, Segunda Câmara, julgado em 09/05/2017).
Portanto, não basta a presença cumulativa da boa fé do servidor e de erro de direito da Administração, exigindo ainda o Tribunal de Contas que o erro de direito seja “escusável”, que ocorre quando há: c) existência de dúvida plausível sobre a interpretação, a validade ou a incidência da norma infringida, no momento da edição do ato que autorizou o pagamento da vantagem impugnada; e d) interpretação razoável, embora errônea, da lei pela Administração.
Por fim, sempre haverá a obrigação de reposição ao Erário em qualquer caso que o pagamento indevido tenha ocorrido por erro operacional da Administração (erro de fato), sem que seja necessário perquirir a boa ou má fé do servidor.
Nesse sentido é o enunciado fixado quando do julgamento do processo nº 010.260/2019-6, no qual foi lavrado o acórdão 6707/2020 de relatoria do Min. Marcos Bemquerer:
[...] A reposição ao erário de valores recebidos indevidamente é obrigatória, independentemente de boa-fé do beneficiário, quando se tratar de erro operacional da Administração, pois a dispensa de ressarcimento somente se admite na hipótese de erro escusável de interpretação da lei (Súmula TCU 249).
2.3 DA JURISPRUDência DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
O Superior Tribunal de Justiça, após certo período de divergência interna entre seus órgãos julgadores acerca da matéria, fixou no ano de 2012 a seguinte tese no Tema Repetitivo n. 531:
Tese firmada no Tema Repetitivo n. 531/STJ: Quando a Administração Pública interpreta erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, impedindo, assim, que ocorra desconto dos mesmos, ante a boa-fé do servidor público.
Da leitura da tese, verifica-se que ela se restringiu aos casos de pagamento indevido em razão de erro de direito, dispensando o ressarcimento de tais valores em razão da prevalência do princípio da segurança jurídica, na vertente subjetiva da proteção à confiança legítima.
Portanto, depreende-se que a posição do Superior Tribunal de Justiça para os casos de erro de direito é menos rigorosa que a do Tribunal de Contas da União, já que não exige que o erro da Administração seja “escusável”.
Já no ano de 2021, o Superior Tribunal de Justiça julgou o Tema Repetitivo n. 1009 para abarcar as situações de pagamentos indevidos por erro de fato (operacional ou de cálculo), fixando a seguinte tese:
Tese firmada no Tema Repetitivo n. 1009/STJ: Os pagamentos indevidos aos servidores públicos decorrentes de erro administrativo (operacional ou de cálculo), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, estão sujeitos à devolução, ressalvadas as hipóteses em que o servidor, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.
Com efeito, percebe-se que, diferentemente da Corte de Contas, o Superior Tribunal de Justiça dispensa a devolução dos valores recebidos indevidamente pelo servidor público nos casos de erro de fato, desde que, “diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido”.
2.4 DA JURISPRUDência DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
A discussão no âmbito do Supremo Tribunal Federal ainda parece estar amadurecendo diante da inexistência de precedentes qualificados com força vinculante acerca da questão.
No âmbito do plenário da Corte, a discussão parece estar restrita aos casos de erro de direito. Por ocasião do julgamento do Tema 0395 de Repercussão Geral (RE 638.115/CE), no qual se discutiu a constitucionalidade, ou não, da incorporação de quintos decorrentes do exercício de funções comissionadas e/ou gratificadas no período compreendido entre a edição da Lei nº 9.624/98 e a publicação da MP nº 2.225-45/2001, o Pretório Excelso modulou os efeitos da decisão para estabelecer que, “quanto às verbas recebidas em virtude de decisões administrativas, apesar de reconhecer-se sua inconstitucionalidade, modulam-se os efeitos da decisão, determinando que o pagamento da parcela seja mantida até sua absorção integral por quaisquer reajustes futuros concedidos aos servidores”.
Portanto, se em tais casos o pagamento indevido em razão de erro de direito deve ser mantido “até sua absorção integral por quaisquer reajustes futuros concedidos aos servidores”, não há que sequer cogitar na reposição de tais valores ao Erário.
Por outro lado, as situações envolvendo erro de fato parecem restritas às turmas do Supremo Tribunal Federal.
No âmbito da 1ª Turma, ao que tudo indica, prevalece o entendimento de que a restituição seria obrigatória em caso de erro de fato, já que se exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos para dispensar a reposição dos valores recebidos indevidamente: a) auferidas de boa-fé; b) há ocorrência de errônea interpretação da Lei pela Administração; c) ínsito o caráter alimentício das parcelas percebidas, e d) constatar-se o pagamento por iniciativa da Administração Pública, sem ingerência dos servidores beneficiados (STF. 1ª Turma. MS 31244 AgR - Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 22/05/2020 – grifo nosso).
Por sua vez, a 2ª Turma parece privilegiar a boa fé do servidor, ainda que se trate de erro de fato da Administração (erro operacional):
[...] Agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. 2. Direito Administrativo. 3. Servidor Público Estadual. Verba recebida a maior. Pagamento espontâneo do Ente Público decorrente de erro operacional. Servidor de boa fé. Impossibilidade de restituição. Precedentes. 4. Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. 5. Agravo regimental a que se nega provimento. Sem majoração da verba honorária, tendo em vista tratar-se de mandado de segurança na origem. (ARE 1203420 AgR, Relator (a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 16/08/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-183 DIVULG 21-08-2019 PUBLIC 22-08-2019) (STF - AgR ARE: 1203420 SC - SANTA CATARINA 4021958-38.2017.8.24.0000, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 16/08/2019, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-183 22-08-2019) .
2.5 QUADRO RESUMO
Os requisitos estabelecidos pelos Tribunais Superiores, Tribunal de Contas da União e Advocacia Geral da União para dispensar a devolução de valores recebidos indevidamente por servidores públicos de boa fé podem ser resumidos pelo seguinte quadro:
REQUISITOS PARA DISPENSAR A DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE POR SERVIDORES PÚBLICOS DE BOA FÉ |
||
|
Erro de fato |
Erro de Direito |
AGU |
Não há previsão. |
Em todos os casos (Súmula AGU n. 34) |
TCU |
Em qualquer hipótese, não é possível dispensar a devolução (Acórdão 6707/2020). |
a) ausência, por parte do servidor, de influência ou interferência para a concessão da vantagem impugnada; b) existência de dúvida plausível sobre a interpretação, a validade ou a incidência da norma infringida, no momento da edição do ato que autorizou o pagamento da vantagem impugnada; e c) interpretação razoável, embora errônea, da lei pela Administração (Acórdão 3748/2017). |
STJ |
Comprovação da boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido (tema repetitivo n. 1009). |
Em todos os casos (tema repetitivo n. 531). |
STF |
- 1ª Turma: Não é possível (STF. 1ª Turma. MS 31244 AgR - Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 22/05/2020)
- 2ª Turma: Impossibilidade de restituição como regra (STF - AgR ARE: 1203420-SC, Segunda Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, Julgamento: 16/08/2019, Pub.: 22/08/2019) |
A reposição é dispensada ante a boa fé do servidor em tais casos (emb. decl. nos emb. decl. no RE 638.115-CE). |
3. DA PROPOSTA DE SOLUÇÃO À LUZ DOS PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO
Diferentemente do que ocorre com a colisão entre regras, a colisão entre princípios não se resolve pela lógica do tudo ou nada, sendo dirimida pela aplicação da lei de colisão, na qual se determina qual princípio ganha maior peso na relação de precedência condicionada e que, por conseguinte, deve regular o fato (ALEXY, 2008, p. 95).
Segundo o autor (2008, p. 108): “O caminho que vai do princípio, isto é, do direito prima facie, até o direito definitivo passa pela definição de uma relação de preferência. Mas a definição de uma relação de preferência é, segundo a lei de colisão, a definição de uma regra. Nesse sentido, é possível afirmar que sempre que um princípio for, em última análise, uma razão decisiva para um juízo concreto de dever-ser, estão, esse princípio é o fundamento de uma regra, que representa uma razão definitiva para esse juízo concreto. Em si mesmos, princípios nunca são razões definitivas”.
Quando se trata de pagamento indevido de valores a servidores públicos exsurge a colisão entre os princípios da segurança jurídica (na perspectiva subjetiva da proteção à confiança legítima) e o princípio da vedação ao enriquecimento sem causa.
No caso da presença de má fé na percepção dos valores indevidos, não há maiores discussões, pois sequer pode se falar em legítima confiança do servidor público, razão pela qual, de fato, em todos os casos deve haver o ressarcimento ao Erário.
Por outro lado, nos casos de servidores agindo de boa fé, a controvérsia se bifurca entre as situações ocasionadas por erro de fato e erro de direito pela Administração.
Em casos de erro de direito pela Administração, à exceção do Tribunal de Contas da União, tem-se privilegiado, acertadamente, o princípio da segurança jurídica. A conclusão está respaldada na "legítima confiança ou justificada expectativa, que o beneficiário adquire, de que valores recebidos são legais e de que integraram em definitivo o seu patrimônio" (AgRg no REsp 1.263.480/CE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 9.9.2011), sobretudo ante o caráter alimentar das tais valores.
Bem se vê, portanto, que a exigência adicional do Tribunal de Contas da União de que o erro de direito seja “escusável” revela-se como desarrazoada. Ora, se a própria Administração, dotada de estrutura jurídica que lhe suporta, não foi capaz de identificar a interpretação equivocada da Lei, não se pode exigir tal mister do servidor público, exigindo-lhe a restituição de verbas alimentares recebidas em tais circunstâncias.
Todavia, nas situações envolvendo erro de fato, realmente a discussão é mais complexa.
Imaginemos a seguinte situação: em determinada momento o servidor público decide se aposentar. Por erro operacional da Administração, naquela competência o servidor recebe em duplicidade tanto a remuneração a que fazia jus no seu cargo de origem quanto os proventos de aposentadoria do instituto de previdência. Nesses casos absurdos, de fato, resta afastada a boa fé do servidor ante o flagrante e perceptível erro de fato da Administração, razão pela qual se mostra razoável a obrigatoriedade de devolução dos valores recebidos indevidamente.
Noutra vertente, imaginemos certa situação em que o servidor recebeu hora extra a maior, em montante ínfimo e imperceptível quando em cotejo com o valor total bruto indicado no seu contracheque. Nessa situação, deve ser presumida a boa fé do servidor, razão pela qual, ainda que se trate de erro de fato, revela-se como irrazoável a obrigatoriedade da reposição ao Erário.
Essa parece ser a conclusão do Superior Tribunal de Justiça no Tema Repetitivo n. 1009/STJ, já que a tese fixada na ocasião não determina o dever de reposição em todos os casos envolvendo erro de fato, permitindo, como exceção e à luz de cada caso concreto, que seja dispensado o ressarcimento quando evidenciada a “boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido”.
4.CONCLUSÃO
Em síntese conclusiva, quando a Administração paga ao servidor público valores indevidos em virtude de erro de direito, deve ser privilegiada a presumida boa fé do servidor público, dispensando o dever de ressarcimento de valores percebidos indevidamente por interpretação equivocada da legislação pela Administração. Por outro lado, nos casos envolvendo erro de fato, a análise deve ser dar caso a caso, estabelecendo como regra o dever de ressarcimento de tais valores, sem prejuízo da sua dispensa quando evidenciada a boa-fé objetiva do servidor.
Por outro lado, nos casos em que o servidor público age de má fé, a consequência é peremptória, traduzindo-se na obrigatoriedade de reposição dos valores ao Erário em todos os casos.
REFERÊNCIAS
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. (Coleção teoria & direito público).
BRASIL. Advocacia-Geral da Unão. Súmula nº 34. Não estão sujeitos à repetição os valores recebidos de boa-fé pelo servidor público, em decorrência de errônea ou inadequada interpretação da lei por parte da Administração Pública. Brasília, 16 de setembro de 2008. Disponível em: <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/sumulas-da-advocacia-geral-da-uniao-300416022>. Acesso em: 14/09/2023.
Tribunal de Contas da União. Súmula nº 249. É dispensada a reposição de importâncias indevidamente percebidas, de boa-fé, por servidores ativos e inativos, e pensionistas, em virtude de erro escusável de interpretação de lei por parte do órgão/entidade, ou por parte de autoridade legalmente investida em função de orientação e supervisão, à vista da presunção de legalidade do ato administrativo e do caráter alimentar das parcelas salariais. Brasília, 09 de maio de 2007. Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/lumis/portal/file/fileDownload.jsp?fileId=8A8182A25753C20F0157679AA5617071&inline=1 . Acesso em: 14/09/2023.
Tribunal de Contas da União. ACÓRDÃO 1120/2017 - PLENÁRIO. Enunciado: Para que seja dispensada a reposição de importâncias indevidamente percebidas de boa-fé, o "erro escusável de interpretação da lei" a que se refere o enunciado da Súmula TCU 249 deverá ser analisado, necessariamente, à luz do princípio da legalidade estrita, ou seja, só não haverá a devolução dos valores percebidos indevidamente quando o texto legal comportar mais que uma interpretação razoável e o intérprete, no caso, a autoridade legalmente investida em função de direção, orientação e supervisão tiver adotado uma delas, não se admitindo analogias ou interpretações extensivas que extrapolem o sentido da norma. Brasília, 31 de maio de 2017. Disponível em: https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/documento/jurisprudencia-selecionada/*/KEY:JURISPRUDENCIA-SELECIONADA-41098/score%20desc,%20COLEGIADO%20asc,%20ANOACORDAO%20desc,%20NUMACORDAO%20desc/0/sinonimos%3Dtrue. Acesso em: 14/09/2023.
Tribunal de Contas da União. Acórdão 3748/2017-Segunda Câmara. Enunciado: A reposição ao erário somente pode ser dispensada quando verificadas cumulativamente as seguintes condições: a) presença de boa-fé do servidor; b) ausência, por parte do servidor, de influência ou interferência para a concessão da vantagem impugnada; c) existência de dúvida plausível sobre a interpretação, a validade ou a incidência da norma infringida, no momento da edição do ato que autorizou o pagamento da vantagem impugnada; e d) interpretação razoável, embora errônea, da lei pela Administração. Quando não estiverem atendidas todas essas condições ou, ainda, quando os pagamentos forem decorrentes de erro operacional da Administração, a reposição é obrigatória, na forma dos arts. 46 e 47 da Lei 8.112/1990.. Brasília, 09 de maio de 2017. Disponível em: https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/documento/jurisprudencia-selecionada/*/KEY:JURISPRUDENCIA-SELECIONADA-39827/score%20desc,%20COLEGIADO%20asc,%20ANOACORDAO%20desc,%20NUMACORDAO%20desc/0/sinonimos%3Dtrue. Acesso em: 14/09/2023.
Tribunal de Contas da União. 6707/2020 - SEGUNDA CÂMARA. Enunciado: A reposição ao erário de valores recebidos indevidamente é obrigatória, independentemente de boa-fé do beneficiário, quando se tratar de erro operacional da Administração, pois a dispensa de ressarcimento somente se admite na hipótese de erro escusável de interpretação da lei (Súmula TCU 249). Brasília, 23 de junho de 2020. Disponível em: https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/documento/publicacao/%2522boa-f%25C3%25A9%2522%2520e%2520erro/%2520/DTRELEVANCIA%2520desc/3. Acesso em: 14/09/2023.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RECURSO ESPECIAL Nº 1.769.209 - AL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. SERVIDOR PÚBLICO. ARTIGO 46, CAPUT, DA LEI N. 8.112/1990. TESE DEFINIDA NO TEMA 531-STJ. AUSÊNCIA DE ALCANCE NOS CASOS DE PAGAMENTO INDEVIDO DECORRENTE DE ERRO DE CÁLCULO OU OPERACIONAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. POSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO. SALVO INEQUÍVOCA PRESENÇA DA BOA-FÉ OBJETIVA. Recurso especial conhecido e improvido. Julgamento submetido ao rito dos recursos especiais repetitivos. Recorrente: UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS UFAL. Recorrido: PAULO LUIZ TEIXEIRA CAVALCANTE. Relator: Min. Benedito Gonçalves, 10 de março de 2021. Disponível em: < https://processo.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201802549084&dt_publicacao=19/05/2021>. Acesso em: 14/09/2023.
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BRASIL. Supremo Tribunal Federal (plenário). RE 638115 ED-ED-SÉTIMOS / CE. [...]10. Embargos de declaração parcialmente acolhidos, com efeitos infringentes, para reconhecer indevida a cessação imediata do pagamento dos quintos quando fundado em decisão judicial transitada em julgado. Quanto às verbas recebidas em virtude de decisões administrativas, apesar de reconhecer-se sua inconstitucionalidade, modulam-se os efeitos da decisão, determinando que o pagamento da parcela seja mantida até sua absorção integral por quaisquer reajustes futuros concedidos aos servidores. Por fim, quanto às parcelas que continuam sendo pagas em virtude de decisões judiciais sem trânsito em julgado, também modulam-se os efeitos da decisão, determinando que o pagamento da parcela seja mantida até sua absorção integral por quaisquer reajustes futuros concedidos aos servidores. Embargante: SINDICATO DOS TRABALHADORES DO PODER JUDICIÁRIO FEDERAL DE SANTA CATARINA – SINTRAJUSC. Embargado: UNIÃO. Relator: Min. Gilmar Mendes, 18 de dezembro de 2019. Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15343039472&ext=.pdf>. Acesso em: 14/09/2023.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (1ª Turma). SEGUNDO A G .REG. E M MANDADO DE SEGURANÇA 31.244 DISTRITO FEDERAL. EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. DIREITO ADMINISTRATIVO. DEVOLUÇÃO DOS VALORES REFERENTES AOS QUINTOS E AO PERCENTUAL DE 10,87% (IPCr). IMPOSSIBILIDADE DE RESTITUIÇÃO. VANTAGEM CONCEDIDA POR INICIATIVA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E EM DECORRÊNCIA DO CUMPRIMENTO DE DECISÕES JUDICIAIS. PERCEPÇÃO DE BOA-FÉ. NATUREZA ALIMENTAR DA VERBA. SEGURANÇA CONCEDIDA PARCIALMENTE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. Agravante: UNIÃO. Agravado: SINDICATO DOS TRABALHADORES DO PODER JUDICIARIO E DO MINISTERIO PUBLICO DA UNIAO NO DF-SINDJUS/DF. Relator: Min. Luiz Fux, 22 de maio de 2020. Disponível em: < https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=753013997>. Acesso em: 14/09/2023.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (2ª Turma). A G .REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 1.203.420 SANTA CATARINA. EMENTA: Agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. 2. Direito Administrativo. 3. Servidor Público Estadual. Verba recebida a maior. Pagamento espontâneo do Ente Público decorrente de erro operacional. Servidor de boa fé. Impossibilidade de restituição. Precedentes. 4. Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. 5. Agravo regimental a que se nega provimento. Sem majoração da verba honorária, tendo em vista tratar-se de mandado de segurança na origem. Agravante: ESTADO DE SANTA CATARINA. Agravado: EDO QUEIROGA. Relator: Min. Gilmar Mendes, Sessão Virtual de 09 a 15 de agosto de 2019. Disponível em: < https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15340882141&ext=.pdf>. Acesso em: 14/09/2023.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CRUZ, ANDRÉ AFONSO DE MOURA SOUZA. Das consequências jurídicas do recebimento indevido de valores pelos servidores públicos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 set 2023, 04:42. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/63113/das-consequncias-jurdicas-do-recebimento-indevido-de-valores-pelos-servidores-pblicos. Acesso em: 23 nov 2024.
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