Resumo: O presente artigo possui o objetivo de traçar linhas gerais acerca do direito á liberdade de expressão, seus limites, e como se manifestou a Corte Interamericana de Direitos Humanos a respeito do tema, em duas oportunidades.
Palavras-chave: liberdade de expressão; Corte IDH; limites dos direitos fundamentais;
Introdução
A liberdade de expressão é um direito fundamental protegido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, que é um órgão judicial autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA). A Corte IDH tem jurisdição sobre casos de violações de direitos humanos em países que são partes da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
Conforme jurisprudência estabelecida em relação à liberdade de expressão, a Corte frequentemente emite decisões que afirmam a importância desse direito.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que é a entidade precursora da Corte, emitiu a Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão em 2000, que estabelece diretrizes importantes para proteger e promover a liberdade de expressão na região.
A liberdade de expressão não é um direito absoluto e pode ser sujeita a restrições legais, desde que essas restrições sejam proporcionais, necessárias e estejam de acordo com os padrões internacionais de direitos humanos. A CIDH e a Corte IDH desempenham um papel crítico na avaliação de casos em que a liberdade de expressão é alegadamente violada e na defesa desse direito na região das Américas.
Precedentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos
No Caso Olmedo Bustos e otros vs. Chile, (mais popularmente conhecido como “A última tentação de Cristo”), a Corte Idh esteve diante do conflito de direitos fundamentais, de um lado a liberdade de expressão - representado pela indústria cinematográfica - do outro o direito á liberdade religiosa.
O Estado do Chile (país de maioria católica cristã/conservadora) censurou o filme por entender que continha cenas que violavam a honra da fé cristã.
A corte por unanimidade declarou que o Estado Chileno violou o direito à liberdade de pensamento e de expressão, consagrado no artigo 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
Cite-se trecho do voto do brasileiro Cançado Trindade, quando da apreciação da matéria:
Com efeito, no presente caso “A Última Tentação de Cristo”, foram introduzidos novos elementos que requerem um exame mais profundo da questão. Em seu escrito de 17.08.1999, o Estado demandado argumentou que não era possível configurar, no caso concreto, sua responsabilidade internacional por uma única sentença do Poder Judiciário, sem o cumprimento de “outros requisitos”; segundo este escrito, a juízo do Estado, não bastava que uma decisão judicial fosse considerada contrária ao Direito Internacional, pois se tornava necessário que tal decisão fosse “apoiada pelo respaldo, ou pelo menos a inatividade, dos órgãos legislativo ou executivo”. Em outras palavras, segundo o Estado, deveria haver um concurso de todos os poderes do Estado, em um mesmo sentido, para que se configurasse sua responsabilidade internacional.
Entretanto, há toda uma jurisprudência internacional secular que se orienta clara mente a contrário sensu, sustentando que a origem da responsabilidade internacional do Estado pode residir em qualquer ato ou omissão de qualquer um dos poderes ou agentes do Estado (seja do Executivo, do Legislativo, ou do Judiciário).14 Se fosse necessário buscar respaldo para a afirmação da existência de obrigações legislativas na jurisprudência internacional anterior, aí, de todo o modo, o encontraríamos, v.g., a partir do locus classicus sobre a matéria, na Sentença no caso relativo a certos Interesses Alemães na Alta Silesia Polonesa (Alemanha ver sus Polônia, 1926), e no Parecer Consultivo sobre os Colonos Alemães na Polônia (1923), ambas do antigo Tribunal Permanente de Justiça Internacional (CPJI).15 Recorrer à jurisprudência internacional clássica sobre a matéria, entretanto, não me parece estritamente necessário, tal como já indiquei em outra oportunidade:16 dada a especificidade do Direito Internacional dos Direitos Humanos, os pronunciamentos a respeito, por parte de vários órgãos de supervisão internacional dos direitos humanos, parecem-me mais do que suficientes para afirmar a existência de obrigações legislativas - além de judiciais, à par das executivas - dos Estados Partes em tratados de direitos humanos como a Convenção Americana.
O caso “A Última Tentação de Cristo”, que a Corte Interamericana acaba de decidir na presente Sentença sobre o mérito, é verdadeiramente emblemático, não apenas por constituir o primeiro caso sobre liberdade de pensamento e de expressão decidido pela Corte, em sua primeira sessão de trabalho realizada no século XXI, como também - e, sobretudo - por incidir sobre uma questão comum a tantos países latino-americanos e caribenhos, e que alcança os fundamentos do direito da responsabilidade internacional do Estado e da própria origem desta responsabilidade. À luz das reflexões desenvolvidas neste Voto Concordante, permito-me concluir, em resumo, que: - primeiro, a responsabilidade internacional de um Estado Parte em um tratado de direitos humanos surge no momento da ocorrência de um fato - ato ou omissão - ilícito internacional (tempus commisi delicti), imputável a este Estado, em violação do tratado em questão; - segundo, qualquer ato ou omissão do Estado, por parte de qualquer um dos Poderes - Executivo, Legislativo ou Judiciário - ou agentes do Estado, independentemente de sua hierarquia, em violação de um tratado de direitos humanos, gera a responsabilidade internacional do Estado Parte em questão; - terceiro, a distribuição de competências entre os poderes e órgãos estatais, e o princípio da separação de poderes, apesar de que sejam da maior relevância no âmbito do Direito Constitucional, não condicionam a determinação da responsabilidade internacional de um Estado Parte em um tratado de direitos humanos; - quarto, qualquer regra de direito interno, independentemente de sua categoria (constitucional ou infraconstitucional), pode, por sua própria existência e aplicabilidade, comprometer per se a responsabilidade de um Estado Parte em um tratado de direitos humanos; - quinto, a vigência de uma regra de direito interno, que per se cria uma situação jurídica que afeta os direitos protegidos por um tratado de direitos humanos, constitui, no contexto de um caso concreto, uma violação continuada deste tratado; - sexto, a existência de vítimas gera a opinião decisiva para distinguir um exame in abstrato de uma regra de direito interno, de uma determinação da incompatibilidade in concreto desta regra com o tratado de direitos humanos em questão; - sétimo, no contexto da proteção internacional dos direitos humanos, a regra do esgotamento dos recursos de direito interno se reveste de natureza mais processual do que substantiva (como condição de admissibilidade de uma petição ou denúncia a ser decidida in limine litis), condicionando, assim, a implementação, mas não o surgimento da responsabilidade internacional de um Estado Parte em um tratado de direitos humanos; - oitavo, a regra do esgotamento dos recursos de direito interno tem conteúdo jurídico próprio, que determina seu alcance (incluindo os recursos judiciais eficazes), o qual não se estende a reformas de ordem constitucional ou legislativa; - nono, as regras substantivas - relativas aos direitos protegidos - de um tratado de direitos humanos são diretamente aplicáveis no direito interno dos Estados Partes neste tratado; - décimo, não existe obstáculo ou impossibilidade jurídica alguma a que se apliquem as regras internacionais de proteção diretamente no plano do direito interno, mas o que se requer é a vontade (animus) do poder público (sobretudo o judiciário) de aplicá-las, em meio à compreensão de que desse modo se estará dando expressão concreta a valores comuns superiores, consubstanciados na proteção eficaz dos direitos humanos; - décimo primeiro, uma vez configurada a responsabilidade internacional de um Estado Parte em um tratado de direitos humanos, este Estado tem o dever de restabelecer a situação que garanta às vítimas o desfrute de seu direito lesado (restitutio in integrum), fazendo cessar a situação violatória de tal direito, bem como, se for o caso, reparar as consequências desta violação; - décimo segundo, as modificações no ordenamento jurídico interno de um Estado Parte necessárias para sua harmonização à normativa de um tratado de direitos humanos podem constituir, no contexto de um caso concreto, uma forma de reparação não pecuniária de acordo com este tratado; e - décimo terceiro, neste início do século XXI, requer-se uma reconstrução e renovação do direito de gentes, a partir de um enfoque necessariamente antropocêntrico, e não mais estatocêntrico, como no passado, dada a identidade do objetivo último tanto do Direito Internacional como do direito público interno quanto à proteção plena dos direitos da pessoa humana.
Outro caso paradigmático analisado pela Corte foi o CASO FONTEVECCHIA E D’AMICO VS. ARGENTINA. Nessa oportunidade a Corte Idh declarou que o Estado Ar gentino violou o direito à liberdade de expressão, reconhecido no artigo 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação ao artigo 1.1 da mesma, em detrimento dos senhores Jorge Fontevecchia e Hector D’Amico, nos termos dos parágrafos 42 a 75 da presente Sentença.
Ademais, determinou que o Estado Argentino deveria deixar sem efeito a condenação civil imposta aos senhores Jorge Fontevecchia e Hector D’Amico, assim como todas suas consequências, no prazo de um ano contado a partir da notificação da própria sentença.
Tal declaração e obrigação de fazer imposta pela Corte, ocorreu porque de maneira desproporcional foi imposta multa civil (efeito resfriador da liberdade de expressão) aos profissionais da imprensa Jorge Fontevecchia e Hector D’Amico, pela publicação de dois artigos que faziam referência à existência de um filho não reconhecido de Carlos Saúl Menem, nessa época Presidente da República Argentina.
Efeito resfriador e liberdade de expressão
O “efeito resfriador” se refere a uma preocupação relacionada à liberdade de expressão. Ele ocorre quando as pessoas se sentem inibidas ou relutantes em expressar suas opiniões, informações ou críticas devido ao medo de retaliação, censura, perseguição ou outras consequências adversas. Esse efeito pode ser resultado de restrições governamentais, pressão social, ameaças, intimidação ou autocensura. A liberdade de expressão é um direito fundamental que visa garantir a livre circulação de informações e o livre debate de ideias em uma sociedade democrática. O “efeito resfriador” é preocupante porque pode minar esse direito, impedindo que as pessoas expressem suas opiniões livremente, o que é essencial para o funcionamento saudável de uma sociedade democrática.
Para proteger a liberdade de expressão e combater o “efeito resfriador”, é importante que os governos respeitem e protejam esse direito, que as leis e regulamentos sejam claros e proporcionais, e que a sociedade em geral promova um ambiente onde as pessoas se sintam seguras para expressar suas opiniões, mesmo que sejam controversas. Organizações de direitos humanos e tribunais, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos, desempenham um papel fundamental na defesa desse direito e na garantia de que o “efeito resfriador” seja minimizado.
Conforme ensina o filósofo político Norberto Bobbio tenha argumentado que, na prática, a maioria dos direitos humanos pode entrar em conflito e, portanto, requer ponderação em situações específicas, existem alguns direitos que são amplamente considerados como “absolutos” na comunidade internacional de direitos humanos. Dois exemplos clássicos de direitos humanos considerados absolutos são:
Proibição da Tortura: O direito de não ser submetido à tortura, tratamento cruel, desumano ou degradante é considerado um direito humano absoluto. Não há circunstância em que a tortura seja justificável ou permitida sob o direito internacional de direitos humanos. Esse princípio é consagrado em tratados como a Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes das Nações Unidas.
Proibição da Escravidão: O direito de não ser escravizado ou submetido à servidão é outro direito humano absoluto. A escravidão é proibida em todas as circunstâncias e em todos os tratados de direitos humanos importantes, como a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial.
Esses direitos são considerados fundamentais e inalienáveis, e não podem ser violados sob nenhuma circunstância. A comunidade internacional leva esses direitos muito a sério e reconhece sua inviolabilidade. Portanto, eles são frequentemente referidos como “absolutos” devido à sua natureza incondicional e universalmente aceita.
Conclusão
Não se pretendeu neste artigo exaurir a temática acerca da liberdade de expressão. Por meio de conceitos, jurisprudência e fatos atuais, a ideia é fomentar o debate sobre o exercício do direito. Ainda que essencial para a democracia em razão de ser um instrumento de fruição de outros direitos verificados no ordenamento jurídico, a liberdade de expressão pode sofrer restrições à luz do caso concreto, tendo em vista não significar uma “carta branca” para o cometimento de outros crimes.
Dessa forma, são inconvencionais e inconstitucionais, os ataques ao sistema eleitoral e a suprema corte, a defesa da possibilidade ele existência de um partido nazista e o uso da liberdade de expressão para ataques racistas e xenofóbicos. Sendo assim, destacando-se o caráter não absoluto do direito é imperiosa a atuação do Estado para coibir crimes praticados sob a escusa ou a utilização da liberdade de expressão com um escudo inexistente.
Referências Bibliográficas
“Liberdade de Expressão: Princípios e Limites” Autor: Roberto Dias Ano de Publicação: 2018 Editora: Editora Saraiva
Curso de direito constitucional positivo. Edição: 42ª ed. Local de publicação: São Paulo. Editora: Malheiros Editores. Ano de publicação: 2019. Autor(es): SILVA, José Afonso da.
Corte Interamericana de Direitos Humanos (Caso “A Última Tentação de Cristo” (Olmedo Bustos e outros) Vs. Chile)
Servidor Público Federal (Trf 4). Bacharel em Direito, (UFF), pós-graduado em Direito Civil e Processual Civil pela Faculdade Legale.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VIVAS, Bruno Quaresma. Liberdade de expressão e a Corte Interamericana de Direitos Humanos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 out 2023, 04:24. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/63520/liberdade-de-expresso-e-a-corte-interamericana-de-direitos-humanos. Acesso em: 26 dez 2024.
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