RESUMO: O artigo tem o objetivo de realizar uma análise da origem, dos fundamentos jurídicos embasadores, dos requisitos e das diversas modalidades de usucapião à luz da Constituição Federal e da disciplina do Direito Privado. A princípio serão explicitados os primórdios da disciplina legal da usucapião, originária do Direito Romano. Após, serão abordados os fundamentos jurídicos, especialmente os constitucionais, desta forma de aquisição de propriedade, relacionando-se com a função social da propriedade e o objetivo fundamental da república de redução das desigualdades sociais. Posteriormente, serão esclarecidos os requisitos básicos fundamentais para todas as modalidades de usucapião, consistindo em uma síntese da teoria geral. Por fim, serão discriminadas as modalidades de usucapião previstas na legislação brasileira, de acordo com seus requisitos específicos.
PALAVRAS-CHAVE: Usucapião. Função social da propriedade. Usucapião extraordinária. Usucapião ordinária. Usucapião rural. Usucapião urbana. Posse. Animus domini.
1. Introdução
A usucapião é um instituto de natureza privada que possui como característica a aquisição do direito real de propriedade ou de outros direitos reais pela posse contínua e ininterrupta. Possui diversas funções doutrinariamente indicadas, como assegurar o cumprimento da função social da propriedade, possibilitar a redução das desigualdades territoriais e forçar o habitante de um terreno a usá-lo de maneira adequada (no caso de usucapião de imóveis). Por meio dela, é permitido a um possuidor de um bem se transformar em proprietário dele sem necessitar pagar pela aquisição.
Deve-se lembrar, primariamente, que a usucapião é forma originária de aquisição de propriedade: consumada, extinguem-se todos os ônus e débitos anteriores ao seu registro. Desta forma, a usucapião transforma completamente as relações jurídicas que envolvem uma coisa, daí sua enorme importância para o Direito Civil.
2. Significado
O termo Usucapião provém do latim usucapio, palavra formada pela junção de usu (uso) e capere (tomar). A usucapião, desta forma, é a tomada de uma coisa pelo uso dela.
Segundo Dilvanir José da Costa (COSTA, 1991, pag. 1), a usucapião é “o modo autônomo de aquisição da propriedade móvel e imóvel mediante a posse qualificada da coisa pelo prazo legal”. A usucapião é classificada como forma originária de aquisição de propriedade, em razão de extinguir todos os ônus reais e garantias prestadas anteriormente ao registro do título que a julgou consumada.
Outra definição é fornecida por Maria Helena Diniz (DINIZ, 2004). Segundo ela, a usucapião é “modo de aquisição de propriedade e outros direitos reais pela posse prolongada da coisa com observância dos requisitos legais”. Tem razão a doutrinadora em mencionar “outros direitos reais”, visto que a servidão aparente, direito real distinto da propriedade, também pode ser adquirida por usucapião (Código Civil, art. 1379).
3. Evolução histórica
Não é correto traçar um termo inicial para a existência da aquisição pelo uso. Isto porque a ideia de aquisição por poder é intrínseca à própria relação que o ser humano estabelece com as coisas, entendendo-se como coisa toda matéria tangível, traduzindo-se inicialmente a aquisição como ocupação.
Desde os primórdios da existência do gênero sapiens, havia a submissão dos próprios instrumentos utilizados no combate ao poder do indivíduo que as utilizava. Mais tarde, já com a existência de conflitos coletivos de povos organizados, os vencedores adquiriam, pelo exercício do poder, os objetos de valor dos vencidos. Desta forma, pode-se forçosamente concluir que adquirir algo pelo poder que se estabelece com a coisa é um fenômeno comum na história.
Entretanto, dentre os registros históricos almejáveis ao conhecimento atual, pode-se dizer que usucapião como forma legalmente prevista de aquisição de um bem de terceiro, com observância de regras específicas, nasceu no Império Romano, especificamente após a implantação da Lex Duodecim Tabularum (Leis das XII Tábuas) no quinto século antes de Cristo.
Tal legislação previa, em sua Tábula VI, a disciplina da usucapião, cujo texto integral foi destruído com o incêndio em Roma provocado pelos gauleses em 390 a.C, restando, entretanto, referências de outros autores à lei e fragmentos do texto.
Segundo a Tábula VI, a usucapião era consumada quando o dono deixava de exercer a posse de uma coisa por um ano, em se tratando de móveis, e por dois anos, sendo imóveis. À época também as mulheres, por terem caráter de propriedade, poderiam ser adquiridas por usucapião, aplicando-se a elas o mesmo prazo para usucapião de imóveis. Observe-se que a Tábula prescreve a usucapião de forma reversa: não pelo poder do novo proprietário, mas pela falta de exercício do antigo.
Por isso é forçoso concluir que a usucapião era tratada mais pela perspectiva do dono que abandonava que do novo possuidor que adquiria.
Com a disciplina de Justiniano no ano 527 da atual era, a prescrição passa a ser uma prescrição aquisitiva para quem adquire, se tornando ao mesmo tempo prescrição extintiva da propriedade para quem perde. Tal ação era destinada aos pretorianos (peregrinos), para que pudessem adquirir a propriedade pelo uso contínuo.
No Brasil, a história da aquisição de terras se inicia com a ocupação dos que se arriscavam no mundo novo indígena. Em razão do interesse em preservar as propriedades quilométricas dos que recebiam a concessão do Império Português, não havia, durante muito tempo, disciplina da usucapião, recebendo estrutura efetiva somente no Código Civil de 1916.
O Código de 1916 previa em seu Art. 550 a chamada usucapião extraordinária, que exigia a posse sem interrupção, sem oposição, por trinta anos. Também previa a ordinária, que exige justo título e boa-fé, desde que a posse tenha se dado por mais de dez anos.
Interessante notar que a Constituição de 1934 dispunha outra forma de usucapião inovadora. Segundo ela:
“Art 125 - Todo brasileiro que, não sendo proprietário rural ou urbano, ocupar, por dez anos contínuos, sem oposição nem reconhecimento de domínio alheio, um trecho de terra até dez hectares, tornando-o produtivo por seu trabalho e tendo nele a sua morada, adquirirá o domínio do solo, mediante sentença declaratória devidamente transcrita.”
O instituto tem semelhanças com a usucapião prevista no art. 191 da atual constituição, que será explicado adiante.
A Constituição Federal de 1988 criou outra espécie de usucapião constitucional e o Código Civil prevê outras várias, sendo a mais recente a usucapião por abandono de lar, instituída pela Lei 12.424/2011. Também há previsão da usucapião especial de imóvel urbano no Estatuto da Cidade.
4. Fundamentos
Discute-se na doutrina o fundamento da usucapião. Isto porque se deve lembrar que a propriedade é um direito fundamental, consagrado como direito de primeira geração e previsto no art. 5º, inciso XXII da Constituição Federal. Sendo direito fundamental, qualquer restrição estabelecida por lei ordinária deve possuir fundamentos sólidos, sob pena de se tornar materialmente inconstitucional.
O primeiro e principal fundamento é a função social da propriedade, previsto na CFRB/88, não coincidentemente logo após o inciso XXII, onde preleciona-se que “a propriedade atenderá a sua função social”. É impossível, portanto, falar sobre institutos de direitos reais sem descrever a função social da propriedade.
Por ser a função social um termo abstrato, indeterminado e indefinido, a própria Constituição Federal estabelece o seu significado com precisão, evitando maiores discussões doutrinárias (como ocorre, por exemplo, ao se falar em função social do contrato).
Nesse sentido, a função social da propriedade tem sentidos diferentes para imóveis rurais e urbanos. Para os imóveis rurais, conforme Art. 186 da CFRB/88, ela é cumprida quando atende, simultaneamente, quatro requisitos, segundo os critérios e graus estabelecidos em lei:
“I - aproveitamento racional e adequado;
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.”
Em se tratando de imóveis urbanos, o cumprimento da função social dependerá do que estabelecer o plano diretor de cada cidade, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, conforme art. 182, §1º. Na cidade de Macaé, por exemplo, conforme art. 10 de seu plano diretor, a propriedade urbana, tanto privada como pública, cumpre sua função social quando atende, simultaneamente, aos seguintes requisitos:
“I - atendimento das demandas dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social, ao acesso universal aos direitos sociais e ao desenvolvimento econômico;
II - compatibilidade do uso da propriedade à infra-estrutura, equipamentos e serviços públicos disponíveis;
III - compatibilidade do uso da propriedade à preservação da qualidade do ambiente urbano e natural;
IV - compatibilidade do uso da propriedade à segurança, ao bem estar e à saúde de seus usuários e vizinhos.”
A relação que a função social da propriedade possui com a usucapião é explicitada pelo fato que, se o proprietário do imóvel não o utilizar, não será possível cumprir nenhum dos requisitos para atendimento dela. Desta forma, um proprietário de um imóvel rural que simplesmente deixa de exercer posse não exercerá o aproveitamento racional e adequado, tampouco preencherá os outros requisitos.
Portanto, é totalmente legítima a usucapião como forma de forçar o dono do imóvel a exercer a sua posse e utilizá-lo de forma que resulte frutos para o coletivo em geral.
Outro argumento válido trazido pela doutrina é a existência de uma espécie de sanção ao proprietário que deixou de usá-lo para o bem coletivo. A usucapião extraordinária, por exemplo, cujo prazo para adquirir pela posse é, em regra, quinze anos ininterruptos e sem oposição, configura mais uma punição ao proprietário que não usufruiu do imóvel do que um benefício ao possuidor, tanto que até mesmo o possuidor de má-fé pode adquirir o imóvel. Ora, o próprio ordenamento jurídico gerar benefícios para alguém de má-fé é demasiadamente atípico, mas se explica pela inércia do proprietário, e a intenção deste mesmo ordenamento em punir o inerte.
O mesmo ocorre com a usucapião de móveis e de servidões: um lapso maior de desleixo do proprietário possibilita ao possuidor de má-fé adquirir o bem independentemente de boa-fé ou título.
Nesse sentido, é nítido que, para que o Direito favoreça um possuidor de má-fé, deve haver um bem maior a ser protegido. E este bem é a própria utilidade do bem, visto que o Brasil possui graves problemas fundiários.
Um terceiro argumento, é a necessidade do Direito em acompanhar a realidade fática, isto é: a necessidade do direito subjetivo do dono do imóvel ser condizente com quem, de fato, é dono. Não se pode manter como proprietário de um bem um indivíduo que não possui, há um tempo considerável, qualquer relação com a coisa. Caso não houvesse usucapião na legislação brasileira, haveria uma eterna contradição entre possuidor versus proprietário. Neste sentido, a usucapião se transforma em uma espécie remédio, que leva a realidade ao Direito e corrige essa contradição.
Esta adequação do Direito foi citada pelo Desembargador José Osório, do Tribunal de Justiça de São Paulo, no famigerado caso da Favela Pullman, caso onde o proprietário possuía extensa área na posse mansa e ininterrupta de considerável número de pessoas, que ali estabeleceram uma comunidade. Julgando o caso, ele analisa que, na favela em questão, ao contrário do que constava no Registro Geral de Imóveis do bem, “existe uma outra realidade urbana, com vida própria, com os direitos civis sendo exercitados com naturalidade”. É frequentemente presente, portanto, a preocupação dos julgados com a adequação fática citada anteriormente.
Um quarto e último argumento/fundamento a ser explanado é a própria necessidade de se adotar políticas de redução da desigualdade social no Brasil, tendo em vista haver grande parte das terras em concentração de uma pequena parte da população. A CFRB/88 não autoriza revoluções fundiárias ou outras medidas extremas, mas possui remédios para apaziguar tal desigualdade. Este fundamento, portanto, se relaciona especificamente com a usucapião de imóveis.
Neste sentido, tendo em vista o amplo e vasto território habitável existente no país, não se torna crível que o registro geral de imóveis privilegie o proprietário que possui tantos bens que nem sequer consegue administrar em detrimento de um pequeno possuidor que, durante um considerável espaço de tempo, tomou todos os cuidados para manter aquela coisa.
Desta forma, a usucapião é uma, e talvez a principal maneira jurídica de redução das desigualdades de propriedade que o ordenamento jurídico brasileiro legitima.
5. Pressupostos da usucapião
Antes de se passar ao estudo das modalidades de usucapião, é necessário que se entenda o que há em comum em todas as espécies. Segundo Tauã Lima Verdan Rangel Filho, Danildo de Oliveira e Cláudio Contarini de Souza Filho (2014), “Os pressupostos da usucapião, basicamente são cinco: coisa hábil ou suscetível de usucapião, posse, decurso do tempo, justo título e boa-fé.” O justo título e a boa-fé, entretanto, não são requisitos para a usucapião extraordinária, conforme será visto.
5.1 Coisa hábil
Coisa hábil significa um bem que pode ser adquirido. Por esta razão não se pode adquirir por usucapião a lua, o direito autoral (considerado bem móvel pela lei 9.610/98), o ar ou um byte de informação.
Ainda segundo Tauã Lima Verdan Rangel Fiho (2017), pode:
“haver bens naturalmente indisponíveis (ar atmosférico, a água, ou seja, bens coletivos que não se cabem apropriação, pois estão em favor de todos), bens legalmente indisponíveis (de uso especial, uso comum, de uso de incapazes, órgãos do corpo humano) e também, os indisponíveis pela vontade humana, como o caso da adoção e testamentos.”
Em caso de usucapião de imóveis, o bem deve estar categorizado entre os arts. 79 a 81 do Código Civil. Em se tratando de móveis, deve estar entre o art. 82 a 84 do Código Civil.
5.1.1 Bens públicos são suscetíveis de usucapião?
Há discussão acalorada na doutrina e na jurisprudência a respeito da aquisição de bens públicos por usucapião. Existe vedação constitucional e legal para tal aquisição no Art. 183, §3º da CFRB/88, segundo o qual “Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião”, e no art. 102 do Código Civil, que preleciona “os bens públicos não estão sujeitos a usucapião”.
Essa absoluta impossibilidade é criticada por boa parte da doutrina. Como já comentado, a usucapião é instituto destinado a adequar o Direito ao mundo fático. Por isso, a existência de impossibilidade absoluta gera a incongruência entre a propriedade e o mundo fático.
A jurisprudência não admite a usucapião de bens imóveis públicos, sejam comuns (tais como rios, mares, estradas, ruas e praças, conforme art. 99, I do Código Civil), de uso especial (tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias — inciso II do art. 99), ou dominicais (que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades — inciso III). Nesse sentido:
“Ementa: USUCAPIÃO DE BEM PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Tendo em conta a matéria versada nos autos - possibilidade ou não de usucapião de imóvel público -, resta evidenciada a desnecessidade de dilação probatória, não havendo falar, portanto, em cerceamento de defesa. 2. A impossibilidade de usucapião de imóvel público encontra previsão constitucional (art. 183, § 3º) e infraconstitucional (art. 102 do CC ), não havendo qualquer ressalva quanto ao estado do bem. Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade negar provimento ao recurso, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. (TERCEIRA TURMA APELAÇÃO CIVEL AC 50280476220154047100 RS 5028047-62.2015.4.04.7100 TRF-4 MARGA INGE BARTH TESSLER)”
A jurisprudência, entretanto, admite a usucapião de bens de sociedades de economia mista, por terem natureza privada, conforme:
“Usucapião constitucional urbana. Procedência do pedido. Inconformismo por parte da Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo COHAB/SP. Não acolhimento. COHAB/SP que, por ser proprietária registral, é parte legítima para figurar no polo passivo da ação de usucapião artigo 942 do Código de Processo Civil de 1973. Bens pertencentes à sociedade de economia mista podem ser adquiridos por usucapião sociedade de economia mista que é regida pelas normas de direito privado precedentes desta Corte e do Superior Tribunal de Justiça. Sentença mantida. Recurso de apelação não provido (APELAÇÃO CÍVEL Nº 0028946-27.2010.8.26.0100 APELANTE: Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo COHAB/SP APELADOS: Otávio Almeida Sales e Rogério Ferreira Sales COMARCA: São Paulo Fórum Central Segunda Vara de Registros Públicos)”
Desta forma, tem-se aplicado o entendimento, apesar de criticado, de que os bens públicos não são suscetíveis de usucapião, à exceção dos bens das sociedades de economia mista, que na verdade constituem bens de natureza privada.
5.2 Posse com animus domini
A posse é um fenômeno fático onde existe o poder de um indivíduo sobre uma coisa. Conforme Art. 1.196 do Código Civil, “considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.” Desta forma, para fins de usucapião, possuidor é, basicamente, aquele que está no imóvel ou em poder do bem móvel, mas que precisa exteriorizar a vontade de ser dono da coisa (animus domini, a ser explicitado a seguir).
Controvérsias em demasia aprofundadas sobre a posse podem desnaturar um estudo sobre usucapião, tendo em vista ser aquele um tema com vasta produção teórica. Entretanto, deve-se lembrar que, para caracterizar posse, é essencial que não haja subordinação daquele que tem a coisa em relação a uma outra pessoa. Um caseiro que cuida de um imóvel para o seu verdadeiro dono não tem posse, mas mera detenção. O mesmo ocorre com um professor universitário que utiliza a caneta de quadro da universidade.
O animus domini, seguindo a doutrina subjetivista da posse de Savigny, é apontado como “vontade de ser dono da coisa”. É aquele que exerce sua posse com a vontade de tornar proprietário daquele bem. Neste sentido, não podem usucapir o comodatário ou locatário, pois se comportam como se quisessem apenas usufruir do bem, e não adquiri-los.
Em estudo realizado por Marcos Vecchi (2015), infere-se que “o animus domini nada mais é (...) que uma contraposição ao mero possuidor a título precário (locatário, o comodatário, o usufrutuário e o credor)”.
Neste sentido:
“USUCAPIÃO RURAL. Autora objetiva usucapir imóvel sobre o qual alega exercer a posse mansa e pacífica desde 1998. Sentença de improcedência. Apelo da autora. Usucapião. Prescrição aquisitiva. Modo originário de aquisição da propriedade. Requisitos legais. Coisa hábil (res habilis) ou suscetível de usucapião, posse (possessio) e decurso do tempo (tempus). Não preenchimento. Apelante não detinha a posse com intenção de dono, haja vista estar ali mediante compromisso de compra e venda firmado com expressa ciência da hipoteca já existente sobre o bem. Precariedade da posse. Não convalescimento. Cumprimento do contrato que deve ser exigido pelas vias adequada. Ação de usucapião que não se presta para exigir a outorga de escritura decorrente de compromisso de compra e venda. Sentença mantida. Recurso desprovido (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. VOTO Nº: 14406 APELAÇÃO Nº: 1000247-02.2015.8.26.0369 COMARCA: MONTE APRAZÍVEL APTE. : MARIA JOSÉ CONCEIÇÃO SANTOS APDO. : BANCO DO BRASIL S/A)”.
Portanto, a posse com ânimo de domínio é requisito essencial para usucapir.
5.3 Decurso do tempo
O decurso do tempo dependerá em cada modalidade de usucapião, podendo variar entre dois a quinze anos no caso de propriedade. Falando em servidões aparentes, o prazo máximo é vinte anos.
5.4 Justo título e boa-fé
O justo título e boa-fé não requisitos que não se aplicam à usucapião extraordinária. Ainda segundo Nelson Rosenvald (2014), “Justo título é o instrumento que conduz um possuidor a iludir-se por acreditar que ele lhe outorga a condição de proprietário”.
Muito comum ocorrer na realidade brasileira um indivíduo figurar como cessionário num contrato de cessão de posse e pensar fielmente que é proprietário da coisa, e posteriormente comparecer ao imóvel o real proprietário, cobrando a posse da coisa. Infelizmente os custos cartorários ainda são demasiadamente onerosos à boa parte da população, que se utiliza dos contratos informais de cessão de posse com o objetivo de conferir validade mínima aos seus negócios.
Além do contrato de cessão de posse, pode servir como título um compromisso de compra e venda, que, na prática, leva o indivíduo também a acreditar que já é proprietário da coisa. Não há a necessidade de registro do título. Nesse sentido é a Súmula 84 do Superior Tribunal de Justiça “É admissível a oposição de embargos de terceiro fundado em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro”.
Por boa-fé tem-se o proprietário que, segundo o art. 1.201 do Código civil, ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa. Dispõe o parágrafo único do mesmo artigo que “o possuidor com justo título tem por si a presunção de boa-fé, salvo prova em contrário, ou quando a lei expressamente não admite esta presunção.” Faz justiça o parágrafo único, pois o possuidor com justo título é aquele que justamente entende que é proprietário, sendo contraditório ele saber da existência de fatos que impedem a aquisição da coisa e ao mesmo tempo ter justo título.
6. Causas que suspendem e interrompem o prazo para a usucapião
Dispõe o Art. 1.244 que “estende-se ao possuidor o disposto quanto ao devedor acerca das causas que obstam, suspendem ou interrompem a prescrição, as quais também se aplicam à usucapião”.
Ou seja, o art. 197, 198 e 199 prelecionam que não corre a prescrição: I - entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal; II - entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar; III - entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou curadores, durante a tutela ou curatela. Também não corre a prescrição: I - contra os absolutamente incapazes; II - contra os ausentes do País em serviço público da União, dos Estados ou dos Municípios; III - contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em tempo de guerra. Não corre igualmente a prescrição: I - pendendo condição suspensiva; II - não estando vencido o prazo; III - pendendo ação de evicção.
A prescrição será interrompida nos seguintes casos: I - por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual; II - por protesto, nas condições do inciso antecedente;III - por protesto cambial; IV - pela apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou em concurso de credores; V - por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor; VI - por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito pelo devedor.
Desta forma, não se poderá usucapir imóveis de ausentes do país a serviço público da União, nem pendendo ação de evicção. É o que diz o TJRS:
“APELAÇÃO CÍVEL. USUCAPIÃO RURAL. PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. PRAZO PRESCRICIONAL INTERROMPIDO. HERDEIROS INCAPAZES. Caso em que dois dos herdeiros da área usucapienda são interditados. Circunstância que, a teor do que dispõe o art. 198, inc. I do CC, obstaculiza a fluência do prazo de prescrição aquisitiva. Precedentes (APELAÇÃO CÍVEL DÉCIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVELnº 70077695369 Nº CNJ: 0134748-32.2018.8.21.7000 COMARCA DE SANTO ANTÔNIO DA PATRULHA)”
Deve-se lembrar que à época os interditados eram absolutamente incapazes, circunstância não mais presente após a alteração legislativa promovida pelo Estatuto da Pessoa com deficiência, que passou a prever como relativamente incapazes aqueles que, por causa permanente ou transitória, não puderem exprimir sua vontade.
Não estando presente qualquer causa suspensiva, e não havendo interrupção no prazo, pode-se utilizar uma das modalidades seguintes de usucapião para a aquisição da propriedade ou servidão.
7. Modalidades de usucapião de imóveis
7.1 Usucapião ordinária
Prevê o art. 1.242 do Código Civil:
“Adquire a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos.
Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico.”
O parágrafo único explicita a chamada usucapião tabular. Trata-se da hipótese onde o título do possuidor não é hábil a formar a propriedade. Mesmo que ele acredite na justiça de seu título, caso ele registre, é dever do cartório declarar a nulidade de pleno direito, conforme art. 214 da Lei de Registros Públicos. Desta forma, em atenção ao § 5º do mesmo artigo, que preleciona “A nulidade não será decretada se atingir terceiro de boa-fé que já tiver preenchido as condições de usucapião do imóvel”, tem-se a usucapião tabular, origina pelo registro do título cancelado posteriormente, gerando ao beneficiário uma redução de prazo de cinco anos em relação ao caput.
Para Flávio Tartuce (2017, pág. 453), o requisito do registro cancelado posteriormente não é essencial ao reconhecimento da usucapião prevista no parágrafo único, chamada usucapião por posse trabalho. São suas palavras:
“Deve-se então concluir que a existência do título registrado e cancelado é até dispensável, pois o elemento é acidental, formal. A posse-trabalho, em realidade, é o que basta para presumir a existência da boa-fé (aqui é a boa-fé objetiva, que está no plano da conduta) e do justo título. Essa parece ser a melhor interpretação, fundada no princípio da função social da posse.”
A proposta do renomado doutrinador é interessante. Entretanto, parece haver clareza na lei que trata do instituto da usucapião tabular, que possui cogência.
7.2 Usucapião extraordinária
Usucapião mais comum na realidade forense, conjuntamente com a usucapião ordinária. Dispõe o Código Civil:
Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.
Desta forma, aquele que possui a casa alheia por quinze anos, mesmo de má-fé, isto é, conhecendo os vícios que impedem a aquisição da coisa, adquire-lhe a propriedade, se o exercer por quinze anos, ou por dez anos, caso tenha estabelecido sua moradia ou realizado serviços de caráter produtivo. Nesse sentido explica o TJRS:
“EXTRAORDINÁRIA. USUCAPIÃO. EXTRAORDINÁRIA. A ação que visa usucapir com base no art. 1238 do CC, usucapião extraordinário, tem por requisito prova da posse de imóvel por quinze anos ininterruptos, sem oposição, independentemente de título e boa-fé. Na hipótese do possuidor estabelecer no imóvel a sua moradia habitual ou ter realizado obras ou serviços de caráter produtivo o prazo é reduzido para 10 anos, respeitada a regra de transição disposta no art. 2.209 do CC - Ausentes os requisitos, impunha-se a improcedência da ação. RECURSO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70076326958, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Moreno Pomar, Julgado em 27/02/2018).”
7.3 Usucapião constitucional, agrária ou especial pro labore
O nome usucapião constitucional deriva da previsão na constituição de tal modalidade. Dispõe o art. 191 da CFRB/88 o Art. 1.239 do Código Civil:
“Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.
Art. 1.239. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como sua, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade”
Observa-se, portanto, que a usucapião constitucional agrária é mais benéfica ao possuidor que possui uma condição socioeconômica mais humilde: exige apenas cinco anos de posse, mas o possuidor não pode possuir outro imóvel, seja urbano ou rural. Tal modalidade foi instituída no ordenamento jurídico na constituição de 1934, conforme comentado anteriormente, sendo o decurso do prazo necessário para aquisição da propriedade reduzido de dez a cinco anos.
Também é exigida nesta modalidade a produtividade. Conforme também já visto, a função social da propriedade rural tem íntima relação com sua capacidade produtiva. Outro destaque é a desnecessidade de justo título e boa-fé.
Segundo Flávio Tartuce (2017, pág. 459), “o art. 3.º da Lei 6.969/1981 proíbe que a usucapião especial rural ocorra nas seguintes áreas:
“1. Áreas indispensáveis à segurança nacional
2. Terras habitadas por silvícolas.
3. Áreas de interesse ecológico, consideradas como tais as reservas biológicas ou florestais e os parques nacionais, estaduais ou municipais, assim declarados pelo Poder Executivo, assegurada aos atuais ocupantes a preferência para assentamento em outras regiões, pelo órgão competente.”
7.4 Usucapião constitucional, especial urbana ou pro misero
É aquela modalidade prevista no art. 183 da CFRB/88 do Código Civil e Art. 1.240 do Código Civil, conforme:
“Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
Art. 1.240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
§ 2º O direito previsto no parágrafo antecedente não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez”.
Observa-se que há requisitos semelhantes com a usucapião agrária: há uma limitação da área a ser usucapida (250 metros quadrados para a urbana e 50 hectares para a rural), o possuidor não pode ter outro imóvel e deve habitar o imóvel (utilizando para seu trabalho, no caso da usucapião urbana, ou tornando-a produtiva pelo seu trabalho ou de sua família, no caso da rural).
Questão interessante é a possibilidade de usucapião em área inferior a um módulo urbano definido por lei local.
Caso uma lei municipal edite norma aferindo que todos os imóveis devem possuir lote mínimo de 360 metros quadrados, segundo o Superior Tribunal de Justiça, essa lei não pode obstar a usucapião constitucional. Consta do Informativo nº 584: “não obsta o pedido declaratório de usucapião especial urbana o fato de a área do imóvel ser inferior à correspondente ao ‘módulo urbano” (REsp 1.360.017-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 5/5/2016, DJe 27/5/2016).
7.5 Usucapião por abandono de lar
É a usucapião na legislação brasileira com o menor prazo estabelecido. Foi introduzida pela lei 12.424/2011, que introduziu o Art. 1.240-A no Código civil, prevendo que:
“Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1o O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez e não será caracterizado se houver disputa sobre o imóvel. Abandono significa não só a saíde, como a falta de contato, a falta de prestação de recursos. Não se aplica no caso de expulsão violenta por um dos cônjuges. O abandono deve ser voluntário.”
Portanto, além da limitação da área (até 250 metros quadrados), da necessidade de se estabelecer a moradia e de não ser proprietário de outro imóvel, a posse necessita ser exclusiva (não pode, por exemplo, dividir com alguém da família do ex-companheiro ou ex-cônjuge) e sobre imóvel que pertence a ex-companheiro ou ex-cônjuge. Deve-se lembrar que o cônjuge que abandona o imóvel por sofrer agressões não pode sofrer a tal usucapião.
Para os casais dissolvidos anteriormente à vigência da lei, deve-se adotar o entendimento do TJSC:
“Apelação cível. Divórcio. Justiça gratuita. (...). Usucapião de bem familiar. Exegese do art. 1.240-A do Código Civil, incluído pela Lei n. 12.424, de 2011. Contagem do prazo de dois anos anterior à vigência da Lei. Impossibilidade. (...). 2 O termo inicial da contagem do prazo de dois anos para aplicação da usucapião por abandono familiar e patrimonial do imóvel comum é a data do início da vigência da Lei que instituiu essa nova modalidade de aquisição dominial. (...)” (TJSC, Apelação Cível 2013.008829-3, Itajaí, 2.ª Câmara de Direito Civil, Rel. Des. José Trindade dos Santos, j. 31.05.2013, DJSC 07.06.2013, p. 191).”
Não é preciso a dissolução da união estável ou o divórcio, conforme enunciado aprovado na V Jornada de Direito Civil.
7.6 Usucapião Especial urbana Coletiva
É a forma de usucapião prevista no art. 10 da Lei 10.257/2001, ou Estatuto da Cidade, conforme:
“Art. 10. Os núcleos urbanos informais existentes sem oposição há mais de cinco anos e cuja área total dividida pelo número de possuidores seja inferior a duzentos e cinquenta metros quadrados por possuidor são suscetíveis de serem usucapidos coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1o O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo, acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas.”
Portanto, a situação aqui é mais complexa: é uma área urbana de área extensa, os possuidores (todos eles) não podem ser proprietários de outro bem, a posse deve se prolonga por cinco anos. Neste caso, são núcleos urbanos informais: não se sabe exatamente começa o direito de um e onde termina.
Dispõe § 2o do mesmo artigo que “a usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada pelo juiz, mediante sentença, a qual servirá de título para registro no cartório de registro de imóveis.” O juiz atribuirá fração do terreno igual a cada possuidor, independentemente de ter ocupado parte maior ou menor antes da sentença, salvo se eles acordarem entre si de forma diferente (§3º).
A usucapião especial institui um condomínio, e não apenas uma propriedade. Por ser condomínio, as frações ideais se tornam inseparáveis dos terrenos, e não pode o condomínio ser extinto, salvo deliberação posterior de dois terços dos condôminos (§4º). As deliberações relativas à administração do condomínio especial serão tomadas por maioria de votos dos condôminos presentes, obrigando também os demais, discordantes ou ausentes. (§ 5o)
Não se confunde a usucapião especial urbana com a desapropriação judicial privada por posse-trabalho, instituto previsto no art. 1.228, §4º do Código Civil (o proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante). No caso da desapropriação judicial privada o juiz fixará a justa indenização ao proprietário: aí reside a principal diferença entre a desapropriação e a usucapião: na desapropriação haverá pagamento de indenização ao proprietário que perdeu a coisa.
7.7 Usucapião especial indígena
Usucapião prevista no art. 33 da Lei 6.001/73 (Estatuto do Índio). Segundo tal diploma,
“Art. 33. O índio, integrado ou não, que ocupe como próprio, por dez anos consecutivos, trecho de terra inferior a cinqüenta hectares, adquirir-lhe-á a propriedade plena.
Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica às terras do domínio da União, ocupadas por grupos tribais, às áreas reservadas de que trata esta Lei, nem às terras de propriedade coletiva de grupo tribal.”
Portanto, o índio possui o benefício de adqurir, com dez anos de posse, qualquer terra, independentemente de justo título de boa-fé.
8. Usucapião extrajudicial
O Novo Código de Processo Civil instituiu na Lei de Registros Públicos o art. 216-A, que garante a possibilidade de se efetivar a usucapião por meio extrajudicial, processo diretamente no cartório de registro de imóveis na comarca em que estiver situado o imóvel a ser usucapido. O requerimento deve vir acompanhado de advogado, instruído com:
I - ata notarial lavrada pelo tabelião, atestando o tempo de posse do requerente e de seus antecessores
II - planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica no respectivo conselho de fiscalização profissional, e pelos titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes;
III - certidões negativas dos distribuidores da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente;
IV - justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse, tais como o pagamento dos impostos e das taxas que incidirem sobre o imóvel.
Apesar da previsão legal, por ser uma inovação na legislação brasileira, é comum ouvir na prática forense a queixa que os cartórios de registros não sabem como proceder diante da usucapião extrajudicial, sendo necessário um treinamento específico e a edição de atos regulamentares a fim de possibilitar a efetivação do instituto.
9. Usucapião de bens móveis
Os arts. 82, 83 e 84 do Código Civil disciplinam a definição de bens móveis. Segundo o art. 82 “são móveis todos os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social”. Desta forma, são bens móveis um cão, uma mesa, um quadro.
Pois bem, a partir da definição do que são bens móveis pode-se partir ao compreendimento do tempo e dos demais requisitos exigidos para a usucapião de bens móveis. Estão disciplinados no art. 1.260 E 1.261 do Código Civil:
“Art. 1.260. Aquele que possuir coisa móvel como sua, contínua e incontestadamente durante três anos, com justo título e boa-fé, adquirir-lhe-á a propriedade.
Art. 1.261. Se a posse da coisa móvel se prolongar por cinco anos, produzirá usucapião, independentemente de título ou boa-fé.”
Observa-se duas espécies de usucapião ordinária e extraordinária de móveis. No primeiro caso, com justo título e boa-fé, exige-se apenas três anos de posse. É considerado justo título uma promessa de compra e venda, por exemplo. Já a segunda espécie exige decurso de tempo maior: cinco anos. Em ambos os casos, não há referências quanto ao tamanho do objeto ou à situação econômica do proprietário, tornando a usucapião de móveis mais facilitada.
Aplicam-se à disciplina da usucapião de móveis tudo o que foi comentado sobre a suspensão e interrupção da prescrição.
10. Usucapião de servidão
Modalidade pouco conhecida é a usucapião de servidão. Prevista no art. 1.379 do Código Civil:
“Art. 1.379. O exercício incontestado e contínuo de uma servidão aparente, por dez anos, nos termos do art. 1.242, autoriza o interessado a registrá-la em seu nome no Registro de Imóveis, valendo-lhe como título a sentença que julgar consumado a usucapião.
Parágrafo único. Se o possuidor não tiver título, o prazo da usucapião será de vinte anos”
Servidão é um ônus, um gravame que é instituído no Cartório de Registro de imóveis em favor de alguém em detrimento de outro. Exemplo mais clássico é a servidão de trânsito, onde um proprietário é obrigado a tolerar a passagem do vizinho pelo seu terreno, instituto que não se confunde com a passagem forçada.
De qualquer maneira, a usucapião de servidão sem título possui o maior prazo de usucapião previsto em toda legislação: vinte anos.
11. Conclusão
A usucapião se tornou um grande instrumento para diminuição das desigualdades territoriais no Brasil. Com suas diversas modalidades e diferenciando-se em razão do território, da característica do bem e da situação socioeconômica do proprietário, o instituto privado permite ao mesmo tempo o cumprimento da função social da propriedade em prol da coletividade e a punição contra aquele que não tomou os cuidados adequados à proteção de seu bem, sendo um instrumento da promoção da dignidade da pessoal humana e da justiça civil
O Código Civil de 2002 reduziu em demasia os prazos prescricionais e o decurso do tempo necessário para usucapir, tendo em vista a aceleração diária e as constantes mudanças ocorridas na sociedade atual. Desta forma, apesar das grandes dificuldades processuais da usucapião, cuja superação espera-se para os próximos anos de legislatura, sua instituição se tornou mais facilitada.
12. Referências bibliográficas
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Técnico Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Assessor de juiz. Bacharel em Direito pela Universidade Federal Fluminense
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTANA, David Ferreira. A usucapião no ordenamento jurídico brasileiro: história, fundamentos, pressupostos e modalidades Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 out 2023, 04:44. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/63574/a-usucapio-no-ordenamento-jurdico-brasileiro-histria-fundamentos-pressupostos-e-modalidades. Acesso em: 23 nov 2024.
Por: Maria Laura de Sousa Silva
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