RESUMO: Tema de constante interesse ao longo da história, a religião e os outros institutos que a perpassam, como, por exemplo, a liberdade religiosa e o direito à vida, estão recebendo cada dia mais atenção e interesse, não somente no ambiente acadêmico, mas na sociedade de modo geral. A questão peculiar que envolve os praticantes da religião Testemunha de Jeová ganha relevância quando se trata da não opção de receber transfusão de sangue, especialmente quando se envolvem crianças e adolescentes, que são incapazes perante a legislação brasileira. Assim, muitas demandas jurídicas têm chegado até o Poder Judiciário, a fim de se buscar uma resposta a tais conflitos. Nesse sentido, este trabalho tem entre seus objetivos discutir o tema da liberdade religiosa e o direito à vida, quando se trata de menores de idade que necessitam de transfusão de sangue como tratamento único para sobrevivência.
PALAVRAS-CHAVE: Transfusão de sangue. Testemunha de Jeová. Criança e adolescente. Direito à vida. Liberdade religiosa.
1.INTRODUÇÃO
A discussão acerca da realização ou não de transfusão de sangue em pessoas adeptas à religião Testemunha de Jeová sempre causou enormes debates, especialmente quando se tratam de crianças ou adolescentes, pois são considerados, respectivamente, totalmente e relativamente incapazes perante a legislação brasileira.
De início, tem-se um conflito entre o direito à vida, previsto no art. 5º, caput, da Constituição Federal de 1988 e o direito à liberdade religiosa, também estabelecido no art. 5º, inciso VI, da Carta Magna.
Em consequência, muitos casos têm chegado até o Poder Judiciário a fim de se estabelecer limites a tais princípios, utilizando-se, para tanto, a regra que garanta o melhor interesse da criança e do adolescente.
Não se pode negar que todo ser humano tem como direito fundamental a liberdade religiosa e isso inclui a liberdade de credo e de culto, bem como de reger sua vida de acordo com suas crenças e convicções pessoais. Ocorre que, quando se envolve criança ou adolescente, é preciso preponderar que os menores possuem prioridade absoluta, conforme previsto no art. 227 Constituição Federal de 1988.
Assim, faz-se necessário analisar os limites do direito a não transfusão de sangue quando se trata de um paciente menor de idade e que esteja sob a tutela dos pais ou responsáveis, especialmente quando houver eminente risco de morte e não existir outras opções de tratamento médico.
Baseado nesse conflito, o presente trabalho buscará desenvolver a temática por meio de consultas a bibliografias, legislação vigente e decisões judiciais.
2. (IN)CAPACIDADE DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES
O conceito de criança e adolescente está previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu art. 2º, que estabelece: “Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos e adolescente aquele entre doze e dezoito anos de idade.”
Por sua vez, o art. 1º do Código Civil entrosa o conceito de capacidade com o de personalidade, ao declarar que toda “pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”. Pode-se falar que a capacidade é a medida da personalidade, pois para uns ela é plena e, para outros, limitada.
No direito brasileiro não existe incapacidade de direito, porque todos se tornam, ao nascer, capazes de adquirir direitos. Há, portanto, somente incapacidade de fato. A incapacidade é a restrição legal ao exercício dos atos da vida civil, imposta pela lei somente aos que, excepcionalmente, necessitam de proteção, pois a capacidade é a regra.
O Código Civil, no art. 3º, estabelece que os menores de dezesseis anos são absolutamente incapazes. Já no art. 4º diz que são incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de exercê-los, os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos.
Nesse sentido, o absolutamente incapaz precisa ser representado pelos pais, tutores ou curadores em seu exercício civil. Já no caso de incapacidade relativa, a criança ou adolescente precisa ser assistidos pelos pais, tutores ou curados perante seus atos civis.
Assim, vê-se o papel essencial dos responsáveis pelas crianças e adolescentes diante de decisões importantes, como a realização ou não de transfusão de sangue.
3.RELIGIÃO TESTEMUNHA DE JEOVÁ
A religião, ao contrário do que já foi prognosticado, parece não ter perdido o interesse tanto acadêmico, quanto político, social ou cultural. Aliás, ela está presente entre os temas centrais destes debates, especialmente no que diz respeito à leitura crítica do papel público e político das religiões.
Antes de adentrar em qualquer conflito ou discussão a respeito das crenças das Testemunhas de Jeová, faz-se necessário compreender quem são e quais as crenças que as levam a recusar veementemente as transfusões de sangue.
De início, as Testemunhas de Jeová surgiram nos Estados Unidos, no estado da Pensilvânia em 1870, onde foi formado um grupo de estudos da Bíblia encabeçado por Charles Russel, recebendo inicialmente a alcunha de Estudos Bíblicos Aurora do Milênio‖.
As Testemunhas de Jeová encontram na Bíblia Sagrada o suporte necessário para sua convicção e posicionamento a respeito da transfusão de sangue, senão vejamos:
Gênesis 9: 3-6: 3 Todo animal movente que está vivo pode servir-vos de alimento. Como no caso da vegetação verde, deveras vos dou tudo, 4 Somente a carne com a sua alma – seu sangue – não deveis comer. 5 E, além disso, exigirei de volta vosso sangue das vossas almas. Da mão de cada criatura vivente o exigirei de volta; e da mão do homem, da mão de cada um que é seu irmão exigirei de volta a alma do homem. 6 Quem derramar o sangue do homem, pelo homem será derramado o seu próprio sangue, pois a imagem de Deus fez ele o homem.
Levítico 17:14: Não deveis comer o sangue de qualquer tipo de carne, porque a alma de todo tipo de carne é seu sangue. Quem o comer será decepado da vida.
No mesmo sentido, as Testemunhas de Jeová argumentam que o sangue representa a alma e a vida, pertencendo somente a Deus. Assim, ao dar a lei indicada acima ao povo de Israel, Ele demonstrou a enorme importância que dá ao sangue. Outro ponto de grande relevância levantado hodiernamente pelas Testemunhas de Jeová como justificativa para a recusa do sangue, diz respeito à qualidade deste tratamento, o qual envolve demasiados riscos adicionais à saúde do paciente.
Segundo Maria Helena Diniz (2001, p. 204):
A seita Testemunhas de Jeová acredita que o sangue é a alma do homem, por esse motivo o sangue de outro homem não deve ser ingerido e nem recebido pelas veias. Para os seguidores desta seita, fazer a transfusão é violar a lei de Jeová.
Portanto, receber a transfusão de sangue para esta religião é violar suas próprias crenças.
4.LIBERDADE RELIGIOSA VERSUS DIREITO À VIDA
A Constituição Federal de 1988 assegura a liberdade religiosa, declarando ser “inviolável a liberdade de consciência e de crença, e assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias”. Além disso, consagra a separação entre Igreja e Estado (CF, art. 19, inciso I), delegando uma autonomia às organizações religiosas.
José Afonso da Silva (2003), ao estudar o assunto, divide a liberdade religiosa em três categorias: (a) a liberdade de crença; (b) a liberdade de culto; (c) a liberdade de organização religiosa. Segundo o conceito de Pinto Ferreira (2014, p. 205), “a liberdade religiosa é o direito que tem o homem de adorar a seu Deus, de acordo com a sua crença e seus cultos”. Além disso, pode-se entender também que a liberdade religiosa garante que determinada pessoa se abstenha de ter uma religião como, por exemplo, ateus e agnósticos.
Hoje, a liberdade religiosa é um direito fundamental consagrado nas constituições democráticas de vários Estados e nos principais tratados internacionais de direitos humanos. Assim, não é apenas um direito natural, sem força jurídica vinculativa. É uma realização sem a qual não poderia ter a paz social, nem associação harmoniosa entre os vários grupos religiosos existentes na sociedade, incluindo ateus e agnósticos.
Neste sentido Alexandre de Moraes leciona que “o constrangimento à pessoa humana de forma a renunciar sua fé representa o desrespeito à diversidade democrática de ideias, filosofias e a própria diversidade espiritual”.
Ademais, no que tange à criança e ao adolescente, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em seu art. 16, inciso III, prescreve:
Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos:
III - crença e culto religioso;
Ou seja, o direito à liberdade religiosa, garantido constitucionalmente no art. 5º, foi estendido também à criança e ao adolescente.
Por outro lado, o Estatuto da Criança e do Adolescente perfilha a doutrina da proteção integral, baseada no reconhecimento de direitos especiais e específicos de todas as crianças e adolescentes.
A doutrina da proteção integral e o princípio do melhor interesse são duas regras basilares do direito da infância e da juventude que devem permear todo tipo de interpretação dos casos envolvendo crianças e adolescentes. Trata-se da admissão de prioridade absoluta dos direitos da criança e adolescente.
Consequentemente, o princípio do melhor interesse deve orientar o Estado-Juiz, sendo que o magistrado moderno da infância e da juventude deve fornecer uma aplicação da lei ao caso concreto de acordo com as reais necessidades da criança e do adolescente.
No mesmo caminho, o art. 17 do ECA prevê que “o direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais”, afirmando, portanto, que devem ser respeitada a posição das crianças, independentemente de serem ou não iguais a dos seus pais, sendo um dever do Estado garantir que os interesses das crianças e adolescentes sejam respeitados.
Desse modo tem-se um conflito entre os princípios da liberdade religiosa versus o direito à vida.
O direito à vida, consagrado constitucionalmente no caput do art. 5º, é essencial, uma vez que sem ele não há outros direitos a se preservar. Freitas e Guimarães definem a vida como “um direito fundamental, garantido constitucionalmente, como um bem inviolável, que está no ápice do ordenamento jurídico, protegido prioritariamente pelo Estado, uma vez que é um bem indisponível”.
No que tange a vida da criança e do adolescente, a Constituição de 1988 traz a previsão no art. 227, caput, e o Estatuto da Criança e do Adolescente, no art. 7º, caput:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)
Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.
Ao analisar os artigos, fica evidente a proteção especial que a vida da criança e do adolescente merece, tanto por parte dos pais como do Estado. Assim, diante da recusa dos pais em permitir que seu filho se submeta ao tratamento de transfusão de sangue, deve-se levar em consideração a situação peculiar das crianças e adolescentes.
Ademais, o direito à vida está previsto no art. 6º da Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), sendo que tal direito originam obrigações de fazer. Logo, o Estado Social possui a incumbência de melhorar as condições do cidadão criança e adolescente.
Os direitos fundamentais, enquanto princípios que são, possuem como característica a relatividade, ou seja, por se tratarem de princípios constitucionalmente previstos, os direitos fundamentais não se revestem de caráter absoluto, sendo que em caso de tensão entre eles cabe o sopesamento de um sobre o outro, para que se decida qual o mais adequado ao caso concreto.
Na lição de Sarmento (2006, p. 293):
Apesar da relevância ímpar que desempenham nas ordens jurídicas democráticas, os direitos fundamentais não são absolutos. A necessidade de proteção de outros bens jurídicos diversos, também revestidos de envergadura constitucional, pode justificar restrições aos direitos fundamentais.
No mesmo sentido, Barroso (2009, p. 329) afirma que “não existe hierarquia em abstrato entre princípios, devendo a precedência relativa de um sobre o outro ser determinada à luz do caso concreto”.
Por outro lado, no âmbito penal, dispensa-se a autorização judicial para realização de intervenção médica ou cirúrgica em caso de iminente perigo de morte, conforme previsto no art. 146, inciso I, parágrafo 3º, do Código Penal (CP):
Art. 146 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.
§ 3º - Não se compreendem na disposição deste artigo:
I - a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida;
Trata-se, na verdade, na esfera penal, de causa excludente de tipicidade. Isto porque o médico, na realidade, estaria atuando em estado de necessidade, prevalecendo o bem jurídico vida sobre a liberdade religiosa.
No sistema jurídico brasileiro, tratando-se de crianças ou adolescentes que necessitem de transfusão de sangue, sendo os pais pertencentes à religião Testemunha de Jeová, tem-se garantido o direito à vida dos menores.
Neste sentido, mesmo contra a vontade dos pais, uma recém-nascida prematura de Goiânia recebeu transfusão de sangue. A determinação foi dada pelo juiz Clauber Costa Abreu, da 15ª Vara Cível e Ambiental, que deferiu liminar para autorizar o procedimento, a pedido da Maternidade Ela. Na decisão, o magistrado destacou que o direito à crença religiosa não deve se sobrepor à vida da criança. Veja:
Importante destacar que não se está a negar nega que as liberdades de consciência e de culto religioso sejam garantias fundamentais elencadas em nossa Carta Magna. Entretanto, o que se coloca em jogo, no caso, não é a garantia de um direito individual puro e simples, mas a garantia do direito de uma pessoa ainda incapaz, com natureza personalíssima e, portanto, irrenunciável. Merece lembrar aqui que os artigos 7º ao 14º do Estatuto da Criança e do Adolescente contemplam os direitos fundamentais da pessoa em desenvolvimento, no que pertine à vida e à saúde, sendo certo que tais premissas não podem ser ignoradas por aqueles que detém a responsabilidade de guarda. Tais direitos são superiores aos da liberdade de crença ou da escusa de consciência, sob pena de se admitir a perda do bem maior garantido pela Constituição, que é a vida. Nesse passo, aplicando-se o princípio da proporcionalidade, entre o direito à crença religiosa dos pais da criança e o direito desta de acesso à saúde e a vida, deve prevalecer a garantia último. Ainda mais quando a fé professada pelos pais põe em risco a integridade física do filho incapaz, que não é apto a decidir por si. No caso concreto, a criança que se pretende proteger não detém capacidade civil para expressar sua vontade, pois ainda não possui consciência suficiente das implicações e da gravidade da situação para decidir conforme sua vontade, que por ora é substituída pela de seus pais, que recusam o tratamento consistente em transfusões de sangue, por motivos religiosos.
No mesmo sentido tem caminho outros tribunais brasileiros:
DIREITO À VIDA. TRANSFUSÃO DE SANGUE. TESTEMUNHAS DE JEOVÁ. DENUNCIAÇÃO DA LIDE INDEFERIDA. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. LIBERDADE DE CRENÇA RELIGIOSA E DIREITO À VIDA. IMPOSSIBILIDADE DE RECUSA DE TRATAMENTO MÉDICO QUANDO HÁ RISCO DE VIDA DE MENOR. VONTADE DOS PAIS SUBSTITUÍDA PELA MANIFESTAÇÃO JUDICIAL.
O recurso de agravo deve ser improvido porquanto à denunciação da lide se presta para a possibilidade de ação regressiva e, no caso, o que se verifica é a responsabilidade solidária dos entes federais, em face da competência comum estabelecida no art. 23 da Constituição federal, nas ações de saúde. A legitimidade passiva da União é indiscutível diante do art. 196 da Carta Constitucional. O fato de a autora ter omitido que a necessidade da medicação se deu em face da recusa à transfusão de sangue, não afasta que esta seja a causa de pedir, principalmente se foi também o fundamento da defesa das partes requeridas. A prova produzida demonstrou que a medicação cujo fornecimento foi requerido não constitui o meio mais eficaz da proteção do direito à vida da requerida, menor hoje constando com dez anos de idade. Conflito no caso concreto dois princípios fundamentais consagrados em nosso ordenamento jurídico-constitucional: de um lado o direito à vida e de outro, a liberdade de crença religiosa. A liberdade de crença abrange não apenas a liberdade de cultos, mas também a possibilidade de o indivíduo orientar-se segundo posições religiosas estabelecidas. No caso concreto, a menor autora não detém capacidade civil para expressar sua vontade. A menor não possui consciência suficiente das implicações e da gravidade da situação pata decidir conforme sua vontade. Esta é substituída pela de seus pais que recusam o tratamento consistente em transfusões de sangue. Os pais podem ter sua vontade substituída em prol de interesses maiores, principalmente em se tratando do próprio direito à vida. A restrição à liberdade de crença religiosa encontra amparo no princípio da proporcionalidade, porquanto ela é adequada à preservar à saúde da autora: é necessária porque em face do risco de vida a transfusão de sangue torna-se exigível e, por fim ponderando-se entre vida e liberdade de crença, pesa mais o direito à vida, principalmente em se tratando não da vida de filha menor impúbere. Em consequência, somente se admite a prescrição de medicamentos alternativos enquanto não houver urgência ou real perigo de morte. Logo, tendo em vista o pedido formulado na inicial, limitado ao fornecimento de medicamentos, e o princípio da congruência, deve a ação ser julgada improcedente. Contudo, ressalva-se o ponto de vista ora exposto, no que tange ao direito à vida da menor.
(TRF4 - 3ª T. - Apelação Cível: AC 155 RS 2003.71.02.000155-6. Rel. Des. Vânia Hack de Almeida. Julgamento: 24/10/2006. Publ.: DJ 01/11/2006, pág. 686).
AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA ANTECIPADA. Testemunha de Jeová. Recusa à transfusão de sangue. Risco de vida. Prevalência da proteção a esta sobre a saúde e a convicção religiosa, mormente porque não foi a agravante, senão seus familiares, que manifestaram a recusa ao tratamento. Asseveração dos responsáveis pelo tratamento da agravante, de inexistir terapia alternativa e haver risco de vida em caso de sua não realização. Recurso desprovido.
(TJRJ - 18º C. Cív. - Agravo de Instrumento nº 2004.002.13229. Rel. Des. Carlos Eduardo Passos - Julgamento: 05/10/2004).
INDENIZAÇÃO - Responsabilidade civil - Danos moral e material - Desrespeito a crença religiosa - Transfusão de sangue - Autora Testemunha de Jeová - Não cabimento - Intervenção médica procedida tão-somente após esgotados outros tratamentos alternativos - Prevalência da tutela à vida sobre suas convicções religiosas - Recurso não provido - JTJ 256/125
INDENIZATÓRIA - Reparação de danos - Testemunha de Jeová - Recebimento de transfusão de sangue quando de sua internação - Convicções religiosas que não podem prevalecer perante o bem maior tutelado pela Constituição Federal que é a vida - Conduta dos médicos, por outro lado, que se pautou dentro da lei e ética profissional, posto que somente efetuaram as transfusões sanguíneas após esgotados todos os tratamentos alternativos - Inexistência, ademais, de recusa expressa a receber transfusão de sangue quando da internação da autora - Ressarcimento, por outro lado, de despesas efetuadas com exames médicos, entre outras, que não merece acolhido, posto não terem sido os valores despendidos pela apelante - Recurso não provido.
(TJSP - 3ª Câmara de Direito Privado - Apelação Cível nº 123.430-4 - Sorocaba - Rel.: Des. Flávio Pinheiro. Julgamento: 07/05/2002).
5.CONCLUSÃO
Atualmente, fica evidente que há um choque entre os direitos fundamentais à vida e à liberdade de religiosa quando uma criança ou adolescente, por meio de seus pais ou responsáveis, se recusa a receber transfusão de sangue. A Constituição Federal assegura o direito à liberdade religiosa, sendo garantida a prerrogativa de ter uma vida conforme suas crenças pessoais.
Ocorre que, tratando-se de crianças e adolescentes, a liberdade religiosa não deve ser absoluta, sob pena de se violar o direito à vida. Deve-se priorizar a vida do paciente menor de idade, pois este não tem plena capacidade de decisão. Ademais, a própria Constituição Federal garante prioridade absoluta para crianças e adolescentes.
Além disso, ressalta-se que o Estado sempre deve buscar, antes de determinar medidas mais invasivas, como a transfusão de sangue, alternativas ao tratamento do paciente menor de idade, desde que sejam igualmente ou mais eficazes, garantindo que ambos os direitos fundamentais fossem efetivados, sem supressão de nenhum deles.
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bacharel em Direito na Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul. Pós-graduada em Direito da Criança, Juventude e Idosos pela FAVENI. Analista Judiciária no TJMS .
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEREZ, JESSICA RENATA GOMES. Transfusão de sangue em criança ou adolescente: direito à vida versus liberdade religiosa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 nov 2023, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/63707/transfuso-de-sangue-em-criana-ou-adolescente-direito-vida-versus-liberdade-religiosa. Acesso em: 21 nov 2024.
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