Resumo: No âmbito da reprodução humana assistida no Brasil, ainda existe notória ausência de regulamentação normativa, criando graves entraves à resolução de conflitos. É o caso, por exemplo, no âmbito da inseminação artificial heteróloga, da possibilidade do infante que nasce através desse método, requerer sua identidade genética, gerando um conflito de direitos fundamentais, o direito de buscar sua identidade genética e o direito à privacidade da pessoa que doa seu material genético para a realização desse método. No entanto, o presente trabalho tem como enfoque a abordagem desses dois direitos fundamentais, bem como, explanar o método que a legislação brasileira adotou para a resolução desses conflitos.
Palavras-chave: reprodução humana assistida; inseminação artificial heteróloga; direitos fundamentais; colisão de direitos fundamentais.
Abstract: In the context of assisted human reproduction in Brazil, there is still a notable lack of normative regulation, creating serious obstacles to conflict resolution. This is the case, for example, in the context of heterologous artificial insemination, of the possibility of the infant born through this method, requesting their genetic identity, generating a conflict of fundamental rights, the right to seek their genetic identity and the person's right to privacy. make your genetic material to carry out this method. However, this work focuses on addressing these two fundamental rights, as well as explaining the method that Brazilian legislation introduced to resolve these conflicts.
Keywords: assisted human reproduction; heterologous artificial insemination; fundamental rights; fundamental rights issues.
No filme “Meus 533 filhos” conta-se a história de David Wozniac (personagem do filme), um homem de mais de quarenta anos que vendeu o seu material genético para clínicas de fertilidade sob o pseudônimo “Starbuck”. O protagonista do filme leva uma vida completamente desregrada, todavia, tudo isso muda após um advogado lhe procurar e informar que ele possui “533 filhos”, dentre os quais 142 se organizaram e ajuizaram uma ação para descobrir a identidade do dono do material genético vendido “Starbuck”.[1]
A narrativa desse filme, embora com diferenças claras do que é normatizado no Brasil, como a proibição de venda do material genético – apenas permite-se a doação – e a limitação de uso do sêmen, coloca em evidência que a inseminação artificial heteróloga, é um dos procedimentos utilizados como auxílio da reprodução humana, a fim de que casais, que não podem ter filhos por infertilidade ou quaisquer outros motivos, possam ter filhos.
Ocorre que, embora os pais apenas queiram satisfazer o desejo de ter filhos, o que não lhes é possível em decorrência de infertilidade ou outro fator relacionado, o filme citado mostra como problemática o momento em que os filhos desejam conhecer os seus pais, ainda que estes tenham sido somente doadores de material genético. Tal desejo, por mais exagerado que possa parecer como no caso do filme, revela o direito de conhecer a própria história, a origem genética, saber de quem se puxou os traços que compõe a própria fisionomia e por que não a personalidade?
O que evidencia esse desejo de conhecer os pais é o sítio eletrônico The Donor Sibling Registr.[2] Tal sítio tem como finalidade que filhos nascidos por meio de inseminação artificial heteróloga possam se conectar e buscar descobrir quem é seu pai biológico.
Os filhos nascidos, então, desse procedimento, podem buscar conhecer os seus pais biológicos para os mais diversos fins, todavia, o problema ocorre quando tal vontade é tão somente dos filhos, isto é, quando o indivíduo tem o sentimento de necessidade de busca pela origem genética, sendo que, por outro lado, o doador deseja continuar como anônimo, com a finalidade de preservar a sua privacidade e intimidade.
Nessa situação, vislumbra-se, em princípio, a colisão de dois direitos fundamentais, o direito fundamental à privacidade e à intimidade e o direito de conhecer a origem genética – direito este ligado à própria formação da personalidade individual –. Em tal situação de oposição, qual direito deveria prevalecer? Qual o meio de busca do direito à identidade genética? Demais disso, quais os fundamentos que deveriam ser utilizados ou analisados pelo Poder Judiciário para a solução da questão?
Ainda hoje não existem no ordenamento jurídico brasileiro Leis que regulem com a especificidade necessária o caso. Apenas existe uma Resolução do Conselho Federal de Medicina e Resolução da Anvisa. Ocorre que, por se tratarem de atos infralegais, apenas vinculam os médicos em suas atividades e os estabelecimentos que desenvolvam tais atividades.
Existe, então, um vácuo legislativo, que deveria ser corrigido por meio de edição de Lei própria, regulamentando-se os direitos e deveres das partes, a possibilidade ou não de o indivíduo gerado por meio desse procedimento buscar a sua origem genética. Em sendo possível a busca da origem genética, em quais casos isso seria possível.
Dessa forma, o presente trabalho tem como finalidade, analisar o procedimento da inseminação artificial heteróloga, os direitos do doador do material genético, os direitos da criança gerada por meio dessa técnica de reprodução humana assistida, bem como os meios processuais adequados para a busca da identidade genética. Demais disso, qual deve ser a solução para o caso de conflito entre os direitos do doador e direitos da criança nascida por meio da inseminação artificial heteróloga.
Buscando conhecer a conceituação do termo filiação, é possível recorrer-se à etimologia, que diz ser a filiação um termo derivado do latim filiatio. Tal conceito servia para diferenciar a relação de parentesco entre pessoas que conceberam a vida a outra pessoa, isto é, entre pais e filhos. É de perceber que a filiação tinha como fato originário a procriação, a relação sexual entre duas pessoas.[3]
No decorrer da evolução da sociedade sempre prevaleceu dois princípios. O primeiro é designado como mater semper certa est (filiação materna), que significa que a filiação decorria da parte da mulher, bem como se estabelecia a ligação entre a parte e a criança gerada, não havendo possibilidade de questionamento sobre essa maternidade e filiação. O segundo princípio é designado como pater is est quem justae nuptiae demonstrat (filiação paterna), esse princípio se fundamentando no casamento, em outras palavras, o filho de uma mulher casada é o filho de seu marido.[4]
Tais princípios que sempre vigoraram na sociedade foram, todavia, com o passar do tempo, sendo fragilizados pelas inovações tecnológicas desenvolvidas pelo homem, principalmente, considerando a inseminação artificial, que é amplamente difundida e utilizada como meio de se alcançar a gestação e reprodução humana, como fim de se concretizar o planejamento familiar do casal ou da pessoa que deseja procriar.
O jurista Luiz Edson Fachin[5] ensina que a real paternidade não é entendida tão somente por quem são escritores dos genes, isto é, os pais biológicos, mas também que pai é aquele que se mostra presente no cotidiano dos filhos, conduzindo o desenvolvimento da criança e estabelecendo laços de afetos.
Dessa forma, considerando o instituto da adoção, o surgimento de inéditas possibilidades na seara da medicina genética com foco na reprodução assistida, bem como o reconhecimento de laços afetivos entre duas pessoas na condição de pais e filhos, o conceito de filiação tomou proporções antes inimagináveis pelo direito, transformando-se e sendo ampliado.
1.1 Filiação Natural ou Biológica
Na filiação biológica ou natural, somente é considerando filho aquele que possui os genes do pai e da mãe e, sendo reconhecido a identidade biológica entre os pais e o filho. A partir dessa filiação é que surgem os direitos para o infante, como, por exemplo, a possibilidade de usa nome do pai, que é relacionado com a personalidade, entre outros direitos, como o direito a alimentos, herança etc.
A filiação biológica não é somente aquela que é decorrente de uma relação sexual natural, tal espécie de filiação pode ocorrer também com o auxílio da medicina, com as técnicas médicas que tornem mais fácil a tarefa da do encontro do espermatozoide com o óvulo, ocorrendo assim a fecundação.
Apesar de toda essa característica da filiação biológica, atualmente todos os filhos possuem os mesmo direitos e deveres, sendo irrelevante a sua origem, não fazendo qualquer sentido o conceito de legitimidade nas relações familiares, que servia de pilar para os institutos de direito de família por longuíssimos anos.
Destarte, o estado de filiação não é passível de ser confundido com a origem biológica, porquanto a Constituição Federal de 1988 foi diametralmente contrária nesse sentido, estabelecendo que o estado de filiação de qualquer natureza, sem priorizar um sobre o outro, confere os mesmos direitos, conforme o artigo 227, § 6º[6].
1.2 Filiação Civil ou Não Biológica
A filiação civil ou não biológica é conceituada como aquela que é decorrente de adoção, da socioafetividade ou da reprodução humana assistida, situações em que são resultantes de origem que não é biológica. Tal “espécie de filiação” é admitida expressamente pelo Código Civil no art. 1.593, que diz o seguinte: “o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”.
É fácil de perceber que a Lei Civil ampliou as possibilidades de filiação e grau de parentesco por origem diferente da natural ou biológica, possibilitando o reconhecimento de filiação em razão do “status” de filho. Demais disso, o civilista TARTUCE[7] elucida que embora haja muitas críticas e celeumas levantados por alguns juristas, não há que se duvidar de que a afetividade constitui um princípio jurídico aplicado ao âmbito familiar e com repercussões sucessórias.
Outrossim é de asseverar que, consoante o jurista João Baptista Villela, citado por TARTUCE, há que se falar em uma desbiologização da paternidade. Segundo João Baptista o vínculo familiar não apenas se encerra no biológico, sendo o vínculo afetivo muito mais forte que aquele vínculo, fundamentando-se no estado de filiação, in verbis:
A paternidade em si mesma não é um fato de natureza, mas um fato cultural. Embora a coabitação sexual, da qual pode resultar gravidez, seja fonte de responsabilidade civil, a paternidade, enquanto tal, só nasce de uma decisão espontânea. Tanto no registro histórico como no tendencial, a paternidade reside antes no serviço e no amor que na procriação. As transformações mais recentes por que passou a família, deixando de ser unidade de caráter econômico, social e religioso, para se afirmar fundamentalmente como grupo de afetividade e companheirismo, imprimiram considerável esforço ao esvaziamento biológico da paternidade. Na adoção, pelo seu caráter afetivo, tem-se a prefigura da paternidade do futuro, que radica essencialmente a ideia de liberdade.[8]
Válido ressaltar, ainda, que nas reproduções humanas assistidas, quando o material doado for os gametas masculinos, presume-se a paternidade em relação ao marido que assentiu com a realização do procedimento em sua esposa, porquanto nesses termos é o que dispõe o art. 1.597, V, do Código Civil, ipsis litteris:
Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:
V – havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.
É de dizer que existe uma situação de fato em que a pessoa se encontra no estado de filiação em relação a outra pessoa, independentemente da realidade legal, conferindo a filiação socioafetiva.
Em igual sentido ao que se encontra na Lei Civil, mas com outros detalhes e densidade, o artigo 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece no artigo 27 que “o reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça”. Desse modo, uma vez estabelecido o vínculo de filho, mesmo que diverso da filiação natural ou biológica, não há mais possibilidade de ser impugnado e garantirá ao filho os direitos e obrigações atinentes à filiação.
Família para o civilista VENOSA[9] constituída por meio de um vínculo que une duas ou mais pessoas, em decorrência de uma delas descender da outra ou de ambas descenderem de um genitor comum. Em outros termos, pode-se dizer que família nada mais é que um conjunto de indivíduos que possuem grau de parentesco entre si e vivem em igual moradia, formando um lar.
Insta destacar, como se explanou acima sobre a filiação, que não é essencial a existência de vínculo de consanguinidade, a família pode ser constituída por meio de adotantes e adotados, bem como por meio de reprodução humana assistida.
Portanto, o estabelecimento de uma família dependerá da comunhão de vontades dos indivíduos que decidirão o momento para a criação do seio familiar e de que forma isso ocorrerá, porquanto, em que pese ainda seja uma regra o surgimento da família por meio de laços biológicos ou naturais, há inúmeros casos em que os vínculos surgem por meio da adoção ou da recorrência de técnicas médicas que auxiliam a reprodução.
3 PLANEJAMENTO FAMILIAR E TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA
Embora existam pessoas na sociedade que não tenham como objetivo constituir uma família, preferindo, ao contrário, viver sozinhas, a regra que ainda persiste é que as pessoas buscam no meio social a construção de uma família e uma família na qual estejam presentes os filhos que irão herdar não apenas o material genético de cada um dos pais, como também as histórias dos genitores e irão continuar a história de uma família.
Na busca da constituição de uma família com filhos podem haver complicadores que vão muito além de qual será o momento para a geração deles. Pode ocorrer que, apesar de todas as tentativas de um casal para o êxito da fecundação, a fim de gerar um filho, isso não ocorra, sendo necessário que o casal busque outros meios para a satisfação desse objetivo.
A Carta da República, em seu art. 226, § 7º, garante que o planejamento familiar é de livre decisão do casal, apenas competindo ao Estado, nessa situação, assegurar os meios educacionais e científicos para o exercício desse direito. A Lei nº 9.263/1996 foi aprovada com a finalidade de regular o artigo constitucional citado em ordem infraconstitucional.
O diploma normativo citado acima estabelece em seu art. 1º que o planejamento familiar é direito de todo o cidadão. O art. 2º vem a definir que planejamento familiar é o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal. Por fim, o art. 5º fixa como obrigação do Estado promover as condições e recursos informativos, educacionais, técnicos e científicos que assegurem o livre exercício do planejamento familiar.
É factível, a partir dos textos normativos da Lei nº 9.263/1996 que o Estado não pode em nenhuma situação interferir na vida do casal, definindo qual o momento que irão gerar seus filhos ou na impossibilidade de o fazê-lo, naturalmente, quais os meios que irão utilizar para alcançar tal fim. Ao Estado cabe, unicamente, garantir os meios para a satisfação dos objetivos do casal no planejamento familiar.
Nessa situação, o casal decidirá qual será o momento em que irá aumentar a sua família, bem como na situação de impossibilidade de que o processo ocorra naturalmente, quais meios artificialmente existentes irão utilizar para tanto. Na situação de infertilidade, a qual é definida, segundo Roger Abdelmassih[10], como sendo a incapacidade de concepção após um ano e meio de tentativa em uso de método anticoncepcional em ritmo sexual adequado, o casal poderá se valer de técnicas de reprodução assistida.
Na atualidade são inúmeras as técnicas de reprodução sexual assistida que existem e são reconhecidas cientificamente como sendo capazes de realização da fecundação. E a reprodução humana assistida vem a lume com o fito de satisfazer o casal que deseja ter seus filhos, que, no entanto, não podem em razão de problemas ligados à infertilidade.
Tal técnica é conceituada como sendo a intervenção humana no processo reprodutivo, ocorrendo quando há impossibilidade de que ocorra naturalmente, isto é, quando, em razão de problemas relacionados à infertilidade, o casal não alcança a paternidade ou maternidade naturalmente.[11] Segundo Maria Helena Diniz, “reprodução humana assistida é um conjunto de operações para unir, artificialmente, os gametas feminino e masculino, dando origem a um ser humano”.[12] É indispensável, então, que a reprodução humana assistida seja assegurada, com a finalidade de que com essa forma de reprodução seja efetivado o direito ao planejamento familiar.
Para o cumprimento desse direito, dentre uma grande gama de técnicas, possui como maior destaque a inseminação artificial, a qual consiste no depósito de espermatozóide na cavidade uterina ou no orifício cervical uterino, com ou sem tratamento hormonal da mulher.[13]
A inseminação artificial é a utilização de processos mecânicos e recursos médicos com a finalidade de introduzir esperma no interior do canal genital feminino e sem a ocorrência do ato sexual.[14] Essa técnica de inseminação artificial é bipartida em duas espécies diferentes. A primeira das espécies é conhecida como homóloga e a segunda é chamada de heteróloga. A inseminação homóloga é assim denominada em razão de o material genético utilizado ser do marido ou companheiro da mulher que receberá o gameta masculino. A inseminação heteróloga, a seu turno, tem-se a utilização de material genético de terceiro, o qual não tem ligação com o casal.[15]
A inseminação artificial, então, é, segundo Regina Fiúza Sauwen, o meio de auxílio no processo de fecundação natural humana, a fim de obter fecundação que restou prejudicada pelas mais variadas razões de infertilidade, podendo ser tanto de impotência masculina, incompatibilidade sexual ou problemas relacionados à qualidade do esperma.[16]
A respeito da inseminação artificial homóloga, embora dela se decorra diversas situações jurídicas, inclusive sobre direito sucessório, o tipo de inseminação artificial a que este trabalho tem como enfoque e que causa maiores situações problemáticas no tocante à filiação é a inseminação artificial heteróloga.
A ordem jurídica vigente, especialmente o Código Civil, fez previsão desses dois tipos de reprodução humana supracitadas. O art. 1597, III, dispõe que consideram-se concebidos na constância do casamento os filhos havidos por fecundação artificial homóloga ainda que falecido o marido.
Nessa espécie de inseminação artificial, consoante foi explanado acima, não há maiores complicações, porquanto o material genético utilizado na fecundação realizada por meio artificial é dos dois cônjuges. Em outras palavras, como o material biológico realizado na inseminação artificial homóloga é de ambas as pessoas, haverá coincidência entre a paternidade biológica decorrente do critério sanguíneo e a decorrente da afetividade.
Além disso, ainda sobre a inseminação artificial homológa, não há sequer necessidade de autorização do marido, porquanto o texto normativo quando diz “mesmo que falecido o marido” deve ser interpretada apenas para fins do estabelecimento da paternidade post mortem.[17]
A inseminação artificial heteróloga, por outro lado, causa diversas complicações jurídicas, as quais devem ser solucionadas pela ordem jurídica e pelos aplicadores do direito. De início verifica-se diferença da inseminação heteróloga para homóloga pela disposição constante do art. 1.597, V, do Código Civil, porquanto, embora o dispositivo mencionado não se tenha estabelecido como requisito que o marido seja estéril, no caso de a mulher ser casada, é indispensável que o marido autorize previamente esse procedimento.
Em outros termos, em nenhum momento a Lei, no caso de a mulher ser casada, exige que o marido seja estéril ou por qualquer outro motivo não possa procriar, a única exigência feita é que o marido autorize previamente a utilização de sêmen de terceiro, não necessitando sequer que a autorização seja escrita, apenas que seja prévia.[18]
Sobre essa autorização dada pelo marido, uma vez que tal tenha sido concedida, ela não pode ser revogada, não podendo ser a paternidade contestada pelo critério biológico. Nesse sentido DIAS[19] explica com maestria que “a manifestação do cônjuge corresponde a uma doação antenatal, pois revela, sem possibilidade de retratação, o desejo de ser pai”.
Logo, na inseminação artificial heteróloga existe um terceiro que faz a doação de seu material genético, diferentemente da homóloga, não haverá coincidência entre as duas formas de paternidades, bem como haverá também o direito à identidade genética assegurada pela ordem jurídica a criança gerada por meio desse procedimento.
3.2 Regulamentação da doação para a inseminação artificial heteróloga
A técnica de inseminação artificial heteróloga (ou reprodução humana assistida heteróloga), como antes explanado, dá-se quando uma mulher vem a ser fecundada não pelo marido ou companheiro, mas, sim, de um terceiro que doou o material genético. É nítido que essa situação é deveras delicada, considerando que quem doa o material genético é um terceiro completamente estranho ao relacionamento do casal e irá inferir na intimidade dos mesmos.
Tendo em vista as questões jurídicas ligadas à inseminação artificial heteróloga, é muito mais do que necessário uma regulamentação, com a finalidade de evitar embates jurídicos e consequências graves no desenvolvimento do seio familiar em que a criança gerada por meio desse procedimento vive, no entanto, não se pode olvidar também o direito à identidade genética a que a criança gerada por meio desse procedimento possui.[20]
No Brasil, além das disposições no Código Civil sobre a inseminação artificial heteróloga, há normatização a respeito em uma Resolução do Conselho Federal de Medicina. Na Resolução nº 2.121 de 16 de julho de 2015 do Conselho Federal de Medicina, estabeleceu-se diversas normas éticas no que diz respeito à reprodução humana assistida. No início da referida resolução, fixou-se como princípio que as técnicas de reprodução assistida (RA) têm o papel de auxiliar na resolução dos problemas de reprodução humana, facilitando o processo de procriação.
A aludida resolução estabeleceu, ainda, diversas normas sobre a doação de gametas ou embriões para a inseminação artificial heteróloga. A resolução vedou qualquer caráter comercial ou lucrativo com esse tipo de doação, evitando-se que virasse uma espécie de mercado genético. Além disso, a resolução fixou normas a respeito da privacidade entre o doador e receptor, bem como da compatibilidade destes.
Pela proibição da Resolução para que a doação de material genético tenha caráter comercial, é possível imaginar que, quem realiza a doação assim o faz apenas com interesse altruístico, todavia, pode haver, ainda, outro interesse. De acordo com a diretora do banco de sêmen “Pro-Seed”, Vera Beatriz Brand, “quem doa faz vários exames gratuitamente”. Tal gama de exames é exigida pela RDC nº 23/2011 da ANVISA, que estabelece ser imprescindível uma triagem laboratorial, sendo critério de exclusão de doadores a existência de infecções transmissíveis em seus exames.[21]
Ainda pela Resolução do Conselho Federal de Medicina é possível extrair que ela teve como objetivo preservar por completo a intimidade e privacidade do doador do material genético, evitando com isso qualquer tipo de ofensa aos direitos da privacidade e intimidade das partes envolvidas nesse processo, no entanto, não se pode perder de vista que a criança gerada por meio desse procedimento tem o direito a conhecer a sua origem genética.
Dentro desse contexto em que se desenvolve um conflito entre os direitos fundamentais à privacidade e à intimidade versus o direito fundamental ao conhecimento da origem genética pelo indivíduo é que o presente trabalho será aprofundado, buscando-se a compreensão desses direitos e a forma pela qual deverá o conflito ser resolvido.
4.DO DIREITO AO ANONIMATO DO DOADOR
Desde os tempos mais remotos da civilização, incluindo a sociedade grega e a sociedade romana, o direito à privacidade tem grande relevância no desenvolvimento do indivíduo. O direito à privacidade foi, então, evoluindo e ganhando novas facetas até se chegar ao que hoje se tem na Constituição Federal como direito fundamental.[22] O que a constituição visa assegurar como direito à privacidade é que o íntimo não venha a cair no domínio público, protegendo “[...] a vida familiar, pessoal do homem, sua vida interior, espiritual, a que leva quando vive detrás da sua porta fechada”.[23]
A preservação da intimidade é de extrema necessidade para todo e qualquer homem na sociedade, a fim de lhe preservar a sua saúde mental. Sem assegurar essa intimidade contra a crítica do público não é possível assegurar ao homem condições para que ele desenvolva sua personalidade tampouco é possível garantir uma vida plena no meio social, vez que a ausência de guarda da intimidade irá perturbar diuturnamente a tranquilidade da vida particular do indivíduo.
Nesse contexto é indispensável entender o porquê e quais os exatos motivos que o direito à privacidade e à intimidade, assegurados pela Constituição Federal, estabelecem a obrigatoriedade do anonimato do doador nos contratos de material genético e qual a sua finalidade, passando, ainda, pela análise dos contratos de doação de material genético.
5.DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA
Está claramente expresso no art. 5º, inciso X, da Carta da República que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. A Constituição Federal estabelece ainda o direito à intimidade e à privacidade como um limite à liberdade dos meios de comunicação.
Embora a Constituição Federal assegure esses direitos, ela não traz os contornos desses direitos, isto é, no que consistem propriamente e até onde esses direitos se estendem. De início válido destacar que não é comum a distinção entre esses direitos (privacidade e intimidade), em verdade, há, segundo MENDES[24] autores que dizem que o direito à intimidade faria parte do direito à privacidade, que seria mais amplo. Cada um desses direitos, então, teria objetos distintos. O direito à privacidade serviria para proteção de comportamentos e acontecimentos que estão ligados aos relacionados no geral, às relações comerciais e profissionais que o particular não quer que sejam de conhecimento público, ao passo que o direito à intimidade estaria ligado às conversas entre as pessoas, amizades e familiares.[25]
O direito à privacidade é consagrado como uma necessidade sentida pelo particular, a fim de se “encontrar na solidão aquela paz e aquele equilíbrio, continuamente comprometido pelo ritmo da vida moderna”.[26] Manter uma vida privada distinta da vida pública é fundamental para o desenvolvimento da própria personalidade, como também é fundamental para a própria saúde mental do indivíduo. Um indivíduo que está sempre sob constante observação social, sofrendo críticas sobre sua vida particular, não pode gozar de qualquer tipo de paz.
Basta pensar que se há a exposição de todos os erros de uma pessoa, de suas dificuldades e fracassos à crítica e à curiosidade de terceiros completamente estranhos, a pessoa sujeita a essa exposição estará com o desenvolvimento de sua personalidade completamente comprometido, não havendo, aliás, sequer a possibilidade de o indivíduo se autoavaliar ou gozar de qualquer privacidade.[27]
A privacidade ganha ainda maiores contornos se analisada dentro do contexto de determinadas relações humanas, como o casamento, a título de exemplo. A exposição pública de certas informações que só caberia ao casal ter conhecimento, pode arruinar a parceria amorosa, além disso, é de se pensar que é relevante e necessário um núcleo de privacidade entre cada um dos cônjuges.[28]
Maior ainda deve ser a proteção à intimidade e à vida privada na contemporaneidade, pois é de conhecimento público e notório que, graças à internet, redes sociais, outras formas de comunicação e transmissão de dados, a difusão de informações além de se dar em tempo real são também inúmeras as informações difundidas, inclusive ocorrendo a propagação de informações que não são sequer verdadeiras.
Na atualidade, graças a esses meios de comunicação e transmissão de informações, é deveras importante que o direito ora tratado seja efetivamente cumprido, porquanto de acordo com o GOMES, SPAREMBERGER e BRUM:
[...] o respeito a esse direito se devem ao fato de que as pessoas, de modo geral, sentem a necessidade de conservar parte de sua vida isenta de observação ou conhecimento por terceiros. Nesse pensar, tem-se que a vida em sociedade se estabelece por meio da dinâmica entre o que se mostra e o que se oculta, sendo, portanto, fundamental, que determinados eventos da vida das pessoas sejam resguardados em sua intimidade; quando se considera, em tal cenário, a liberdade de comunicação que se cria nos ambientes virtuais e a rapidez com que as informações circulam na rede, torna-se crucial pensar a proteção da intimidade na internet.[29]
O direito à privacidade e à intimidade, então, tem como finalidade evitar que o indivíduo sofra constrangimentos no meio público em decorrência daquilo que faz em sua vida particular, porquanto pode não ter total orgulho daquilo que faz em sua vida privada ou, embora o que faça na sua vida privada seja lícito, não seja moralmente aceito no círculo social em que vive.
Ainda que, conforme antes exposto, os doadores realizem exames para realizar a doação, não custeando nenhum desses exames, os doadores agem solidariamente, sem esperar nada em troca, seria, então, justo impor a obrigação de revelar a identidade a quem agiu com a finalidade de auxiliar outros casais a terem filhos?
CAITLIN MULHOLLAND[30] leciona que além de todas as possíveis ideias e concepções que se tenha ou adote do direito à intimidade, como, por exemplo: a) o direito de ser deixado só; b) o direito de ter controle sobre a circulação dos dados pessoais; c) o direito à liberdade das escolhas pessoais de caráter existencial; deve ser somado também o direito de que o titular tem de determinar qual dado relacionado a sua condição existencial alguém tem o direito de conhecê-lo ou não.
Assim, o direito à privacidade se torna mais específico e com maior gama de proteção, passando a assegurar a pessoa um poder negativo de excluir da própria esfera privada um rol de informações que não deseja que vá a público, ou seja, a pessoa tem o direito de não querer revelar algum fato de sua vida, a fim de proteger a sua intimidade.
O direito de não saber, do doador do material genético, nesse caso, estaria em não querer saber se há ou não indivíduos gerados por meio das suas doações, porquanto tais informações poderiam lhe impor obrigações que não assumiu ou não era o fim quando realizou a doação.
Logo, esses direitos conduzem, em sentido mais estrito, ao impedimento de que o indivíduo não seja o centro de observação pelos terceiros na sociedade, impedindo, ainda, que os assuntos do indivíduo, suas informações pessoais e outras características particulares sejam levadas ao conhecimento público.
6.PRESERVAÇÃO DA VIDA PRIVADA E INTIMIDADE DO DOADOR
Consoante já fora ressaltado, o indivíduo que realiza a doação de seus gametas, faz a doação com o objetivo de propiciar aqueles que não podem gerar filhos de forma tradicional, fazendo de forma gratuita, sem qualquer intuito lucrativo ou mercantil. O doador, então, não o faz com o objetivo de querer ter uma paternidade, de que seja reconhecido como pai, simplesmente o faz, gratuitamente, de forma solidária. Justamente por fazer com essa finalidade e com essa vontade, é que o doador espera que lhe seja preservada a identidade. As razões para tanto são das mais variadas. Não quer ser reconhecido como pai, pois ele pode constituir no futuro uma família ou, ainda, pode ser que já tenha no presente uma família constituída.
Nessas situações, certamente, se o ato de doação de seus gametas vir a lume do seu círculo social, poderá ele sofrer alguns prejuízos a sua imagem. O anonimato é considerado como princípio fundamental nos tratamentos de reprodução assistida, não apenas pelo Brasil, consoante normatizado na Resolução do Conselho Federal de Medicina, como também em outros países que cuidam desse tema, o anonimato serve de base para esse procedimento. Países como a França, Suíça, Portugal e Canadá fixaram como base da reprodução humana assistida o anonimato. Outros países, por outro lado, como Suécia e Áustria, permitem o conhecimento da origem genética, a partir do atingimento da maioridade civil, desde que não haja busca de vínculo com o doador do material genético.[31]
Percebe-se que, embora em alguns países se permita, sob condições, o conhecimento da origem genética, a regra é a preservação das informações do doador. Os motivos para a preservação desse anonimato podem ser das mais diversas ordens, mas o motivo basilar é que ninguém quer que o que fora feito em seu íntimo venha a se tornar público e lhe causar danos a sua imagem, tampouco se quer reconhecida uma paternidade que não pretendeu desde o início.
De acordo com Eduardo Leite, o anonimato do doador deve ser preservado, porquanto da doação do material genético não poderá surgir nenhuma consequência parental referente a criança nascida desse procedimento, ou seja, ainda que a criança venha a descobrir quem foi o doador do material que lhe possibilitou a vida, o descobrimento não lhe possibilita a criação de um vínculo jurídico de paternidade. A doação de material genético feita por alguém, foi por ato de disposição de vontade, um ato de generosidade. Por essa razão se justifica o chamado princípio do anonimato.[32]
Aquele que doa o material genético, desde o princípio, não quis que sua identidade fosse revela, assim o fez por generosidade e como antes disso, não aguarda que em um futuro, esse ato particular venha a ser público, seja em seu círculo social ou na família que recebeu a doação desse material genético.
Não é sem razão que LEITE[33] afirma que o anonimato é uma segurança de autonomia e desenvolvimento normal para a família receptora do material genético e garantia total que o desinteresse do doador será preservado. Esse autor assevera ainda que na hipótese de a identidade do doador for revelada, ele poderá pleitear uma indenização dos danos sofridos aos que foram responsáveis pela quebra desse anonimato.
O anonimato do doador certamente não apenas lhe preservará a sua identidade, como também impedirá que o doador posteriormente venha a se intrometer no meio social da família, evitando, assim, qualquer abalo na estrutura dos graus de parentesco, seja referente aos pais como também aos avós.[34]
Quando o Código Civil vem a dizer no art. 1597, V, que se considera como filho concebido na constância do casamento aquele que foi havido por inseminação artificial heteróloga, quis dizer que o filho nascido por meio desse procedimento fosse tão filho quanto aquele decorrente de um processo natural.
É patente que o Código Civil afasta qualquer possibilidade de que o indivíduo que doou seu material genético para o nascimento de uma criança gerada por inseminação artificial seja considerado pai. O estado de filiação nessa situação é decorrente de uma comunhão de fatos construído entre pais e filhos, independentemente de relação sanguínea, o que não altera o estado de filiação, sendo o filho afetivo tão filho quanto o filho por consanguinidade.[35]
Nesse sentido também são ilustres e esclarecedoras as lições de GASPAROTTO E RIBEIRO[36] ao afirmarem que o vínculo de pai e mãe não é simplesmente o ato de gerar um filho ou ter a mesma identidade genética, mas, sim, o ato de assumir os direitos e deveres que o Estado impõe aos pais, ou seja, é o ato de cuidar de uma criança, suprir as suas necessidades mais básicas, dando todo o suporte para o seu desenvolvimento.
Pode-se enxergar que o anonimato do doador tem dupla finalidade, de preservar a sua identidade, impedindo que qualquer pessoa além de si e da clínica tenham conhecimento do seu íntimo, impedir que assuma direitos e obrigações com a criança gerada por meio desse procedimento e que haja qualquer forma de interferência no seio familiar em que vive a criança.
Ora, se o doador no momento em que doa o seu material genético, tem total desinteresse de qualquer forma com a mãe ou com o filho gerado, fazendo a doação apenas por um ato de generosidade e como um auxiliador, a preservação do sigilo da identidade do doador é necessária a fim de garantir que tal ato seja completamente desinteressado e que no futuro se busque o reconhecimento de algum vínculo para assumir direitos ou obrigações.[37]
Por outro lado, existem autores que defendem a possibilidade de se quebrar o sigilo a identidade do doador do material genético, com a finalidade de se obter informações úteis e necessárias à criança gerada, mas que a quebra do sigilo seja feita apenas a partir da criança gerada, mantendo-se o sigilo das partes envolvidas na inseminação artificial. Essa forma de quebra, garantiria que obtivesse acesso sobre a sua história biológica, o conhecimento sobre a possibilidade de desenvolver doenças hereditárias e quais seriam elas.[38][39]
7.CONTRATO DE DOAÇÃO DO MATERIAL GENÉTICO
7.1 Autonomia da Vontade e Função Social do Contrato
No art. 5º, II, da Constituição Federal está estabelecido que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, nessa norma encontra-se o início do que é a liberdade de contratar ou mais precisamente, a autonomia da vontade.[40]
Em havendo liberdade de contratar, nada mais justo e lógico, que deve haver uma força vinculante dos contratos, porquanto, se é permitido livremente assumir obrigações ou não, deve-se, a partir do momento de pactuação do contrato, observar precisamente a que se obrigou.
Isso cuida-se da força cogente dos contratos, do pacta sunt servanda (os pactos devem ser observados – em tradução livre). Com razão, a liberdade que tem cada cidadão de assumir ou não suas obrigações civis conduzem à vinculação que para ele surgirá em eventual celebração de algum negócio jurídico, ou, em outros termos, aquele que contraiu uma obrigação deve cumpri-la na exata medida daquilo que se obrigou.[41]
Além do pacta sunt servanda dos contratos, há, ainda, a presença da função social do contrato, constituindo-se como cláusula geral em que as partes não podem contrair, em um negócio jurídico, obrigações que destoem do equilíbrio contratual, isto é, a impossibilidade de prevalência de cláusulas que imponham desvantagem exageradas.[42]
Dessa forma, a autonomia da vontade das partes, expressão de liberdade de contratar, só pode, no entanto, determinar o conteúdo do negócio jurídico contraído pelo cidadão se estiver em consonância com os limites legais impostos pela função social do contrato.
7.2 O contrato de doação
Inicialmente há de destacar que no Brasil é vedada a comercialização de materiais genéticos, consoante estabelecido nas Leis nº 9.434/97 e nº 11.105/05, bem como na Resolução do Conselho Federal de Medicina de nº 2.121/2015 proíbe a comercialização de material genético para fins de reprodução assistida, apenas permitindo-a para fins altruísticos.
Em que pese toda a proibição existente, não são raros os casos em que ocorrem a comercialização de material genético. Em matéria publicada no jornal “O Estado de São Paulo”, em outubro de 2006, foi divulgada a prática em que uma mulher jovem, produtora de óvulos, mas sem recursos financeiros para o tratamento necessário para engravidar, doa seus óvulos para outra mulher com recursos financeiros, a qual, porém, não tem condições biológicas de produzir óvulos, em troca do custeio do tratamento para engravidar.[43]
Independentemente desses casos em que, embora haja a vedação da comercialização, ocorram uma comercialização de materiais genéticos, a relação jurídica firmada entre o doador de material genético e os bancos de armazenamento tem natureza de contrato de doação, nos termos do art. 538 do Código Civil[44], “Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra pessoa”. Nesse caso, configura-se um negócio jurídico, porquanto se cuida da manifestação de vontade humana que tem como objetivo a produção de determinado efeito jurídico.
Em hipótese que a pessoa deseja realizar a doação de material genético, procura-se um estabelecimento autorizado e manifesta o desejo de realizá-la e, após submeter-se aos procedimentos necessários, sendo aprovada nos exames preventivos, efetiva-se a doação.
Para se configurar como contrato de doação, é necessário que se estejam presentes os seguintes pré-requisitos, além dos requisitos gerais de qualquer negócio jurídico estabelecidos pelo art. 104 do Código Civil: 1. Gratuito, porquanto a carga contratual ficará por conta de um dos contratantes, cabendo ao outro auferir os benefícios; 2. Comutativo, pois ambos os contratantes sabem, desde a origem, suas respectivas prestações; 3. Típico, pois cuida-se de espécie de contrato expressamente previsto no Código Civil; 4. Não solene, pois a sua forma não está disposta na Lei; 5. Principal, porquanto é independente de qualquer outra espécie de contrato; 6. Instantâneo, pois as partes adquirem e cumprem suas obrigações quando da doação.[45]
Por fim, no que concerne à possibilidade de classificar o contrato como uni, bi ou plurilateral, a melhor opção é não utilizá-la, pois, a depender dos desdobramentos futuros, poderá haver variação. De início tal contrato de doação apresenta-se como unilateral, no entanto, ele pode tornar-se até plurilateral, pois envolverá, além do doador e do banco de armazenamento donatário, terceiro interessado em se beneficiar dos procedimentos de fertilização assistida heteróloga, e, ainda, em último ponto, a própria criança gerada desse procedimento.[46]
7.3 Direitos e deveres no contrato de doação de material genético (doador e banco de armazenamento)
Para que seja concretizado o contrato de doação, deve ser realizada a doação de material genético pretendida. Esse é o dever principal do doador e, em relação a outra parte, em regra não cabem obrigações, no entanto, nada impede o estabelecimento de cláusulas em sentido contrário.
A obrigação da outra parte (banco de armazenamento) e direito do doador, seguindo a linha perfilhada na Resolução de Medicina antes mencionada, é a proteção da identidade do doador do material genético, preservando-se todas as características e necessidades que lhe são relacionadas, consoante fora exposto anteriormente.[47]
Referente aos direitos e deveres dos bancos de armazenamento, tais são os mesmos direitos e deveres atinentes ao doador, pois os bancos de armazenamento receberão o material genético e poderão utilizá-los da forma como melhor julgarem necessário, sem, evidentemente, infringir o ordenamento jurídico. Deve-se, ainda, respeitar eventuais cláusulas que estejam pactuadas em instrumento público ou particular firmado com o doador, sob pena de revogação da doação, com fulcro no art. 555 do Código Civil[48], bem como sob pena de indenização, com fundamento no art. 186 do Código Civil.[49]
8.O QUE É IDENTIDADE GENÉTICA?
A filiação consoante se explicou em capítulo anterior poderá ocorrer biologicamente ou natural, ou civil ou não biológica. Quando a paternidade for a socioafetiva, a origem genética do indivíduo gerado jamais será a mesma do pai, porquanto pressupõe que a carga genética transmitida pelo homem é diversa, não existindo lações sanguíneos.
Isso ocorre nas situações de adoção e nas situações de inseminação artificial heteróloga, que é o foco deste trabalho. A criança gerada por meio desse tipo de inseminação artificial só poderá ser conhecida geneticamente por meio da genitora da criança e do doador dos gametas masculinos, uma vez que a carga genética advém dos genitores. Portanto, o marido, da esposa que recebeu doação dos gametas masculinos, exercerá sempre a paternidade socioafetiva, considerando que é inexistente a presença de carga genética do marido na criança gerada.
Nos casos de inseminação artificial heteróloga a criança gerada apenas conhece a origem genética da mãe, mas a origem genética que possui advinda do doador do sêmen é completamente desconhecida, considerando que desde o início do procedimento, pelo contrato de doação, se impõe o sigilo sobre o doador dos gametas masculinos.
A pessoa humana deve gozar de diversos direitos para que possa se desenvolver com dignidade, deve gozar de direitos que lhe confiram essencialidade e individualidade no meio social. Esses direitos servem como proteção da personalidade humana e garantia de seu desenvolvimento, os conhecidos direitos da personalidade. Nesse rol de direitos da personalidade encontram-se os direitos à vida, à integridade psicofísica, à intimidade, à liberdade, à imagem e à identidade[50].
No que diz respeito à identidade, a interpretação não se limita ao aspecto do nome, indo muito além disso, porquanto, nos dizeres do jurista Guilherme Calmon, ipsis litteris:
Além do direito ao nome, há outros elementos que devem, obrigatoriamente, ser concebidos na noção mais abrangente do direito à identidade pessoal. Devem, desse modo, ser considerados elementos relativos à integridade físico-psíquica da pessoa e à sua inserção na vida social, como a imagem de sua vida, sua história pessoal, sua honra objetiva e subjetiva, sua identidade familiar, sua identidade cultural, política e religiosa, entre outros. [...]
A identidade pessoal, portanto, não se restringe ao nome, mas abrange outros elementos considerados fundamentais que se situam no campo pessoal, familiar, social e comunitários e, entre eles, se insere na história pessoal do indivíduo[51].
A identidade pessoal envolve inúmeras características sociais, como, por exemplo, as que são decorrentes do desenvolvimento educacional, ambiental e pessoal, consoante pode ser verificado do artigo 3 da Declaração Internacional sobre os Dados Genéticos Humanos da UNESCO, in verbis:
Cada indivíduo tem uma constituição genética característica. No entanto, não se pode reduzir a identidade de uma pessoa a características genéticas, uma vez que ela é constituída pela intervenção de complexos factores educativos, ambientais e pessoais, bem como de relações afectivas, sociais, espirituais e culturais com outros indivíduos, e implica um elemento de liberdade.[52]
A identidade genética compõe uma das facetas da identidade pessoal, que participa como fator somatório da formação do ser humano. Em outras palavras, a identidade pessoal contempla elementos que constituem a identidade genética com viés de aperfeiçoamento ou de superação, mas também no sentido de limitar as potencialidades humanas.
A identidade genética por outro lado também se revela como uma referência biológica de cada ser humano, o qual busca sempre conhecer suas origens, consoante explica a jurista Maria Christina de Almeida, ipsis litteris:
[...] toda pessoa necessita saber sua origem – trata-se de uma necessidade humana – e desenvolver sua personalidade a partir da paridade biológica, não se podendo identificar no sistema jurídico brasileiro da atualidade, quando prevê a possibilidade de revelação da origem genética, seja em nível constitucional ou em nível infraconstitucional um abrigo seguro do anseio de permitir à pessoa a construção de sua própria identidade.[53]
Nesse sentido são precisas as lições dos juristas Thiesen e Sparemberger sobre a conceituação da identidade genética, in verbis:
Identidade pessoal, a qual se define como uma ideia de relação do indivíduo com os demais membros da sociedade, um referencial social construído ao longo da vida, por meio de relações recíprocas que abrangem elementos genéticos da pessoa humana como um ser irreptível, original e único, em constante construção no âmbito das relações interpessoais. Além ainda, de compreender uma dimensão relativa, na qual encontra-se ‘justamente a ideia de relação com as outras pessoas, ou seja, toda construção da história pessoal, noção bem mais complexa e abrangente’.”[54]
Demais disso, CAROLINA FERREIRA[55], advogada que publicou um livro no ano de 2010 com o título de “O nome do meu pai é doador”, foi revelado que em uma pesquisa com 485 adultos que foram crianças geradas por meio de procedimento de reprodução humana assistida heteróloga, os filhos de doadores anônimos entrevistados nutriam um imenso sentimento de perda, pois a eles foi negado o direito de saber quem são seus pais.
O direito de saber a origem genética ou identidade genética está intrinsicamente ligada ao direito de conhecer a própria história, pois, se a criança nasceu por meio do método de reprodução humana assistida heteróloga, buscar o conhecimento de quem foi o doador do sêmen tem ligação com a sua própria existência e compõe uma parte de sua história.
Portanto, a identidade genética deve ser entendida como intimamente ligada aos direitos da personalidade e, em consequência, ao princípio da dignidade da pessoa humana, bem como tal identidade integra a identidade pessoal do sujeito como um dos inúmeros caracteres que compõem o seu ser e seu patrimônio histórico.
9.BASE JURÍDICA DO DIREITO À IDENTIDADE GENÉTICA
A busca por suas origens genéticas pode ter como fundamento os mais diversos motivos, a criança pode ter como interesse descobrir suas características biológicas, sua voz, altura, cor, cabelos, etc. Esse direito não se limita à busca da origem genética, isto é, ao seu autoconhecimento. A busca pode também ocorrer por motivos médicos, em busca de resguardar o direito à saúde e a própria vida da criança.
Nesse diapasão o eminente jurista Paulo Luiz Netto Lôbo elucida que, ipsis litteris:
Toda pessoa tem direito fundamental, na espécie direito da personalidade, de vindicar sua origem biológica para que, identificando seus ascendentes genéticos, possa adotar medidas preventivas para preservação da saúde e, a fortiori, da vida.[56]
É certo afirmar que o conhecimento de sua origem genética é um direito da personalidade, porquanto se compõe como formação da identidade do indivíduo, além disso, constitui-se como uma forma de garantir a própria integridade física e corporal.
Mais uma vez o jurista Paulo Luiz Netto Lôbo é magistral aduzindo que “o direito ao conhecimento da origem genética não significa necessariamente um direito à filiação. Sua natureza é de direito da personalidade, de que é titular cada ser humano”.[57]
Os chamados direitos da personalidade não são apenas dotados de características próprias que o diferenciam, como imprescritibilidade, irrenunciabilidade etc. Os direitos da personalidade buscam garantir a pessoa humana um tratamento igualitário e justo, concretizando o princípio da dignidade humana. Por isso, que os direitos da personalidade são ligados ao mínimo existencial, isto é, a garantia de realização de direitos ligados à personalidade sem a qual o indivíduo não viverá com dignidade.
Esse direito de acesso à identidade genética ou direito ao conhecimento da origem genética é um direito que trata precipuamente da criança gerada por meio da técnica de reprodução assistida denominada de inseminação artificial heteróloga em descobrir a sua ancestralidade ou ascendência genética. O direito busca assegurar ao indivíduo conhecer suas origens, descobrindo-se o doador. A busca por esse conhecimento é a própria consequência do princípio da dignidade da pessoa humana, porquanto, enquanto direito personalíssimo, irrenunciável e imprescritível, assegurado ao indivíduo porquanto se cuida de um direito fundamental.
Com o fito de proteger a personalidade, é feita uma tripartição nesse dever de guarda. Primeiramente, protege-se os atributos físicos, como a integridade física. Em segundo lugar, busca-se proteger os atributos psíquicos, para os quais se tutelam: a intimidade, a vida privada e o direito ao segredo; a proteção de atributos morais e intelectuais, como, por exemplo, a honra e direito do autor. Tudo isso, no entanto, não se trata de um rol taxativo, mas, sim, exemplificativo, pois não esgotam os direitos da personalidade tampouco a sua forma de proteção, vez que é o mínimo de garantia que deve ser dada com a finalidade de que o indivíduo possa se desenvolver com dignidade.[58]
Os direitos da personalidade contemplam o indivíduo em sua totalidade, porquanto, na atual concepção sobre esses direitos, é indispensável que o indivíduo seja visto como o centro do sistema. A partir disso, colocando-se a pessoa como centro do sistema, desenvolve-se um plexo normativo com o objetivo principal de desenvolver a dignidade humana. Justamente por isso é se que pode afirmar que o princípio da dignidade humana é a base para grande parcela dos direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal, fundamentando-se também o direito à identidade genética, como direito da personalidade.[59]
Em que pese a Constituição Federal no art. 5º liste quais são os direitos e garantias fundamentais, bem como as limitações aos direitos inerentes a qualquer pessoa, incluindo o direito da personalidade, que é garantido a todos, por ser direito inato, outros podem ser incorporados e aceitos pelo sistema, sendo inexistente o conflito entre a tipicidade aberta e a cláusula geral de direitos fundamentais[60].
Nossa Carta Magna não cuida de trazer um rol completo de direito fundamentais, deixando aberta a possibilidade de reconhecimento de novos direitos fundamentais, ainda que não estejam positivados, pois em razão da densidade de seu conteúdo merecem também proteção constitucional.[61]
A enumeração feita pela Constituição Federal cuida-se enumeração aberta, isto é, enumeração que abre a possiblidade de ser preenchida ou completada sempre que se reconheça novas faculdades além daquelas que se encontravam definidas no momento da elaboração e aprovação do texto constitucional primário.[62]
O direito de acesso à identidade genética muito embora não esteja consagrado no rol dos direitos fundamentais, que não é taxativo, positivados na Constituição Federal, é um direito fundamental, porquanto está ligado à dignidade humana, restando aberta a possibilidade de identificação de outros direitos fundamentais, conforme se extrai do § 2º do art. 5º da Carta Magna ao dizer que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.
Demais disso, os direitos fundamentais que antigamente tinham como escopo apenas proteger reclamações comuns a todos os homens, evoluíram a, igualmente, proteger seres humanos que se singularizam pela influência de certas situações específicas em que apanhados. Os indivíduos, por conta de peculiaridades diversas, tornam-se merecedores de atenção especial, exigida pelo princípio do respeito à dignidade humana. Daí que se tem a confirmação de direitos especiais aos enfermos, aos deficientes, às crianças, aos idosos etc. O homem, então, não é mais visto apenas em abstrato, mas considerado o seu ser e estar na sociedade.[63]
Por fim, em contraponto ao direito de não saber, em proteção ao direito à intimidade e à privacidade, há o direito da criança gerada por meio da reprodução assistida heteróloga o direito de saber a própria origem genética, ou seja, o direito que o indivíduo tem de conhecer e construir a sua identidade genética.
10. MEIOS DE BUSCA DA IDENTIDADE GENÉTICA E SUA CASUÍSTICA
Tanto em âmbito jurisprudencial quanto em âmbito doutrinário, ao se traçar quais os meios adequados para a instrumentalização da busca à identidade genética, tem-se falado em ação investigatória de paternidade, esta com previsão na Lei nº 8.560/1992 quanto no habeas data, este com previsão constitucional e previsão na Lei nº 9.507/1997. Certo é que há uma divergência entre qual seria o instrumento processual adequado para o fim almejado.
A ação de investigação à paternidade, embora a doutrina afirme que seria a ação própria para tanto, para outros não seria o mais adequado para tal fim, pois o que se busca não é a paternidade, mas sim, o conhecimento da origem genética, qual poderá não implicar o reconhecimento da paternidade. Nesse sentido, magistralmente, LOBO, ensina que, in verbis:
Uma coisa é vindicar a origem genética, outra, a investigação da paternidade. A paternidade deriva do estado de filiação, independentemente da origem (biológica ou não). O avanço da biotecnologia permite, por exemplo, a inseminação artificial heteróloga, autorizada pelo marido (art. 1597, V, do Código Civil), o que reforça a tese de não depender a filiação da relação genética do filho e do pai. Nesse caso, o filho pode vindicar os dados genéticos de doador anônimo de sêmen que constem dos arquivos da instituição que armazenou, para fins de direito da personalidade, mas não poderá fazê-lo com escopo de atribuição da paternidade. Consequentemente, é inadequado o uso da ação de investigação de paternidade, para tal fim. (grifo nosso).[64]
Afirmam que o estado de filiação e paternidade não se confundem. A paternidade, não decorre unicamente do vínculo biológico, mas também e fortemente de vínculo socioafetivo. Na situação das inseminações artificiais heterólogas há uma relação parental anteriormente estabelecida, porém, ainda nesse caso, não seria certo dizer que se cuida de ação de investigação de paternidade, porquanto a ação movida para a busca da identidade genética deve-se limitar ao descobrimento da ascendência genética, não repercutindo com efeitos do reconhecimento de paternidade.
O remédio constitucional habeas data, com previsão no art. 5º, inciso LXXII, da Constituição Federal e regulamentado pela Lei nº 9.507/1997, serve como meio para obter informações relacionadas à pessoa que o impetra, desde que as informações constem de registros ou banco de dados de entidades governamentais ou de caráter público.
No tocante à amplitude, o habeas data serve de instrumento para tutelar direitos ameaçados de lesão, concretamente violados ou simplesmente não atendidos, destinando-se a proteger a esfera pessoal de alguém, ainda mais sob enfoque das informações existentes nos bancos ou registros de dados. Objetiva-se, portanto, proteger e concretizar uma ordem constitucional transparente, com amplo acesso à informação, em especial quando ligada ao impetrante.[65]
Em igual sentido do que é exposto, MENDES E BRANCO[66] são esclarecedores ao ensinarem que o texto constitucional não deixa qualquer espécie de dúvida, pois o habeas data protege a pessoa não apenas referente aos bancos de dados de entidades governamentais, bem como no que concerne aos bancos de dados de caráter público geridos por pessoas privadas.
No tocante ao âmbito de conformação e limitação do habeas data tem se propugnado que nos termos do art. 5º, XXXIII, o acesso as informações pleiteadas por meio desse remédio constitucional não poderiam abranger aquelas de cunho sigiloso, que são imprescindíveis à segurança da sociedade e do Estado, todavia, essa ressalva e qualquer outra espécie de exceção não pode servir para banalizar esse remédio, sob pena de se tornar inútil a garantia ora tratada. Além disso, é de asseverar que se revela inadmissível o encobrimento de dados, sob fundamento de sigilo, quando são de caráter pessoal e são relacionados ao próprio sujeito solicitante.[67]
O habeas data é, então, a garantia constitucional que permite que o impetrante busque a sua identidade pessoal no âmbito da reprodução assistida heteróloga. Servindo tal remédio, em caso de negativa de quem detém a informação, como instrumento para obtenção, podendo o juiz, nessa hipótese, previamente, avaliar o interesse da revelação da informação ao impetrante do habeas.[68]
Apesar de todos os argumentos erigidos, é defendido que, inexistindo ação própria para o fim explanado acima, bem como que o Estatuto da Criança do Adolescente não prevê quaisquer restrições à propositura de ação de investigação de paternidade, esse tipo de ação poderia ser utilizada em casos de reprodução humana assistida heteróloga.
Embora pela fundamentação do habeas data não seria a ação de investigação de paternidade a mais adequada, pois o que se busca na origem da identidade genética é conhecer a sua ancestralidade, não se confundindo com o estado de filiação todavia, considerando-se que, como é de conhecimento notório e cediço em sede processual, o importante em uma demanda são os fatos e o pedido, desde que haja norma que embase a pretensão, a intitulação dada à demanda seria irrelevante.[69]
Sobre a casuística do tema, não são muitos os casos em que se é possível encontrar o teor das decisões, principalmente considerando que os processos correm em sigilo, porquanto são afetos ao direito de família, todavia, foram encontrados alguns casos que abordaram com certa profundidade o objeto do presente estudo, sendo possível extrair diversas informações significativas trilhadas pela ainda incipiente, nesse assunto, jurisprudência brasileira.
Em 2013, em julgamento do recurso de Agravo de Instrumento[70], a Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul proferiu interessantíssimo acórdão. No caso sub judice, foi formulado pedido de registro de nascimento em que um casal homoafetivo, que concebeu um bebê por meio de reprodução assistida heteróloga, pretendia-se a citação do doador do material genético e do banco de armazenamento, a fim de que fosse solucionada a questão que supostamente entendiam haver sobre o registro da criança, pois dependeria do pai para lhe reconhecer o estado de filha do casal.
Em primeiro grau o juízo a quo determinou a citação do laboratório responsável pela inseminação e do doador anônimo, bem como determinou a nomeação de curador especial à criança gerada pelo procedimento, todavia, o Tribunal de Justiça entendeu que haveria desnecessário tumulto processual nesse caso, pois não haveria lide no caso ou pretensão resistida, uma vez que, em atendimento ao superior interesse da criança, que determina o registro para lhe conferir status de filha do casal, seria desnecessária a citação de quaisquer outras pessoas para uma lide inexistente, pois com o registro a criança como filha do casal já ostentaria o nome da família que lhe concebeu.
Em que pese o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul não tenha deferido o pedido do casal homoafetivo para a citação do banco de armazenamento e do doador, fez a ressalva sobre o direito da criança. Assentou o referido Tribunal que o desejo do doador anônimo de não ser identificado se contrapõe ao direito indisponível e imprescritível de reconhecimento do estado de filiação, previsto no art. 22 do ECA. Entretanto, cuida-se de direito personalíssimo, que somente pode ser exercido por quem pretende investigar sua ancestralidade – e não por terceiros ou por atuação judicial de ofício.
O STJ, em recente julgado[71], adotando o entendimento do STF no RE nº 898.060, com repercussão geral, entendeu que a existência de vínculo com o pai registral não é obstáculo ao exercício do direito de busca da origem genética ou de reconhecimento de paternidade biológica. Os direitos à ancestralidade, à origem genética e ao afeto são, portanto, compatíveis.
O STF, no Recurso Extraordinário nº 898.060[72] com repercussão geral reconhecida, fixou a seguinte tese jurídica: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitantemente baseada na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”
Tanto no caso julgado pelo STJ quanto no caso julgado pelo STF, ambos referem-se aos casos de adoção. Em tais casos, o Estatuto da Criança e do Adolescente assegura no art. 27 a busca pela origem genética, inclusive com efeitos patrimoniais.
No caso dos filhos nascidos por meio de técnicas de reprodução humana assistida heteróloga, assim como na adoção, o filho não descende biologicamente de seus pais e pode-se afirmar, igualmente, que desconhece os seus pais biológicos. Todavia, ocorre que, diferentemente do filho adotivo, o filho nascido por meio de inseminação artificial heteróloga não tem a possibilidade de investigar sua origem biológica, conforme previsão expressa na Lei – tem a possibilidade de manejar habeas data como antes explanado, mas não ação própria – como no caso do filho adotivo.[73]
O Jurista RÜGER[74] advoga que, in verbis:
(...) O filho adotivo, via de regra, tem a possibilidade de investigar sua origem biológica, através de um pedido judicial de expedição de uma certidão de inteiro teor. O registro civil mantém arquivados todos os dados anteriores à adoção, bem como o mandado judicial que determinou o cancelamento do registro anterior. (...) Tal possibilidade viabiliza ao adotado oportuno do direito de conhecer as próprias origens.
Assim, considerando que a Constituição Federal veda o tratamento desigual entre os filhos, com fulcro no art. 227, § 6º, tem-se, com esse fundamento a possibilidade de busca da identidade genética pelo filho nascido da reprodução humana assistida heteróloga, porquanto se revela como desproporcional a garantia de busca à identidade genética pelo adotivo, mas não ao filho nascido da referida inseminação artificial.[75]
Considerando essa paridade, permitindo-se a utilização da ação com fundamento em norma de busca à origem genética prevista no ECA, há que se fazer uma indispensável distinção. Consoante antes se afirmou, o estado de filiação não se confunde com a origem genética. O estado de filiação refere-se aos laços afetivos construídos entre pais e filhos, tendo natureza jurídica de Direito de Família, enquanto que a origem genética é considerada como uma das facetas do direito da personalidade.[76]
Logo, quando alguém faz uma doação de material genético, sabe que se o seu material doado for utilizado em técnica de reprodução humana assistida heteróloga, sendo bem-sucedida a técnica de reprodução, uma criança nascerá e será biologicamente o seu descendente. O que ocorre, inevitavelmente, é que o indivíduo será, indiscutivelmente, seu descendente biológico, sendo fator impossível de apagar da história genética de ambos, no entanto, o que o doador pode querer, e há de ser defendido, é controlar as consequências da doação do material genético, como, impedir que por meio dessa doação seja transformado em pai da criança, com assunção de obrigações patrimoniais e efetivadas advindas dessa nova situação jurídica.[77]
Nesse cenário evidencia-se a diferença entre os casos de adoção julgados pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal e o caso da criança nascida de reprodução humana assistida heteróloga, pois em todos esses casos de adoção julgados os pais biológicos quiseram – ainda que não “conscientemente” – gerar a criança e, por motivos diversos, por exemplo, abandono ou perda da tutela sobre a criança, esta foi adotada por outra família, ganhando estado de filiação diverso do biológico.
A seu turno, a criança nascida por meio da reprodução humana assistida heteróloga nunca chegou a ser o fim do doador do material genético – aliás, o doador do material genético e a mulher receptora dos gametas masculinos sequer se conhecem. O doador do material genético assim fez a doação de seus genes para fins altruísticos, auxiliando outro casal a concretizar o objetivo de ter filhos, mas não com o objetivo de constituir família.
A partir dessa concepção torna-se difícil defender a utilização ampla e irrestrita de ação de investigação de paternidade – ainda que sob o fundamento de paridade previsto no art. 227, § 6º, da CF/88 –, pois a diferença é patente. Nessa situação não há como sustentar a aplicabilidade exata da mesma ação com previsão do ECA, pois inaplicável as regras de hermenêutica que segundo as quais: ubi eadem ratio ibi idem jus (onde houver o mesmo fundamento haverá o mesmo direito) e ubi eadem legis ratio ibi eadem dispositio (onde há a mesma razão de ser, deve prevalecer a mesma razão de decidir).[78]
Pelas peculiaridades do caso, há de se defender a utilização da ação de investigação de paternidade prevista no ECA, sem, no entanto, consequências patrimoniais advindas do descobrimento da ancestralidade ou descendência biológica, sob pena de desvirtuar completamente e encerrar o instrumento da reprodução humana assistida heteróloga. Não sendo difícil imaginar que muitas pessoas deixariam de doar o material genético ou, então, os que já tivessem realizado a doação iriam pretender a inutilização do material genético.
Se a utilização do habeas data se revela como o melhor instrumento de obter a ancestralidade genética da criança gerada, evitando-se as consequências patrimoniais que poderiam advir de uma ação de investigação de paternidade, caso esta não seja limitada pelas peculiaridades do caso, qual o sentido de se defender a utilização de norma prevista no ECA para obter a ancestralidade genética ao lado do remédio constitucional do habeas data? A motivação para defesa da ação de investigação de paternidade, desde que seja limitada, é de natureza processual.
Para a utilização do habeas data é imprescindível que se tenha prova pré-constituída, isto é, todos as questões discutidas judicialmente estejam, inicial e previamente, provadas, não sendo necessária dilação probatória para o deslinde do caso. O procedimento do habeas data, da forma que se encontra na Lei nº 9.507/1997, não é passível de dilação probatória, sendo aplicável o mesmo princípio do mandado de segurança. Logo, toda a documentação que instrui a inicial deverá, por si só, comprovar o direito do impetrante.[79]
Pode ocorrer, no entanto, dependendo do caso, que o habeas data, pela sua cognição limitada, não possibilite ao impetrante justificar as suas alegações por meio de prova pré-constituída, a fim de fundamentar a sua busca pela ancestralidade, pois, como é de conhecimento pacífico, a prova pré-constituída se refere aos fatos da causa, e, dependendo da natureza das informações e do banco de dados que se requer, os fatos não apenas serão altamente complexos, como também será necessária a produção de outras provas a embasar a busca pela ancestralidade.[80]
A ação de investigação de paternidade, ainda que não seja a mais adequada para o fim almejado pelo que fora exposto, desde que se faça as devidas limitações ao seu objeto, revela-se como instrumento que possibilita mais ampla dilação probatória, nos termos do art. 2o-A da Lei nº 8.560/92[81]. Na ação de investigação de paternidade poderão ser utilizados como meios de prova: documentos, testemunhas, exames de sangue e DNA, perícias, dentre outras.[82]
Portanto, embora seja explanado em capítulo próprio, a busca da identidade genética da criança gerada por meio de reprodução entra em conflito com o direito à privacidade e à intimidade do doador do material genético, pois este realizou a doação do material para fins altruístico, não para o fins de ter um filho tampouco com o fim de exercer o papel de pai na vida da criança, todavia, a criança gerada por meio desse procedimento, por inúmeros motivos, pode querer descobrir a identidade genética, chegando a encontrar quem seria o seu “pai biológico”.
Para a busca da identidade genética, deduzindo-se a pretensão em juízo, o habeas data seria o remédio constitucional mais preciso, no entanto, em que pese a ação de investigação de paternidade não seja o meio mais adequado pelas razões explicitadas, há de se defender o seu manejo, com as devidas ressalvas, considerando que nesse tipo de demanda a cognição judicial é vasta por consequência da dilação probatória.
11.COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS – CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
É certo que o exercício dos direitos pode ensejar que se ocorra conflitos com outros direitos que sejam protegidos pela Constituição, o que vem a ser chamado de colisão de direitos fundamentais. A partir disso, indispensável é a definição do âmbito ou núcleo de proteção, bem como, sendo o caso, deve ser estabelecido um limite ou restrição a esses direitos.
O campo de proteção dos direitos fundamentais abarca diversos pressupostos, tanto fáticos quanto jurídicos, presentes na norma jurídica e a consequência que comumente ocorre é a proteção desses direitos. A norma fundamental vem a descrever os bens ou objetos que ela visa proteger. Os direitos fundamentais que têm como escopo a proteção da esfera jurídica da pessoa – proteção da dignidade humana – cuidam-se de normas que contém elementos básicos de determinadas condutas ou ações, a fim de evitar a infringência do direito fundamental.[83]
De acordo com MENDES e BRANCO[84] há doutrinadores que advogam no sentido de que o âmbito de proteção é a parcela da realidade que o constituinte quis definir como objeto de proteção especial ou, ainda em outros termos, a fração da vida protegida por uma garantia fundamental. Alguns direitos fundamentais, como, por exemplo, o direito de propriedade e o direito de acesso à justiça, possuem âmbito de proteção estritamente normativo. Nessas situações, o legislador ordinário ao fixar as limitações a eventual direito, cabe-lhe também definir qual a medida dessa limitação, estabelecendo a sua amplitude e a conformação.
Sobre esse campo de proteção de determinado direito individual, é indispensável que se identifique não apenas o objeto de proteção, isto é, o que o direito busca proteger, como também contra qual tipo de agressão ou restrição essa proteção é dirigida. Em outros termos, não iria integrar o campo de proteção qualquer assertiva que diga respeito com a possibilidade de limitação ou restrição de determinado direito senão aquelas que se busca efetivamente proteger. Daí é possível asseverar que o campo de proteção não é passível de ser confundido com proteção efetiva e definitiva, porquanto em algumas das situações que possam existir, a legitimidade da proteção pode ser aferida por meio de determinado parâmetro constitucional.
Portanto, conforme nos ensinas os constitucionalistas MENDES e BRANCO[85] quanto mais amplo for o âmbito de proteção de um direito fundamental, tanto mais se afigura possível qualificar qualquer ato do Estado como restrição. Ao revés, quanto mais restrito for o âmbito de proteção, menor possibilidade existe para configuração de um conflito entre o Estado e o indivíduo.
A fim de se descobrir sobre a possibilidade de restrição e o conflito entre os direitos fundamentais, é indispensável que seja identificado o âmbito de proteção do direito pesquisado. Tal procedimento de identificação não é feito de forma estanque para todo e qualquer caso, sendo certo que irá variar em conformidade com a espécie de direito. Em muitos dos casos, a identificação do campo de proteção de determinado direito só é possível a partir de uma exegese sistemática de um plexo de direitos e disposições constitucionais.
Isso ocorre porque, segundo MENDES e BRANCO[86] a definição do âmbito de proteção depende de uma análise da norma constitucional que garante esses direitos, considerando que:
a) A identificação dos bens jurídicos protegidos e a amplitude dessa proteção (âmbito de proteção da norma);
b) A verificação das possíveis restrições contempladas, expressamente, na Constituição (expressa restrição constitucional) e identificação das reservas legais de índole restritiva.
Logo, em determinadas situações um bem, objeto ou conduta encontrarão guarida constitucional, todavia, em outras situações não encontrarão, dependendo de uma constante interpretação dos operadores do direito. Explicando-se mais ainda, é válido dizer que em algumas situações, o direito de propriedade, por exemplo, estaria protegido, mas em outras situações não, como em casos em que a própria Carta Magna autoriza a desapropriação, além disso, na inviolabilidade de comunicações telefônicas seria de interpretar se as outras formas de comunicação estariam protegidas, como, por exemplo, a comunicação de rádio.
Sobre as restrições que os direitos fundamentais podem sofrer, além da cláusula geral prevista no art. 5
º, II[87], a Constituição também se refere à possibilidade de estabelecerem outras restrições no próprio enunciado normativo do direito fundamental, por exemplo, nos incisos XII[88] e XV[89] da Constituição, quando se fixa “nos termos da lei”.
Essas normas constitucionais possibilitam a limitação ou restrição do que é contemplado pelo âmbito de proteção de cada direito fundamental examinado. Demais disso, a norma constitucional que estabelece a restrição legal com fundamento constitucional, contempla, ao mesmo tempo, uma norma garantidora, reconhecendo o âmbito de proteção, e uma norma de autorização de limitação, possibilitando ao legislador fixar limites ao campo de proteção assegurado constitucionalmente. Por outro lado, nem sempre o comando constitucional é destinado a garantir e limitar um enunciado, em muitos dos casos, o direito fundamental previsto na Constituição Federal ganha contornos por meio do legislador ordinário, quando isso acontece, é a partir disso que se completa e concretiza o direito com o seu âmbito de proteção.[90]
Há, ainda, direitos individuais que possuem o âmbito de proteção instituído direta e expressamente pelo próprio ordenamento. A vida, o ir e vir, manifestação de opinião e possibilidade de reunião, são direitos que são preexistentes a qualquer regulamentação jurídica ou previsão jurídica. Nessa categoria de direitos fundamentais, é confiado ao legislador a missão de definir a essência do conteúdo do direito que venha a ser regulado, isto é, nesses casos, se tem âmbito de regulação ou de conformação ao contrário de restrição, porquanto as normas legais sobre esses direitos não têm como finalidade a fixar limitações, as normas nessas situações têm, em verdade, a finalidade de concretizá-los ou de conformá-los.[91]
A partir do momento que é compreendido que todo direito fundamental possui seu âmbito de proteção e pode sofrer restrições, é possível de entender que é plenamente possível de ocorrer a colisão entre direitos fundamentais, no entanto, justamente por esse âmbito de proteção e restrição, em muitos casos a colisão será tão somente aparente.
A chamada colisão entre direitos fundamentais, ocorre quando são identificados diferentes direitos fundamentais que, no exercício por seus titulares, acontece um conflito. Essa colisão pode acontecer entre os direitos individuais; os direitos individuais e bens jurídicos; e entre bens jurídicos coletivos. Demais disso, essa colisão deve ser vista analiticamente, porquanto nem todo o exercício de um direito encontra guarida em seu âmbito de proteção.[92]
Certo é que muito dos conflitos são apenas aparentes, porquanto o exercício de vários direitos estão fora do que o direito fundamental estabelece como campo em que o exercício dele está protegido. Justamente por isso que é indispensável identificar qual é o campo de proteção do direito indicado e se o exercício da conduta está por ele abrigado ou não.
Nesse sentido MENDES e BRANCO[93] citam que a Corte Constitucional alemã afirmou que o direito de manifestação de pensamento não autoriza o inquilino a colocar a propaganda eleitoral na casa do senhorio, ou ainda, que a poligamia seja considerada como fundamento na liberdade de religião ou que a liberdade científica se exerça em detrimento do patrimônio alheio ou, ainda, que se pratique um assassinato no palco em nome da liberdade artística.
A autêntica colisão de direitos fundamentais, portanto, somente acontece quando o campo de proteção de um direito fundamental é afetado por outro. Típico exemplo de colisão entre direitos fundamentais é citado por Edilson Farias[94] que a liberdade artística, intelectual, científica ou de comunicação pode entrar em conflito com a intimidade, a vida privada, a honra ou a imagem das pessoas, ou, ainda, a liberdade de imprensa que implica a liberdade de expressão e criação dos jornalistas, bem como a intervenção na orientação ideológica dos órgãos de informação, podem entrar em conflito com o direito de propriedade das empresas jornalísticas.
12.TIPOS DE COLISÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS
Os constitucionalistas MENDES e BRANCO[95] lecionam que há colisão de direitos fundamentais em sentido estrito ou em sentido amplo. As colisões em sentido estrito são aquelas que ocorrem entre os direitos fundamentais. Os conflitos (colisões) em sentido amplo são as que acontecem entre os direitos fundamentais e outros princípios ou valores que possuam como objetivo a proteção de interesses da coletividade.
Demais disso, os conflitos entre direitos fundamentais no sentido estrito podem acontecer entre direitos idênticos ou entre direitos fundamentais diferentes. Sobre os conflitos entre os direitos fundamentais iguais, são estabelecidos quatro tipos de colisões:
a) Colisão de direito fundamental enquanto direito liberal de defesa, v. g., a decisão de dois grupos adversos de realizar uma demonstração na mesma praça pública.
b) Colisão de direito defesa de caráter liberal e o direito de proteção: como exemplo, mencione-se a decisão de atirar no sequestrador para proteger a vida do refém ou da vítima.
c) Colisão de caráter negativo de um direito com o caráter positivo desse mesmo direito: é o que se verifica com a liberdade religiosa, que tanto pressupõe a prática de uma religião como o direito de não desenvolver ou participar de qualquer prática religiosa. Aqui cabe perguntar, por exemplo, se o Estado pode impor que se coloquem crucifixos nas salas de aula.
d) Colisão entre o aspecto jurídico de um direito fundamental e o seu aspecto fático: Colisão entre o aspecto jurídico de um direito fundamental e o seu aspecto fático: tem-se aqui um debate que é comum ao direito de igualdade. Se o legislador prevê a concessão de auxílio aos hipossuficientes, indaga-se sobre a dimensão fática ou jurídica do princípio da igualdade.[96]
Por fim, as colisões entre direitos fundamentais em sentido amplo ocorrem quando envolve o conflito entre direitos fundamentais individuais e direitos fundamentais coletivos e difusos. Dessa forma, é de asseverar que é comum a colisão entre o direito de propriedade e interesses coletivos associados, por exemplo, a utilização de água ou de defesa do meio ambiente.
Nos contratos de doação de gametas masculinos com o objetivo de servir para a utilização em inseminação artificial heteróloga, o doador permanece como anônimo, no entanto, a criança gerada por meio desse procedimento poderá buscar conhecer as suas origens genéticas, situação em que haverá nitidamente uma colisão entre direitos fundamentais em sentido estrito, porquanto haverá de um lado o direito à privacidade e a intimidade do doador e de outro lado haverá o direito de buscar as origens genéticas da criança.
13. SOLUÇÃO DE COLISÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS
Se dois direitos são constitucionalmente assegurados, sendo, ainda, previstos como direitos fundamentais seja no rol do art. 5º ou ainda com fundamento no § 2º do art. 5º, e nessa situação entram em conflito, tem-se uma situação delicada porquanto que direito ou bem irá prevalecer em cada situação, isto é, na situação em que existe uma colisão real entre direitos fundamentais em que os dois direitos estão dentro dos respectivos campos de proteção?
Quais seriam, em uma hipótese de conflito, a solução entre a liberdade de opinião e de comunicação contra o direito à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem? Ou, seria, ainda, legítima a recusa de um pai autorizar que se faça a transfusão de sangue em um filho com base em convicção religiosa. Uma das soluções que se dão para o caso dos conflitos entre direitos fundamentais é de proposição de fórmulas em que se estabelece uma hierarquia entre esses direitos. Tal solução não é vista com bons olhos, porquanto a Constituição Federal é visualizada a partir do princípio da unidade em que se afirma não haver normas de diferentes pesos, sendo certo que a fixação de hierarquia entre diferentes direitos fundamentais acabará por desnaturar os direitos fundamentais completamente, desfigurando, inclusive, a própria Constituição Federal.[97]
No direito Alemão, de acordo com MENDES e BRANCO[98] tem como ponto fulcral o postulado da dignidade humana como integrante dos princípios da ordem constitucional que servem como norte para todas as outras disposições da Constituição. Assim, nesse ordenamento jurídico, o direito à vida tem prevalência sobre todos os demais direitos individuais, considerando que aquele é pressuposto de todos os outros.
Tenta-se, ainda, fixar uma regra geral, fixando-se como uma regra que os valores relativos às pessoas têm precedência sobre valores de índole material.[99] Essa tentativa, no entanto, de fixar valores maiores aos direitos individuais não submetidos a uma restrição legal expressa em comparação a outros, revela-se falha, por não se preocupar com a especialidade dos direitos individuais. Nessa perspectiva não se considera o juízo de desvalor de determinado direito, levando em consideração tão somente que a limitação deve ser realizada para fins de compatibilizar com outros direitos e valores constitucionalmente importantes.
Outra solução sugerida pela doutrina é que deve haver a transferência de limitações impostas a determinado direito àquele que não se revela como suscetível de limitação. Tal solução além de não resolver o problema como um todo, não se preocupa em resolver o conflito entre dois direitos que sejam insuscetíveis de restrição, reduzindo substancialmente o significado das garantias constitucionais desenvolvidas para determinados direitos.[100]
Demais disso, não se pode aceitar a proposta de solução com base em quais direitos são insuscetíveis de limitação, porquanto, no fim, reduz o significado dogmático da distinção entre direitos possíveis de serem restringidos e impossíveis de sofrerem limitação, fazendo com que tal concepção seja deveras imprecisas e indeterminada sobre o campo de proteção desses direitos.[101]
Há ainda outros doutrinadores que afirmam que o conflito entre direitos individuais e outros bens protegidos pela Constituição atua como uma limitação inata que serve como uma intervenção na esfera do direito que não está submetido expressamente a uma limitação, eliminando-se a possibilidade de colisão com a utilização da concordância prática. Tal orientação, segundo MENDES e BRANCO[102], in verbis:
Tem a vantagem de não impor limitação a priori ao âmbito de proteção de determinado direito, cingindo-se a legitimar, constitucionalmente, eventual restrição. A interpretação sistemática atuaria, assim, de forma corretiva, permitindo tanto a justificação de novas restrições quanto a delimitação do âmbito de proteção de determinado direito.
Atualmente o que se tem ganhado aceitação e utilização é o instituto da ponderação de interesses considerando o caso concreto, ou seja, uma ponderação sopesa as circunstâncias do caso analisado, estabelecendo uma prevalência sob determinadas condições.
De acordo com Alexy, citado por MENDES e BRANCO[103], tal ponderação é realizada em três planos. Primeiramente define-se a intensidade da intervenção. Em segundo lugar, busca-se saber a importância dos fundamentos que levaram a essa intervenção. Por fim, realiza-se a ponderação em sentido estrito e específico ao caso. Para Alexy, o postulado da proporcionalidade em sentido estrito poderia ser formulado como uma espécie de “lei de ponderação” conforme a qual quanto mais intenso se mostrar a intervenção em um determinado direito fundamental, mais significativos e relevantes terão de ser os fundamentos que servem de alicerce para essa intervenção.
Demais disso, Alexy explica que a grande vantagem da teoria dos princípios desenvolvida é impedir que os direitos fundamentais sejam esvaziados em razão de não introduzir uma rigidez excessiva. Em seus próprios termos, o questionamento sobre a legitimação de uma restrição há de ser respondido por meio da ponderação. O postulado da ponderação, então, corresponde ao terceiro subprincípio do postulado da proporcionalidade no direito constitucional alemão. O primeiro postulado é o da adequação do meio utilizado em busca do fim almejado. O segundo postulado é da necessidade do meio a ser utilizado. E terceiro é que o meio não será necessário se houver outro disponível que seja mais suave do que o anteriormente proposto e que seja menos restritivo. Os três subprincípios, então, do postulado da proporcionalidade decorrem logicamente da estrutura principiológica dos direitos fundamentais e estas da própria ideia de proporcionalidade.
14.DIREITO À IDENTIDADE GENÉTICA VERSUS DIREITO À PRIVACIDADE E À INTIMIDADE DO DOADOR
A relação estabelecida entre o direito de busca à identidade genética da criança concebida pela técnica de reprodução assistida heteróloga e o direito à privacidade a intimidade do doador do sêmen, assegurada por meio de seu anonimato no contrato de doação, é deveres complexa e conflituosa.
O direito à identidade pessoal, cuja identidade genética o integra, consoante se explanou alhures, é um direito fundamental, muito embora não tenha sido normatizado como tal, decorre da cláusula aberta constante da Constituição. Esse direito à identidade cuida-se de um direito da personalidade, inerente a qualquer indivíduo desde a sua origem, sendo irrenunciável e imprescritível. No entanto, esse direito atribuído à pessoa humana gerada pelo procedimento de reprodução assistida ainda não foi normatizado no ordenamento jurídico brasileiro, havendo tão somente previsão no tocante à criança ou adolescente que for adotado no que diz respeito a identidade pessoal, consoante se extrai do art. 27 do ECA, in verbis:
Art. 27. O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça.
No entanto, o direito de busca à identidade genética está garantido constitucionalmente, porquanto, consoante disposto no art. 227, § 6º, é inexistente a diferença entre os filhos[104], in verbis:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
[...]
§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
Ora, se a própria Constituição garante a isonomia entre todos os filhos, seria dever, portanto, de conferir a pessoa gerada por meio de reprodução assistida heteróloga o direito de buscar a sua origem genética, em igualdade com todos as outras pessoas que possuem conhecimento de sua própria origem, advindos de reprodução natural ou homóloga. Outrossim, se é garantido o direito de buscar a identidade ao adotado, deveria haver também, uma norma garantindo a pessoa gerada por meio do procedimento de reprodução assistida heteróloga, o mesmo direito.
Não seria admissível, nesse caso, que se uma técnica de reprodução humana por meio de um contrato formulado em clínicas laboratoriais em território nacional superasse todo o avanço do direito Constitucional nos últimos tempos, mormente do direito de família, resultando em prejuízos incalculáveis em razão da má utilização da hermenêutica.[105]
Não bastasse isso, ainda há estudos sobre a incompletude da própria identidade genética, isto é, casos em que o desconhecimento da ascendência genética provoca um vazio existencial na pessoa gerada por meio do procedimento de reprodução humana assistida. Em livro publicado no ano de 2010 intitulado de “O nome do meu pai é doador”, tem-se a investigação, pesquisa e entrevistas de 485 adultos cujas mães recorreram à doação de sêmen para gerar um filho. No aludido livro, de acordo com a pesquisadora Elizabeth Marquardt, uma das autoras do livro, os filhos de doadores de material genético possuíam “um imenso sentimento de perda por lhes ter sido negado o direito de saber quem são seus pais”.[106]
De acordo com Stieven, a ausência da identidade genética pode causar prejuízos grandiosos na personalidade do indivíduo[107], ipsis litteris:
Um pouco menos de metade destes adultos expressou o seu mal-estar com as suas origens. Muitos deles afirmaram que têm uma preocupação frequente.
Alguns deles sentem-se como monstros – o resultado de experiências de laboratório – enquanto que outros têm problemas de identidade. O facto de que o processo mistura dinheiro também é um factor de preocupação para muitos.
Outros expressaram o seu mal-estar por terem sido um produto desenhado para satisfazer os desejos de seus pais. Não menos de 70% admitem ter perguntado como era a família do doador de esperma.
Consoante é reportado no artigo publicado na Revista Época Online citado por Carolina[108], in verbis:
No Reino Unido, cerca de 2 mil crianças nascem por ano graças a doadores anônimos de esperma. Nos Estados Unidos, as estimativas chegam até a 60 mil crianças concebidas dessa maneira anualmente. No Brasil, a prática ainda é vista com mais preconceito e a comercialização de material biológico é proibida. Não há uma lei que regule a questão do anonimato do doador, mas o Conselho Federal de Medicina recomenda que o sigilo seja garantido e que só possa ser aberto, entre médicos, em casos especiais. No Reino Unido, essa postura já está mudando. Desde 2005, os filhos de doadores anônimos têm o direito de saber a identidade de seus pais se quiserem. Mas quem nasceu antes dessa data ainda tem de conviver com o mistério.
A inglesa Narelle Grace, de 27 anos, é uma delas. Narelle sabe que o esperma de seu pai foi usado para fertilizar outras oito mulheres e, hoje se pergunta onde estarão seus oito meio-irmãos. “Aí pelo mundo há toda uma família que eu nunca vou conhecer e que nunca vai saber da minha existência”, disse Narelle ao “Daily Mail”. “Eu posso dizer com sinceridade que não importa quão desesperada eu esteja para ter um filho, eu nunca vou recorrer a um doador de esperma”, diz Narelle. “Eu não condenaria uma criança a crescer da maneira como eu cresci.
É fácil perceber pelo excerto do livro e do artigo supramencionado que para os filhos que foram gerados por meio de técnica de reprodução humana assistida, o direito de conhecer a própria história vai muito além de uma preocupação de saúde – que também é séria –, estando intrinsecamente relacionado com o aspecto de “quem eu realmente sou” ou de “onde eu vim” e também, mormente, para evitar ter nutrido em seu âmago o sentimento de ser uma experiência de laboratório.
Todos esses são argumentos que são expendidos em prol da prevalência do direito à identidade genética frente à preservação da privacidade e intimidade do doador.
De outro lado, no entanto, tem-se o direito à intimidade e à privacidade do doador do material genético, que, certamente ao realizar a doação, o faz por pura vontade de ajudar outras famílias a terem seus filhos, sem que, com isso, busque que esse ato se torne público tampouco que no futuro venha o ser gerado a buscar o seu “pai biológico”, pois o doador pode ter constituído uma família quando isso acontecer. O direito do doador em permanecer anônimo encontra guarida no texto Constitucional, consoante antes se explanou, previsto no art. 5º, inciso X, in verbis:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
Além disso, o direito de permanecer anônimo não envolve apenas o doador, mas, sim, todos envolvidos no procedimento, isto é, o doador e os beneficiados com a técnica da reprodução humana assistida, consoante se extrai da Resolução do Conselho Federal de Medicina de nº 2.121/2015[109] ao estabelecer que os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa.
O Conselho Federal de Medicina, por meio da Resolução citada, veda que um ou outro tenha conhecimento de quem seja, bem como que a clínica mantenha esses dados em sigilo, buscando resguardar não apenas a intimidade do doador, como também a dos beneficiários da técnica de reprodução humana assistida heteróloga, garantindo-se o exercício integral da maternidade e/ou da paternidade, que serão, para os efeitos legais, os legítimos pais da criança gerada perante a sociedade, conforme foi explicada inclusive no início deste trabalho sobre a filiação.[110]
Procura-se proteger com o anonimato dos envolvidos no procedimento, a criança concebida pela técnica de reprodução assistida heteróloga, facilitando que o seu vínculo com a família e o convívio seja melhor desenvolvido, impedindo, com isso, que outrem interfira na sua formação, porquanto, para todos os efeitos, frisa-se, novamente, que, embora o marido da esposa que recebeu os gametas masculinos do doador não seja o pai biológico, para todos os efeitos legais é o pai e quem exerce a paternidade.
Outro motivo para a preservação do anonimato e, em consequência, o direito à intimidade e à privacidade, é impedir que a coletividade tome conhecimento do fato, que poderia, de alguma forma, constranger o parceiro que é o pai socioafetivo da criança, podendo, com isso, prejudicar a paz do ambiente familiar.
Apesar de todos esses motivos, não se pode olvidar que, de modo geral, o que se busca com o anonimato é preservar a identidade do doador, o qual realizou o ato por motivo altruísta, considerando que é vedado o intuito lucrativo pela Resolução do Conselho Federal de Medicina, que não possui qualquer intenção de assumir e exercer a paternidade gerada pela reprodução humana assistida heteróloga, tampouco assumir as consequências jurídicas advindas dessa paternidade.
A Resolução do Conselho Federal de Medicina supramencionada, apenas prevê a relativização do anonimato em situações especiais e apenas para os médicos, não alcançando as pessoas envolvidas no procedimento de reprodução assistida heteróloga, impedindo o acesso da criança gerada à identidade genética.
Sobre o anonimato do doador e na defesa do direito à identidade genética da pessoa gerada, o doutrinador Calmon ensina que, ipsis litteris:
“[...] o anonimato das pessoas envolvidas deve ser mantido, mas devem ceder à pessoa que resultou da técnica concepcionista heteróloga, diante do reconhecimento pelo Direito brasileiro dos direitos fundamentais à identidade, à privacidade e à intimidade, podendo a pessoa ter acesso às informações sobre toda a sua história sob o prisma biológico para o resguardo de sua existência, com a proteção contra possíveis doenças hereditárias, sendo o único titular de interesse legítimo para descobrir suas origens”.[111]
Além disso, uma das desvantagens que costuma ser citadas está ligada à própria doação, porque a doação do material é um ato filantrópico. Nessa doação não há qualquer fonte de contraprestação ao doador, este apenas o faz com motivo altruísta, ajudando aqueles que sofrem com a esterilidade, logo, o anonimato ajudaria como estímulo à doação. Caso se aceitasse a prevalência do direito à busca da identidade genética em detrimento do direito ao anonimato do doador estar-se-ia prejudicando a realização da reprodução humana assistida.[112]
Pelas razões anteriormente aduzidas, é patente a colisão entre direitos fundamentais em sentido estrito, porquanto os dois direitos encontram sob o seu campo de proteção e, ao buscarem ser resguardados nas mais diversas situações, entrarão em conflito com outro direito, dependendo da ponderação para a solução do caso.
Destarte, havendo colisão de direitos fundamentais, a única solução para o caso é a ponderação entre os direitos, sopesando-se em cada caso concreto a solução mais adequada, evitando-se esvaziar, sempre que possível, o conteúdo dos direitos em conflito, pois, ainda que variem em escala de grau, todos estão intrinsicamente ligados ao princípio da dignidade humana.
15. A PONDERAÇÃO COMO SOLUÇÃO DOS CONFLITOS ENTRE O DIREITO À INTIMIDADE O DIREITO À IDENTIDADE GENÉTICA
Como foi explanado anteriormente é patente o conflito de direitos entre o direito à intimidade e à privacidade do doador contra o direito de a pessoa gerada por meio de reprodução humana assistida conhecer sua própria origem genética.
Apesar de o direito à identidade genética basear-se na dignidade humana, considerando que o indivíduo busca ter o direito ao conhecimento de onde surgiu e quem lhe gerou a vida, o referido direito não tem como fundamento meras questões emocionais ou psicológicas, como também médicas, pois quem conhecer a identidade genética de seu gerador terá a possibilidade de conhecer previamente doenças genéticas, propensões genéticas e demais questões afetas à hereditariedade do DNA.[113]
Em outro vértice, a pessoa doadora do material genético para fins de reprodução humana assistida, via de regra, apenas o faz por não ser possível que a pessoa gerada tenha no futuro qualquer ligação o doador. Quando é falado sobre o impedimento de ligações com a pessoa gerada e o doador, refere-se não apenas a questões emocionais ou psicológicas como também ligações sobre direitos hereditários ou alimentares. Além disso, o sigilo do doador também tem como objetivo garantir que continuem existindo doadores, pois sem a realização de doações, a reprodução humana assistida heteróloga poderá ter o seu fim decretado.[114]
Desse modo, ambos os direitos se encontram dentro de seu âmbito de conformação traçado pela Constituição Federal, o que configura um conflito real, não apenas aparente, todavia, a situação experimentada para se concretizar o direito à identidade genética ou o direito à privacidade e à intimidade do doador não há ser realizada sem disposições de um e outro a partir de um caso concreto.
Em que pese os direitos fundamentais tratados estejam ligados aos direitos da personalidade, aparentemente tendo igual proporção em consideração ao princípio da dignidade humana, ambos, em verdade, não assumem o mesmo peso quando são ponderados.
Conforme é explicado por CACHAPUZ[115], quando se tem envolvido a questão de direitos fundamentais ligados à personalidade individual e sobre a possibilidade de coexistências de liberdades subjetivas ou não e, em um mesmo espaço que se buscam concretizar simultaneamente, a missão do intérprete e do juiz é de aplicar as próprias diretrizes do ordenamento jurídico, com o fito de compor os interesses e possibilitar a pacificação social. Todavia, não se trata de uma pacificação com tranquilidade absoluta, pois, inevitavelmente, ter-se-á um choque em que, com razões seguras de fundamentação, há de se reconhecer a precedência de um direito fundamental a outro.
Com a finalidade de resolver o conflito de interesses protegidos pelos direitos fundamentais, há de se aplicar o postulado da ponderação, bem como há de considerar que, consoante ensinado por ALEXY[116], na colisão de dois princípios, quando um permite e outro proíbe, um dos princípios terá que ceder. Isso não quer dizer, entretanto, que o princípio cedente é inválido tampouco que deve ser inserida uma cláusula de exceção. Em verdade, a situação trata-se que naquele caso específico existe a precedência de um sobre o outro e sob condições específicas.
Nessa linha perfilhada, em decisão recente, o Superior Tribunal de Justiça da Alemanha, em 28 de janeiro de 2015, reconheceu a existência de possibilidade da pessoa gerada por meio do procedimento de reprodução humana assistida heteróloga conhecer a identidade civil de seu genitor – inclui-se a genética também:
Em decisão proferida no dia 28 de janeiro, o 12a Senado Cível do conceituado tribunal, nos autos de processo oriundo do Tribunal de Hannover, reconheceu, em tese, a possibilidade do indivíduo concebido por reprodução heteróloga, na qual o material genético não provém – total ou parcialmente – dos pais, mas de terceiro doador anônimo, conhecer a identidade civil (não apenas genética) de seu genitor.
[...]
Em primeiro grau, a ação foi julgada improcedente ao argumento de que menores só podem exercer esse direito ao conhecimento de sua ancestralidade após 16 anos, quando têm mais maturidade para avaliar as consequências desse importante passo. O Tribunal de Hannover aplicou por analogia a regra do § 63 I da Personenstandsgesetz (PStG), a lei sobre a origem pessoal, válida para os casos de adoção.
Os menores, então, recorreram ao BGH por meio da Revision e o tribunal afirmou que o direito ao conhecimento da própria origem consiste em um dos direitos fundamentais da personalidade, decorrência imediata da dignidade humana e, portanto, protegido pelos arts. 1º e 2º da Lei Fundamental (Grundgesetz). E esse direito, por vezes, mostra-se essencial ao pleno desenvolvimento da personalidade. Aqui, deve-se observar que o BGH não se refere apenas ao conhecimento das informações genéticas do doador, mas de sua identidade civil. Por isso, a criança tem, independente da idade, uma pretensão juridicamente tutelada contra a clínica de reprodução assistida, onde a inseminação artificial fora realizada, para saber a identidade do doador do sêmen.
Esse direito não é absoluto, segundo o BGH, afinal existem muitos interesses em jogo, daí a necessidade de se ponderar no caso concreto todos os interesses legítimos envolvidos. O maior deles é, na sequência, o direito ao anonimato do doador de sêmen, que decorre de outro maior, o direito à autodeterminação – na expressão do tribunal, direito à autodeterminação informativa (Recht auf informationelle Selbstbestimmung) – também de status constitucional, que lhe confere o poder de planejar e regular sua vida particular, o que inclui evidentemente o planejamento familiar.[117]
A decisão do Superior Tribunal de Justiça de Alemanha é um marco histórico sobre o assunto, pois deixa claro que os direitos fundamentais em colisão – direito à identidade genética e direito à privacidade e intimidade – não se cuidam de direitos absolutos, havendo diversos interesses na balança. Havendo inúmeros interesses em jogo, a análise de qual direito prevalecerá, dependerá sempre da análise de um caso concreto.
Demais disso, a aludida decisão estabelece que o interesse que justifica o anonimato do doador do material genética está ligado ao direito de autodeterminação que se trata de uma autodeterminação informativa, igualmente de status constitucional, conferindo ao anônimo o poder de planejar e regular a vida particular, o que inclui, também, o próprio planejamento familiar.
Por outro vértice, é patente pela decisão da aludida corte alemã que a prevalência ou não do direito à identidade genética se dará apenas em um caso concreto, isto é, dependerá da necessidade a ser explanada pelo requerente para conhecer sua identidade genética, não sendo possível que o requerimento se baseie em interesses patrimoniais, o que rechaça a tese de que o reconhecimento da identidade genética implicaria, reforçando que o direito à identidade genética cuida-se de um direito da personalidade, sem, todavia, buscar qualquer relação patrimonial ou com o direito sucessório.
Na decisão da corte alemã foi fundamentado que o direito à identidade genética consiste em um dos direitos fundamentais da personalidade, decorrência imediata da dignidade humana e, portanto, protegido pelos arts. 1º e 2º da Lei Fundamental. Além disso, o aludido direito se revela como essencial ao pleno desenvolvimento da personalidade da criança. O BGH não apenas fundamenta que deve haver conhecimento da origem genética, como também da identidade civil do doador. Por isso, a criança, possui, seja de que idade for, uma pretensão amparada pelo direito contra a clínica de reprodução humana assistida.
Seguindo os ensinamentos de Alexy, consoante fora explanado sobre a solução da colisão entre direitos fundamentais, não é possível inserir em cada direito fundamental uma cláusula de exceção, isto é, dizer que em determinado caso outro direito terá de prevalecer, o que dependerá sempre da análise de um caso concreto, pois somente em um caso concreto é que a estrutura principiológica dos direitos fundamentais estarão em conflitos e se terá definidos os interesses que estão em colisão e devem ser sopesados.
Além disso, por não haver um grau de hierarquia entre os princípios, a colisão, quando ocorrer, será solucionada por meio de uma ponderação em que se chegará ao resultado sobre qual deve prevalecer naquele caso que ocorreu o conflito. Nesse sentido, FERRAZ[118], seguindo a linha de pensamento de Alexy, advoga, ipsis litteris:
Na concepção de Alexy, a ponderação observará uma lei de colisão e qual o princípio que será menos afetado quando não aplicado em detrimento de outro, em cada caso concreto, levando a necessidade de observar o princípio da universalidade, vedando que se outorgue tratamento diferente àqueles que se encontrem em situações idênticas.
Por fim, no campo dos direitos fundamentais as normas que configuram princípios são mais frequentes. Os princípios cuidam-se de normas que demandam a realização de alguma coisa, da melhor forma possível, levando-se em contas as disposições possíveis. Os princípios são mandamentos que estipulam a satisfação de determinado bem jurídico e sua proteção na melhor medida possível e que as circunstâncias permitirem. A partir disso, compreende-se que impondo um mandamento de otimização, o princípio pode ser aplicado em graus diferentes em conformidade com as peculiaridades do caso.[119]
Em uma análise preliminar, seria de pensar que deve prevalecer o direito à intimidade e à privacidade do doador, pois esse direito está consagrado na Resolução do Conselho Federal de Medicina que tem por objetivo regulamentar, ainda que por ato infralegal, o procedimento de reprodução humana assistida. Dessa forma, impede a referia resolução que as partes participantes do procedimento mencionado tenham conhecimento da identidade de quem doa o material genético e vice-versa.
A citada resolução, como foi dito, cuida-se de um ato infralegal, e, em sendo ato infralegal, não pode, por si, prevalecer sobre a Lei, muito menos sobre a Constituição Federal. O estabelecimento de prevalência do direito à privacidade e à intimidade sobre o direito à identicidade genética, de plano, revela a abusividade da Resolução, pois não considera quaisquer aspectos que podem advir em decorrência do nascimento da criança gerada por meio do procedimento de reprodução humana assistida heteróloga.
A ausência do conhecimento da identidade genética, como antes fora ressaltado, produz consequências devastadoras no desenvolvimento da personalidade da criança. Algumas das crianças se tornaram adultos que sentem um imenso sentimento de perda, ainda mais por não poderem responder as seguintes perguntas: “De onde eu vim? Quem eu sou?”
Muito mais do que simples perguntas, o conhecimento da origem genética é um meio de possibilitar aqueles nascidos por meio da reprodução humana assistida uma base para conhecer eventuais doenças genéticas, propensões e outras questões que forem ligadas a hereditariedade e ao DNA.
Os fundamentos utilizados para o impedimento do conhecimento da origem genética, embora possam se revelar como ligados ao princípio da dignidade humana, mormente em relação à autodeterminação do indivíduo, como fundamentado na decisão da corte alemã, em verdade, baseiam-se em sua essência com cunho patrimonialista.
Ocorre que, quando alguém faz uma doação de seu material genético, tem pleno conhecimento que se o material for utilizado em procedimento de reprodução humana assistida heteróloga, inevitavelmente uma pessoa nascerá. Tal fato é impossível de ser apagado da história, o que se tenta fazer é controlar as consequências dessa escolha, a fim de impedir que seja automaticamente transformado em pai do indivíduo gerado, por exemplo.[120]
Entretanto, consoante fora explanado, o direito à identidade genética não se confunde com a paternidade, ou seja, aquele que busca a identidade genética não quer transformar o doador em seu pai, mas a saber de onde vieram os traços de sua fisionomia e personalidade, conhecer a outra metade de sua ascendência.
Havendo essa diferença, a partir de um caso concreto, poderá o direito à intimidade e à privacidade do doador deixa de prevalecer quando em conflito com o direito à busca da identidade genética, pois essa busca não se funda na criação de laços de filiação.
Argumentam, assim como argumentaram no caso que foi decidido pela Corte Superior de Justiça da Alemanha, que o número de doadores viria a cair, prejudicando a realização de procedimentos de reprodução humana assistida heteróloga, no entanto, é preciso pensar, qual seria o risco do descobrimento da origem genética? A possível formação de laços afetivos, sendo que juridicamente não serão considerados pais e filhos?[121]
Há que se pensar também que, havendo a possibilidade de a criança gerada por meio do procedimento de reprodução humana assistida heteróloga vir a descobrir quem é o doador, poderá ocorrer não a diminuição dos doadores, mas o afunilamento daqueles que doam o material genético não apenas com a finalidade de ajudar um casal que não pode ter filhos “pelos meios convencionais”, como também aqueles que fazem a doação com o fim de que o indivíduo gerado possa viver e desenvolver sua personalidade com dignidade, caso queira conhecer as próprias origens genéticas.
Apesar da prevalência do direito à identidade genética, certamente é indispensável que tal assunto seja regulamentado por meio de uma Lei, pois, a partir disso, garantir-se-ia maior segurança jurídica a todos envolvidos no processo, evitando-se que questões semelhantes possam ser tratadas extremamente diferentes, com decisões desconexas a partir de cada caso concreto.
Não se pode olvidar, ainda, que os direitos fundamentais não são aplicáveis apenas na relação entre particular e poder público, como também é aplicado na relação entre particulares – a chamada eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Indispensável é compreender que se impõe uma ponderação entre o princípio da autonomia e os valores protegidos como direitos fundamentais, tendo como parâmetro que a ideia do homem, delineado na Constituição Federal, pressupõe a liberdade e responsabilidade, o que envolve, a faculdade de limitação voluntária dos direitos fundamentais no comércio das relações sociais, mas que também pressupõe liberdade de fato e de direito nas decisões sobre tais limitações. A definição quando um direito fundamental incide numa relação entre particulares demanda exercício de ponderação entre o peso do mesmo direito fundamental e o princípio da autonomia privada. Somente assim é possível efetuar a ponderação considerando os casos concretos.[122]
Desse modo, conclui-se que o direito à intimidade e à privacidade do doador do material genético não se trata de um direito absoluto, permitindo-se, a partir de um caso concreto, a prevalência do direito à busca da identidade genética, pois este direito tem como objetivo não apenas assegurar um pleno desenvolvimento digno do ser humano, como também propiciar o conhecimento da ascendência genética para prever doenças, ressalvando-se que o tema clama por uma regulamentação legal, a fim de dar a segurança jurídica a todas as pessoas envolvidas no processo de inseminação artificial heteróloga.
Inicialmente a inseminação artificial heteróloga tem como objetivo possibilitar a um casal, em concretização do direito constitucional de planejamento familiar, de ter filhos, todavia, desse procedimento de reprodução assistida, com o nascimento da criança gerada por meio desse procedimento, podem advir inúmeras consequências jurídicas.
No Brasil ainda não há no ordenamento jurídico nenhuma Lei que regulamente o procedimento de inseminação artificial heteróloga e as consequências desse procedimento, apenas existe atos infralegais, como a Resolução nº 2.121/2015 do Conselho Federal de Medicina e RDC nº 21 da ANVISA, que tratam do procedimento em si, timidamente dos direitos do doador e de evitar que os receptores do material genético e o doador se conheçam.
Embora os atos infralegais sobre o tema não tenham esmiuçado os direitos que gravitam sobre a reprodução humana assistida heteróloga, indiscutivelmente se tem presente os direitos fundamentais à privacidade e à intimidade do doador, bem como o direito à busca da origem genética ou identidade genética, direito este em ligação intrínseca ao direito da personalidade.
O doador do material genético, quando realiza a doação, não pretende ser pai, não é com essa finalidade que realiza o ato, assim o faz para fins altruísticos, auxiliando um casal que não poderia ter filhos a concretizar o seu planejamento familiar. Justamente por tais razões, o doador espera que seja resguardado o seu direito à privacidade e à intimidade, permanecendo anônimo em relação ao casal que utilizou o seu material genético e à criança nascida por meio dessa reprodução assistida.
A criança nascida por meio da reprodução humana assistida heteróloga, por outro lado, pode querer buscar a sua origem genética. A busca por suas origens genéticas pode ter como fundamento os mais diversos motivos, a criança pode ter como interesse descobrir suas características biológicas, aliás, esse direito não se limita à busca da origem genética, isto é, ao seu autoconhecimento, tal busca pode ocorrer por motivos médicos, em busca de resguardar o direito à saúde e a própria vida da criança.
Em quaisquer dos fundamentos utilizados pela criança gerada por meio desse procedimento, haverá, inevitavelmente um conflito de direitos fundamentais. A colisão de direitos fundamentais se dará em razão de haver de um lado o direito à intimidade e à privacidade do doador enquanto de outro haverá o direito à busca da origem genética da criança. Além disso, sendo caso de conflito de direitos fundamentais a ser analisado e solucionado pelo Poder Judiciário, tal crise jurídica deve ser levada por meio dos instrumentos processuais adequados.
Uma vez que o estado de filiação e paternidade não se confundem, o meio processual adequado para a busca de origem genética é o habeas data, sendo possível, por meio desse remédio constitucional, obter os dados de interesse do impetrante em banco de dados – caso dos bancos de armazenamento de sêmen.
Todavia, é possível defender a utilização da ação de investigação de paternidade com rito definido na Lei nº 8.560/1992 e com fundamento no art. 27 do ECA, desde que se restrinja as consequências patrimoniais advindas do descobrimento da ancestralidade. Os adotados dispõem de instrumento específico de busca de origem genética e, com fundamento na paridade entre os filhos estabelecida pela Constituição Federal no art. 226, § 7º, não há razão para negar aos indivíduos nascidos por meio do procedimento de reprodução humana assistida heteróloga tal ação. A ação de investigação de paternidade, desde que restrita os efeitos patrimoniais, seria mais relevante que o habeas data, porquanto naquela ação é permitida dilação probatória, podendo o indivíduo que busca sua ancestralidade produzir provas, a fim de justificar a sua busca.
A restrição dos efeitos patrimoniais poderia ser entendida como um desvirtuamento da ação de investigação de paternidade, no entanto, revela-se como um uso adequado de aplicação de analogia e integração do sistema jurídico, pois, diferentemente do caso dos adotados em que os pais biológicos quiseram a criança, tendo esta sido adotada por outra família por abandono, perda da tutela etc., o indivíduo gerado por meio do procedimento de inseminação artificial heteróloga nunca foi o fim do doador. Dessa forma, é justificável e razoável a restrição das consequências patrimoniais de uma ação de investigação de paternidade.
Valendo-se o indivíduo gerado por meio do procedimento de inseminação artificial heteróloga de qualquer um dos meios em busca de sua ancestralidade, indubitavelmente ocorrerá uma colisão entre os direitos fundamentais à privacidade e à intimidade do doador e o direito à origem genética ou identidade genética do indivíduo. Nessa situação, a solução deverá advir da aplicação da ponderação pelo Juiz.
Na ponderação realizada pelo julgador certo é que em determinados casos, haverá um sopesamento maior na busca da origem genética, como nos casos em que é imprescindível o conhecimento da identidade genética para fins de tratamento médico, no entanto, ainda que não seja nesses casos, é possível advogar que, o direito à origem genética se sobrepõe ao direito à privacidade e à intimidade.
Em primeiro lugar, a busca pela origem genética cuida-se de direito personalíssimo, apenas permitindo-se o seu exercício pelo indivíduo gerado por meio de reprodução humana assistida heteróloga. Em segundo lugar, o direito à identidade genética não transformará o doador em pai ou mãe, mas permitirá que a criança gerada conheça a sua ancestralidade genética, isto é, quem foi a combinação que lhe permitiu ser quem é biologicamente. Em terceiro lugar, não havendo consequências patrimoniais do descobrimento da ascendência genética, seria desproporcional fazer prevalecer o direito à intimidade e à privacidade em detrimento da identidade genética.
Admitindo-se a prevalência da busca à identidade genética sobre o direito à privacidade e à intimidade do doador, ainda existe um impasse, até o momento, insuperável, não existe qualquer Lei regulamentando o tema, podendo ocorrer nos casos concretos decisões completamente distintas, tanto em relação ao direito de quem irá prevalecer, como também em relação ao procedimento a ser utilizado.
Os atos infralegais existentes são importantes ferramentas de regulamentação, sem elas a situação, certamente, seria ainda pior, no entanto, não guardam a devida força cogente que uma Lei possui, não sendo os referidos atos garantia de que o indivíduo que impetre habeas data ou ação de investigação de paternidade tenha seus pedidos julgados procedentes, o que levará que em determinado caso seja procedente ou não, dependerá de cada juiz que analisar o caso.
É imprescindível, portanto, que seja editada uma Lei que regulamente os entendimentos sobre a matéria, a fim de dar segurança jurídica sobre um assunto tão delicado, e que na Lei esteja reconhecido o direito de busca à identidade genética, bem como que os doadores de material genético estejam cientes de que poderão ter alguns dados divulgados apenas ao indivíduo gerado por meio da reprodução humana assistida heteróloga sem que, entretanto, advenha consequências patrimoniais dessa divulgação.
Dessa forma, até que se edite uma Lei específica sobre o assunto, o direito à busca da identidade genética, sem consequências patrimoniais, há de ser defendido e deferido, pois nenhuma consequência negativa ocorrerá, a única consequência – positiva – que poderá acontecer será a de formação de laços afetivos e acontecerá tão somente se assim desejarem as partes.
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[3] BIANCHI, Beatriz Homem de Mello. Origem genética e direito ao sigilo do doador de material genético: fronteiras. RJLB, Ano 2 (2016), nº 1. p.1. Disponível: < http://www.cidp.pt/publicacoes/revistas/rjlb/2016/1/2016_01_0001_0017.pdf> Acesso em: 15 de outubro de 2023.
[4] BIANCHI, Beatriz Homem de Mello. Origem genética e direito ao sigilo do doador de material genético: fronteiras. RJLB, Ano 2 (2016), nº 1. p.2. Disponível: < http://www.cidp.pt/publicacoes/revistas/rjlb/2016/1/2016_01_0001_0017.pdf> Acesso em: 15 de outubro de 2023.
[5] FACHIN, Luiz Edson. Estabelecimento da filiação e paternidade presumida. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris editr, 1992, p. 169.
[6] BRASL, Constituição Federal. Art. 227, § 6º. Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em: 15 de outubro de 2023.
[7] TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Método. p. 1194.
[8] VI LLELA, João Baptista. Desbiologização da paternidade. Separada da Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, ano XXVll, n. 21 (nova fase), maio 1 979. Apud TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Método. p. 1194.
[9] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direitos de família. 9ª ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 203.
[10] ABDELMASSIH, Roger. Avanços na reprodução humana assistida. São Paulo: Atheneu, 2007. p. 3.
[11]SILVA, E. M. A filiação em face da Reprodução Humana Assistida. In: Revista da EMESC, Florianópolis, v. 13, n. 19, 2006, p. 367-398. Disponível em: <http://www. esmesc.org.br/site/ima/revista2006/2-1247232309.PDF>. Acesso em 16 de setembro de 2023. p. 371.
[12] DINIZ, Maria Helena. O estado atual do Biodireito. 2. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2002. p. 475.
[13] BARBOSA, Ana Gabriela Soares. A problemática jurídico-civil no tocante à reprodução humana assistida heteróloga. Revista da Faculdade de Direito de Caruaru/Asces, Caruaru, volume 43, número 1, 2011. Disponível em: <http://www.asces.edu.br/publicacoes/revistadireito/edicoes/2011-1/reprodu%C3%A7ao%20humana.pdf>. Acesso em 16 de outubro de 2023. p. 4-5.
[14] BARBOSA, Heloisa Helena. A Filiação em Face da Inseminação Artificial e da Fertilização In Vitro. Rio de Janeiro: Renovar, 1993. p. 45.
[15]. ALVES, S. M. A. L.; OLIVEIRA, C. C. Reprodução Medicamente Assistida: Questões Bioéticas. Revista Bioética, Brasília, v. 22, n. 1, jan./abr. 2014. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-80422014000100008& lang=pt>. Acesso em 16 de setembro de 2023.
[16] SAUWEN, Regina Fiúza; HRYNIEWICZ, Severo. O Direito In Vitro: da bioética ao Biodireito. Rio de Janeiro: Editor Lúmen Juris, 1997. p. 76.
[17] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 8. ed., rev. e atual. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 367-368.
[18] LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. São Paulo: Editora Saraiva, 2008. p. 200.
[19] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 8. ed., rev. e atual. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 369
[20] PETTERLE, Selma Rodrigues. O direito fundamental à identidade genética na Constituição brasileira. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007. p. 111.
[21] OLIVEIRA, Carolina Lopes de. Saber ou não saber, eis a nova questão: o direito à identidade genética e o direito ao anonimato do doador nas inseminações artificiais heterólogas. p. 7. Disponível em: < https://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/view/1757 > Acesso em 15 de outubro de 2023.
[22] DUARTE, Jhonatan Felipe Laurindo Gomes. Os limites da Autonomia Privada nos Contratos de Reprodução Humana Assistida. Chapecó: UNOESC - Universidade do Oeste de Santa Catarina, 2015. p. 65.
[23] SILVA, E. F. Direito à Intimidade. 2. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003. p. 52.
[24] MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 318.
[25] MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 318.
[26] JÚNIOR, Paulo José da Costa. O direito de estar só. p. 14. apud MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
[27] MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. op. cit. p. 319.
[28] MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. op. cit. p. 319.
[29] GOMES, Márcia Letícia. SPAREMBERGER, Raquel Fabiana. BRUM, Amanda Netto. Pelo direito de estar só: o direito à intimidade na era da internet. V congresso ibero-americano de investigadores e docentes de direito e informática. p. 9-10. Disponível em < http://coral.ufsm.br/congressodireito/anais/2015/6-13.pdf>. Acesso em 16 de outubro de 2023.
[30] Apud OLIVEIRA, Carolina Lopes de. Saber ou não saber, eis a nova questão: o direito à identidade genética e o direito ao anonimato do doador nas inseminações artificiais heterólogas. Disponível em: < https://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/view/1757 > Acesso em 26 de outubro de 2023.
[31] VELOSO, Zeno. Direito brasileiro da filiação e paternidade. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 152.
[32] LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações artificias e o direito: aspectos médicos, religiosos, psicológicos, éticos e jurídicos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995. p. 145.
[33] LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações artificias e o direito: aspectos médicos, religiosos, psicológicos, éticos e jurídicos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995. p. 399
[34] Ibidem. p. 341.
[35] LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. São Paulo: Editora Saraiva, 2008. p. 204.
[36] GASPAROTTO; RIBEIRO, Beatriz Rodrigues. Filiação e biodireito: uma análise da reprodução humana assistida heteróloga sob a ótica do código civil. Disponível em: http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/brasilia/04_819.pdf>. Acesso em: 15 de outubro de 2023. p. 366.
[37] SPODE, Sheila e SILVA, Tatiana Vanessa Saccol da. O Direito ao conhecimento da origem genética em face da inseminação artificial com sêmen de doador anônimo. Revista eletrônica do curso de direito UFSM. Disponível em < https://periodicos.ufsm.br/revistadireito/article/view/6821>. Acesso em 16 de setembro de 2017.
[38] FERNANDES, Tycho Brahe. A reprodução assistida em face da bioética e do biodireito: aspectos direito e família e do direito das sucessões. Florianópolis: Diploma Legal, 2000. p. 112.
[39] GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. A nova filiação: o Biodireito e as relações parentais: o estabelecimento da paternalidade-filiação e os efeitos jurídicos da reprodução assistida heteróloga. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 803-804.
[40] NETO, Sebastião de Assis. JESUS, Marcelo de. MELO, Maria Izabel de. Manual de direito civil. 4ª ed. Salvador, Editora jusPODIVM, 2015. p. 865,
[41] NETO, Sebastião de Assis. JESUS, Marcelo de. MELO, Maria Izabel de. Manual de direito civil. 4ª ed. Salvador, Editora jusPODIVM, 2015. p. 865.
[42] NETO, Sebastião de Assis. JESUS, Marcelo de. MELO, Maria Izabel de. Manual de direito civil. 4ª ed. Salvador, Editora jusPODIVM, 2015. p. 866.
[43] IWASSO, Simone. Óvulo é moeda em clínica de fertilização. O estado de São Paulo. São Paulo, 1 de outubro de 2006, A16-A17.
[44] BRASIL. Código Civil. Art. 538. Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm> Acesso em: 15 de outubro de 2023.
[45] CAMARGO, Lucas Couceiro Ferreira de. Responsabilidade civil do doador de matéria genético na inseminação artificial heteróloga. p. 59. Disponível em: < https://www.unimep.br/phpg/bibdig/pdfs/2006/DNPCGTCTEPYN.pdf > Acesso em: 15 de outubro de 2023.
[46] CAMARGO, Lucas Couceiro Ferreira de. Responsabilidade civil do doador de matéria genético na inseminação artificial heteróloga. p. 60. Disponível em: < https://www.unimep.br/phpg/bibdig/pdfs/2006/DNPCGTCTEPYN.pdf > Acesso em: 15 de outubro de 2023.
[47] CAMARGO, Lucas Couceiro Ferreira de. Responsabilidade civil do doador de matéria genético na inseminação artificial heteróloga. p. 60. Disponível em: < https://www.unimep.br/phpg/bibdig/pdfs/2006/DNPCGTCTEPYN.pdf > Acesso em: 15 de outubro de 2023.
[48] BRASIL. Código Civil. Art. 555. A doação pode ser revogada por ingratidão do donatário, ou por inexecução do encargo. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm> Acesso em: 17 de outubro de 2023.
[49] BRASIL. Código Civil. Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm> Acesso em: 18 de outubro de 2023.
[50] LIMA, Beatriz Chiesse de Andrade Albuquerque. O direito à origem genética e a tutela da personalidade nos casos de inseminação artificial heteróloga. p. 15. Disponível em: < http://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/trabalhos_conclusao/1semestre2012/trabalhos_12012/beatrizchiesselima.pdf > Acesso em: 15 de outubro de 2023.
[51] GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. A nova filiação- o biodireito e as relações parentais: o estabelecimento e parentalidade-filiação e os efeitos jurídicos da reprodução assistida heteróloga. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. v. 1. p. 904.
[52] UNESCO. Declaração internacional sobre os dados genéticos humanos. Disponível em: < http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/declaracao_inter_dados_genericos.pdf> Acesso em 15 de outubro de 2023.
[53] ALMEIDA, Maria Christina de. Dna e estado de filiação à luz da dignidade humana. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 127.
[54] THIESEN, Adriane Berlesi; SPARAMBERGER, Raquel Fabiana Lopes. O direito de saber a nossa história: identidade genética e dignidade humana na concepção da biconstituição. Revista Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, Vol. 7, n. 7, (jan/jun. 2010). p. 48. Disponível em: <http://revistaeletronicacardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/viewFile/307/230.> Acesso em 20 de outubro de 2023.
[55] OLIVEIRA, Carolina Lopes de. Saber ou não saber, eis a nova questão: o direito à identidade genética e o direito ao anonimato do doador nas inseminações artificiais heterólogas. Disponível em: < https://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/view/1757 > Acesso em 25 de outubro de 2023 p. 236.
[56] LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito ao estado de filiação e direito à origem genética: uma distinção necessária. R. CEJ, Brasília, n. 27, p. 47-56, out./dez. 2004. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=126> Acesso em 15 de outubro de 2023.
[57] LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito ao estado de filiação e direito à origem genética: uma distinção necessária. R. CEJ, Brasília, n. 27, p. 47-56, out./dez. 2004. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=126> Acesso em 15 de outubro de 2023.
[58] STIEVEN, Patrícia Luzia. O direito ao conhecimento da identidade genética na reprodução humana heteróloga. p. 16. Disponível em: < http://www.unoesc.edu.br/images/uploads/mestrado/DISSERTA%C3%87%C3%83O_-_Patricia_Luzia_Stieven.pdf> Acesso em: 15 de outubro de 2023.
[59] STIEVEN, Patrícia Luzia. O direito ao conhecimento da identidade genética na reprodução humana heteróloga. Disponível em: < http://www.unoesc.edu.br/images/uploads/mestrado/DISSERTA%C3%87%C3%83O_-_Patricia_Luzia_Stieven.pdf> Acesso em: 15 de outubro de 2023.
[60] LÔBO, Paulo Luiz Netto. Danos morais e direitos da personalidade. Revista Justa Navigandi., Teresina, ano 8, n. 119, 31 de outubro de 2013. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/4445/danos-morais-e-direitos-da-personalidade> Acesso em: 15 de outubro de 2023.
[61] PETTERLE. Selma Rodrigues. O direito fundamental à Identidade genética na constituição brasileira. Porto Alegre. Editora Livraria do Advogado, 2007. p. 89.
[62] PETTERLE. Selma Rodrigues. O direito fundamental à Identidade genética na constituição brasileira. Porto Alegre. Editora Livraria do Advogado, 2007. p. 90.
[63] MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 177.
[64] LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito ao estado de filiação e direito à origem genética: uma distinção necessária. R. CEJ, Brasília, n. 27, p. 47-56, out./dez. 2004. Disponível em: < http://www.cjf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/viewFile/633/813>. p. 54
[65] GAMA, Ricardo Rodrigues da. Teoria geral do direito familial, 1ª Ed., Campinas: Russel Editores, 2007. p. 911. Apud OLIVEIRA, AYSHA, Sella Claro de. O direito à identidade genética na reprodução humana assistida heteróloga, 2008, p. 74, disponível em: <http://tcconline.utp.br/wp-content/uploads/2013/08/O-DIREITO-A-IDENTIDADE-GENETICA-NA-REPRODUCAO-HUMANA-ASSISTIDA-HETEROLOGA.pdf >. Acesso em: 29 de abril de 2023.
[66] MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 496.
[67] MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 497.
[68] GAMA, Ricardo Rodrigues da. Teoria geral do direito familial, 1ª Ed., Campinas: Russel Editores, 2007. p. 915-917. Apud OLIVEIRA, Aysha Sella Claro de. O direito à identidade genética na reprodução humana assistida heteróloga, 2008, p. 74, disponível em: < http://tcconline.utp.br/wp-content/uploads/2013/08/O-DIREITO-A-IDENTIDADE-GENETICA-NA-REPRODUCAO-HUMANA-ASSISTIDA-HETEROLOGA.pdf >. Acesso em: 29 de abril de 2023.
[69] Aysha, Sella Claro de. O direito à identidade genética na reprodução humana assistida heteróloga, 2008; disponível em: < http://tcconline.utp.br/wp-content/uploads/2013/08/O-DIREITO-A-IDENTIDADE-GENETICA-NA-REPRODUCAO-HUMANA-ASSISTIDA-HETEROLOGA.pdf >. Acesso em: 29 de abril de 2018.
[70] AGRAVO DE INSTRUMENTO. PEDIDO DE REGISTRO DE NASCIMENTO DEDUZIDO POR CASAL HOMOAFETIVO, QUE CONCEBEU O BEBÊ POR MÉTODO DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA HETERÓLOGA, COM UTILIZAÇÃO DE GAMETA DE DOADOR ANÔNIMO. DECISÃO QUE ORDENOU A CITAÇÃO DO LABORATÓRIO RESPONSÁVEL PELA INSEMINAÇÃO E DO DOADOR ANÔNIMO, BEM COMO NOMEOU CURADOR ESPECIAL À INFANTE. DESNECESSÁRIO TUMULTO PROCESSUAL. INEXISTÊNCIA DE LIDE OU PRETENSÃO RESISTIDA. SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA QUE IMPÕE O REGISTRO PARA CONFERIR-LHE O STATUS QUE JÁ DESFRUTA DE FILHA DO CASAL AGRAVANTE, PODENDO OSTENTAR O NOME DA FAMÍLIA QUE LHE CONCEBEU. 1. Por tratar-se de um procedimento de jurisdição voluntária, onde sequer há lide, promover a citação do laboratório e do doador anônimo de sêmen, bem como nomear curador especial à menor, significaria gerar um desnecessário tumulto processual, por estabelecer um contencioso inexistente e absolutamente desarrazoado. 2. Quebrar o anonimato sobre a pessoa do doador anônimo, ao fim e ao cabo, inviabilizaria a utilização da própria técnica de inseminação, pela falta de interessados. É corolário lógico da doação anônima o fato de que quem doa não deseja ser identificado e nem deseja ser responsabilizado pela concepção havida a partir de seu gameta e pela criança gerada. Por outro lado, certo é que o desejo do doador anônimo de não ser identificado se contrapõe ao direito indisponível e imprescritível de reconhecimento do estado de filiação, previsto no art. 22 do ECA. Todavia, trata-se de direito personalíssimo, que somente pode ser exercido por quem pretende investigar sua ancestralidade - e não por terceiros ou por atuação judicial de ofício. 3. Sendo oportunizado à menor o exercício do seu direito personalíssimo de conhecer sua ancestralidade biológica mediante a manutenção das informações do doador junto à clínica responsável pela geração, por exigência de normas do Conselho Federal de Medicina e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, não há motivos para determinar a citação do laboratório e do doador anônimo para integrar o feito, tampouco para nomear curador especial à menina no momento, pois somente a ela cabe a decisão de investigar sua paternidade. 4. O elemento social e afetivo da parentalidade sobressai-se em casos como o dos autos, em que o nascimento da menor decorreu de um projeto parental amplo, que teve início com uma motivação emocional do casal postulante e foi concretizado por meio de técnicas de reprodução assistida heteróloga. Nesse contexto, à luz do interesse superior da menor, princípio consagrado no art. 100, inciso IV, do ECA, impõe-se o registro de nascimento para conferir-lhe o reconhecimento jurídico do status que já desfruta de filha do casal agravante, podendo ostentar o nome da família que a concebeu. DERAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (Agravo de Instrumento Nº 70052132370, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 04/04/2013).
[71] RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. FILIAÇÃO. IGUALDADE ENTRE FILHOS. ART. 227, § 6º, DA CF/1988. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. VÍNCULO BIOLÓGICO. COEXISTÊNCIA. DESCOBERTA POSTERIOR. EXAME DE DNA. ANCESTRALIDADE. DIREITOS SUCESSÓRIOS. GARANTIA. REPERCUSSÃO GERAL. STF. 1. No que se refere ao Direito de Família, a Carta Constitucional de 1988 inovou ao permitir a igualdade de filiação, afastando a odiosa distinção até então existente entre filhos legítimos, legitimados e ilegítimos (art. 227, § 6º, da Constituição Federal). 2. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 898.060, com repercussão geral reconhecida, admitiu a coexistência entre as paternidades biológica e a socioafetiva, afastando qualquer interpretação apta a ensejar a hierarquização dos vínculos. 3. A existência de vínculo com o pai registral não é obstáculo ao exercício do direito de busca da origem genética ou de reconhecimento de paternidade biológica. Os direitos à ancestralidade, à origem genética e ao afeto são, portanto, compatíveis. 4. O reconhecimento do estado de filiação configura direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, que pode ser exercitado, portanto, sem nenhuma restrição, contra os pais ou seus herdeiros. 5. Diversas responsabilidades, de ordem moral ou patrimonial, são inerentes à paternidade, devendo ser assegurados os direitos hereditários decorrentes da comprovação do estado de filiação. 6. Recurso especial provido. (REsp 1618230/RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 28/03/2017, DJe 10/05/2017)
[72] Ementa: Recurso Extraordinário. Repercussão Geral reconhecida. Direito Civil e Constitucional. Conflito entre paternidades socioafetiva e biológica. Paradigma do casamento. Superação pela Constituição de 1988. Eixo central do Direito de Família: deslocamento para o plano constitucional. Sobreprincípio da dignidade humana (art. 1º, III, da CRFB). Superação de óbices legais ao pleno desenvolvimento das famílias. Direito à busca da felicidade. Princípio constitucional implícito. Indivíduo como centro do ordenamento jurídico-político. Impossibilidade de redução das realidades familiares a modelos pré-concebidos. Atipicidade constitucional do conceito de entidades familiares. União estável (art. 226, § 3º, CRFB) e família monoparental (art. 226, § 4º, CRFB).Vedação à discriminação e hierarquização entre espécies de filiação (art. 227, § 6º, CRFB). Parentalidade presuntiva, biológica ou afetiva. Necessidade de tutela jurídica ampla. Multiplicidade de vínculos parentais. Reconhecimento concomitante. Possibilidade. Pluriparentalidade. Princípio da paternidade responsável (art. 226, § 7º, CRFB). Recurso a que se nega provimento. Fixação de tese para aplicação a casos semelhantes. (...) 14. A pluriparentalidade, no Direito Comparado, pode ser exemplificada pelo conceito de “dupla paternidade” (dual paternity), construído pela Suprema Corte do Estado da Louisiana, EUA, desde a década de 1980 para atender, ao mesmo tempo, ao melhor interesse da criança e ao direito do genitor à declaração da paternidade. Doutrina. 15. Os arranjos familiares alheios à regulação estatal, por omissão, não podem restar ao desabrigo da proteção a situações de pluriparentalidade, por isso que merecem tutela jurídica concomitante, para todos os fins de direito, os vínculos parentais de origem afetiva e biológica, a fim de prover a mais completa e adequada tutela aos sujeitos envolvidos, ante os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e da paternidade responsável (art. 226, § 7º). 16. Recurso Extraordinário a que se nega provimento, fixando-se a seguinte tese jurídica para aplicação a casos semelhantes: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”. (RE 898060, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 21/09/2016, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-187 DIVULG 23-08-2017 PUBLIC 24-08-2017)
[73] OLIVEIRA, Carolina Lopes de. Saber ou não saber, eis a nova questão: o direito à identidade genética e o direito ao anonimato do doador nas inseminações artificiais heterólogas. p.18 Disponível em: < https://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/view/1757 > Acesso em 29 de abril de 2023.
[74] RUGER, André. Conflitos familiares em genética humana: o profissional da saúde diante do direito de saber e do direito de não saber. 2007. p. 122-123. Disponível em: < http://www.biblioteca.pucminas.br/teses/Direito_RugerA_1.pdf> Acesso em: 29 de abril de 2023.
[75] OLIVEIRA, Carolina Lopes de. Saber ou não saber, eis a nova questão: o direito à identidade genética e o direito ao anonimato do doador nas inseminações artificiais heterólogas. p. 18. Disponível em: < https://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/view/1757 > Acesso em 29 de abril de 2023.
[76] MELO, João Ozorio de. Doador de esperma tem direito à paternidade nos EUA. In revista consultor jurídico, Estados Unidos, 17 de maio de 2014. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2014-mai-17/eua-tribunal-decide-doador-esperma-direito-paternidade> Acesso em: 30 de abril de 2023.
[77] OLIVEIRA, Carolina Lopes de. Saber ou não saber, eis a nova questão: o direito à identidade genética e o direito ao anonimato do doador nas inseminações artificiais heterólogas. p. 21 Disponível em: < https://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/view/1757 > Acesso em 29 de abril de 2023.
[78] STF, AI 835.442/RJ, Rel. Min Luiz Fux, 9 de abril de 2013. p. 2. Disponível em: <> Acesso em: 30 de abril de 2023.
[79] MEIRELLES, Hely Lopes. WALDO, Arnold. MENDES, Gilmar Ferreira. Mandado de segurança e ações constitucionais. 34ª ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012. p. 366
[80] MEIRELLES, Hely Lopes. WALDO, Arnold. MENDES, Gilmar Ferreira. Mandado de segurança e ações constitucionais. 34ª ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012. p. 366
[81] BRASIL. Lei nº 8.560/1992. Art. 2o-A. Na ação de investigação de paternidade, todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, serão hábeis para provar a verdade dos fatos. (Incluído pela Lei nº 12.004, de 2009). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8560.htm> Aceso em 30 de abril de 2023.
[82] NETO, Sebastião de Assis. JESUS, Marcelo de. MELO, Maria Izabel de. Manual de direito civil. 4ª ed. Salvador, Editora jusPODIVM, 2015. p. 1592.
[83] MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 192.
[84] MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 192.
[85] MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 193.
[86] MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 193-194.
[87] BRASL, Constituição Federal. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em: 15 de outubro de 2023.
[88] BRASL, Constituição Federal. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em: 15 de outubro de 2023.
[89] BRASL, Constituição Federal. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens; Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em: 15 de outubro de 2023.
[90] MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015.
[91] MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015.
[92] CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 1229.
[93] MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 236.
[94] FARIAS, Edilson Pereira de. Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação. Porto Alegre: Sérgio A. Fabris Editor, 1996. p. 94.
[95] MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 237
[96] MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 237.
[97] MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 238.
[98] MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015.
[99] MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 239.
[100] MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 239.
[101] MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 239.
[102] MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 239.
[103] MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 241
[104] SALES, Gabrielle Bezerra. MELO, Vanessa Gonçalves. O direito à identidade genética e o direito à intimidade do doador no contexto da inseminação artificial heteróloga e suas implicações para o direito de família. p. 9 Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=02bf1a8bb2a792e3> Acesso em: 12 de outubro de 2023.
[105] SALES, Gabrielle Bezerra. MELO, Vanessa Gonçalves. O direito à identidade genética e o direito à intimidade do doador no contexto da inseminação artificial heteróloga e suas implicações para o direito de família. p. 12 Disponível em: < http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=02bf1a8bb2a792e3> Acesso em: 15 de outubro de 2023.
[106]COSTA, Rachel. Elas querem saber quem são seus pais: Jovens gerados com doação anônima de óvuos e esperma iniciam movimento pelo direito de conhecer seus pais biológicos. In: Revista Isto É, nº 2.158, 18 de mar. 2011. Disponível em: < http://www.istoe.com.br/reportagens/129046_ELAS+QUEREM+SABER+QUEM+SAO+SEUS+PAIS> Acesso em 24 de maio de 2018. apud OLIVEIRA, Carolina Lopes de. Saber ou não saber, eis a nova questão: o direito à identidade genética e o direito ao anonimato do doador nas inseminações artificiais heterólogas. Disponível em: < https://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/view/1757 > Acesso em 24 de maio de 2018.
[107] STIEVEN, Patrícia Luzia. O direito ao conhecimento da identidade genética na reprodução humana heteróloga. Disponível em: < http://www.unoesc.edu.br/images/uploads/mestrado/DISSERTA%C3%87%C3%83O_-_Patricia_Luzia_Stieven.pdf> Acesso em: 24 de maio de 2023. p. 81.
[108] BUSCATO, Marcela. O nome do meu pai é doador. In: Revista Época Online, 24 de jun. 2010. Disponível em: <http://colunas.revistaepoca.globo.com/mulher7por7/2010/06/24/o-nome-do-meu-pai-e-doador/> Acesso em: 24 de maio de 2018 apud OLIVEIRA, Carolina Lopes de. Saber ou não saber, eis a nova questão: o direito à identidade genética e o direito ao anonimato do doador nas inseminações artificiais heterólogas. Disponível em: < https://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/view/1757 > Acesso em 24 de maio de 2023
[109] CONSELHO Federal de Medicina. Resoluçaõ nº 2.121/2015. Disponível em: < http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2015/2121_2015.pdf> Acesso em 12 de dezembro de 2023.
[110] SALES, Gabrielle Bezerra. MELO, Vanessa Gonçalves. O direito à identidade genética e o direito à intimidade do doador no contexto da inseminação artificial heteróloga e suas implicações para o direito de família. p. 13 Disponível em: < http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=02bf1a8bb2a792e3> Acesso em: 12 de dezembro de 2022.
[111] GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. A nova filiação: o Biodireito e as relações parentais: o estabelecimento da paternalidade-filiação e os efeitos jurídicos da reprodução assistida heteróloga. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. P. 803.
[112] CARVALHO, Flávia Carolina Aparecida. Reprodução humana assistida: o conflito entre o direito de sigilo do doador e o direito à identidade genética. p. 39. Disponível em: < https://repositorio.ufjf.br/jspui/bitstream/ufjf/5038/1/flaviacarolinaaparecidacarvalho.pdf> Acesso em 24 de maio de 2023.
[113] STIEVEN, Patrícia Luzia. O direito ao conhecimento da identidade genética na reprodução humana heteróloga. p. 92. Disponível em: < http://www.unoesc.edu.br/images/uploads/mestrado/DISSERTA%C3%87%C3%83O_-_Patricia_Luzia_Stieven.pdf> Acesso em: 24 de maio de 2023.
[114] Ibidem, p. 93.
[115]CACHAPUZ, Maria Cláudia. Intimidade e vida privada no novo Código Civil Brasileiro: uma leitura orientada no discursivo jurídico. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2006. p. 149-150.
[116] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 94.
[117] FRITZ, Karina Nunes. Tribunal alemão reconhece direito à identificação do doador de sêmen. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2015-mar-16/direito-civil-atual-tribunal-alemao-reconhece-identificacao-doador-semen>. Acesso em: 24 de maio de 2023.
[118] FERRAZ, Ana Claudia Brandão de Barros Correia. Reprodução humana assistida e suas consequências nas relações de família: a filiação e a origem genética sob a perspectiva da repersonalização. Curitiba: Juruá, 2011. p. 154.
[119] MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 209-210.
[120] OLIVEIRA, Carolina Lopes de. Saber ou não saber, eis a nova questão: o direito à identidade genética e o direito ao anonimato do doador nas inseminações artificiais heterólogas. Disponível em: < https://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/view/1757 > Acesso em 29 de abril de 2023. p. 240.
[121] OLIVEIRA, Carolina Lopes de. Saber ou não saber, eis a nova questão: o direito à identidade genética e o direito ao anonimato do doador nas inseminações artificiais heterólogas. Disponível em: < https://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/view/1757 > Acesso em 29 de abril de 2023. p. 242-243.
[122] MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 177-178.
Bacharel em Direito pelo Centro Universitário da Grande Dourados. Analista Judiciário do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. Pós-graduada em Direitos Humanos pela Faculdade CERS. Pós-graduada em Direito Processual Penal pela FASUL Educacional.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Larissa Romero de. O direito fundamental à busca da identidade Genética no âmbito da inseminação artificial heteróloga Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 nov 2023, 04:55. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/63942/o-direito-fundamental-busca-da-identidade-gentica-no-mbito-da-inseminao-artificial-heterloga. Acesso em: 22 nov 2024.
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