JANAÍNA ALCÂNTARA VILELA[1]
(orientadora)
Resumo: O presente artigo se dedica a analisar o contrato de trabalho intermitente, no Brasil, cujas regras foram estabelecidas pela Reforma Trabalhista, por meio da Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017. Nesse sentido, serão apresentados alguns efeitos do contrato de trabalho intermitente, no Brasil, a partir do que será possível compreender que essa modalidade contratual não favoreceu a classe trabalhadora. Além disso, fez-se imprescindível entender alguns princípios e regras balizadores da relação empregatícia, no país, o que permitirá assimilar com maior parcimônia as circunstâncias e condições em que se deu o contrato de trabalho intermitente, bem como se a normatização trazida pela Reforma Trabalhista se pautou pela segurança do empregado e pela dignidade da pessoa humana.
Palavras-chave: contrato intermitente; efeitos; dignidade da pessoa humana.
Abstract: This article is dedicated to analyzing the intermittent employment contract in Brazil, the rules of which were established by the Labor Reform, through Law No. 13,467, of July 13, 2017. In this sense, some effects of the intermittent employment contract will be presented , in Brazil, from which it will be possible to understand that this contractual modality did not favor the working class. Furthermore, it was essential to understand some principles and rules that guide the employment relationship in the country, which will allow us to assimilate with greater parsimony the circumstances and conditions under which the intermittent employment contract took place, as well as whether the regulations brought by the Labor Reform was guided by employee safety and human dignity.
Keywords: intermittent contract; effects; dignity of human person.
1.INTRODUÇÃO
O presente artigo se dedica a analisar o contrato de trabalho intermitente, no Brasil, cujas regras foram estabelecidas pela Reforma Trabalhista, por meio da Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017. Nesse sentido, a primeira seção se dedicará a apresentar essa modalidade contratual, tanto em alguns outros países, de modo sintetizado, quanto no Brasil, de forma mais detalhada. Além disso, serão apresentados dados levantados por órgãos governamentais brasileiros para que seja possível analisar os efeitos decorrentes do contrato de trabalho intermitente nos primeiros anos de sua implementação.
A segunda seção trará à tona alguns preceitos legais já consolidados no Brasil, os quais visam a assegurar direitos e garantias ao empregado, haja vista que este é reconhecido como parte hipossuficiente na relação de emprego. Ademais, nessa seção serão feitos breves apontamentos a partir de um cotejo com as informações apresentadas na primeira seção, especialmente no que diz respeito aos efeitos causados pelo contrato de trabalho intermitente.
Na sequência, em relação ao contrato de trabalho intermitente, na terceira seção, sob a ótica do princípio da vedação ao retrocesso e da dignidade da pessoa humana, serão apresentados alguns posicionamentos de entidades representativas de classes trabalhadoras, bem como de órgãos estatais, mais especificamente do Ministério Público Federal e de alguns Ministros do Supremo Tribunal Federal, em julgamento de Ações Diretas de Inconstitucionalidade.
Por fim, após a leitura das três seções, passa-se às considerações finais, nas quais serão apresentadas as reflexões sobre o contrato de trabalho intermitente, instituído em meio a um arcabouço jurídico norteado pelo princípio da proteção ao trabalhador, cujo objetivo é construir uma base de segurança para o trabalhador. Nessa perspectiva, busca-se responder se esse contrato favorece ao empregado, ou se vai de encontro às conquistas alcançadas no decorrer da história.
2. O Contrato de Trabalho Intermitente – Aspectos gerais e sua regulamentação e aplicação no Brasil
Em um primeiro momento, é fundamental entender as circunstâncias que justificam a implementação do contrato de trabalho intermitente em um Estado. Nesse sentido, esta primeira seção se dedicará à explanação do conceito dessa modalidade de trabalho bem como à apresentação de como esse instituto vem sendo aplicado também em outros países, mas, principalmente, em âmbito interno brasileiro.
2.1. O Trabalho Intermitente
Sob um aspecto geral, o trabalho intermitente pode ser entendido como um modelo de prestação de serviços de forma esporádica, ou seja, sem que haja continuidade no exercício das atividades laborais no decorrer dos dias. No trabalho intermitente o empregado não sabe, de antemão, quantas horas terá que trabalhar e, consequentemente, jamais poderá prever o quanto irá receber. Na prática, o empregador convocará o trabalhador conforme suas necessidades e conveniências, mantendo o empregado registrado sem assegurar salário nem trabalho (RESENDE, 2020).
Embora essa modalidade de trabalho tenha sido recentemente regulamentada no Brasil, outros países já tratavam, em seu ordenamento jurídico, desse trabalho a prazo descontínuo. Isso tanto é verdade que modelos estrangeiros serviram de base inspiradora para as atuais normatizações brasileiras editadas a respeito do tema.
Na Alemanha, por exemplo, o trabalho intermitente é tratado pelo Decreto Legislativo nº 15/2015, o qual assegura ao empregado o direito de, pelo menos, 10 (dez) horas de trabalho por semana, além de estabelecer o piso de 3 (três) horas por dia de trabalho. Na Espanha, o art. 16 do Estatuto dos Trabalhadores da Espanha trata do denominado trabalho “fixo-descontínuo”, contrato por meio do qual o empregado firma o compromisso com o seu empregador de que prestará os seus serviços durante períodos ou datas previamente especificadas, como no caso de serviços de hotelaria, em fim de ano.
Portugal também possui suas regulamentações do trabalho intermitente e, por motivo de sua preocupação com a segurança do trabalhador, merece destaque. No modelo português, é possível apontar duas modalidades de trabalho intermitente. O primeiro deles é o trabalho à chamada, que se caracteriza por não possuir jornadas de serviços predefinidas. Nesse contexto, o empregador poderá convocar o empregado de acordo com a sua necessidade, mas deverá respeitar o prazo de 20 (vinte) dias de antecedência, para convocação do obreiro. A segunda espécie é conceituada de labor alternado, no qual há especificação dos períodos de serviço e de inatividade interanual, ou seja, dentro do intervalo de 1 (um) ano, devendo o empregador assegurar ao empregado pelo menos 6 (seis) meses de atividade no ano, dos quais, no mínimo, 4 (quatro) meses deverão ser de forma contínua.
Em ambas as modalidades, a lei portuguesa assegura ao trabalhador um valor remuneratório pelo tempo de inatividade, o qual deverá ser de, pelo menos, 20% (vinte por cento) do que foi pago no período de atividade. Além disso, durante a inatividade, o obreiro não estará impedido de prestar serviços a outro empregador.
Nessa perspectiva, percebe-se que o trabalho intermitente é uma realidade global e inevitável, tendo em vista a normalidade das necessidades pontuais que insurgem no desenvolvimento das diversas atividades empresariais. Diante disso, os Estados se veem na obrigação de regulamentar a relação jurídica que normalmente se forma no meio social trabalhista.
2.2. A regulamentação do Trabalho Intermitente no Brasil
O trabalho intermitente no Brasil passou a ser regulamentado a partir da Lei 13.467/17, também conhecida como lei da Reforma Trabalhista. Este dispositivo trouxe mais de uma centena de mudanças e inovações, dentre as quais está o Contrato de Trabalho Intermitente.
Em dezembro de 2016, foi encaminhado à Câmara dos Deputados, pelo Presidente da República, o Projeto de Lei n º 6.787, cujo objetivo era promover algumas poucas mudanças na Consolidação das Leis Trabalhistas, bem como na Lei nº 6.019/74, motivo pelo qual esse Projeto de Lei recebeu a denominação de “minirreforma trabalhista”.
Na visão de seus idealizadores, o objetivo do mencionado projeto de lei era viabilizar o aprimoramento e a modernização das relações trabalhistas firmadas no país, além de contemplar a situação informal de vários obreiros no Brasil. Todavia, o pequeno projeto, que se compunha de apenas nove páginas, recebeu diversas emendas, sendo uma delas a inserção da figura do Contrato de Trabalho Intermitente.
Nessa toada, na data 26 de abril de 2017, o PL nº 6.787 de 2016 foi aprovado pela Câmara, sendo a matéria discutida no Senado Federal como Projeto de Lei da Câmara nº 38 de 2017 – PLC nº 38/17 – o qual também foi aprovado pelo Senado em 11 de julho de 2017 e, por fim, sancionado pelo Presidente Michel Temer em 13 de julho de 2017, a partir do que surgiu a Lei nº 13.467/2017.
A Lei nº 13.467/2017 definiu o contrato de trabalho intermitente aquele no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de período de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria (BRASIL, 2017).
Nesse sentido, o empregado submetido a esse modelo de trabalho não sabe, previamente, por quantas horas irá trabalhar, menos ainda qual será o valor de sua remuneração. A convocação do trabalhador ocorre em conformidade com a necessidade e a conveniência do empregador, o que significa dizer que o trabalhador intermitente pode ficar sem trabalhar por dias, semanas ou meses. Não obstante o obreiro se mantenha registrado, pelo tempo em que ele permanece em inatividade, ou seja, sem convocação, não há percepção de salário. Essa descontinuidade é o elemento diferenciador principal entre o trabalho intermitente e o trabalho convencional.
Revela-se oportuno, nesse momento, mencionar que não se deve confundir a não eventualidade com a continuidade, sendo possível a configuração do trabalho intermitente mesmo que haja o fracionamento da prestação dos serviços. Nesse sentido, ensina o professor e procurador do trabalho Henrique Correia:
“Cabe ressaltar que a doutrina majoritária sustenta que o termo “não eventualidade” não pode ser confundido com não eventualidade da relação de emprego. Para os autores, a utilização do termo “não eventual” reforça que a CLT permite que o reconhecimento do vínculo ocorra mesmo que haja fracionamento da prestação de serviço, como, por exemplo, o trabalho apenas aos finais de semana. Por sua vez, o trabalho contínuo é aquele que não admite referido fracionamento, exigindo certa regularidade na prestação dos serviços. O trabalho contínuo está previsto na legislação do trabalho doméstico” (CORREIA; MIESSA, 2018, p.384).
Em mesma linha, não eventual é o trabalho necessário à consecução dos objetivos da empresa, tal como o define Ribeiro de Vilhena, sendo irrelevante a quantidade de dias ou horas em que o trabalho é prestado (SEVERO; SOUTO MAIOR, 2017, p. 68).
No que toca ao contrato de trabalho intermitente, a Reforma Trabalhista trouxe, ainda, que a sua celebração deverá ocorrer de forma escrita, devendo haver especificação quanto ao valor da hora de trabalho, a qual não poderá ser inferior ao valor-hora do salário mínimo ou àquele percebido por empregados do estabelecimento que exerçam mesma função, sejam por contrato intermitente ou não (BRASIL, 2017).
Após a pactuação do contrato, o trabalhador intermitente ficará à espera da convocação por parte do empregador, a qual se dará de acordo com as necessidades do patrão. Durante esse tempo de espera, o obreiro poderá prestar serviços a empregadores diversos, podendo firmar com eles outros contratos intermitentes. A convocação poderá ocorrer por qualquer forma eficaz de comunicação, desde que respeite o prazo mínimo de 03 (três) dias de antecedência da data da prestação do serviço. O empregado, por sua vez, terá o prazo de 01 (um) dia útil para responder ao chamado. Após aceita a oferta, caso alguma das partes descumpra o que foi estabelecido, deverá pagar à outra parte 50% (cinquenta por cento) da remuneração que seria devida, não obstante a lei permita a compensação (BRASIL, 2017).
Quanto à remuneração no contrato de trabalho intermitente, a Lei 13.467/2017 preceitua que será imediatamente paga ao final de cada período de prestação de serviço. Além disso, junto com a remuneração, serão pagos décimo terceiro proporcional, repouso semanal remunerado, férias proporcionais, com acréscimo de um terço, bem como adicionais legais (BRASIL, 2017).
Dessa forma, não haverá recebimento de décimo terceiro no mês de dezembro, como de praxe, pois o trabalhador já terá recebido os valores proporcionais a título de décimo terceiro. No mesmo sentido, as férias também já terão sido recebidas pelo empregado, mesmo antes de tê-las gozado. Por fim, o recolhimento dos valores de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e aqueles referentes à contribuição previdenciária serão pagos mensalmente (BRASIL, 2017).
Basicamente, são essas as disposições da Reforma Trabalhista que instituíram o contrato de trabalho intermitente no Brasil.
2.3. Os efeitos da implementação do contrato de trabalho intermitente nos últimos anos, no Brasil
Em 2017, a expectativa do então Ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, era de que “o Brasil poderia gerar dois milhões de empregos, nos próximos dois anos, com o trabalho intermitente, a jornada parcial e a remuneração por produtividade” (BRASIL, 2017). Todavia, com base em dados fornecidos pelo próprio Governo Federal (Ministério da Economia, Caged; DIEESE), “entre nov/2017 a ago/2019 (22 meses), a nível nacional, foram gerados 619.887 postos de trabalho formais, sendo 16,5% registrados na modalidade de trabalho intermitente (102.173)” (DIEESE, 2019).
Não obstante as expectativas das autoridades governamentais não tenham se confirmado no tempo, é considerável a parcela dos postos de trabalho gerados em um período de apenas dois anos. Contudo, os dados disponibilizados pelo Governo Federal são desacompanhados de qualquer tratamento qualitativo, o que dificulta a análise de aspectos importantes como o número de dias que cada empregado trabalhou para um determinado empregador, no período mencionado.
Já nos anos subsequentes, “a partir da divulgação dos registros de empregos formais de 2021 (da Relação Anual de Informações Sociais - Rais, do então Ministério da Economia), é possível estimar a renda recebida e o trabalho efetivamente realizado por meio dos contratos intermitentes. Ao final de 2020, 200 mil desses vínculos estavam ativos. Em dezembro de 2021, 0,5% (zero vírgula cinco por cento) do estoque total de vínculos formais ativos eram de trabalho intermitente (244 mil vínculos) ” (DIEESE, 2023).
De acordo com a Central Única dos Trabalhadores (2023), “a abertura de vagas para contratos de trabalho intermitente no Rio Grande do Sul cresceu 146,45% no primeiro quadrimestre deste ano em comparação a igual período de 2022. Os dados são do Novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), divulgados pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE)”.
No que se refere à renda dos trabalhadores intermitentes, percebe-se que a remuneração média desses empregados é baixa, não chegando a atingir sequer o valor do salário-mínimo. Segundo a Dieese (2023), no Boletim Emprego em Pauta Nº 25, “a partir de informações da Rais, estima-se que a duração média dos vínculos firmados em 2021 foi de cinco meses, divididos em três meses de trabalho e dois de espera. A remuneração média dos vínculos intermitentes foi de R$ 888,00, valor equivalente a 81% de um salário mínimo naquele ano (R$ 1.100 em 2021). ”
Em situação ainda mais precária, “olhando apenas os vínculos admitidos em 2021, e que ainda estavam ativos até o final do ano, 20% (vinte por cento) não tiveram nenhuma renda ao longo daquele período. Ou seja, um em cada cinco contratos intermitentes firmados no ano não gerou renda alguma para o trabalhador” (DIEESE, 2023).
A partir dos dados apresentados, constata-se que o número de vínculos empregatícios na modalidade de trabalho intermitente vem crescendo ao longo dos anos, no Brasil. Todavia, a remuneração média percebida pelos trabalhadores é baixa, não chegando a atingir o valor do salário-mínimo. Além disso, verifica-se, na prática, que o fato de haver a formalização do contrato de trabalho intermitente não garante que o trabalhador prestará serviços ao empregador, o que deflagra um contexto de incerteza e insegurança para o obreiro.
3. A estrutura jurídica do sistema trabalhista brasileiro e o contrato de trabalho intermitente
O sistema trabalhista brasileiro se forma a partir de um complexo de direitos e obrigações, ora por parte do empregado, ora por parte do empregador, seja em previsões de nível constitucional, seja em disposições de grau infraconstitucional. Não obstante isso, a sistemática brasileira reconhece a figura do trabalhador como hipossuficiente, o que significa dizer que esse indivíduo não possui forças suficientes para negociar com o empregador de forma livre, direta e equilibrada a disposição da energia de trabalho que possui. Na concepção de Carlos Henrique Bezerra Leite:
“Como as relações de trabalho subordinado são marcadas pela desigualdade entre os particulares, de um lado o empregador, que detém o poder empregatício (econômico, regulamentar, diretivo e disciplinar), e do outro o empregado, hipossuficiente e vulnerável, parece-nos inegável a plena aplicação da eficácia horizontal dos direitos fundamentais nas relações empregatícias” (LEITE, 2023, p. 84).
Nessa toada, a desigualdade existente entre o detentor do capital (empregador) e o detentor da mão de obra (empregado) faz com que o Direito do Trabalho estabeleça normas que viabilizem a necessária proteção do trabalhador.
A partir desse panorama, essa seção se dedicará a ressaltar alguns pontos essenciais assegurados pelo ordenamento jurídico brasileiro, bem como a tecer observações no tocante aos reflexos causados pelo contrato de trabalho intermitente em meio a esse sistema de garantias do trabalhador.
3.1. As flexibilizações do contrato intermitente em detrimento da segurança remuneratória necessária ao trabalhador no vínculo empregatício
O Direito do Trabalho brasileiro preconiza a proteção do empregado enquanto parte na relação empregatícia. Nesse sentido, a CLT define os requisitos necessários para que se possa formar esse vínculo, entre os quais está o da onerosidade, que pode ser compreendido a partir das obrigações principais dos envolvidos. Enquanto de um lado o empregado se compromete a fornecer a própria força de trabalho, do outro o empregador busca cumprir sua obrigação remunerando o trabalhador pelos serviços prestados, por meio de pagamento de salário. Segundo Martins (2023, p. 76) “não é gratuito o contrato de trabalho, mas oneroso. O empregado recebe salário pelos serviços prestados ao empregador. O empregado tem o dever de prestar serviços e o empregador, em contrapartida, deve pagar salários pelos serviços prestados”.
A Carta Magna brasileira evidencia a relevância de se assegurar ao trabalhador o salário-mínimo, de modo que possa satisfazer as suas necessidades básicas e também de sua família, nos seguintes termos:
“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
[...]
IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;” (BRASIL, 1988).
Nesse contexto, não resta dúvida da essencialidade do recebimento de salário por parte do obreiro, haja vista que as verbas salariais compõem os recursos necessários para a sua sobrevivência bem como para manutenção de sua família.
O jurista brasileiro e Ministro do Tribunal Superior do Trabalho Maurício Godinho Delgado compreende a característica variável da remuneração devida no contrato de trabalho intermitente. Contudo, a partir de uma análise do que dispõe a Constituição Federal brasileira, em seu art. 7º, VII, propõe uma interpretação jurídica de modo a trazer segurança ao trabalhador e civilizar a figura dessa modalidade contratual, assegurando ao empregado o salário-mínimo constitucional, nos seguintes termos:
“Não obstante o rigor do texto literal da lei, a verdade é que a interpretação jurídica pode civilizar algo da nova figura instituída. Nesse sentido, tratando-se a modalidade remuneratória desse contrato específico de remuneração variável, pode-se considerar incidente à sua concretização a norma constitucional expressa de ‘garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável’ (art. 7º, VII, CF/88). A propósito, julgados diversos do STF com respeito a servidores celetistas da Administração Pública direta, autárquica e fundacional – ou seja, empregados estatais regidos pela CLT – têm reconhecido a garantia constitucional do salário mínimo mensal a tais empregados (OJ n. 358, II, do TST). Embora o TST não estenda tal garantia aos demais empregados do País (OJ n. 358, I), está claro que firmou esse tipo de interpretação em contexto fático e jurídico meramente residual – contexto que desapareceu com o advento do contrato e trabalho intermitente” (DELGADO, 2018, p. 668-669).
Não obstante isso, como já explanado anteriormente, a Lei 13.467/2017 regulamentou o contrato de trabalho intermitente sem assegurar um valor mínimo mensal ao empregado, embora tenha definido que, quando houver prestação de trabalho de sua parte, terá direito ao “valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor horário do salário-mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função em contrato intermitente ou não” (BRASIL, 2017).
Observa-se, portanto, a formação de um quadro de insegurança ao qual o trabalhador intermitente é submetido, na medida em que, embora exista o vínculo trabalhista entre empregado e empregador, não há sequer a certeza de um valor mínimo a ser percebido pelo trabalhador, o qual não poderá nem mesmo firmar compromissos simples como, por exemplo, a aquisição de bens e produtos em obrigações de prestações sucessivas.
3.2. O contrato intermitente em detrimento da jornada de trabalho e da saúde do empregado
Na sistemática atual do direito do trabalho brasileiro, as normas justrabalhistas ainda visam a resguardar a saúde do trabalhador. Nessa toada, percebe-se que a definição da jornada de trabalho do empregado é fator indissociável da segurança de sua própria saúde. Conforme disposição expressa da Constituição Federal brasileira, prevista em seu art. 7º, XIII, a jornada padrão de trabalho fica estabelecida nos seguintes termos:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
[...]
XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; (BRASIL, 1988)
Por outro lado, a Carta Magna também assegura a jornada especial de turnos ininterruptos de revezamento:
Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
[...]
XIV – jornada de 6 horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva; (BRASIL, 1988)
Além dessa previsão constitucional, a CLT também define regras de proteção ao trabalhador no que tange à jornada de trabalho, ora dispondo sobre a duração de jornada padrão, ora tratando de casos específicos de jornadas, levando-se em consideração as peculiaridades das atividades desenvolvidas e dos ambientes em que certos trabalhos são prestados. Como exemplo desses casos especiais, podem-se citar as jornadas diferenciadas dos bancários, dos trabalhadores de minas de subsolo, dos operadores cinematográficos e seus ajudantes, dos contratos por regime parcial, dentre outros.
Outro aspecto fundamental garantido aos trabalhadores urbanos e rurais é o repouso semanal remunerado, que, segundo previsão constitucional, é o “repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos” (BRASIL, 1988). E mesma linha, a disposição celetista traz que “será assegurado a todo empregado um descanso semanal de 24 horas consecutivas, o qual, salvo motivo de conveniência pública ou necessidade imperiosa do serviço, deverá coincidir com o domingo, no todo ou em parte” (BRASIL, 1943).
Todavia, o legislador brasileiro não se preocupou, como devia, com questões tão importantes, como são a jornada de trabalho e o descanso semanal do trabalhador intermitente. Isso porque se limitou a simplesmente autorizar esse trabalhador a firmar quantos contratos intermitentes quiser, sem criar qualquer disposição que lhe assegurasse uma carga horária máxima diária ou semanal nem mesmo contemplou qualquer garantia de descanso semanal, embora tenha estabelecido a obrigação de o empregador remunerá-lo.
Como já comentado alhures, o empregado com vínculo intermitente vive em um contexto de instabilidade, sem garantias de valor mínimo de salário nem qualquer grau de certeza de que será convocado a prestar serviços ao seu empregador. Além disso, os dados apresentados neste artigo demonstram a média de baixos salários dessa classe de trabalhadores. Nesse sentido, certamente não haverá qualquer margem de escolha a esses profissionais, senão abrir mão de sua própria saúde e aceitar cargas horárias que, somadas, ultrapassam o limite diário e semanal, bem como ocupam o período de descanso semanal. Nesses casos, não haverá qualquer acréscimo a título de horas extraordinárias ou dever de pagamento em dobro, já que os diversos contratos firmados não se vinculam.
Dessa forma, fica evidente o desmantelamento da estrutura normativa trabalhista que busca resguardar a saúde do empregador, configurando-se o contrato intermitente como um instrumento que promove a coisificação do ser humano enquanto mão de obra que atenda tão somente aos anseios do empregador.
3.3. A alteridade na relação de emprego e a responsabilização do empregado no contrato de trabalho intermitente
A relação de emprego se configura quando presentes todos os requisitos apontados pela lei, entre os quais está o da alteridade. Esse requisito atribui ao empregador toda a responsabilidade por eventual insucesso do negócio, bem como proíbe a assunção de riscos da atividade empresarial pelo empregado, o qual tem o dever de prestar o seu labor, mas o fará por conta do empregador. Nesse sentido, ensina o professor e Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Sérgio Pinto Martins:
O empregado presta serviços por conta alheia (alteridade). Alteridade vem de alteritas, de alter, outro. É um trabalho sem assunção de qualquer risco pelo trabalhador. O empregado pode participar dos lucros da empresa, mas não dos prejuízos. Quando está prestando um serviço para si ou por conta própria, não será empregado, podendo ocorrer apenas a realização de um trabalho, ou a configuração do trabalho autônomo. É requisito do contrato de trabalho o empregado prestar serviços por conta alheia e não por conta própria.
O parágrafo único do art. 6º da CLT mostra que empregado é o que presta serviços por conta alheia e não por conta própria, ao usar da expressão “supervisão do trabalho alheio” (MARTINS, 2023).
A partir de uma interpretação do que preceituam os artigos 443, §3º, e 452-A e seus parágrafos, todos da CLT, é possível depreender que a sistemática do contrato de trabalho intermitente canaliza parte dos riscos da atividade econômica para o empregado, o que enfraquece o princípio da alteridade e, consequentemente, abala a estrutura do direito do trabalho brasileiro. Nesse contexto, fica evidente que o desiderato dessa modalidade de contrato não visa ao bem-estar do trabalhador. Pelo contrário, prejudica-o demasiadamente, retirando sua garantia de não ter que se responsabilizar pelos fracassos do empreendimento, especialmente decorrentes da má-administração, por parte do empregador.
4. As insurgências das instituições e as necessidades de ajustes na regulamentação do contrato de trabalho intermitente
Após uma análise do que disposto na primeira e na segunda sessões, é possível perceber algumas incongruências existentes entre os preceitos consolidados pelo contrato de trabalho intermitente e a estrutura constituída pelas normas justrabalhistas brasileiras, seja em sede infraconstitucional, seja em âmbito constitucional. Essa percepção também ocorre por parte de instituições e juristas, que acabam por se manifestarem por meio dos instrumentos legais que visam a combater ilegalidades ou qualquer disposição que inviabilize o gozo de direitos que foram conquistados após longos períodos de discussão. Nessa perspectiva, esta sessão se dedicará a apresentar algumas insurgências legítimas por parte de instituições e de juristas, cujo objetivo é desmontar a cadeia normativa que constrói o contrato de trabalho intermitente.
4.1. Dos direitos e garantias sociais e da vedação ao retrocesso
De início, vale ressaltar que, em um Estado Social de Direito, a consolidação prática dos direitos sociais se dá em decorrência de um comportamento positivo do Estado, orientação direcionada para o poder Executivo, na implementação de políticas públicas, para o poder Legislativo, na sua função típica legiferante e fiscalizadora, e para o poder Judiciário, na interpretação e aplicação das leis, enquanto órgão competente para solucionar conflitos. Nesse sentido, ensina Lenza (2022):
“Assim, o administrador, dentro da ideia da reserva do possível, deve implementar as políticas públicas.
O legislador, ao regulamentar os direitos, deve respeitar o seu núcleo essencial, dando as condições para a implementação dos direitos constitucionalmente assegurados.
E o Judiciário deve corrigir eventual distorção para se assegurar a preservação do núcleo básico que qualifica o mínimo existencial.”
A Constituição Federal brasileira traz em seu bojo um núcleo não exaustivo de direitos e garantias fundamentais, dentre os quais estão os direitos sociais, os quais, a partir de um estudo da evolução desses direitos, são classificados como direitos de 2ª geração, ou, como prefere a doutrina mais atual, de 2ª dimensão. A Revolução Industrial se configura como fato histórico que inspirou e impulsionou os direitos e garantias fundamentais de 2ª dimensão. Conforme Lenza (2022), “em decorrência das péssimas situações e condições de trabalho, eclodem movimentos como o cartista, na Inglaterra, e a Comuna de Paris (1848), na busca de reivindicações trabalhistas e normas de assistência social”.
Nesse contexto, surge o princípio da vedação ao retrocesso social, também conhecido como proibição da evolução reacionária. Nas palavras do professor e Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, define-se que “a aplicação da chamada proibição de retrocesso aos direitos sociais tem conquistado destaque nas Cortes Constitucionais, em especial em momentos de crise e durante a realização de políticas de austeridade. Trata-se de princípio segundo o qual não seria possível extinguir direitos sociais já implementados, evitando-se, portanto, um verdadeiro retrocesso ou limitação tamanha que atinja seu núcleo essencial” (MENDES, 2023).
A partir disso, juristas e instituições fazem um cotejo entre o contrato de trabalho intermitente e os direitos sociais já assegurados constitucionalmente, no Brasil, no sentido de questionar a legalidade desse instrumento. Assim, sob a alegação de que esta modalidade contratual viola frontalmente os direitos fundamentais, surgiram as indagações, por meio de ações diretas de inconstitucionalidades, as quais serão comentadas na subseção seguinte.
4.2. Ações Diretas de Inconstitucionalidade propostas em relação ao contrato de trabalho intermitente
A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) é instrumento específico, cuja finalidade é buscar a declaração da inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal. Em seu art. 102, inciso I, alínea “a”, a Constituição Federal brasileira estabelece que o Supremo Tribunal Federal é o órgão competente para processar e julgar, originariamente, a ação direta de inconstitucionalidade (BRASIL, 1988). Nesse sentido, a partir de um cotejo entre o que preceitua a lei ou o ato normativo federal e as disposições constitucionais, o Egrégio Tribunal reconhece, ou não, a inconstitucionalidade do dispositivo. A forma como se processará o julgamento dessa ação está prevista na lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999.
Em novembro de 2017, a Federação Nacional dos Empregados em Postos de Serviços de Combustíveis e Derivados de Petróleo (FENEPOSPETRO) e a Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Telecomunicações e Operadores de Mesas Telefônicas (FENATTEL) demandaram o judiciário por meio das ADIs 5826 e 5829, respectivamente, com o intuito de buscar a declaração da inconstitucionalidade do contrato de trabalho intermitente. Em ambas as ações, foram apresentadas as seguintes alegações:
“ Muito embora o contrato intermitente tenha sido introduzido em nosso ordenamento jurídico pela Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/17); sob o pretexto de “ampliar” a contratação de trabalhadores em um período de crise que assola o país; na realidade propicia a precarização da relação de emprego, servindo inclusive de escusa para o pagamento de salários inferiores ao mínimo constitucionalmente assegurado e que não atendem às necessidades básicas do trabalhador e de sua família, especialmente para moradia, alimentação, educação, saúde e lazer.
Notoriamente, o que se visa com o contrato de trabalho intermitente é o favorecimento da atividade empresarial em detrimento do trabalhador que é a parte hipossuficiente da relação de emprego, ficando clara a chamada coisificação da pessoa humana, denunciada desde a época da Revolução Francesa.
É de conhecimento, que as questões afetas aos direitos humanos, uma vez reconhecidas como direitos fundamentais na ordem interna, ou, em sua dimensão global na sociedade internacional, consolidam-se no ordenamento jurídico.
A partir daí, não há mais como o Estado regredir ou retroceder diante dos direitos fundamentais reconhecidos. É o chamado “Princípio da Vedação ao Retrocesso” ou “Proibição de Regresso” (FENATTEL, 2017).
Em mesma linha, em junho de 2019, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI) propôs a ADI 6154, na qual busca o reconhecimento da inconstitucionalidade dos artigos que disciplinam o contrato intermitente. Para tanto, utiliza-se da base principiológica constitucional e alega que, a partir dos artigos que tratam do contrato de trabalho intermitente “ instituíram-se na legislação trabalhista regimes flexíveis de trabalho, que colocam em cheque princípios constitucionalmente reconhecidos como o da dignidade humana e valor social do trabalho, previstos no seu artigo 1º, III e IV” (CNTI, 2019).
As ADIs mencionadas acima ainda não foram decididas definitivamente, não obstante seguem apensadas, para que seja possível o seu julgamento conjunto, por parte do Supremo Tribunal Federal.
4.3. Do posicionamento do Ministério Público Federal e do Supremo Tribunal Federal em relação ao contrato de trabalho intermitente em sede de ADI
Em manifestação apresentada na ADI 5826, o Ministério Público Federal (MPF) demonstrou seu posicionamento favorável aos dispositivos que regulamentaram o contrato de trabalho intermitente, conforme dispostos na CLT, pela Reforma Trabalhista. Nessa perspectiva, sustentou o MPF:
“Ainda que se admita que o contrato de emprego típico possa gerar maior sensação de segurança ao trabalhador – principalmente em razão da visão cultural estabelecida por anos de vigência da CLT sem modificações tão substanciais como as implementadas pela Reforma Trabalhista –, necessário reconhecer que a modalidade de trabalho intermitente pode significar novas oportunidades para todos os envolvidos na relação, sejam empregadores ou empregados.
Isso porque, nesta nova forma de contrato, ou o empregado está trabalhando – e será devidamente remunerado por esse tempo laborado – ou está livre para buscar outras oportunidades, realizar diferentes trabalhos, executar outros projetos. A jornada mais flexível pode atender à expectativa de trabalhadores que almejam mais disponibilidade para o desenvolvimento de outros interesses. Tanto da perspectiva do empregador, quanto da dos trabalhadores, podem existir nuances que tornem o contrato intermitente melhor alternativa que a formalização de uma relação de trabalho nos padrões usuais.
[...]
Não há falar, assim, em fragilização das relações de emprego ou em ofensa ao princípio do retrocesso, considerando que, como visto, a inovação pode resultar em oportunidades e benefícios para ambas as partes envolvidas no vínculo de trabalho” (BRASIL, 2018).
Com base em outros vários argumentos, o MPF considerou, ainda, que, pelo fato de a CLT garantir ao empregado a remuneração proporcional aos serviços prestados, assegurando-se o salário-mínimo ou, se for o caso, o piso salarial (por hora, dia ou mês), não há que se falar em ofensa ao texto constitucional (BRASIL, 2018).
Quanto ao julgamento das mencionadas ADIs, pelo STF, o Ministro relator Edson Fachin conheceu parcialmente das ações e, na parte conhecida, julgou parcialmente procedentes os pedidos das ADIs, para declarar a inconstitucionalidade do artigo 443, caput, parte final, e § 3º; artigo 452-A, §1º ao § 9º, e artigo 611-A, VIII, parte final, todos da CLT, com redação dada pela Lei 13.467/2017. Em seu voto, o Ministro declarou:
“Com a situação de intermitência do contrato zero hora, instala-se a imprevisibilidade sobre elemento essencial da relação trabalhista formal, qual seja, a remuneração pela prestação do serviço. Sem a obrigatoriedade de solicitar a prestação do serviço, o trabalhador não poderá planejar sua vida financeira, de forma que estará sempre em situação de precariedade e fragilidade social.
Os direitos fundamentais sociais expressamente garantidos nos arts. 6º e 7º da CRFB estarão suspensos por todo o período em que o trabalhador, apesar de formalmente contratado, não estiver prestando serviços ao empresário. Não há como afirmar garantidos os direitos fundamentais sociais previstos nos arts. 6º e 7º da Constituição se não houver chamamento à prestação de serviços, pois o reconhecimento das obrigações recíprocas entre empregador e trabalhador dependem diretamente da prestação de serviço subordinado” (BRASIL, 2020).
Sob a ótica da Dignidade da Pessoa Humana, Fachin menciona a insegurança gerada em virtude do trabalho intermitente, sob os parâmetros da indefinição do tempo de trabalho e à de expectativa de remuneração, a qual pode até mesmo vir não existir no período do contrato. São as palavras do Ministro:
“Assim sendo, a norma impugnada, por não observar garantias fundamentais mínimas do trabalhador, não concretiza, como seria seu dever, o princípio da dignidade da pessoa humana, promovendo, na verdade, a instrumentalização da força de trabalho humana e ameaçando, com isso, a saúde física e mental do trabalhador, constituindo-se, por isso, norma impeditiva da consecução de uma vida digna” (BRASIL, 2020).
Os Ministros Nunes Marques e Alexandre de Moraes, acompanharam o voto do Ministro Edson Fachin, no que diz respeito ao conhecimento parcial das ações diretas. Todavia, divergiram no mérito e julgaram improcedentes as ações, declarando a constitucionalidade dos dispositivos impugnados.
Por outro lado, a Ministra Rosa Weber, com ressalvas, acompanhou o voto do Ministro Edson Fachin. Em sequência, mais especificamente em novembro de 2022, o processo foi destacado pelo Ministro Mendonça e o voto da Ministra Rosa Weber foi publicado, sendo essas as últimas movimentações no julgamento das ADIs.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir de uma análise da primeira seção deste artigo, fica evidente que os resultados viabilizados pelo contrato de trabalho intermitente não favoreceram os empregados, especialmente no que diz respeito aos valores médios dos salários percebidos mensalmente, os quais não chegam sequer ao valor de um salário-mínimo. Além disso, a insegurança proporcionada por essa modalidade contratual faz com que o empregado viva em constante situação de insegurança, de modo que se vê obrigado a aceitar qualquer convocação por parte do empregador, já que não sabe quando será novamente chamado para o trabalho.
Noutro giro, extrai-se do ordenamento jurídico brasileiro a existência de direitos e garantias que visam à proteção do empregado, parte considerada hipossuficiente na relação empregatícia. Contudo, o contrato de trabalho intermitente enfraquece as estruturas do sistema de proteção trabalhista brasileiro, de modo que não contempla os aspectos de saúde do empregado quando permite que um mesmo trabalhador firme diversos contratos intermitentes, mas sem criar qualquer regra que lhe assegure respeito ao descanso entre jornadas, nem ao repouso semanal. Ademais, esse contrato responsabiliza o empregado, em certa medida, pelo insucesso da atividade empresarial, já que ele somente será convocado se o empregador precisar, ou seja, apenas quando a atividade empresarial exigir, violando, assim, o princípio da alteridade.
Por derradeiro – apesar do entendimento diverso do Ministério Público Federal e dos Ministros Nunes Marques e Alexandre de Moraes –, a partir do entendimento do Ministro Edson Fachin e da Ministra Rosa Weber, não é exagero perceber o quão aviltante é o contrato de trabalho intermitente, haja vista que não preconiza o respeito à dignidade da pessoa humana. Isso porque, embora a Constituição Federal assegure direitos e garantias ao empregado, o contrato intermitente serve de verdadeiro instrumento relativizador dessas conquistas, de forma que cria subterfúgios que até mesmo propiciam o esvaziamento desses direitos e garantias, indo contra o princípio da vedação ao retrocesso.
REFERÊNCIAS
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[1] Orientadora, Mestre em Direito Privado com ênfase em Direito do Trabalho pela PUC Minas (CAPES 6); Pesquisadora junto ao Centro Universitário UNA. E-mail [email protected].
Acadêmico do curso de Direito no Centro Universitário UNA Betim, Instituição de Ensino Superior (IES) da rede Ânima Educação.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RIBAS, Tiago Cristiano. O contrato de trabalho intermitente em meio ao sistema jurídico de segurança e respeito à figura do empregado, no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 dez 2023, 04:26. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/64148/o-contrato-de-trabalho-intermitente-em-meio-ao-sistema-jurdico-de-segurana-e-respeito-figura-do-empregado-no-brasil. Acesso em: 22 nov 2024.
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