Resumo: Neste artigo, propõe-se a analisar o direito fundamental do trabalhador de proteção em face da automação, previsto no art. 7º, XXVII, da CF/88, no que tange a sua eficácia e a sua efetividade. A partir de lições extraídas de um evento relevante ocorrido no exterior (greve em Hollywood), argumenta-se que as convenções e os acordos coletivos de trabalho são, no Estado Democrático de Direito instituído pela Constituição Federal de 1988, instrumentos essenciais à concretização desse direito. Ao final, sustenta-se que as normas autônomas coletivas podem, se respeitado o princípio da proporcionalidade, restringir o uso da automação pelos empregadores, o que deveria ser observado pela jurisprudência trabalhista nacional.
Palavras-chave: Proteção em face da automação. Direito fundamental. Eficácia e efetividade de norma constitucional. Convenções e acordos coletivos de trabalho.
Abstract: This article aims to analyze workers’ fundamental right to protection against automation, provided for in Article 7, XXVII, of the Federal Constitution of 1988, in terms of its efficacy and effectiveness. Based on lessons learned from a relevant event that took place abroad (a strike in Hollywood), it is argued that collective labor agreements are, in the Democratic Rule of Law established by the Federal Constitution of 1988, essential instruments for making this right effective. Finally, it is advocated that autonomous collective rules can, if they respect substantive due process of law, restrict the use of automation by employers, which should be followed by national labor courts.
Keywords: Protection against automation. Fundamental right. Efficacy and effectiveness of constitutional rules. Collective labor agreements.
Sumário: 1. Introdução; 2. As evoluções tecnológicas e seus efeitos no mundo do trabalho; 3. Eficácia e efetividade do direito do trabalhador à proteção em face da automação; 4. Direito Coletivo do Trabalho – fontes autônomas de norma jurídica e os modelos de ordens justrabalhista; 5. A greve em Hollywood e suas lições para o Direito Coletivo do Trabalho no Brasil; 6. As possibilidades de efetivação do direito à proteção em face da automação por normas autônomas coletivas e decisões do TST e do STF relacionadas ao tema; 7. Conclusões. Referências
1. Introdução
A Constituição Federal de 1988, de forma inovadora[1], dispôs em seu art. 7º, inciso XXVII, que é direito do trabalhador urbano e rural “proteção em face da automação, na forma da lei”.
Porém, passados mais de 35 anos da promulgação da vigente Constituição, ainda pouco se avançou no tema, pois não há uma lei geral regulamentando esse direito do trabalhador e, mesmo na doutrina e na prática trabalhista, não há tantas discussões sobre o assunto.
No cenário atual de constantes e impactantes evoluções tecnológicas, com fortes mudanças no mundo do trabalho, este artigo busca contribuir com breves reflexões sobre a proteção do trabalhador em face da automação, buscando-se possibilidades de efetivação desse direito social, mesmo inexistindo uma lei ampla implementadora do art. 7º, XXVII, da CF/88.
Para tanto, entende-se necessário pesquisar o estágio de eficácia e efetividade da norma constitucional em questão, rememorar a importância do Direito Coletivo do Trabalho no Estado Democrático de Direito instituído pela Constituição Federal de 1988, realizar concisa descrição de um caso estrangeiro que pode trazer lições à prática do direito do trabalho nacional e analisar as principais e recentes decisões de tribunais superiores pertinentes ao tema.
Ressalve-se, por fim, que este artigo tratará a proteção em face da automação como uma “defesa do direito ao emprego digno”, ou seja, uma salvaguarda contra o risco de extinção massiva de postos de trabalho ou de precarização dos empregos atuais pelas novas tecnologias, pois este é um aspecto específico da garantia do art. 7º, XXVII, da CF/88. Destarte, a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança” é, com a devida vênia, direito já tutelado pelo inciso XXII do mesmo art. 7º da CF/88[2], não carecendo estar inserido também no conceito de “proteção em face da automação”.
2. As evoluções tecnológicas e seus efeitos no mundo do trabalho
No decorrer da história, as inovações tecnológicas foram, com frequência, um dos fatores estruturantes e de reorganização dos sistemas de produção, influenciando, naturalmente, o trabalho realizado nas sociedades que vivenciaram essas mudanças.
As invenções da máquina a vapor, da máquina de fiar e do tear mecânico, por exemplo, impulsionaram a chamada 1ª Revolução Industrial. Justamente nesse período, pelas transformações geradas no mundo laboral, surgiu o “Ludismo”, um dos primeiros movimentos coletivos de trabalhadores, caracterizado pela destruição de máquinas como forma de protesto pela modificação da vida laboral e pela substituição do ser humano por equipamentos.
Essa resistência às máquinas do movimento ludista é descrita, historicamente, como uma conduta irrefletida. Nas palavras de Karl Marx: “foi preciso tempo e experiência até que o trabalhador distinguisse entre a maquinaria e sua aplicação capitalista e, com isso, aprendesse a transferir seus ataques, antes dirigidos contra o próprio meio material de produção, para a forma social de exploração desse meio” (2013, p. 610).
Nesse ponto, é curioso notar que, hoje, é difundida a ideia de que não há como lutar contra e proibir o surgimento e o uso de novas tecnologias, sendo mais adequado e necessário regular suas consequências sobre a sociedade, inclusive, o mundo do trabalho.
Nas últimas décadas, as chamadas tecnologias disruptivas - microeletrônica, robotização, microinformática, internet e outras afetaram enormemente a relação capital-trabalho (LEME; RODRIGUES; CHAVES JÚNIOR, 2017). Uma das consequências do uso dessas novas tecnologias foi suscitar questionamentos sobre a própria existência de relação empregatícia nas atividades econômicas centradas nessas ferramentas. Como exemplo, é notória a discussão sobre a presença de vínculo de emprego no trabalho prestado por meio de plataformas digitais (TST, 2022 e STF, 2023).
Mais recentemente, as notícias (SORIMA NETO; NALIN, 2023) sobre os avanços da inteligência artificial trouxeram vários debates sociais (HARARI, 2023) e, no mundo do trabalho, uma específica preocupação sobre possível extinção massiva de empregos pela substituição do trabalhador, questão, porém, por si só, também controversa[3].
Assim, ainda que, na década de 1980, também se vivenciasse avanços tecnológicos, os dilemas que essas inovações trazem atualmente demonstram que o legislador constituinte de 1988 foi visionário ao prever, de forma inédita na ordem constitucional brasileira, a proteção em face da automação como direito fundamental do trabalhador.
Por conseguinte, como a previsão do art. 7º, XXVII, da CF/88 parece cada vez mais relevante para a realidade dos trabalhadores, é importante estudar a situação jurídica de eficácia e efetividade dessa norma constitucional.
3. Eficácia e efetividade do direito do trabalhador à proteção em face da automação
Ainda que a proteção em face da automação, por estar inserida no art. 7º da Constituição Federal de 1988, seja direito fundamental do trabalhador, sua eficácia plena, nos termos da própria previsão constitucional, dependeria de lei regulamentadora.
Com efeito, segundo a clássica teoria do constitucionalista José Afonso da Silva[4], o art. 7º, XXVII, da CF/88 contém norma de eficácia limitada, pois, em suma, é o legislador ordinário que lhe vai conferir executoriedade plena, mediante edição de leis integrativas (SILVA, 1998).
No ordenamento jurídico brasileiro, há leis esparsas que, para situações pontuais, acabaram por tratar dessa previsão constitucional.
Ainda antes da Constituição Federal de 1988, a Lei Federal 7.232/1984, conhecida como a Lei de Informática, previu, dentre os princípios que deveriam reger a Política Nacional de Informática, o “estabelecimento de mecanismos e instrumentos para assegurar o equilíbrio entre os ganhos de produtividade e os níveis de emprego na automação dos processos produtivos” (art. 2º, X). Mas a própria lei não trouxe regras específicas sobre os mecanismos e instrumentos por ela mencionados, tornando essa previsão legal inócua, sendo uma mera enunciação de princípio.
De forma mais específica, a Lei 9.956/2000 proibiu “o funcionamento de bombas de auto-serviço operadas pelo próprio consumidor nos postos de abastecimento de combustíveis, em todo o território nacional”. Essa lei é um bom exemplo das teses em disputa quando se discute proteção em face da automação, pois, apesar de ser alvo de críticas por, alegadamente, impor ineficiência econômica e violar o princípio da livre iniciativa (PACHER, 2022), a lei ainda está em vigor, em especial, com o objetivo de preservar emprego de frentistas (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2022).
A Lei nº 14.970/2005, do Estado do Paraná, proibiu, por 25 anos, a utilização de catracas eletrônicas, máquinas de astick e de bilhetagem eletrônica para emissão de bilhetes nos veículos de transporte coletivo, com vista à preservação dos postos de serviço dos cobradores e emissores de bilhetes. Essa lei estadual chegou a ser objeto da ADI 3690, no STF, mas essa ação direta acabou sendo extinta, por perda de objeto, pela posterior revogação da norma questionada pela Lei estadual nº 15.140/2006.
Cabe mencionar ainda a Lei nº 3.923/2006[5], do Distrito Federal, que criou hipótese de verdadeira garantia de emprego para cobradores de ônibus, mesmo em caso de implantação de bilhetagem eletrônica. Porém, em setembro de 2023, essa lei foi julgada inconstitucional pelo STF, no julgamento da ADI 3.899 (rel. Min. Nunes Marques), sob o fundamento central de violação da competência da União para legislar sobre o direito do trabalho.
Dessa decisão, aliás, é pertinente citar o seguinte trecho do voto do rel. Min. Nunes Marques: “governantes e sociedade precisarão, em algum momento, discutir a fundo o tema e regulamentar a delicada relação entre automação e perda de postos de trabalho – no que, aliás, a nossa Constituição foi visionária (CF, art. 7º, XXVII). Não cabe, porém, que entes locais se adiantem ao governo central para tratar desse tipo de matéria, que foge completamente à sua competência legislativa” (STF, ADI 3.899, p. 4 do voto do Min. Relator).
Como se vê, ainda que diferentes leis tratem dos efeitos da automação sobre certo grupo de profissionais, não há, até hoje, uma lei geral regulamentando o art. 7º, XXVII, da CF/88 para todos os trabalhadores. No Congresso Nacional, houve e ainda há vários projetos de lei com propostas sobre o tema[6], mas sem maiores avanços.
Nesse quadro, em julho de 2022, a Procuradoria Geral da República ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 73, apontando mora do Congresso Nacional em regulamentar o art. 7º, XXVII, da CF/88.
Na sua petição inicial, a PGR argumenta que “conquanto não proíba a automação, o art. 7º, XXVII, da CF exige que o ordenamento jurídico adote providências legislativas voltadas a proteger os trabalhadores diante desse inevitável fenômeno” e que “a proteção do trabalhador em face da automação há de gerar, portanto, em uma perspectiva atual, mecanismos que tutelem o emprego, a segurança e a saúde do trabalhador” (STF, ADO 73, petição inicial, p. 10/11).
É possível, assim, que o STF venha a discutir a omissão do legislador ordinário com mais profundidade, o que, com a devida vênia, não ocorreu quando do julgamento do Mandado de Injunção nº 618, de relatoria da Min. Carmen Lúcia[7].
Na doutrina, por sua vez, colhem-se várias sugestões de efetivação do art. 7º, XXVII, da CF/88, tais como propostas de alterações legislativas, reinterpretação de dispositivos já vigentes e possíveis condições para negociações coletivas[8].
De toda forma, mesmo em eventual procedência da ADO 73, no STF (ainda não incluída em pauta para julgamento), é preciso reconhecer que a edição de lei geral de proteção em face da automação, se ocorrer, ainda pode demorar muitos anos.
Todavia, a inércia do legislador ordinário não deve acarretar total ineficácia dessa norma, sobretudo, por se tratar de direito fundamental do trabalhador. De fato, apesar das diversas concepções sobre a aplicabilidade das normas constitucionais, a premissa sempre é de que inexiste norma constitucional completamente destituída de eficácia (SARLET, 2012).
Assim, a ausência de lei regulamentadora não deve acarretar a total inefetividade[9] da proteção do trabalhador em face da automação, sobretudo porque, no Direito do Trabalho de um Estado Democrático de Direito, a produção normativa não é ato exclusivo estatal. Assim, o art. 7º, XXVII, da CF/88 pode guiar a produção de normas autônomas coletivas trabalhistas.
4. Direito Coletivo do Trabalho – fontes autônomas de norma jurídica e os modelos de ordens justrabalhistas
Segundo as lições de Maurício Godinho Delgado, as fontes autônomas de direito “seriam as regras cuja produção caracteriza-se pela imediata participação dos destinatários principais das regras produzidas” (...) e “caso coletivamente negociadas e construídas – consubstanciam uma autodisciplinamento das condições de vida e trabalho pelos próprios interessados, tendendo a traduzir um processo crescente de democratização das relações de poder existentes na sociedade” (DELGADO, 2014, p. 140).
Destaca ainda o professor que “na dimensão de suas fontes normativas, o Direito do Trabalho inscreve notável especificidade perante o Direito Comum – compreendido este como o estuário jurídico geral e obrigacional básicos do Direito Civil. É que o ramo justrabalhista desponta como o ramo jurídico contemporâneo (em particular nos países centrais) que mais se integra de regras autônomas” (Ibidem, p. 140).
A produção autônoma coletiva de normas é fato tão marcante ao Direito do Trabalho que a própria caracterização de modelos das principais ordens jurídicas trabalhistas, ainda de acordo com Maurício Godinho Delgado, está baseada na importância que as normas autônomas têm em cada ordenamento.
No modelo negociado (ou de normatização autônoma e privatística), típico dos EUA e do Reino Unido, o Direito do Trabalho é fundamentalmente centrado em regras elaboradas por negociações coletivas. Por sua vez, no modelo legislado (ou de normatização privatística subordinada), o Estado delimita a atuação dos agentes particulares (em amplitude que varia conforme histórico de cada país), subordinando sua criatividade normativa, mas sem suprimi-la. Já o modelo autoritário (ou de normatização subordinada estatal) caracteriza-se por negar o conflito privado e as soluções autônomas que poderiam ser produzidas, relegando ao Estado, quase que exclusivamente, o poder de criar regras trabalhistas (Ibidem, p. 102/103).
No Brasil, como é cediço, o Direito do Trabalho tem forte origem estatal, até pelos longos períodos ditatoriais que o país enfrentou. Entretanto, a partir da Constituição Federal de 1988 e seus avanços democráticos, a ordem jurídica nacional elevou a importância das fontes autônomas justrabalhistas – notadamente, convenções e acordos coletivos de trabalho – e a institucionalidade que lhe sustenta.
Com efeito, o art. 8º da CF/88 assegura a liberdade associativa e sindical (caput e inciso V), a não interferência administrativa do Estado no funcionamento dos sindicatos (inciso I), a ampla capacidade de representação dos sindicatos em questões administrativas e judiciais (inciso III), a obrigatoriedade da participação dos sindicatos nas negociações coletivas (inciso VI) e a garantia do emprego ao dirigente sindical (inciso VIII). Ademais, é direito fundamental do trabalhador o “reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho” (art. 7º, XXVI, da CF/88).
Nesse quadro, ainda que o art. 7º, XXVII, da CF/88 disponha que a proteção em face da automação ocorrerá “na forma da lei”, isso não deve significar que somente o ato normativo estatal tem o condão de proteger o trabalhador.
De fato, diante do arcabouço constitucional que fortalece a normatização autônoma no Direito do Trabalho brasileiro, as convenções e acordos coletivos do trabalho devem ser vistos como instrumentos fundamentais à efetivação desse direito constitucional, ainda mais diante da inércia do legislador ordinário.
Nesse ponto, lembre-se que a evolução das novas tecnologias, com impactos no mundo laboral, é fenômeno global e que tende a ocorrer, primeiro, nos países de capacidade financeira e tecnológica mais avançada.
Assim, eventos ocorridos no exterior, no cenário de evolução tecnológica afetando milhares de empregos, merecem atenção, pois podem suscitar reflexões úteis sobre o que pode acontecer no ambiente trabalhista brasileiro em futuro próximo, não se olvidando, ainda, que o direito comparado é fonte subsidiária do Direito do Trabalho (art. 8º da CLT).
5. A greve em Hollywood e suas lições para o Direito Coletivo do Trabalho no Brasil
Em 2023, a indústria do entretenimento dos Estados Unidos, concentrada em Hollywood, se deparou com dois grandes movimentos paredistas: em 02 de maio, eclodiu a greve dos roteiristas e, em 14 de julho, começou a paralisação dos atores.
Nas tratativas que precederam a greve, houve discussões sobre remuneração e condições de contratação e trabalho, como geralmente acontece nos diálogos sindicais. Todavia, no decorrer das negociações, um aspecto novo acabou se tornando central para os grevistas: a utilização de inteligência artificial nas produções cinematográficas[10].
De fato, como amplamente noticiado (SANCHEZ, 2023), no decorrer das paralisações, roteiristas e atores de Hollywood demonstraram severa preocupação com os efeitos do uso da inteligência artificial sobre seus empregos, em especial, com a possível eliminação de milhares deles.
As greves dos roteiristas e dos atores foram encerradas, respectivamente, após 148 e 120 dias, com desfecho considerado vitorioso pelos profissionais, sendo que a regulamentação do uso de inteligência artificial pelos estúdios foi um dos pontos mais difíceis a ser debatido, justamente, pelas incertezas por possíveis mudanças de cenário em poucos anos (G1, 2023).
No caso dos roteiristas, os principais pontos do acordo celebrado foram (ALMEIDA, 2023):
a) estúdios e produtoras deverão informar sempre se qualquer material fornecido aos roteiristas foi gerado ou complementado por inteligência artificial;
b) a inteligência artificial não poderá ser considerada fonte do material literário final (“receber créditos de escritor”);
c) a inteligência artificial não poderá escrever ou reescrever materiais como roteiros e diálogos;
d) roteiristas podem utilizar inteligência artificial em seu trabalho, caso a produtora consinta, mas eles não podem ser obrigados por seus superiores a utilizar essas ferramentas.
Quanto ao sindicato de atores, a convenção previu, em suma, a necessidade de consentimento dos atores para uso da inteligência artificial para a criação e a utilização de: i) “réplicas” (inclusive de falecidos); ii) personagens digitais baseados em artistas; iii) figurantes digitais criados a partir de um ator que não filmou as cenas; e iv) simulação de voz, movimentos e expressões faciais de atores, criando conteúdos. Ademais, fixou procedimentos para uso da inteligência artificial e formas de compensação pelo uso de dados (imagens, voz etc.) dos atores (BLUM, 2023).
Essas foram as primeiras grandes greves, de que se tem notícia no mundo ocidental, nas quais os efeitos da inteligência artificial sobre a empregabilidade foram objeto fulcral do litígio. Por isso, ainda que a ordem justrabalhista norte-americana seja diferente da brasileira, esses eventos podem servir de reflexão para a prática trabalhista nacional.
Primeiramente, as convenções e os acordos coletivos de trabalho devem ser aptos a, pontualmente, limitar o uso da automação (tal como a inteligência artificial), a depender das circunstâncias de cada atividade econômica.
Não se trata de impedir a criação, a pesquisa e o desenvolvimento de novas tecnologias (respeitados os limites legais e éticos aplicáveis, obviamente), mas, sim, uma restrição negociada e justificada sobre seus usos e seus efeitos sobre o mundo do trabalho.
Portanto, a ideia corrente, em certo grau fatalista, de que a precarização e a extinção massiva de empregos por novas tecnologias são fatos inexoráveis, sendo inútil lutar contra eles, não deve ser aceita irrefletidamente.
De fato, com a devida vênia, há mais possibilidades de proteção em face da automação do que só orientar o trabalhador a se adaptar à realidade, buscando nova instrução e/ou outros empregos, e relegar ao Estado a função de socorrer os trabalhadores com programas de capacitação profissional e benefícios de seguro-desemprego (ESTEVES, 2013).
Outra lição que se pode extrair da greve em Hollywood: os sindicatos profissionais devem ficar cada vez mais atentos, pois a inteligência artificial e outras tecnologias evoluem constantemente e tendem a ser utilizadas nas mais diferentes atividades econômicas. Por isso, sempre que pertinente, o uso de tecnologias deve ser objeto de futuras negociações coletivas.
A especificidade e o grau de detalhamento das cláusulas dos acordos celebrados pelos roteiristas e atores de Hollywood podem trazer mais um ensinamento útil à realidade brasileira: nas disputas relativas aos efeitos dos avanços tecnológicos sobre a existência e a não-precarização de empregos, as regras criadas por normas autônomas têm claras vantagens sobre eventual proteção instituída por lei.
Naturalmente, a legislação não consegue acompanhar cada passo da evolução tecnológica, prever todas as hipóteses de incidência da automação nas atividades econômicas, quais consequências a automação trará para cada mercado de trabalho e quais as medidas mais adequadas para proteção dos profissionais em cada caso.
Nesse quadro, o contexto de evolução tecnológica é exemplarmente propício para exercício da autoregulação das condições de trabalho pelos próprios envolvidos no conflito, pois permite aos trabalhadores afetados pelas tecnologias avaliar as soluções mais adequadas a seus interesses e promover adaptações dessas condições ao longo do tempo.
Ressalve-se, porém, que a defesa de convenções e acordos coletivos de trabalho como forma de proteção do trabalhador em face da automação não significa dizer que eventual lei geral regulamentadora do art. 7º, XXVII, da CF/88 seria inútil. Em um Estado Democrático de Direito, a relação entre a normatização laboral estatal e a privada é de complementariedade, visando elevar o padrão de vida dos trabalhadores[11].
Ademais, há que se reconhecer que, a depender da área de atividade econômica, os sindicatos profissionais respectivos podem ter força social e capacidade de negociação diversas. No exemplo estrangeiro acima oferecido, sabe-se que os sindicatos de roteiristas e os de atores têm muita relevância social e histórica em Hollywood, além de forte influência na mídia.
Em várias atividades empresariais no Brasil, entretanto, é possível que os sindicatos de trabalhadores, ao discutir sobre proteção em face da automação, não tenham capacidade para sustentar uma greve, por exemplo. Nesse cenário, a norma estatal torna-se mais importante como instrumento de defesa dos trabalhadores.
De toda forma, não se pode esperar, por ainda mais tempo, a edição de lei ordinária para, só então, se efetivar a garantia do art. 7º, XXVII, da CF/88, sendo o fortalecimento das negociações coletivas no tema uma medida indispensável.
6. As possibilidades de efetivação do direito à proteção em face da automação por normas autônomas coletivas e decisões do TST e do STF relacionadas ao tema
Concluindo-se que a negociação coletiva é instrumento essencial, ainda que não exclusivo, para efetivação do direito fundamental do art. 7º, XXVII, da CF/88, é adequado avaliar algumas decisões de tribunais superiores pertinentes ao tema.
Em decisão proferida em abril de 2022, a Seção Especializada em Dissídios Coletivos (SDC) do Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu que a cláusula convencional que veda aos condomínios a substituição de empregados de portaria por centrais terceirizadas de monitoramento de acesso ou “portarias virtuais” é inválida, sob o argumento de que, além de afrontar os princípios constitucionais da livre iniciativa (art. 1º, IV, e 170, caput) e da livre concorrência (art. 170, IV), se colocaria em descompasso com as decisões do STF que reconheceram a ampla possibilidade de terceirização (ROT-7821-86.2018.5.15.0000, Rel. Min. Delaíde Miranda Arantes).
No acórdão desse recurso ordinário em ação anulatória ajuizada perante o TRT da 15ª Região, a motivação citou outra decisão da SDC, de relatoria do Min. Ives Granda filho (RO-1001907-21.2017.5.02.0000), em que, além de defender a liberdade de terceirização, se sustentou: “uma coisa é a Constituição Federal proteger o trabalhador frente à automação (art. 7º, XXVII) e outra muito diferente é proibir a automação, como se convencionou, não admitindo a contratação de empresas que operem centrais de monitoramento de acesso” (item 5 da ementa).
Como se vê, esse fundamento está associado à tese, já criticada acima, de que não seria válida a restrição do uso de automação, cabendo como proteção do trabalhador apenas medidas compensatórias pelos efeitos causados ao emprego (dispensa ou precarização).
Porém, o exemplo do teor das cláusulas dos acordos celebrados pelos profissionais de Hollywood, em especial, dos roteiristas, citado acima, demonstra que há circunstâncias em que a limitação do uso da automação é absolutamente pertinente.
É até juridicamente aceitável a discussão sobre se restrições ao uso da automação previstas em lei são compatíveis com o princípio constitucional da livre iniciativa (art. 1º, IV, da CF/88), pois, nessa hipótese, haveria intervenção estatal sobre atividade econômica privada, o que demanda justificativa constitucionalmente adequada (arts. 170 e 174 da CF/88).
Contudo, esse argumento não se aplica, da mesma forma, quando a limitação provém de norma autônoma coletiva, pois, nesse caso, o ente coletivo patronal participou da construção da regra proibitiva.
Evidentemente, as restrições criadas em convenções e acordos coletivos de trabalho devem respeitar a proporcionalidade, o que deve ser aferido no caso concreto. Por exemplo, em regra, é mais razoável limitar o uso da automação parcialmente (como aconteceu nos referidos acordos em Hollywood), pois proscrever inteiramente a tecnologia acabaria por retirar de toda a sociedade os benefícios da automação, com prejuízo mais elevado à eficiência econômica.
Ademais, geralmente, essas restrições devem ter caráter temporário (o que já é natural às normas autônomas coletivas – art. 613, II, da CLT), para que a limitação aos ganhos econômicos obtidos com a automação seja o suficiente para permitir uma transição suave aos trabalhadores afetados pela tecnologia.
Entretanto, sem adentrar no mérito do caso específico julgado pela SDC do TST, a tese abstrata de que, em qualquer contexto, proibir a automação, total ou parcialmente, mediante negociação coletiva, é necessariamente incompatível com a Constituição Federal de 1988 não deve ser acolhida. Ao contrário, vedar, de plano, restrições à automação em normas autônomas coletivas acabaria, aí sim, por violar o art. 7º, XXVII, da CF/88, afastando possibilidades de efetivação desse direito fundamental do trabalhador.
No ponto, lembre-se que, no julgamento do Recurso Extraordinário com agravo 1.121.633 / GO, rel. Min. Gilmar Mendes, o STF fixou a seguinte tese de repercussão geral (tema 1046): “São constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis”.
Como é cediço, nessa decisão, o STF promoveu ampla defesa das normas coletivas autônomas, visando restringir a intervenção judicial sobre a validade de suas regras[12]. Por isso, como fixado na tese de repercussão geral, o objeto inalcançável à negociação coletiva estaria somente nos direitos (dos trabalhadores) absolutamente indisponíveis.
Todavia, é curioso notar que, nas discussões sobre as possibilidades normativas dos acordos e das convenções coletivos, não se debate, salvo excepcionalmente, se direitos dos empregadores poderiam ser amplamente negociados nas pactuações coletivas.
Haveria direitos absolutamente indisponíveis pelos empregadores? É até possível sustentar que sim, mas não consta que o uso de novas tecnologias seja um direito fundamental inalienável do empreendedor.
Implementar a automação no processo produtivo, ou não, é, ao cabo, uma escolha estritamente econômica do empresário, tais como várias outras decisões adotadas na condução de sua atividade.
Assim, afirmado o princípio da equivalência dos negociantes (também mencionado no acórdão do RE 1.121.633 / GO como uma das balizas ou premissas básicas para a revisão judicial de normas coletivas), é possível ao ente representante dos empregadores dispor desse direito de usar a automação, total ou parcialmente.
Ato contínuo, apenas excepcionalmente, se demonstrado, no caso concreto, que a cláusula coletiva restritiva do uso da automação fere o princípio da proporcionalidade[13], poderia o Poder Judiciário invalidá-la.
Por fim, em outro aspecto pertinente à proteção em face da automação, não se deve olvidar que, no julgamento do Recurso Extraordinário 999.435 / SP, rel. Min. Edson Fachin), o STF fixou esta tese de repercussão geral (tema 638): “A intervenção sindical prévia é exigência procedimental imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores, que não se confunde com autorização prévia por parte da entidade sindical ou celebração de convenção ou acordo coletivo”.
Nesse quadro, é forçoso reconhecer que os projetos de lei que contém previsão de negociação coletiva prévia obrigatória em caso de dispensa em massa por automação (PL 4035/2019, de autoria do Senador Paulo Paim[14]) ou, até mesmo, para adoção da automação pelo empregador (PL 1091/2019, de autoria do Deputado Wolney Queiroz[15]), ainda que aprovados e sancionados, poderão ter sua constitucionalidade posteriormente questionada no STF.
7. Conclusões
As inovações tecnológicas são fonte de mudanças nas sociedades, nas atividades econômicas e, indubitavelmente, no mundo trabalho. Nos últimos anos, essas alterações afligem os trabalhadores, cada vez mais, pelo risco de extinção massiva de empregos ou de precarização do labor como hoje é realizado.
Assim, o constituinte de 1988, ao prever o direito fundamental de “proteção em face da automação” (art. 7º, XXVII, da CF/88) foi visionário, apesar de dispor que sua eficácia seria “na forma da lei”. De toda forma, na perspectiva constitucional de um Estado Democrático de Direito, exige-se a máxima efetivação dos direitos fundamentais.
Por isso, a despeito da inércia legislador ordinário em tratar da proteção em face da automação, a norma autônoma coletiva é instrumento adequado e essencial para se efetivar o art. 7º, XXVII, da CF/88, sobretudo, pela valorização que as convenções e os acordos coletivos de trabalho receberam na ordem jurídica nacional, a partir da Constituição Federal de 1988.
Como a evolução das novas tecnologias e seus impactos no mundo trabalho é um fenômeno global, as experiências de outros países, inclusive aqueles cuja ordem justrabalhista é centrada na negociação coletiva, são úteis ao Direito Coletivo do Trabalho no Brasil.
As recentes greves de roteiristas e de atores em Hollywood e os acordos celebrados ao final desses movimentos mostram que restrições ao uso da automação podem ser medidas válidas e adequadas para se adotar em negociações coletivas.
Portanto, a proposição abstrata de que, em qualquer contexto, proibir a automação, total ou parcialmente, mediante negociação coletiva, é incompatível com a Constituição Federal de 1988 não merece acolhida.
Conforme decidiu o STF, ao fixar a tese de repercussão geral no tema 1046, a CF/88 garante ampla liberdade negocial aos entes coletivos econômicos e profissionais, respeitados os direitos absolutamente indisponíveis, e o uso de automação não é um direito absolutamente inalienável do empregador.
Na esteira desse raciocínio, vedar, de plano, restrições ao uso da automação em normas autônomas coletivas viola o art. 7º, XXVII, da CF/88, afastando possibilidades válidas de efetivação desse direito fundamental do trabalhador.
Por conseguinte, o Poder Judiciário só deve invalidar regras dessa espécie inseridas em convenções e acordos coletivos de trabalho excepcionalmente, se demonstrado, no caso concreto, que a cláusula coletiva restritiva do uso da automação é desproporcional.
Referências:
ALMEIDA, Matheus. 1ª greve contra inteligência artificial tomou Hollywood como cenário. Invest News, 30 set 2023. Disponível em: <https://investnews.com.br/geral/hollywood-encerra-a-primeira-greve-contra-inteligencia-artificial-na-historia/> Acesso em 31/12/2023.
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[1] As Constituições brasileiras anteriores ao texto de 1988 não fizeram qualquer referência à proteção em face da automação, inclusive aquelas que estabeleciam rol de direitos do trabalhador (art. 121, CF/1934; art. 137, CF/1937; art. 157, CF/1946; art. 158, CF/1967; e art. 165, CF/1969).
[2] Na doutrina (JOSÉ FILHO, 2016), geralmente, interpreta-se o direito de proteção em face da automação sob duas perspectivas: uma relacionada à empregabilidade (ou seja, garantia contra extinção de empregos ou sua depreciação) e outra concernente ao meio ambiente de trabalho (segurança e saúde do trabalhador).
[3] Segundo Maurício Godinho Delgado, “não se pode esquecer que as inovações tecnológicas, no mesmo instante em que ceifam certos tipos de trabalho e emprego no sistema socioeconômico, imediatamente criam outros em substituição, atados estes à nova tecnologia substitutiva do labor precedente. (...) Nesse cenário, fica bastante claro não ser apenas negativa a relação da tecnologia com o trabalho, podendo, ao revés, ter efeitos realmente positivos na geração de novas funções, profissões e empregos” (DELGADO, 2015, p. 40).
[4] “Por isso, pode-se dizer que as normas de eficácia plena sejam de aplicabilidade direta, imediata e integral sobre os interesses objetos de sua regulamentação jurídica, enquanto as normas de eficácia limitada são de aplicabilidade indireta, mediata e reduzida, porque somente incidem totalmente sobre esses interesses após uma normatividade ulterior que lhes desenvolva a eficácia, conquanto tenham uma incidência reduzida e surtam outros efeitos não essenciais, ou melhor, não dirigidos aos valores-fins da norma, mas apenas a certos valores-meios e condicionantes, como melhor se esclarecerá depois. As normas de eficácia contida também são de aplicabilidade direta, imediata, mas não integral, porque sujeitas a restrições previstas ou dependentes de regulamentação que limite sua eficácia e aplicabilidade” (1998, p. 83).
No decorrer de sua obra, José Afonso da Silva ainda explica que as normas de eficácia limitada são de dois tipos: i) de princípio institutivo; e ii) de princípio programático, sendo estas últimas, em suma, programas para serem cumpridos pelos poderes constitucionais (legislativos, executivos, jurisdicionais e administrativos). Ademais, cabe destacar que o próprio José Afonso da Silva cita o art. 7º, XXVII, da CF/88 como exemplo de norma de eficácia limitada, definidora de princípio programático (Ibidem).
[5] Lei Distrital nº 3.923/2006:
Art. 1º A empresa de ônibus do Serviço de Transporte Público Coletivo do Distrito Federal que venha a implantar dispositivos de leitura e registro de oferta e demanda para a cobrança de tarifas pelo sistema de bilhetagem eletrônica deve assegurar, em cada veículo e durante todo o itinerário, funções de um assistente de bordo, de forma a manter o emprego de cobrador.
Parágrafo único. Mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho, a denominação assistente de bordo poderá ser substituída por outra que melhor expresse as novas funções definidas no art. 2º.
[6] PL 4035/2019 (Senador Paulo Paim), PLS 26/1994 (Senador Albano Franco), PLS 17/1991 (Senador Fernando Henrique Cardoso), PLS 74/1990 (Senador Fernando Henrique Cardoso), PL 1091/2019 (Deputado Wolney Queiroz), PL 2611/2000 (Deputado Freire Júnior), PL 1366/1999 (Deputado Paulo Paim), PL 34/1999 (Deputado Paulo Rocha), PL 3053/1997 (Deputado Milton Mendes), PL 325/1991 (Deputado Nelson Proença), PL 790/1991 (Deputado Freire Júnior), PL 2313/1991 (Deputado Luiz Soyer), PL 4691/1990 (Deputado Gandi Jamil), PL 6101/1990 (Deputado Jose Carlos Saboia), PL 4195/1989 (Deputado Nelton Friedrich), PL 2867/1989 (Deputado Costa Ferreira) e PL 2151/1989 (Deputada Cristina Tavares) – informação extraída da petição inicial da ADO 73, movida pela PGR, no STF, adiante citada.
[7] Em decisão monocrática proferida no MI nº 618, a Min. Relatora não conheceu do pedido formulado por falta de norma regulamentadora do inciso XXVII do art. 7º da Constituição Federal de 1988. Na motivação, afirmou-se, em suma, que “o art. 7º, inc. XXVII, da Constituição não estipula como direito do trabalhador proteção contra ‘inovações tecnológicas’, mas sim ‘em face da automação’, conceitos diferentes. Na automação substitui-se o trabalho humano pelo de máquinas. A inovação tecnológica está relacionada a mudanças na tecnologia, não havendo necessariamente a substituição do homem por máquina” (STF, MI nº 618/DF. Min. Rel. Carmen Lúcia, DJE 01/10/2014).
[8] Em artigo sobre o tema, Roseniura Santos e Érica Soares também apresentam suas sugestões de medidas para regulamentar o art. 7º, XXVII, da CF/88: a) tipificação da dispensa decorrente da automação do processo produtivo como despedida arbitrária ou sem justa (CF art. 7º, I, CF); b) fixação como condição das demissões à negociação coletiva; c) implementação de programa público de qualificação profissional voltada a processos de automação outras; d) concessão de benefícios fiscais e financeiros por parte de órgãos e entidades da Administração Federal a projetos que mantenham nível razoável de emprego; e) concessão de incentivos fiscais à criação de programas empresariais de capacitação, readaptação e realocação funcional, condicionados ao aproveitamento prioritário dos trabalhadores na própria empresa em processo de automação empresarial f) relativização da regra do art. 468 da CLT, permitindo a alteração de cargo e funções decorrentes da automação produtiva; g) adoção de proibição de processos de automação como medida excepcional, paliativa e provisória (SANTOS; SOARES, 2015).
[9] A efetividade das normas é também denominada de eficácia social, como explica Luís Roberto Barroso: “Cabe distinguir-se da eficácia jurídica o que muitos autores denominam de eficácia social da norma, que se refere, como assinala Miguel Reale, ao cumprimento efetivo do direito por parte de uma sociedade. ao "reconhecimento" (AnerKennung) do direito pela comunidade ou, mais particularizadamente, os efeitos que uma regra suscita através do seu cumprimento. Em tal acepção, eficácia social é a concretização do comando normativo, a sua força operativa no mundo dos fatos. Da eficácia jurídica cuidou, superiormente, José Afonso da Silva, para concluir que todas as normas constitucionais a possuem e são aplicáveis nos limites de tal eficácia” (BARROSO, 1994, p. 35).
[10] “As veterans of the five-month strike will tell you, concerns over the use of generative AI such as ChatGPT were not even top of mind when the writers first sat down with the studios to begin bargaining. The WGA’s first proposal simply stated the studios would not use AI to generate original scripts, and it was only when the studios flatly refused that the red flags went up.
That was when the writers realized studios were serious about using AI — if not to generate finished scripts, which both sides knew was impossible at this juncture — then as leverage against writers, both as a threat and as a means to justify offering lowered rewrite fees” (MERCHANT, Los Angeles Times, 2023).
Em tradução livre: Conforme veteranos da greve de cinco meses poderão dizer, preocupações sobre o uso da IA [inteligência artificial] generativa tal como ChatGPT não estavam sequer entre as principais ideias quando os roteiristas, pela primeira vez, sentaram-se com os estúdios para começar a negociar. A primeira proposta do WGA [sindicato dos roteiristas] simplesmente declarava que os estúdios não usariam IA para criar roteiros originais, e foi somente quanto os estúdios a recusaram categoricamente que os sinais de alerta soaram.
Foi então que os escritores perceberam que os estúdios estavam pensando seriamente em usar IA – se não para gerar roteiros prontos, o que ambos os lados sabiam que era impossível nesta conjuntura – então como vantagem contra os roteiristas, ambos como ameaça e como meios para justificar propostas mais baixas de comissões para revisão de textos.
[11] Conforme a doutrina de Maurício Godinho Delgado, “a legislação heterônoma surge como um produto social que se adiciona à atuação coletiva obreira, afirmadora do padrão democrático da gestão trabalhista alcançado nos setores mais avançados da economia. Não esteriliza o avanço político, social e cultural da classe trabalhadora, porque não lhe retira o essencial senso de cidadania e de sujeito social, nucleares à existência e consolidação de qualquer convivência democrática” (DELGADO, 2014, p. 105).
[12] Nas palavras do Min. Gilmar Mendes, em seu voto como relator do RE 1.121.633 / GO: “Simplesmente negar a autonomia coletiva para deliberar sobre condições de trabalho próprias a determinada categoria, promovendo anulações seletivas daquilo que foi acordado entre forças econômicas e profissionais autônomas, acaba por representar uma reedição da tutela do Estado sobre os sindicatos” (p. 21); e “Apesar de todo o arcabouço constitucional que não apenas legitima, mas estimula a negociação coletiva, não são incomuns decisões da Justiça do Trabalho que, a partir da análise do caso concreto, interpretam cláusulas previamente estipuladas de forma a restringi-las ou a anulá-las. Diante desse quadro, a definição dos limites da intervenção judiciária deve ser clara, a fim de evitar ingerências indevidas e preservar o pactuado” (p. 25).
[13] “O princípio da proporcionalidade divide-se em três subprincípios: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
A adequação ou idoneidade exige que a medida adotada pelo Poder Público seja apta para atingir a finalidade pretendida. Deve o Judiciário, na análise desse subprincípio, identificar se o ato emanado do Legislativo ou do Executivo é idôneo para alcançar os objetivos que inspiraram a edição da norma jurídica ou do ato estatal.
A necessidade ou exigibilidade, por sua vez, preconiza que o Poder Público adote sempre o meio menos gravoso possível para o alcance de determinados objetivos. Vale dizer: dentre as inúmeras medidas possíveis para alcançar determinado objetivo, deve-se optar pela que for menos gravosa para os direitos fundamentais.
Por fim, a proporcionalidade em sentido estrito encerra uma típica ponderação, no caso concreto, entre o ônus imposto pela norma e o benefício por ela produzido” (OLIVEIRA, 2006, p. 183).
[14] Art. 2º As pessoas naturais ou jurídicas e entes despersonalizados, que adotem programa de automação de sua cadeia de produção de bens e serviços somente poderão dispensar trabalhadores mediante prévia negociação coletiva e adoção de medidas para reduzir os impactos negativos da implantação do programa.
§ 1º As medidas a que se refere o caput devem incluir o reaproveitamento e a realocação de trabalhadores, por meio de processos de readaptação, capacitação para novas funções, treinamento e redução da jornada de trabalho.
§ 2º O direito de precedência no processo de reaproveitamento e realocação é conferido aos trabalhadores com maior idade e maior número de filhos menores de 21 anos ou dependentes.
§ 3º É anulável a ruptura contratual decorrente de processo de automação, quando descumprido o disposto nesta Lei.
§ 4º Considera-se processo de automação, para os efeitos desta Lei, todo processo de substituição ou implementação de tecnologia que implique na supressão total ou parcial de postos de trabalho, inclusive aqueles transferidos para preenchimento por empresa intermediária de contratação de trabalhadores, e sua substituição por processo ou equipamento total ou parcialmente automatizado.
[15] Art. 2º. A adoção ou implantação da automação, conforme definida nesta Lei, será obrigatoriamente precedida de negociação coletiva com o sindicato representativo da categoria profissional.
§1º. Em caso de inexistência de negociação coletiva prévia serão nulos, de pleno direito, os atos jurídicos tendentes à automação, cabendo reparação por perdas e danos, no que couber, aos trabalhadores prejudicados.
§2º. Inexistindo entidade sindical representativa da categoria profissional, formar-se-á comissão eleita pelos trabalhadores do estabelecimento para a específica finalidade da negociação versada no caput deste artigo.
Art. 3º. Para fins de discussão, consulta, implementação e fiscalização, como também para os fins do art. 2º, o empregador ou tomador de serviços é obrigado a comunicar ao sindicato da respectiva categoria laboral e à Superintendência Regional do Trabalho competente, com antecedência mínima de seis meses em relação à data de adoção ou implantação da automação, conforme definida no art. 1º desta Lei:
I - o tipo de equipamento, mecanismo, tecnologia ou processo a ser adotado, implantado ou ampliado;
II – o nível de impacto da nova tecnologia sobre as condições de trabalho;
III – a relação dos empregados atingidos com a mudança operacional;
IV – a planificação de treinamento e readaptação dos empregados, de modo a que eles possam vir a desenvolver ou desempenhar novas funções, para o mesmo empregador ou grupo econômico.
Pós-graduada (lato sensu) em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Universidade Anhanguera – Uniderp (2011). Graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (2009). Analista Judiciária de Área Judiciária do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RIBEIRO, Tarsila Vaz. A Proteção do Trabalhador em Face da Automação: A greve em Hollywood e as possibilidades de efetivação desse direito fundamental trabalhista no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 jan 2024, 04:50. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/64407/a-proteo-do-trabalhador-em-face-da-automao-a-greve-em-hollywood-e-as-possibilidades-de-efetivao-desse-direito-fundamental-trabalhista-no-brasil. Acesso em: 23 nov 2024.
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