RESUMO: A liberdade religiosa é um direito fundamental previsto na Constituição Federal de 1988. No entanto, sua concretização na sociedade brasileira ainda enfrenta desafios, como a intolerância religiosa e a discriminação contra grupos minoritários. Este artigo analisa o panorama sociocultural da liberdade religiosa no Brasil na nova era constitucional e no mundo. Para isso, faz uma revisão bibliográfica sobre o tema e analisa dados de pesquisas recentes. O artigo conclui que a promoção da liberdade religiosa no Brasil e no mundo requer ações de enfrentamento à intolerância religiosa e à discriminação contra grupos minoritários. Essas ações devem ser realizadas pelo Estado, pela sociedade civil e pelas instituições religiosas.
Palavras-chave: liberdade religiosa, intolerância religiosa, discriminação religiosa, Brasil
ABSTRACT: Religious freedom is a fundamental right enshrined in the Brazilian Federal Constitution of 1988. However, its realization in Brazilian society still faces challenges, such as religious intolerance and discrimination against minority groups. This article analyzes the socio-cultural panorama of religious freedom in Brazil in the new constitutional era and in the world. To do this, it conducts a bibliographic review on the topic and analyzes data from recent surveys. The article concludes that promoting religious freedom in Brazil and in the world requires actions to address religious intolerance and discrimination against minority groups. These actions should be carried out by the State, civil society, and religious institutions.
Keywords: religious freedom, religious intolerance, religious discrimination, Brazil
1. INTRODUÇÃO
A liberdade religiosa está situada, em uma perspectiva jurídica e sociológica brasileira, nas raízes do Estado brasileiro, representando a identidade do povo desde seu surgimento, até os dias atuais. Observando a importância do tema em análise na sociedade atual, é possível aferir a evolução histórica e jurídica construída, sobretudo após o advento da Constituição Federal de 1988.
Nesse sentido, é feita a análise valorativa, normativa e fática do tema, em uma perspectiva jurídica, analisando-se principalmente a construção do arcabouço jurisprudencial, fundamentado na constitucionalização da liberdade religiosa como direito fundamental.
Sob uma ótica jurídica antropológica, a liberdade religiosa é um direito humano reconhecido na Declaração Universal dos Direitos Humanos, o que ressalta a importância da tutela que o Direito brasileiro proporciona ao assunto, proporcionando relevância não apenas constitucional, mas supraconstitucional, conferindo segurança jurídica, que, cada vez mais, vem se exteriorizando na sociedade brasileira contemporânea.
A partir de uma breve análise histórico-constitucional, seguida de uma análise do Direito Comparado, será possível perceber a evolução, no sentido temporal e filosófico, da concepção de liberdade religiosa, desde o Brasil imperial até a era republicana, onde há laicidade e valorização crescente do direito fundamental de liberdade de crença, em busca de uma sociedade justa e igualitária, onde seja possível alcançar a valorização da pessoa humana enquanto objetivo fundamental do Estado brasileiro.
2. METODOLOGIA
presente resumo adota o procedimento metodológico indutivo, com a análise de artigos científicos, enunciados normativos, jurisprudência, doutrina e princípios gerais de direito, transubstanciando a face histórico-normativa da liberdade religiosa no Brasil em uma sucinta análise jurídica.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
3.1 A LIBERDADE RELIGIOSA NA HISTÓRIA CONSTITUCIONAL BRASILEIRA
Precipuamente, é fulcral pontuar que a liberdade religiosa nem sempre foi amplamente reconhecida como é nos tempos contemporâneos, nesse sentido, pode-se elencar o que enunciava o artigo 5° da Constituição do Império:
Art. 5. A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Imperio. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo.
Com uma análise axiológica do que postulava esse artigo da Lei Maior do Império, verifica-se que a liberdade religiosa era totalmente mitigada nesse período, posto que era admitido apenas o culto particular para quaisquer religiões que não fossem a oficial do Império, qual seja, a Católica Apostólica Romana, sendo vedada a manifestação pública das demais fés, o que, nos dias atuais configurar-se-ia como atentado evidente aos preceitos da Carta Magna, posto que ninguém pode ser perseguido por motivo de religião.
Avançando um pouco no tempo, a Constituição de 1891 consolida o Estado Laico, configurando-se como um grande passo para que posteriormente se pudesse alcançar a plena liberdade religiosa, nesse sentido, previa o artigo onze, parágrafo segundo:
‘’Art. 11, § 2º: é vedado aos Estados, como à União, estabelecer, subvencionar, ou embaraçar o exercício de cultos religiosos’’.
Com esse entendimento, as Constituições de 1934 e de 1937 repetiram os termos da Constituição de 1891, respectivamente no inciso II do art. 17 e na letra ‘b’ do art. 32. Da mesma forma estabelecia a Carta de 1946, no inciso II do seu art. 31, transubstanciado o avanço notável que consagrou a Constituição de 1891.
Ademais, a Constituição de 1967 seguiu os termos das constituições que a antecederam, especialmente no que diz o parágrafo 1, do artigo 150:
‘‘Art.150. § 1º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção, de sexo, raça, trabalho, credo religioso e convicções políticas’’.
Entretanto, seguindo o viés autoritarista, que possuíra, em virtude da ditadura militar, utilizava de termos jurídicos indefinidos para maior discricionariedade dos agentes militares, como no artigo 150, parágrafo quinto:
‘‘Art.150. § 5º - É plena a liberdade de consciência e fica assegurado aos crentes o exercício dos cultos religiosos, que não contrariem a ordem pública e os bons costumes’’.
Esse artigo tornava evidente a discricionariedade do agente estatal, posto que os ‘bons costumes’ podem variar de acordo com a concepção de quem os observa, tornando ampla a margem de atuação e, consequentemente, censura por parte do agente estatal.
Somado a isso, houve a previsão legal de algumas vedações ao poder público no que tange à liberdade religiosa
‘‘Art 9º - A União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios é vedado:
II - estabelecer cultos religiosos ou igrejas; subvencioná-los; embaraçar-lhes o exercício; ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada a colaboração de Interesse público, notadamente nos setores educacional, assistencial e hospitalar’’;
Outrossim, após o regime autoritário ruir, a Constituição Cidadã elevou a liberdade religiosa ao grau de direito fundamental, sendo o que prevê o Art. 5., VI:
Art. 5º, VI: é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
Somado a isso, manteve os termos da Constituição de 1967, com o estabelecimento de vedações análogas às que já estavam previstas. Tornou-se, portanto, protetiva do direito à liberdade religiosa, não estabelecendo religião oficial, suprimindo o Estado Teísta e consolidando o Estado Laico.
3.2 A LIBERDADE RELIGIOSA AO REDOR DO GLOBO
A questão da liberdade religiosa, entretanto, quando analisada em um cenário global atual, passa a ser um tema maior do que apenas um conceito de liberdade e de direitos humanos, passando a ser, em muitos lugares, questão de sobrevivência. Se, por um lado, no Brasil, a democracia permite que haja um debate multilateral sobre a pauta, dando segurança constitucional ao direito, é possível, em uma análise mundial, perceber que há países em que esse espaço não é disponibilizado.
A liberdade religiosa é importante por várias razões. Em primeiro lugar, é essencial para a dignidade humana. As pessoas têm o direito de escolher sua própria religião ou crença, sem medo de represálias. Em segundo lugar, a liberdade religiosa contribui para a paz social. Permite que as pessoas de diferentes religiões vivam juntas em harmonia, respeitando as diferenças uns dos outros. Em terceiro lugar, a liberdade religiosa é essencial para a democracia. Um governo democrático deve respeitar a liberdade de expressão, incluindo a liberdade de expressão religiosa.
3.2.1 A LIBERDADE RELIGIOSA NA HISTÓRIA DO MUNDO
Nos primeiros tempos, a religião era frequentemente usada para justificar a guerra e a violência. As pessoas eram forçadas a converter-se ou enfrentar a morte ou a prisão. Por exemplo, o Império Romano perseguiu os cristãos por séculos, e a Inquisição Católica Romana torturou e matou milhares de pessoas por heresia.
O Renascimento e a Reforma trouxeram novos insights sobre a liberdade religiosa. Os pensadores renascentistas enfatizaram a importância da razão e da individualidade, e os reformadores protestantes rejeitaram a autoridade papal e a doutrina da infalibilidade papal. Essas mudanças levaram a um aumento na tolerância religiosa na Europa.
O Iluminismo foi um movimento intelectual que enfatizou a razão e a liberdade. Os filósofos iluministas argumentaram que as pessoas têm o direito de pensar por si mesmas e de formar suas próprias crenças religiosas. Esses ideais foram incorporados na Declaração de Independência dos Estados Unidos, que afirma que "todos os homens são criados iguais, dotados por seu Criador de certos direitos inalienáveis, que entre eles estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade".
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1948, foi um marco importante na evolução da liberdade religiosa. A Declaração afirma que "todos têm o direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de professar sua religião ou crença, sozinho ou em comunidade, em público ou em particular".
No entanto, a liberdade religiosa ainda é uma conquista frágil em muitas partes do mundo. Milhões de pessoas são perseguidas ou discriminadas por sua religião ou crença. É importante continuar a trabalhar para promover a liberdade religiosa em todo o mundo.
3.3 A LIBERDADE RELIGIOSA NO CONTEXTO GLOBAL ATUAL
No Egito, país amplamente associado com a questão religiosa, a religião oficial é o Islã, conforme aduz o artigo 2º da Constituição, no entanto percebe-se, no artigo 64º do mesmo diploma, verbis:
Artigo 64º: A liberdade de crença é absoluta. A liberdade de praticar rituais religiosos e de estabelecer locais de culto para os seguidores das religiões reveladas é um direito organizado pela lei
Tal artigo demonstra a intenção de produzir a proteção do direito à liberdade religiosa. Entretanto, o último relatório da ACN internacional pontuou que houve uma crescente nos episódios de violência contra cristãos no país, além de não ter sido aprovada uma lei que facilitaria a construção e restauração de igrejas cristãs, prevalecendo o regime atual, onde cabe ao governador aprovar a construção ou reforma solicitada, podendo ou não justificar em caso de desaprovação, não cabendo recurso.
A liberdade religiosa é um direito fundamental consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, que afirma que "todos têm o direito à liberdade de pensamento, consciência e religião". No entanto, a liberdade religiosa ainda é uma conquista frágil em muitas partes do mundo.
De acordo com o Relatório Mundial da Liberdade Religiosa 2023 da Pew Research Center, 26% da população mundial vive em países onde a liberdade religiosa é restrita ou inexistente. Esses países estão concentrados principalmente no Oriente Médio e no Norte da África, mas também incluem alguns países na Ásia, África Subsaariana e América Latina.
Entretanto, existem muitos exemplos de restrições à liberdade religiosa ao redor do mundo. Alguns dos casos mais notáveis incluem:
● China: A China é um país onde a liberdade religiosa é severamente restringida. O governo chinês proíbe a prática de religiões não reconhecidas pelo Estado, como o Falun Gong e o cristianismo não-ortodoxo. Também impõe restrições à liberdade de expressão religiosa, como a proibição de publicar ou distribuir materiais religiosos sem permissão do governo.
● Arábia Saudita: A Arábia Saudita é outro país onde a liberdade religiosa é restrita. O governo saudita é uma teocracia islâmica que segue a doutrina wahabita, uma interpretação rigorosa do islã. O país proíbe a prática de outras religiões, e as pessoas que são pegas praticando uma religião não-islâmica podem ser condenadas à prisão ou à morte.
● Índia: A Índia é um país com uma grande diversidade religiosa. No entanto, a liberdade religiosa tem sido ameaçada nos últimos anos. O governo indiano tem sido acusado de discriminar as minorias religiosas, incluindo muçulmanos, cristãos e sikhs.
● Mianmar: Mianmar é um país onde a liberdade religiosa é severamente restringida. O governo birmanês tem sido acusado de perseguição contra a minoria muçulmana rohingya. Milhares de rohingyas foram mortos ou expulsos de suas casas, e muitos ainda vivem em campos de refugiados
Existem várias maneiras de promover a liberdade religiosa. Algumas das ações mais importantes incluem:
● Educação: É importante educar as pessoas sobre a importância da liberdade religiosa. Isso pode ser feito por meio de programas de educação pública, campanhas de conscientização e treinamento de líderes religiosos.
● Defesa: É importante defender os direitos das pessoas que são perseguidas ou discriminadas por sua religião ou crença. Isso pode ser feito por meio de organizações de direitos humanos, grupos religiosos e indivíduos.
● Ação política: É importante pressionar os governos a adotar leis e políticas que protejam a liberdade religiosa. Isso pode ser feito por meio de petições, cartas, telefonemas e participação em campanhas eleitorais.
Logo, é preciso destacar que a questão da liberdade religiosa é, tanto no Brasil como no cenário global, questão fundamental a se tratar quando o debate é o futuro do Direito e seus novos caminhos, para que não haja retrocesso, mas uma constante evolução, que cada vez mais permite a verdadeira manifestação desse direito tão importante, nesse sentido, prevê a Comissão de Liberdade Religiosa Internacional dos Estados Unidos - "A liberdade religiosa é um direito humano fundamental que é essencial para a dignidade humana e para a paz social."
4. CONCLUSÃO
Por fim, diante da análise histórico-jurídica feita, é possível entender que houve grandes avanços no que se refere à liberdade religiosa no Brasil, mais especificamente na alavancagem desse direito como direito fundamental. Além disso, observou-se que, atualmente, o Brasil pode ser considerado de fato um Estado Laico, embora ainda haja controvérsias ou discussões judiciais acerca da consolidação de entendimentos nessa seara. Outrossim, em relação ao panorama internacional, o Brasil está dentre os países com maior grau de liberdade religiosa juridicamente falando, embora do ponto de vista fático ainda existam diversos modos vedados e explícitos de discriminação.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Religious Freedom in the World Report 2023, Aid to the Church in Need International, June 2023. Disponível em: https://acninternational.org/religiousfreedomreport/pt/
Acadêmico de Direito na UFPel. Participa como bolsista do projeto de extensão "Direito Cuidativo" pela UFPel, fornecendo assistência jurídica a pessoas com problemas de saúde.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RICKES, Gustavo Raffi. Liberdade religiosa no Brasil: um panorama sociocultural na nova era constitucional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 jan 2024, 04:39. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/64446/liberdade-religiosa-no-brasil-um-panorama-sociocultural-na-nova-era-constitucional. Acesso em: 23 nov 2024.
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