RESUMO: A Teoria Geral do Direito é a matéria competente para analisar o fenômeno prático da aplicação do direito em um sistema, a conceituação dos princípios legais, e a própria formulação do Estado. A presente análise foi um breve estudo dos conceitos essenciais para o estudo do direito na prática, em especial quanto à concretização de temas de direito de caráter filosófico, especificando os meios de sua positivação no Ordenamento Jurídico e os resultados disso. Também são apresentados os conceitos de princípios e regras constitucionais e a utilização desses na estruturação do Direito e na solução de conflitos.
Palavras-chave: Estruturação do direito; Relações Legais; Valores Constitucionais
ABSTRACT: The General Theory of Law is the subject that aims to observe the practical application of the law in an organized society, as well as the concept of legal principles and the creation of an Estate. This analysis was a brief digression over the essential concepts for the study of Law in the practice, regarding specially the realization of subjects of Philosophy of Law, determining the ways in which it should be applied in the legal system and its reflections. Also, the present study will introduce a brief concept regarding the principles and constitutional rules that define and order the legal system, as well as its practical use in the structuring of the mentioned system and in the solution of conflicts.
Keywords: structure of the legal system; legal connections; constitutional values
INTRODUÇÃO
Dentro do estudo aprofundado da disciplina do direito, muitos são os ramos a serem observados e categorizados. Entre eles, é necessário realizar a observação das disciplinas de Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito, competentes na discussão e concretização do direito, não como questões diretas como as normas, mas presentes na evolução dos conceitos do próprio direito.
Na análise realizada pela Teoria Geral do Direito verifica-se a evolução no próprio sistema jurídico, concepção de justiça, direito, lei, e a própria estruturação governamental e legal.
São esses valores definidos que orientam um Estado e seus membros, evoluindo constantemente com esses para se adequar às novas situações complexas do cotidiano e vislumbrando a solução mais efetiva para esses.
A RELAÇÃO ENTRE DIREITO E JUSTIÇA
Destaca-se, primeiramente, a existência debatida entre os termos de direito e justiça. Seriam esses termos correlatos? Existem diferenças ou semelhanças?
Tratando-se de um debate extenso, é tomado para o presente estudo os conceitos de justiça e moral na conduta do indivíduo, objetivando uma simples análise acerca das diferenças dos conceitos, ainda que complementares.
Diante dos ensinamentos apresentados pelo Professor Paulo Nader, temos que a moralidade seria o resultado de uma ação ou inação que traga bem (ou bem-estar) ao indivíduo praticante, logo, tudo que fizer e resultar positivo a este, será moral, da mesma forma, se causar um mal, será imoral.
Já o conceito de justiça, seriam injustos aqueles atos que definitivamente abarcam prejuízo a outrem, de mesmo reflexo, justas são aqueles atos que ou beneficiam ou simplesmente não interferem no plano de um indivíduo terceiro.
Assim conceitua:
“A justiça, diversamente da moral, se caracteriza na conduta adotada, seja esta uma ação ou omissão. Revela-se no forum externum, no âmbito da conduta materializada. Ainda que bem-intencionado o agente, o seu comportamento se qualifica como injusto quando se distancia dos critérios legais e impõe danos a outrem. Já a avaliação moral se orienta pelo forum internum, de acordo com o desejo íntimo do autor da conduta.” (NADER 2021. p. 83)
Diante da narrativa exposta, o Direito poderia ser apresentado como o “mínimo moral” ou “mínimo ético” a ser tratado pela sociedade, haja considerado que ele não é capaz de regular a totalidade das ações e inações das pessoas a ele relacionada.
Contudo, ainda que não seja capaz de prever todas as hipóteses, deve ser estruturado o suficiente para diferenciar a boa e a má conduta, versando, ainda que minimamente sobre essas.
A utilização de conceitos como “o bem e o mal, o proveitoso e o inútil, o saudável e o nocivo” é caráter essencial para fundamentar e conceituar as normas jurídicas, além de que, na ausência dessas normas, deverá se basear nos conceitos abstratos para orientar suas decisões (NADER, 2021, p. 84).
Dito isso, há de se destacar a diferenciação pouco realizada na prática entre as bases do direito, o direito natural contra o direito positivo.
Tratando-se de longa discussão com a evolução social e jurídica, aborda-se de plano o posicionamento jusnaturalista atualmente vigente tanto na sociedade brasileira quanto em diversos outros países. Tal teoria é definida como a união entre os conceitos: do direito natural, que seria a essência da norma, inerente ao ser em razão de sua natureza; e o direito positivo, a concretização das normas e a tomada da regra escrita como única previsão válida.
Dentro do que já fora exposto, os conceitos de justiça e moral, constituídos pelo Direito Natural, são conceitos que não necessitam de uma norma escrita para serem válidas, pelo contrário, estão presentes em cada ser humano (em sua própria maneira) e são capazes de influenciar na geração de normas jurídicas, estruturando o sistema de regras de uma sociedade.
Já o “mínimo ético” apresentado por Paulo Nader, seria a conceituação do próprio Direito Positivo, o reflexo da justiça e moral numa estrutura que possa englobar, ainda que levemente, toda uma sociedade.
Ante o exposto, o Direito Natural e o Direito Positivo são conceitos que coexistem na realidade contemporânea, atuando de forma conjunta para o bom funcionamento do Direito. A atuação complementar dos conceitos surge na abstração do Direito Natural e conceituação mínima do Direito Positivo, o Ordenamento Jurídico resta devidamente estruturado na utilização de ambos para a melhor aplicação da norma.
Dessa forma, o Direito Natural seria o pressuposto para positivação da norma, mas também é utilizado para configurar o alcance e a validade do Direito Positivo, atuando como garantia de sua legalidade e ordem (NADER, 2021, p.199).
RELAÇÃO DO DIREITO COM A LEI
Com a distinção realizada anteriormente, percebe-se que, nos conceitos atuais existe a clara diferenciação entre o Direito e a Lei, sendo a última parte da primeira, mas não a sua totalidade.
Ainda assim, para a teoria jusnaturalista, o direito somente existe quando realizado o vínculo correspondente entre o Direito Positivo e o Direito Natural, o encontro entre a moral, justiça e o mínimo ético.
Logo, as normas estruturadas que não tratam acerca do bem individual ou causam danos a uma outra pessoa não podem ser consideradas como Leis justas, tanto como não poderiam ser consideradas parte do Direito puro.
Acerca dessa análise, temos a afirmação de Clóvis Lema Garcia, apresentada na obra de Maria Garcia:
“Se o direito se fundasse na vontade dos povos, nas decisões dos juízes, jurídico seria o roubo, jurídica a falsificação, jurídica a inobservância dos testamentos, sempre que tivesse a seu favor os votos ou assentimento da massa popular. E se o poder da opinião e a vontade dos néscios é tal que podem eles, com seus votos, perverter a natureza das coisas, por que não sancionam que se tenha por bom e salutar o que é mau e pernicioso? Se a lei pode converter em justiça a injustiça, por que também não pode converter o mal em bem? Ocorre que para distinguir a lei boa da má não temos outra norma senão a da natureza... A natureza nos deu assim um senso comum que inscreveu em nosso espírito para que identifiquemos o honesto com a virtude e o torpe com o vício” (GARCIA, 2020, apud. DINIZ, 2020, p. 183)
A grande consideração apresentada nos traz ao questionamento do certo e errado para um indivíduo ou grupo de indivíduos, que, ao normatizar seus entendimentos acerca do certo e errado ou bem e mal acaba por trazer a subversão desses conceitos.
É somente por meio do trato conjunto da sociedade na definição das normas e em sua positivação que a Lei de fato será conceituada como parte do Direito, visto que somente assim ela objetivará o mínimo a todos, trazendo a conexão entre o Direito e a Lei.
DIREITO E A NORMA JURÍDICA
Ainda que tratemos os conceitos de moral e justiça para a conceituação do que seria o Direito, esses não são tratos suficientes para defini-lo. Ora, considerando a possibilidade de conflitos entre o entendimento de um grupo sobre o que seria justo, como afirmar de fato que a minha justiça é de fato a mesma justiça conceituada por outro indivíduo?
É nesse tocante que se torna essencial a estruturação física do regramento, a criação de um sistema capaz de reger as relações interpessoais.
Assim aponta o professor Miguel Reale:
“No período anterior à Revolução Francesa, o Direito era dividido ou fragmentado em sistemas particulares, quer do ponto de vista das classes, quer do ponto de vista material e territorial. Havia um Direito para o clero, como outro havia para a nobreza, e outro ainda para o povo, ao mesmo tempo que cada região possuía seu sistema particular de regras, seus usos e costumes, muitas vezes conflitantes, regendo-se determinadas relações pelo Direito Canônico e outras pelo Direito Estatal.
Era um sistema jurídico complexo, dominado pelos esquemas gerais das Ordenações Regias, completadas pelos usos e costumes, pelos preceitos do Direito Romano e do Canônico, pela opinião comum dos doutores e os recursos ao Direito Natural, concebido este de maneira abstrata, como que um Código de Razão do qual defluía uma duplicata ideal do Direito Positivo.
Compreendem-se facilmente as dificuldades e os conflitos resultantes dessa coexistência de sistemas normativos, dando lugar a abusos e fraudes.” (REALE, 2010, p. 400 e 401)
Tão logo se percebe a possibilidade anterior de diferentes aplicações da norma, a depender da interpretação e tratamento legal dos diversos setores de uma sociedade (REALE, 2010). Seria isso realmente justo?
Para tanto, a questão do “mínimo ético” tratado pelo professor Paulo Nader é vital para que seja garantida à integralidade de um povo a paridade no tratamento, o que seria impossível caso considerada a validade de conceitos sociais ou personalíssimos para diferenciar as pessoas (NADER, 2021).
Tratando-se de um grande marco na evolução do tratamento da sociedade, Miguel Reale destaca o Código Napoleônico que, por influências iluministas, tratou acerca da criação dos conceitos de liberté, egalité e fraternité, garantindo, então, a hegemonia de tratamento das pessoas na nação francesa, o que serviu de exemplo para as demais nações (REALE, 2010)
Nesse tocante, apresenta a essencialidade do vínculo entre a disposição natural e a positivada:
“Os usos e costumes têm uma vantagem, que é a de refletir, de maneira imediata e mais autêntica, as aspirações de um povo, mas os comprometem sobremodo a particularidade, a insegurança e a incerteza de seus imperativos.
O Código Civil, pondo paradeiro aos conflitos das normas costumeiras e ao cipoal dos textos extravagantes, representou um corpo harmônico e logico de preceitos, como expressão da razão mesma, capaz de atender a todas as hipóteses ocorrentes na vida, de maneira que tudo já estivesse de certo modo garantidamente ordenado no sistema legislativo.” (REALE, 2020, p. 402)
Com isso, afirma-se que a conexão entre o íntimo da sociedade e a sua reflexão na norma positivada, podendo, assim, criar de fato o Direito que englobe a totalidade dos envolvidos, sendo o pensamento intrínseco base para a estruturação da norma, bem como meio para que essa venha a ser aplicada.
AS CAUSAS DO DIREITO
Com a exposição acerca do Direito Natural e do Direto Positivo, temos definido o posicionamento mínimo para a conceituação do Direito na visão jusnaturalista. Contudo, quais seriam os fatores determinantes para que esse direito seja formado e desenvolvido?
Assim como na filosofia geral, poderíamos apresentar os conceitos de Thomas Hobbes, em que o homem necessita da ordem estatal para definir a sua conduta, ou até a teoria de Jean-Jacques Rousseau, em que a sociedade acaba por corromper o homem intrinsecamente bom.
Sob essas duas óticas narradas, restam elencados dois pontos chave: o homem como indivíduo; e o homem na sociedade.
Durante a presente análise, tratou-se extensamente do Direito como a garantia do tratamento igualitário entre as pessoas, trazendo a possibilidade do homem em garantir seus direitos pessoais, mas também para garantir seu trato com outras pessoas e com o próprio sistema estatal. Em todas essas situações resta o Direito como meio para regular a sociedade e a vida em sociedade.
Filosofando sobre essa análise, aponta Paulo Nader:
“Pela definição kantiana de Direito, este seria “o complexo das condições que possibilitam a coexistência do arbítrio de cada um com o arbítrio dos outros, segundo uma lei universal de liberdade”. (...) Del Vecchio, em consecutivum, apresentou a sua definição (...) O conceito do Direito foi por ele definido como: “A coordenação objetiva das ações possíveis entre vários sujeitos, segundo um princípio ético que as determina, excluindo qualquer impedimento.”” (NADER, 2021, p. 268-269)
Ainda que tratem de forma diferente sobre o tema, as análises ora apresentadas versam sobre o homem e a sua relação com a sociedade.
A lógica de Immanuel Kant baseia-se na limitação da liberdade individual quando essa conflita com a liberdade de outro, já o pensamento del vecchiano limita as atuações do homem por meio de suas próprias concepções íntimas acerca do mal, do bem e do querer, tratando-as em seu campo de Direito e Moral.
Ambas acabam por trazer questionamentos objetivos acerca da conduta, e de fato, por mais que se considere a reserva íntima da pessoa, essa não pode ser fator para limitar a atuação, até porque cada indivíduo possui a sua individualidade. A estruturação de um limite na liberdade é a forma capaz de assegurar a sua eficácia no plano prático.
O BEM E O MAL NA LEI
Ainda que definidos os limites da atuação individual através de regras, resta o questionamento acerca da própria norma, considerando que o direito postulado nem sempre reflete o conceito direto sobre o bem e o mal. A simples definição do permissivo e proibitivo é incapaz de definir a fundo essas questões.
Sobre isso afirma Montesquieu:
“O homem, como ser físico, é, assim como os outros corpos, governado por leis invariáveis. Mas, como ser inteligente, ele viola sem cessar as leis estabelecidas por Deus, e muda as que ele próprio estabelece.
Ele precisa conduzir-se. E, no entanto, é um ser limitado: sujeito à ignorância e ao erro, como todas as inteligências finitas. E os tênues conhecimentos que tem, ele os perde ainda, pois, como criatura sensível, ele se torna servo de mil paixões.” (MONTESQUIEU, 1993, Trad. MOTA, 2004, p.82-83)
Com a análise apresentada temos que, ainda que estruturadas num espaço-tempo em que a norma possa ser, de fato, a definição entre certo e errado, esses próprios conceitos sempre se encontram em evolução e mutação, visto que, se o legislador, sendo ser humano, é capaz de falha, logo, suas normas também.
É ante a constante evolução no pensamento e na sociedade que a interpretação se faz essencial para definir a verdadeira essência da lei, haja visto que o simples texto definito acaba por vezes limitando ou subvertendo a essência natural que o originou.
Nesse tocante, Maria Garcia apresenta breve enxerto de Maria Helena Diniz:
“Se norma jurídica é produto da atividade consciente do homem, há de servir a fins, que hão de ter um conteúdo valioso, devendo ser compreendida na integridade deles, segundo conexões determinadas valorativamente. Compreender a norma jurídica é revelar o sentido.” (GARCIA, 2020, p. 188)
Reafirma-se que a sociedade não é um conceito estático, mas sim em constante movimento e evolução, principalmente em seu entendimento sobre o certo e errado, o que se deve ou não fazer.
Em razão da constante evolução, é natural que uma norma anterior deixe de refletir as conceituações mais atuais de um povo, o que torna vital a sua modulação a fim de trazer respaldo ao direito interno da sociedade.
Todavia, a evolução normativa, ainda que buscando refletir o pensamento social, não pode gerar inseguranças e instabilidades para as pessoas que se encontram sob o seu regramento.
Sobre a evolução das normas e a necessidade de sua reflexão sobre a sociedade que ela rege, versa Montesquieu:
“A lei, em geral, é a razão humana, tanto que ela governe todos os povos da Terra; e as leis políticas e civis de cada Nação não devem constituir senão casos particulares em que se aplica essa razão humana.
Elas, as leis, devem ser de tal forma apropriadas para um povo, para o qual são feitas, que será grande coincidência se as leis de uma Nação servirem para outra. (...)
Elas devem ter relação com o elemento físico do País; com o clima gelado, ardente ou temperado; com a qualidade do terreno, a sua situação, sua extensão; com o gênero de vida dos povos -agricultores, caçadores ou pastores. (...)
Enfim, elas guardam relação entre si, e com a sua origem, com o objetivo do legislador, com a ordem das coisas para as quais são estabelecidas.
É sob todos esses aspectos que precisa considerá-las.” (MONTESQUIEU, 1993, Trad. MOTA, 2004, p. 85-86)
Ocorrendo alterações marcantes na sociedade, respectivamente nos elementos que são essenciais às leis, devem essas também ser alteradas, levando em consideração tanto o aspecto físico quanto mental daquela população.
Contudo, conforme apontado anteriormente, a simples mudança conceitual não deve ser razão para a mudança no texto da lei, veja que a constante alteração traz consigo a violação à segurança e a justiça, em qual hipótese poderia a nova norma interferir naquilo que já foi tratado pela norma ultrapassada?
Exemplo disso no direito brasileiro é a possibilidade de alteração numa condenação penal, art. 2º, do Decreto-Lei nº 2.848/1940, e art. 5º, XL, da Constituição Federal). Nesse exemplo específico temos que a consciência social é alterada acerca de um crime, sendo que um ato típico pode se tornar atípico (BRASIL, CÓDIGO PENAL. Lei 2.848, 1940; BRASIL. CF, 1988)
Dadas algumas poucas exceções, a norma brasileira é clara em respeitar o que já foi definido em lei anterior, garantindo, assim a estabilidade no tempo e espaço art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal (BRASIL. CF, 1988).
Dessa forma, a Lei, considerando-a como a expressão do Direito Positivo, deve refletir o Direito Natural, contudo, não pode ser alterada a ponto de trazer instabilidade sobre assuntos discutidos e findos anteriormente a mudança social.
PRINCÍPIOS E REGRAS CONSTITUCIONAIS
É em razão da constante evolução da comunidade, e consequentemente das normas, que restam institucionalizados comandos constitucionais, tratados com o objetivo de garantir a prevalência de uma norma sob a outra considerando as questões naturais da sociedade e o seu clamor, respeitando, contudo, aquilo que já se encontra seguro e garantido.
Para tanto, restam traçados no texto constitucional diversos princípios e regras capazes de definir a norma a ser seguida no caso prático, haja visto que a constante evolução normativa acaba por apresentar, também, embates sobre a norma que deve finalmente ser aplicada ao caso prático.
Antes de tudo, devemos traçar a diferença apresentada acerca dos termos “princípio” e “regra”.
Princípio seria aquele conceito com o objetivo de nortear o ordenamento jurídico, sendo fundamental para seu estabelecimento e interpretação. Acerca dos princípios, afirma Paulo Nader:
“É que neles se acham concentradas as ideias diretoras dos sistemas jurídicos. Quem pretende assimilar a cultura jurídica há de cultivá-los, pois é a partir deles que se elaboram teorias e códigos. Há princípios de natureza estritamente jurídica e há outros, não jurídicos, consagrados pelos ordenamentos, como os pertinentes à moralidade. Embora se fundamentem na razão – estão impregnados de racionalidade – tais princípios são alcançados pela via da experiência. Pode-se dizer que o Direito são princípios e derivações de princípios.” (NADER, 2021, p. 122)
Logo, os princípios seriam os conceitos abstratos que fundamentam as normas de um Estado, tanto de ordem moral quanto de ordem jurídica. São criados a partir da consciência coletiva, através dos conceitos de justiça e moralidade, e trazem consigo a os meios de aplicação e interpretação da norma positivada.
Os princípios existentes no Direito Natural e no Direito Positivo servem como guias para o estabelecimento de normas, mas também atuam na lacuna dessas, também servindo para solucionar conflitos de interpretação, aplicando uma forma de pensar específica ou fortalecendo um posicionamento já existente.
A aplicação de princípios para a solução de conflitos encontra-se codificada, por meio da Lei de Introdução às Normas do Direito brasileiro:
Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
Art. 5o Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.
Em situações em que a lei é omissa, é função dos princípios legais encontrar um meio de solução, preenchendo as situações práticas onde a norma tipificada não alcança.
A utilização de normas por analogia ou costumes, limitando a atuação do magistrado, também se faz essencial, impedindo atos radicais desse e que possam ao fim desvirtuar os fundamentos e princípios do Direito.
Por outro lado, as regras jurídicas podem se classificar como a concretização dos princípios legais, tanto de forma pura e literal ou como interpretações desses, estabelecendo, assim, o regramento jurídico.
Sobre as regras, afirma Paulo Nader:
“Os princípios não se confundem com as normas jurídicas e a distinção básica consiste na abstratividade, que é maior naqueles. De um modo geral, os princípios são expressos na constituição e na doutrina, como diretiva para o legislador ordinário e para o intérprete do ordenamento. Dado o seu elevado grau de abstratividade, os princípios geralmente são insuficientes para a disciplina social; necessitam das normas jurídicas como instrumento de sua aplicabilidade.” (NADER, 2021, p. 123)
Ante a análise, temos que os princípios são as vias norteadoras do ordenamento jurídico, trazendo orientação para a sua estrutura, bem como servindo para suprir a sua falta em casos específicos, contudo, em razão de sua abstratividade, não podem reger sozinhas a vida em sociedade, sendo necessárias normas reflexas a esses princípios, tanto de forma direta quanto indireta, para tratar mais especificamente sobre uma hipótese.
De mesma forma, o próprio texto constitucional, apesar de servir como alicerce ao restante do Ordenamento Jurídico brasileiro, não contém somente princípios. Apesar de deter, sim, tanto princípios implícitos e explícitos, também possui normas e regras capazes de estruturar todo o sistema do Estado de forma não principiológica.
A organização dos poderes e do sistema de governo nada dependem de princípios, se estruturam através de acordos e convencimentos causados pelo Poder Constituinte, tanto o originário quanto o derivado.
CONFLITOS LEGAIS
Dentro da existência de diversos princípios e regras, bem como a constante evolução no pensamento da sociedade, é evidente a existência de situações em que a norma jurídica entra em conflito consigo mesma, uma lei contrariando outra.
Na aplicação prática do Direito temos diversas hipóteses que evidenciam o conflito de direitos de um sobre o outro, ou mesmo um direito novo sobre um direito antigo, o que resta popularmente conhecido como o conflito aparente (ou até mesmo direto) de direitos.
Nesses casos, a aplicação dos princípios constitucionais e das regras estruturadas, bem como entendimentos teóricos e doutrinários, é visada para solucionar os conflitos práticos.
Para narrar sobre os entendimentos teóricos, debruçamos antes na teoria de Hans Kelsen e a “pirâmide de Kensen”, situação em que a ordem das leis e o seu sistema hierárquico é capaz de solucionar os conflitos aparentes, em razão do poder hierárquico de uma norma sobre a outra.
Aponta Miguel Reale:
“Para Kelsen, como vimos, o Direito não é senão um sistema de preceitos que se concatenam, a partir da Constituição, que a norma fundamental manda cumprir, até aos contratos privados e às sentenças. Desse modo, a concepção kelseniana redunda em um monismo normativista, do ponto de vista da atividade jurisprudencial. Consiste essa doutrina em dizer que para o jurista a realidade não pode ser vista a não ser como sistema de normas que se concatenam e se hierarquizam. Todo o mundo jurídico não é senão umas seqüência de normas até atingir, sob forma de pirâmide, o ponto culminante da norma fundamental, que é “condição lógico-transcendental” do conhecimento jurídico.” (REALE, 2010, p. 459)
Dessa forma, a estrutura hierárquica formada pelo ordenamento jurídico seria capaz de solucionar a sobreposição necessária de normas conflitantes.
Contudo, existem situações em que as normas se encontram em um mesmo patamar hierárquico, e para esses casos, a utilização das regras e princípios norteadores do Direito se fazem essenciais.
Para tanto, voltamos a conceituação dos princípios e regras, agora sob a ótica de Robert Alexy e Ronald Dworkin, que apresentam as teses de separação rigorosa e fraca, teses essas que distinguem os conceitos acima tratados com base em sua natureza e objetivo final.
Para Dworkin, defensor de uma separação rigorosa entre princípios e regras, aponta que a diferenciação mais clara seria realizada pelo “tudo ou nada”, aplicável às regras. Para essa teoria, ante o conflito de regras, apenas uma prevalecerá, enquanto a outra deixará de pertencer ao ordenamento jurídico. Apenas uma norma pode versar sobre um tema no sistema legal.
Os princípios, por sua vez, por não possuírem uma decisão estrita de conduta, não são conflitantes-excludentes, o que realizam, de fato, são sugestões de ação. Dessa forma, havendo o conflito de princípios, um prevalecerá, mas somente diante daquela situação, não excluindo o outro de futura interpretação sobre tema diverso, ainda será válido no ordenamento jurídico.
Eventuais conflitos definidos seriam tratados como contraexemplos de um princípio, situações em que ele será sobreposto por outro ou deixará de ser aplicado, mas nunca deixando de valer no ordenamento. (ALEXY, 2018.)
Seguindo a distinção lógica e não hierárquica entre os princípios e regras, Robert Alexy apresenta a tese da conformidade,
Para essa tese, não existiria uma separação direta acerca de princípios e regras, ambos poderiam ser fundamentados pela mesma lógica e aplicados de mesma maneira.
Ainda, Robert Alexy aponta a tese da separação fraca, que utiliza tanto de uma separação lógica quanto de uma separação hierárquica.
Para o autor, as três teses ainda teriam certa relação:
“As três teses se relacionam em um sentido amplo, que inclui na estrutura lógica das regras e dos princípios coisas como as formas da aplicação e as formas da colisão. Ao lado de tais tipos de critério, ou em concorrência com eles, muitos outros critérios de distinção podem ser pensados e são frequentemente mencionados. Assim poderia se cogitar distinguir regras e princípios de acordo com o modo de sua formação, por exemplo se elas foram criadas ou expandidas, de acordo com o caráter explícito de seu conteúdo de valor, de acordo com seu conteúdo moral, sua relação com a ideia de direito ou com uma lei jurídica superior, de acordo com seu significado para o ordenamento jurídico ou de acordo com a certeza de seu reconhecimento, com sua validade geral ou com sua ubiquidade. Interessam também outros critérios de distinção lógicos em sentido amplo. Assim foi sugerido distinguir regras e princípios considerando se eles são fundamentos para regras ou regras em si mesmas, ou ainda de acordo com seu objeto de regulamentação, por exemplo, se eles são regras de argumentação ou regras de comportamento. A frequentemente salientada multiplicidade dos tipos de princípios vai de encontro à multiplicidade desses critérios. O catálogo mais colorido é apresentado por Esser, que distingue os princípios em axiomáticos, retóricos e dogmáticos, imanentes e informativos, princípios jurídicos e princípios do direito, e princípios de construção e de valor, dentre outros.” (ALEXY, 2018, p. 149)
Diante do apresentado, fica simplificada a distinção entre os princípios e regras constitucionais, tanto pela sua formação, quanto pela sua relação com outros dispositivos legais.
Os princípios, originados a partir de intensa discussão e fundamentados para guiar o ordenamento, muitas vezes não limitados ao texto legal, buscam, além de nortear o direito, também apresentam meios para interpretação e aplicação desse.
Por outro lado, as regras constitucionais são a concretização de uma conduta a ser realizada ante a ocorrência de uma determinada hipótese, sendo, dessa forma, o enquadramento da realidade e definindo um meio de agir diante disso.
A abstratividade dos princípios e concretização das regras, tal conceituação já inicia um pensamento lógico do posicionamento superior dos princípios sobre as regras, em que aquela influenciaria essa.
A CRIMINALIZAÇÃO, CONCEITUAÇÃO DO BEM E MAL
Diante da narrativa exposta, partimos para uma situação mais prática a fim de ilustração.
Com a existência de diversas regras e princípios que regem o direito brasileiro, a ocorrência de conflitos entre esses acaba por ser situação constante. Diante de tais situações, a mitigação e sobreposição de conceitos acaba por ser fenômeno comum.
Visando os direitos do réu no direito penal, por exemplo, temos no próprio texto constitucional a máxima de respeito aos direitos humanos, a ser praticado tanto pelo Estado quanto pela sociedade.
É inclusive na Constituição Federal que encontramos diversas vedações à legislação inferior quanto ao que pode ser tipificado como crime e quais as penas cabíveis:
Art. 5º:
XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:
a) privação ou restrição da liberdade;
d) prestação social alternativa;
e) suspensão ou interdição de direitos;
(BRASIL. Constituição da Republica Federativa, 1988)
As previsões dadas pelo texto constitucional definem as limitações legislativas para as normas infraconstitucionais, Código Penal e outras leis especiais. Ainda que apresentem várias hipóteses de crimes e penas, nunca podem ultrapassar os limites constitucionais.
As limitações ainda não restam somente nas definições da Constituição, mas também para tratados internacionais de direitos humanos os quais o Brasil é signatário.
Ainda que tratadas de forma expressa, percebe-se a existência de conflitos entre a aplicação de uma sanção penal com os direitos do réu.
A contrariedade entre o direito à liberdade, previsto no caput do art. 5º, da Constituição Federal estaria em conflito com o direito à vida, à segurança e à propriedade de outras pessoas, presente no mesmo texto do caput.
Afinal, qual deve se sobrepor?
Nessas hipóteses cabe a atuação interpretativa do magistrado, aplicando a teoria ao caso, definindo os limites para a aplicação de uma norma sobre outra e decidindo pela absolvição ou condenação (e a dosimetria a ser aplicada).
Mesmo havendo a condenação, ainda devem ser respeitados os direitos do acusado, tal como a vedação à tortura, art. 5º, III, e até mesmo a sua condenação à prisão perpétua, art. 5º, XLVII, “b” (BRASIL. CF, 1988).
Percebe-se assim a existência constante de conflitos dentro do próprio ordenamento jurídico, existindo, para tanto, diversos meios de solução e definição sobre qual norma deverá ser aplicada ao caso.
Especificamente em matéria de Direito Penal, preza-se pela vida e segurança, entretanto, a restrição do réu não pode ser tanta que chegue a violar os seus direitos humanos, situações em que este acaba por prevalecer ante a penalização.
A mitigação e reavaliação das normas a serem aplicadas em matéria penal é constante, contudo, conforme exposto, são diversos os meios para a solução de eventuais conflitos e contradições.
CONCLUSÃO
Conclui-se pelo presente estudo frente a apresentação dos conceitos básicos que versam sobre a Teoria Geral do Direito.
É de rigor notar a essencialidade na discussão acerca dos temas de moral e justiça para que possamos, então, definir o próprio conceito de Direito no aspecto contemporâneo.
A adoção de um sistema jusnaturalista traz consigo a necessidade de adequação do direito postulado a um “mínimo ético”, uma garantia aos membros de uma sociedade de que encontrarão no ordenamento jurídico um tratamento igualitário e uma paridade nos direitos e deveres que lhe são previstos.
Ante a análise exposta, percebe-se, inclusive, a evolução na consciência da sociedade acerca do certo e errado, sendo ressaltada a necessidade de adequação das leis à mudança de pensamento do coletivo, sem, contudo, vir a transigir aqueles atos já definidos (o que traria o efeito da injustiça da norma), excetuado casos específicos para a modulação dos direitos da pessoa.
De mesma forma, para definir as limitações do direito e do ordenamento jurídico, faz-se necessário explicitar os conceitos de princípios e regras constitucionais, verdadeiros guias e limitadores à competência infraconstitucional que orientam o restante do ordenamento jurídico e permitem a uniformização legal num Estado.
Diante da existência de diversos princípios e regras que regem o Direito brasileiro, imperioso ressaltar a existência de conflitos entre as próprias normas jurídicas, sendo necessário, de plano, a definição de meios para a solução desses.
A solução de conflitos, por sua vez, é realizada tanto para conflitos aparentes (situações de conflito temporal ou hierárquico), mas também para conflitos nos chamados “casos difíceis”, estes, por sua vez, solucionados pela sobreposição de princípios ou conflito direto entre as regras. (BARROSO, 2018, apud ALEXY. 2018).
Apesar de apresentados como fatores novo na sociedade, os “casos difíceis” se encontram cada vez mais presentes no cotidiano, sendo essencial a atuação dos juristas e magistrados na solução desses conflitos e determinando o direito a ser aplicado no caso prático.
Exemplo direto dessa situação são os choques de direitos no âmbito penal, sendo necessário do magistrado a análise e interpretação da norma para que a sobreposição de uma determinação penal não venha a ferir um princípio dos direitos humanos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALEXY, R.; TRIVISONNO, A. T. G.; SALIBA, A. T. Coleção Fora de Série - Princípios Formais. 2ª edição. São Paulo. Grupo GEN. 2018.
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LUHMANN, N. Poder. Brasília: Ed. UnB. 1985
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Advogado. Mestrando pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GARCIA, Vitor De Checchi. A estruturação do direito e os valores constitucionais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 abr 2024, 04:39. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/65076/a-estruturao-do-direito-e-os-valores-constitucionais. Acesso em: 26 dez 2024.
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