RESUMO: Este artigo examina a responsabilidade civil da Administração Pública em casos de danos decorrentes de obras públicas, destacando os fundamentos legais e doutrinários que regem a matéria. Inicialmente, é abordado o contexto da responsabilidade civil do Estado e sua evolução no ordenamento jurídico brasileiro. Em seguida, são discutidos os fundamentos da responsabilidade civil da Administração em casos de obras públicas, comparando-a com outras hipóteses de responsabilidade civil da Administração Pública.
Palavras-chave: Responsabilidade civil. Administração Pública. Obra pública.
ABSTRACT: This article examines the civil responsibility of the Public Administration in cases of damage resulting from public constructions, highlighting the legal and doctrinal foundations that govern the matter. Initially, the context of the State's civil responsibility and its evolution in the Brazilian legal system is explained. Next, the foundations of the Administration's civil responsibility in cases of public constructions are discussed, comparing it with other hypotheses of Public Administration's civil responsibility.
Keywords: Civil responsibility. Public Administration. Public constructions.
1. INTRODUÇÃO
A responsabilidade civil do Estado é tema de grande relevância no contexto social e jurídico, já que a Administração Pública é responsável pela prestação de serviços públicos e outros serviços de relevância social, além de celebrar uma infinitude de contratos para a consecução de suas finalidades. Atuando em larga escala e por diversas frentes, é esperado que, na execução de suas atividades, sejam praticados atos que causem danos a terceiros, a ensejar a responsabilidade civil estatal. Uma dessas atividades é a realização de obras públicas.
É sabido que a responsabilidade civil da Administração Pública possui contornos diferenciados em relação à responsabilidade civil dos particulares em geral. E, no que se refere às obras públicas, os fundamentos da responsabilização são ainda mais diferenciados, divergindo, até mesmo, dos outros casos de responsabilidade civil da Administração.
Nesse diapasão, mostra-se importante estudar o tema e conhecer os moldes da responsabilização do Estado por danos causados por obras públicas, o que permite que o gestor público e o contratado possam planejar os riscos decorrentes do contrato de obra pública e as formas de mitigá-los. Permite, também que o terceiro eventualmente prejudicado possa informar-se a respeito das possibilidades que possui para buscar a reparação do dano.
Para tanto, aborda-se, inicialmente, o histórico da responsabilidade civil do Estado, e posteriormente, o caso específico da responsabilidade civil da Administração Pública em caso de danos decorrentes de obras públicas.
2. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO: EVOLUÇÃO E FUNDAMENTOS
A evolução histórica da responsabilidade civil do Estado pode ser dividida em seis momentos: teoria da irresponsabilidade do Estado, teoria da responsabilidade com culpa, teoria da culpa administrativa, teoria do risco administrativo, teoria da responsabilidade integral e teoria do risco social.
Num primeiro momento, época do Estado Absolutista, prevalecia a irresponsabilidade do Estado, sintetizada na ideia do “the king can do no wrong”, segundo a qual o monarca soberano, por ser investido no poder pela ordem divina, não cometia erros, não podendo ser responsabilizado.
O marco da transição da teoria da irresponsabilidade para as teorias da responsabilidade foi o caso Blanco, ocorrido na França, no final do século XIX, em que uma menina, Agnes Blanco, foi atropelada na rua por um vagão da Companhia Nacional de Manufatura de Fumo. O pai de Agnes ajuizou ação de indenização alegando a responsabilidade civil estatal, tendo o pedido sido acolhido e o Estado francês responsabilizado.
O caso Blanco foi o marco inicial da teoria da responsabilidade com culpa (teoria subjetiva civilista), que permite a responsabilização estatal em caso de culpa ou dolo (elemento subjetivo) do ente público. Para essa teoria, que se aproxima do Direito Civil, a responsabilidade do Estado se configura quando presentes os seguintes elementos: conduta, dano, nexo causal e culpa ou dolo.
Tal teoria foi, aos poucos, sendo superada, ante a dificuldade prática de a vítima demonstrar a culpa ou dolo da Administração, o que, na prática, inviabilizava a responsabilização.
Sobreveio, então, a teoria da culpa administrativa (teoria subjetiva administrativista), que trouxe a ideia de culpa do serviço (“faute du service”). Essa teoria, apesar de ainda exigir o elemento subjetivo para a responsabilização do Estado, não exigia mais que fosse demonstrada a culpa ou dolo do agente público que praticou o ato lesivo, sendo suficiente a demonstração de que o serviço público inexistiu, não funcionou ou funcionou de forma deficiente.
Essa teoria ainda é aplicada, no Brasil, para algumas hipóteses de omissão administrativa.
Posteriormente, surgiu a teoria do risco administrativo (teoria objetiva), que já não mais exige o elemento subjetivo (dolo ou culpa) para a configuração da responsabilidade civil. Tem-se, então, a noção de risco administrativo, a permitir a responsabilidade civil independentemente de dolo ou culpa, isto é, a responsabilidade civil objetiva, sendo exigidos, apenas, três requisitos: conduta, dano e nexo causal.
Ressalta-se, contudo, que a teoria do risco administrativo permite a alegação, pela Administração Pública, de excludentes de responsabilidade, quais sejam: culpa exclusiva da vítima, fato de terceiro, caso fortuito e força maior. Além dessas hipóteses, que excluem a responsabilidade, a culpa concorrente da vítima, ou culpa recíproca, pode ser alegada para atenuar a responsabilidade estatal.
Trata-se da teoria aplicável no Brasil, como regra, atualmente, abrangendo boa parte das hipóteses de responsabilidade civil do Estado.
A teoria do risco integral, por sua vez, também é uma teoria de responsabilização objetiva do Estado, porém se diferencia da teoria do risco administrativo por não admitir excludentes de responsabilidade. Nesse caso, o Estado atua como um segurador universal, respondendo civilmente ainda que haja culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior, não podendo invocar essas excludentes para se eximir de responsabilidade.
Aplica-se a teoria do risco integral para os casos de danos nucleares, atentados terroristas, danos ambientais, acidentes de trabalho nas relações de emprego público e pagamento da indenização do DPVAT (seguro obrigatório de veículos automotores).
Por fim, menciona-se a teoria do risco social, que preconiza que a reparação do dano é um encargo de toda a coletividade, falando-se, aqui, da chamada socialização dos riscos. É uma teoria que se preocupa mais com a reparação da vítima do que com a responsabilização do autor do dano, sendo a indenização diluída como um ônus da sociedade.
Nesse caso, o Estado assume a responsabilidade, inclusive, por atos de terceiros.
Cita-se como exemplo, a Lei Geral da Copa (Lei nº 12.663/2012), que, em seu art. 23, previu a responsabilidade civil da União “por todo e qualquer dano resultante ou que tenha surgido em função de qualquer incidente ou acidente de segurança relacionado aos Eventos, exceto se e na medida em que a FIFA ou a vítima houver concorrido para a ocorrência do dano”[1].
3. REGIME CONSTITUCIONAL DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
A Constituição da República de 1988 trouxe, em seu art. 37, §6º, a regra geral da responsabilidade objetiva do Estado, ao prever que “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
O dispositivo traz importantes questões a respeito do tema.
Inicialmente, como já dito, prevê que a responsabilidade civil do Estado é, como regra, objetiva. Em segundo lugar, dispõe que a responsabilidade abrange as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos. Estão incluídos, portanto, os entes públicos, autarquias, fundações públicas, estatais prestadoras de serviços públicos e concessionárias de serviços públicos.
Os agentes públicos devem atuar “nessa qualidade”, isto é, na condição de agentes públicos. Assim, atos praticados por agentes públicos no âmbito de sua vida privada e que eventualmente causem danos a terceiros não ensejam a responsabilização estatal.
Outro aspecto interessante é que o Estado responde pelos danos causados a terceiros, já tendo o Supremo Tribunal Federal decido que a norma do art. 37, §6º da CR/88, engloba terceiros usuários e não usuários do serviço:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. RESPONSABILIDADE DO ESTADO. ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO. PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO. CONCESSIONÁRIO OU PERMISSIONÁRIO DO SERVIÇO DE TRANSPORTE COLETIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA EM RELAÇÃO A TERCEIROS NÃO-USUÁRIOS DO SERVIÇO. RECURSO DESPROVIDO. I - A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva relativamente a terceiros usuários e não-usuários do serviço, segundo decorre do art. 37, § 6º, da Constituição Federal. II - A inequívoca presença do nexo de causalidade entre o ato administrativo e o dano causado ao terceiro não-usuário do serviço público, é condição suficiente para estabelecer a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica de direito privado. III - Recurso extraordinário desprovido. (STF. Plenário, RE 591874, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Julgado em 26/08/2009, repercussão geral, tema 130).
Assim, se um ônibus de transporte público atropela um pedestre que não era passageiro, a concessionária responde pelo dano causado, mesmo sendo ele um terceiro não usuário do serviço.
Por fim, o dispositivo assegura o direito de regresso do Estado perante o agente público que atuar com dolo ou culpa. Donde se extrai que, muito embora o Estado responda de forma objetiva, o agente público apenas responde de forma subjetiva.
Interpretando o art. 37, §6º, o STF fixou o entendimento de que a norma constitucional consagra a chamada “dupla garantia”, segundo a qual o particular lesado apenas pode ajuizar a ação em face do ente público ou de quem lhe faça s vezes, mas não em face do agente público. A responsabilização do agente público apenas se dará perante o ente público que integra, em ação de regresso.
Veja-se a tese de repercussão geral fixada pelo STF:
A teor do disposto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, a ação por danos causados por agente público deve ser ajuizada contra o Estado ou a pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público, sendo parte ilegítima para a ação o autor do ato, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. (STF. Plenário. RE 1027633/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 14/8/2019, repercussão geral, Info 947).
Trata-se de uma garantia para o particular, que não precisará demonstrar o elemento subjetivo da culpa ou dolo e nem se sujeitar à solvência patrimonial do agente público. E, também, de uma garantia para o agente público, que possui maior respaldo para o exercício de suas funções, com a certeza de que não responderá perante terceiros, mas somente perante o ente que integra, e, ainda, assim, caso demonstrada sua atuação dolosa ou culposa. Tem-se, portanto, uma dupla garantia.
4. RESPONSABILIDADE CIVIL EM CASO DE OBRAS PÚBLICAS
Vistas as premissas iniciais a respeito da responsabilidade civil do Estado, passa-se a tratar de um tema específico e pouco explorado: a responsabilidade civil do Estado em caso de obras públicas. Quanto a este ponto, mostra-se necessário diferenciar a responsabilidade decorrente de danos gerados pela própria natureza da obra dos danos gerados pela má execução da obra.
Nos casos de danos provenientes da própria natureza da obra, aplica-se a regra geral da responsabilidade objetiva, respondendo o Estado independentemente de culpa ou dolo. O raciocínio é simples: se o dano é inerente à obra, o Estado assumiu o risco de produzi-lo ao decidir realizar a obra pública. Aplica-se, à hipótese, a teoria do risco administrativo. Trata-se de uma responsabilidade civil por ato lícito, a qual é admitida no ordenamento jurídico brasileiro.
Ressalta-se que, nessa primeira hipótese, apenas a Administração Pública responde pelo dano, não havendo responsabilidade da empresa contratada para a realização da obra.
Cita-se, como exemplo clássico, o caso de obra em via pública que gera a interdição da via por determinado período, causando danos aos comerciantes daquela rua ou avenida, que deixam de ter clientes em razão da proibição de trânsito de veículos e pedestres no local.
Por outro lado, nos casos de dano proveniente de má execução, quem responde primariamente é a empresa executora da obra, de forma subjetiva, sendo necessária a demonstração de culpa ou dolo.
A matéria é regulada no art. 120 da Lei nº 14.133/2021 (Lei de Licitações e Contratos), que dispõe que “o contratado será responsável pelos danos causados diretamente à Administração ou a terceiros em razão da execução do contrato, e não excluirá nem reduzirá essa responsabilidade a fiscalização ou o acompanhamento pelo contratante”.
A Administração responderá, nesse segundo caso, apenas de forma subsidiária. Não há, portanto, solidariedade.
Veja-se que o raciocínio, nessa segunda hipótese, é diferente da regra geral da responsabilidade estatal, pois o Estado apenas responde de forma subsidiária.
A razão de ser dessa diferenciação decorre do fato de que a má execução da obra é um erro não imputável à Administração, mas ao contratado. À Administração cumpre o dever de bem fiscalizar o contrato. Já a expertise técnica e o bom desempenho contratual são atribuições do contratado. Considerando que a Administração Pública é a contratante, não ficará totalmente isenta de responsabilidade. Todavia, somente será acionada a indenizar caso frustrada a execução contra a empresa responsável pela obra.
Há, também um outro fundamento para a responsabilidade subsidiária nesse caso, de ordem legal. É que, segundo o Código Civil (art. 265), a solidariedade não se presume, decorrendo da lei ou da vontade das partes. Como não há determinação legal de responsabilidade solidária para a hipótese, o Estado responderá, somente, de forma subsidiária.
A respeito da responsabilidade civil do Estado por dano decorrente de obra pública, cita-se a lição de José dos Santos Carvalho Filho:
A questão da responsabilidade do Estado oriunda de danos provocados por obras públicas tem apresentado alguma controvérsia entre os estudiosos e nas decisões judiciais. Entretanto, parece-nos que se pode estabelecer um sistema lógico para o assunto, procurando distinguir as várias hipóteses que o tema encerra.
A primeira hipótese é aquela em que o dano é provocado pelo só fato da obra. Por alguma razão natural ou imprevisível, e sem que tenha havido culpa de alguém, a obra pública causa dano ao particular. Se tal ocorrer, dar-se-á a responsabilidade objetiva do Estado, independentemente de quem esteja executando a obra, eis que presentes todos os pressupostos para sua configuração. Ainda que não se possa caracterizar de ilícita a atividade estatal, a responsabilidade decorre da própria teoria do risco administrativo.
Uma segunda hipótese pressupõe que o Estado tenha cometido a execução da obra a um empreiteiro através de contrato administrativo, e que o dano tenha sido provocado exclusivamente por culpa do executor. A solução será a de atribuir-se ao empreiteiro a responsabilidade subjetiva comum de direito privado, sabido que cumpre o contrato sob sua conta e risco. A ação deve ser movida, no caso, somente contra o empreiteiro, sem participação do Estado no processo. A responsabilidade do Estado é subsidiária, isto é, só estará configurada se o executor não lograr reparar os prejuízos que causou ao prejudicado.[2]
O autor apresenta, ainda, uma terceira hipótese, que surge quando tanto o empreiteiro quanto o Poder Público contribuem para a ocorrência do dano. Nesse caso, ambos respondem de forma primária e solidária:
É viável, por fim, que tanto o empreiteiro privado como o próprio Poder Público (este, ainda que por omissão) tenham contribuído para o fato causador do dano. Aqui ambos têm responsabilidade primária e solidária, podendo figurar conjuntamente na ação de reparação de danos proposta pelo lesado.[3]
Rafael Oliveira aponta a existência de divergência doutrinária no que tange à responsabilidade estatal por danos decorrentes de obras públicas, havendo entendimento no sentido de que, em qualquer caso, o Estado responde objetivamente, e entendimento que diferencia o dano causado pelo simples fato da obra e o dano decorrente de má execução da obra:
As obras públicas podem ser executadas diretamente por agentes públicos do Estado (execução direta da obra) ou por empresa contratada, normalmente, mediante licitação (execução indireta da obra). No primeiro caso, o Estado responde objetivamente pelos danos causados a terceiros, na forma do art. 37, § 6.º, da CRFB. Em relação à segunda hipótese, contudo, a doutrina diverge sobre a responsabilidade civil do Estado:
Primeiro entendimento: o Estado responde diretamente pelos danos causados por empresas por ele contratadas, uma vez que a obra pública, em última análise, é de sua responsabilidade e a empresa privada, no caso, seria considerada “agente público”. Nesse sentido: Sergio Cavalieri Filho e Yussef Said Cahali.
Segundo entendimento: deve ser feita a distinção entre dano causado pelo simples fato da obra e danos oriundos da má execução da obra. Na primeira hipótese, o Estado responde diretamente e de maneira objetiva, inexistindo responsabilidade da empreiteira (ex.: obra que acarreta o fechamento de via pública por longo período, prejudicando comerciantes). Na segunda situação, a empreiteira responde primariamente e de maneira subjetiva, havendo, no entanto, responsabilidade subsidiária do Estado (ex.: ausência de sinalização no canteiro de obra que gera queda de pedestre). Nesse sentido: José Cretella Júnior, Hely Lopes Meirelles e José dos Santos Carvalho Filho.[4]
Prossegue Rafael Oliveira, afirmando que o segundo entendimento deve ser prestigiado, aliando-se, assim, à posição majoritária sobre o tema, esposada no presente artigo:
O segundo entendimento deve ser prestigiado. A distinção entre danos causados pelo simples fato da obra e pela má execução da obra é fundamental para fixação da natureza da responsabilidade e da própria pessoa responsável. Quando a simples existência da obra pública é a causa do dano, não havendo atuação culposa da empreiteira, a responsabilidade objetiva deve ser atribuída diretamente ao Estado, uma vez que o dano foi causado por ato administrativo que determinou a realização da obra. Por outro lado, a empreiteira possui responsabilidade primária e subjetiva quando causa danos a terceiros, subsistindo a responsabilidade subsidiária do Estado, conforme previsão contida no art. 70 da Lei 8.666/1993 e no art. 120 da nova Lei de Licitações. Cabe ressaltar a inexistência de responsabilidade solidária entre o Estado e a empreiteira, uma vez que a solidariedade não se presume (art. 265 do CC). O argumento da culpa in elegendo da Administração na escolha da empreiteira, utilizado por parcela da doutrina para responsabilizar o Poder Público primariamente, não nos parece adequado, tendo em vista a ausência de discricionariedade na contratação que foi precedida de licitação pública.[5]
Veja-se que, para a doutrina que defende a responsabilidade objetiva do Estado nos casos de má execução da obra pelo empreiteiro, a responsabilidade primária do Estado, juntamente com a contratada, decorreria da culpa in eligendo do Poder Público em escolher tal empresa para a execução da obra. Para se contrapor a tal alegação, Rafael Oliveira apresenta interessante argumento, no sentido de que a culpa in eligendo não seria aplicável ao caso, já que a Administração Pública escolhe o contratado mediante licitação, estando a contratação vinculada ao licitante vencedor, de forma que não há discricionariedade na escolha da empreiteira.
5. CONCLUSÃO
A teoria da responsabilidade civil do Estado passou por grande evolução ao longo da história, até chegar ao modelo hoje existente, em que prevalece a responsabilidade objetiva pela teoria do risco administrativo. Há, também, espaço para a aplicação da responsabilidade objetiva pela teoria do risco integral e, ainda, para a teoria da responsabilidade subjetiva com a configuração da culpa administrativa ou falta do serviço.
Mais especificamente, a responsabilidade civil em caso de obras públicas é tema de alta relevância para a Administração Pública, pois a realização de obras é tarefa cotidiana na gestão administrativa. Grandes obras, se não executadas corretamente, podem gerar danos de alta magnitude, como foi o caso do viaduto Batalha dos Guararapes, que caiu em Belo Horizonte/MG e levou à morte de duas pessoas no ano de 2014, além de 23 feridos[6].
À Administração cabe o dever de bem fiscalizar a realização da obra, desde a elaboração do projeto básico e do projeto executivo até a execução da obra, de modo a se eximir de eventual responsabilização primária, além de contribuir para evitar a própria ocorrência do dano. Uma escorreita fiscalização contratual resguarda a Administração, que responderá apenas subsidiariamente nos casos de má execução da obra.
Lado outro, a falha na fiscalização pode levar à culpa concorrente e à responsabilização primária e solidária do ente público juntamente com a empreiteira.
Por fim, nos casos de danos gerados pelo simples fato da obra, a Administração responde pela regra geral da responsabilidade civil estatal, isto é, responde objetivamente, pela teoria do risco administrativo.
BIBLIOGRAFIA:
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.
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STF. Plenário, RE 591874, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Julgado em 26/08/2009, repercussão geral, tema 130). Disponível em: < https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search?base=acordaos&sinonimo=true&plural=true&page=1&pageSize=10&sort=_score&sortBy=desc&isAdvanced=true&origem=AP&classeNumeroIncidente=RE%20591874>. Acesso em: 06/04/2024.
STF. Plenário. RE 1027633/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 14/8/2019, repercussão geral, Info 947. Disponível em: < https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5136782>. Acesso em: 06/04/2024.
[1] BRASIL. Lei nº 12.663, de 5 de junho de 2012. Dispõe sobre as medidas relativas à Copa das Confederações FIFA 2013, à Copa do Mundo FIFA 2014 e à Jornada Mundial da Juventude - 2013, que serão realizadas no Brasil; altera as Leis nºs 6.815, de 19 de agosto de 1980, e 10.671, de 15 de maio de 2003; e estabelece concessão de prêmio e de auxílio especial mensal aos jogadores das seleções campeãs do mundo em 1958, 1962 e 1970.
[2] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 37ª ed. Barueri: Atlas, 2023, p. 476.
[3] Op. Cit., p. 476.
[4] OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. 11. ed. Rio de Janeiro: Método, 2023, p. 890.
[5] Op. Cit., p. 890.
[6] CONSTRUTORA responsabiliza projeto de viaduto e prefeitura por desabamento. G1, 22 julho 2014. Disponível em: <https://g1.globo.com/minas-gerais/noticia/2014/07/falha-em-projeto-provocou-queda-de-viaduto-em-bh-diz-construtora.html>. Acesso em: 09/04/2024.
Graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Pós-graduada em Direito Aplicado ao MPU pela Escola Superior do Ministério Público da União. Analista do MPU/Direito .
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERNANDES, Rafaela Neiva. Responsabilidade civil do Estado em caso de danos causados por obras públicas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 abr 2024, 04:40. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/65109/responsabilidade-civil-do-estado-em-caso-de-danos-causados-por-obras-pblicas. Acesso em: 22 nov 2024.
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