RESUMO: O presente artigo aborda o direito à educação, conforme estabelecido na Constituição Federal, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e no Estatuto da Criança e do Adolescente. A educação é fundamental para o desenvolvimento completo de crianças e adolescentes, além de ser essencial para a construção de uma sociedade mais justa. A escola deve não apenas oferecer ensino formal, mas também preparar os alunos para participarem ativamente da cidadania em uma sociedade plural. No entanto, para alcançar esse objetivo, é essencial que o poder público garanta um ensino de qualidade em todas as suas formas, com acesso universal e gratuito. Nesse sentido, defende-se que a atuação do Ministério Público, conforme delineado na Constituição Federal, é crucial para assegurar o estabelecimento e execução de políticas públicas educacionais que efetivem o direito à educação para todos os seus beneficiários.
Palavras-chave: Constituição Federal; direitos fundamentais; direito à educação; políticas públicas; Ministério Público.
ABSTRACT: This article addresses the right to education, as established in the Federal Constitution, in the Law of Guidelines and Bases of National Education and in the Statute of Children and Adolescents. Education is fundamental for the complete development of children and adolescents, as well as being essential for building a fairer society. The school must not only offer formal education, but also prepare students to actively participate in citizenship in a plural society. However, to achieve this objective, it is essential that public authorities guarantee quality education in all its forms, with universal and free access. In this sense, it is argued that the role of the Public Prosecutor's Office, as outlined in the Federal Constitution, is crucial to ensure the establishment and execution of public educational policies that implement the right to education for all its beneficiaries.
Keywords: Federal Constitution; fundamental rights; right to education; public policy; Prosecutor.
1 INTRODUÇÃO
O direito à educação é considerado um direito fundamental e, portanto, goza de proteção irrestrita, não sendo apenas uma mera proclamação formal na legislação brasileira.
Os direitos fundamentais devem ser interpretados e aplicados como normas jurídicas vinculativas e de aplicação obrigatória (Canotilho, 2003). Como expressão máxima do sistema jurídico, são essenciais para garantir uma convivência digna e igualitária, conforme assinalado por Sarlet (2008), estando intrinsecamente ligados aos direitos humanos, e devem ser respeitados e protegidos pelo Estado e pela comunidade.
Nesse sentido, Canella Júnior (2011) destaca que a proteção irrestrita dos direitos fundamentais é um dos objetivos primordiais do Estado brasileiro, à luz da exegese do art. 3º da Constituição Federal.
Tais direitos, conforme menciona Silva (2024), não se limitam a meros reconhecimentos formais, mas devem ser concretizados materialmente para garantir uma convivência digna e igualitária para todos os indivíduos.
No julgamento do REsp nº 771.616, o Superior Tribunal de Justiça, com relatório para o acórdão do Min. Luiz Fux, destacou que “A Constituição não é ornamental, não se resume a um museu de princípios, não é meramente um ideário; reclama efetividade real de suas normas” (Brasil, 2006).
Portanto, os direitos fundamentais não foram concedidos para permanecerem no plano abstrato, mas sim para conferir poder real aos indivíduos na sua fruição. Segundo Ferraresi (2013), não são meras promessas vazias, mas sim diretrizes imperativas que devem ser prioritariamente concretizadas pelo poder público.
Quanto aos direitos sociais, como parte integrante dos direitos fundamentais, cabe ao Estado o dever de proporcionar prestações positivas que melhorem as condições de vida dos mais vulneráveis e promovam a igualdade social (Silva, 2024).
2 DO DIREITO À EDUCAÇÃO
A Constituição Federal, após classificar no art. 6º, caput, a educação como um direito social e, portanto, um direito fundamental, reconhece, no art. 205, ser direito de todos e dever do Estado e da Família, destacando sua importância para o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação profissional (Brasil, 1988).
O art. 206 da Constituição Federal estabelece princípios que norteiam o ensino no Brasil, abrangendo desde a ação educativa até a avaliação e o planejamento educacional (Paiva, 2010), senão vejamos, in verbis:
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas;
VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei;
VII - garantia de padrão de qualidade.
VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal;
IX - garantia do direito à educação e à aprendizagem ao longo da vida (Brasil, 1988).
Tais princípios orientam a estruturação do currículo escolar, a metodologia de ensino e os objetivos educacionais, garantindo uma base sólida para o desenvolvimento educacional no país.
Discorrendo sobre o direito à educação contido na ordem constitucional, Silva (2024) afirma que significa, em primeiro lugar, que o Estado deve equipar-se para fornecer a todos os serviços educacionais, oferecendo ensino de acordo com os princípios estatuídos na Constituição (art. 206); e, em segundo lugar, que todas as normas da Constituição sobre educação e ensino devem ser interpretadas em função da plena e efetiva realização desse direito. A Constituição já considerou que o acesso ao ensino fundamental, obrigatório e gratuito, é um direito público subjetivo, o que equivale a reconhecer que é um direito plenamente eficaz e de aplicabilidade imediata, podendo ser exigido judicialmente se não for prestado espontaneamente (Silva, 2024, p. 321).
A Lei nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN), expressa no caput do art. 1º:
A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais (Brasil, 1996).
Quanto ao dever do Estado com a educação escolar pública, o art. 4º da citada legislação (Brasil, 1996) aponta que será efetivada mediante a garantia de:
a) educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, organizada da seguinte forma: a) pré-escola; b) ensino fundamental; c) ensino médio;
b) educação infantil gratuita às crianças de até 5 (cinco) anos de idade;
c) atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, transversal a todos os níveis, etapas e modalidades, preferencialmente na rede regular de ensino;
d) acesso público e gratuito aos ensinos fundamental e médio para todos os que não os concluíram na idade própria;
e) acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;
f) oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;
g) oferta de educação escolar regular para jovens e adultos, com características e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola;
h) atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde;
i) padrões mínimos de qualidade do ensino, definidos como a variedade e a quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem adequados à idade e às necessidades específicas de cada estudante, inclusive mediante a provisão de mobiliário, equipamentos e materiais pedagógicos apropriados;
j) vaga na escola pública de educação infantil ou de ensino fundamental mais próxima de sua residência a toda criança a partir do dia em que completar 4 (quatro) anos de idade;
k) alfabetização plena e capacitação gradual para a leitura ao longo da educação básica como requisitos indispensáveis para a efetivação dos direitos e objetivos de aprendizagem e para o desenvolvimento dos indivíduos;
l) educação digital, com a garantia de conectividade de todas as instituições públicas de educação básica e superior à internet em alta velocidade, adequada para o uso pedagógico, com o desenvolvimento de competências voltadas ao letramento digital de jovens e adultos, criação de conteúdos digitais, comunicação e colaboração, segurança e resolução de problemas.
A LDBEN, distribuída em nove títulos, além de conter no seu bojo regras pertinentes aos princípios e fins da Educação Nacional, traz também normas sobre o direito à educação e o dever de educar, a organização da Educação Nacional, os níveis e as modalidades de Educação e Ensino, profissionais da educação e recursos financeiros (Brasil, 1996).
Na mesma linha, a Lei nº 8.069/90 estabelece diretrizes específicas para a promoção e garantia do direito à educação conferido às crianças e aos adolescentes, enfatizando a prioridade absoluta na formulação e execução das políticas públicas voltadas para a sua proteção e desenvolvimento (Brasil, 1990).
Em uma perspectiva diferente, é fundamental observar que a educação não é apenas um direito individual, mas também um poderoso instrumento para a inclusão social, o desenvolvimento pessoal e a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
Como afirmou Freire (1979), a educação não transforma o mundo. A educação muda as pessoas. As pessoas transformam o mundo.
Assim, não basta o ensino/aprendizagem formal; a escola deve ser um espaço que se propõe à formação integral, promovendo a cidadania participativa e estimulando nos alunos a construção de valores éticos e morais, para que possam enfrentar os desafios de uma sociedade plural.
Para alcançar esses objetivos, é imperativo implementar políticas de ação afirmativa que garantam uma educação inclusiva e plural. Isso inclui a inclusão nos currículos escolares da história e cultura afro-brasileira, africana e indígena, bem como o investimento em modalidades educacionais específicas, como a educação quilombola, no campo e intercultural indígena. A criação de materiais pedagógicos voltados ao combate à homofobia, sexismo e racismo no ambiente escolar exemplifica o compromisso com uma educação transformadora e inclusiva (Candau, 2012).
O arcabouço legal pertinente à Educação se completa com leis especiais, leis estaduais e normas expedidas pelos órgãos educacionais. Instrumentos importantes no processo de organização, planejamento e melhoria contínua do sistema educacional brasileiro são os Planos de Educação em nível nacional, estadual e municipal, responsáveis pelo estabelecimento das diretrizes, metas e objetivos para o desenvolvimento da educação de forma integrada entre a União, os Estados e os Municípios nos dez anos subsequentes, em sintonia com a Declaração Mundial sobre Educação para Todos.
3 O MINISTÉRIO PÚBLICO E A DEFESA DO DIREITO À EDUCAÇÃO
A Constituição Federal de 1988 conferiu ao Ministério Público o protagonismo na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, senão vejamos:
Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (Brasil, 1988).
Além disso, atribuiu-lhe a responsabilidade de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados pela Constituição, promovendo as medidas necessárias para sua garantia (art. 129, inciso II, CF).
Nesse contexto, o Ministério Público pode atuar extrajudicialmente como agente articulador da realização das políticas públicas no âmbito educacional, mediante a utilização de recomendações, termos de ajustamento de conduta, audiências públicas, acordos extrajudiciais, entre outras ferramentas jurídicas.
Por outro lado, define Bucci (2006) que política pública é o conjunto de ações governamentais reguladas juridicamente, visando coordenar recursos estatais e privados para alcançar objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados, incluindo o acesso à educação.
Entretanto, como assevera Almeida (2003), o cumprimento das políticas públicas não pode ser encarado meramente como uma opção administrativa, mas sim como um dever constitucional do gestor público. A discricionariedade do Executivo na condução das políticas públicas não é absoluta e deve estar alinhada aos imperativos constitucionais de garantia dos direitos fundamentais.
Não se pode perder de vista que a educação pública é reconhecida como um serviço essencial, cuja responsabilidade recai integralmente sobre o Estado para garantir acesso universal e gratuito (Silva, 2024).
Como pontua Lima Júnior (2001), a construção de uma política pública em educação deve ser participativa e integrada à realidade local, envolvendo não apenas os educadores e agentes públicos, mas também toda a comunidade. A transformação educacional depende da mudança de paradigmas e valores, iniciada pela descoberta dos desejos e necessidades dos próprios agentes sociais envolvidos no processo educativo.
A efetivação do direito à educação pode ser alcançada não apenas pela elaboração de legislação, mas também pela implementação de políticas públicas sociais e pelo monitoramento das metas progressivas, sempre com a participação social ativa na avaliação e implementação dessas políticas, conforme afirma Lima Júnior (2001).
Ao Ministério Público, por mandamento constitucional, cabe monitorar e promover as medidas extrajudiciais e/ou judiciais necessárias para assegurar que os princípios e normas educacionais sejam cumpridos, visando garantir uma educação de qualidade.
Nessa linha de raciocínio, a atuação institucional do Ministério Público encontra respaldo não apenas nos arts. 127 e 129, inciso III da Constituição Federal, mas também na Lei nº 8.625/93 e na Lei n° 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente).
Importa registrar, ainda, que conforme pontifica Silva (2018), a atuação do Ministério Público no campo do direito à educação deve visar assegurar os princípios educacionais estabelecidos na Constituição Federal, sem interferir na autonomia das escolas e nos processos de ensino e aprendizagem.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O direito à educação é um pilar fundamental do Estado brasileiro, estabelecido como direito fundamental pela Constituição Federal. Este direito não se resume apenas à oferta de ensino obrigatório e gratuito, mas também abrange o compromisso de proporcionar uma educação de qualidade que promova a inclusão social e o pleno desenvolvimento dos indivíduos. As diretrizes constitucionais e legais que regem a educação no Brasil são fundamentais para orientar políticas públicas eficazes e garantir que todos tenham acesso equitativo à educação, independentemente de suas circunstâncias sociais ou econômicas.
Neste contexto, o Ministério Público desempenha um papel crucial na defesa e promoção do direito à educação, utilizando instrumentos jurídicos como recomendações, acordos extrajudiciais e ações judiciais quando necessário. É essencial que essas ações sejam realizadas de forma a assegurar que os princípios educacionais estabelecidos na Constituição sejam efetivamente implementados, sem comprometer a autonomia das instituições educacionais. Além disso, a participação ativa da sociedade na avaliação e implementação das políticas educacionais é fundamental para garantir que as metas de qualidade e inclusão sejam alcançadas de maneira sustentável.
Portanto, o desafio contínuo é garantir que a educação não seja apenas um direito formal, mas sim um instrumento eficaz de transformação social, contribuindo para uma sociedade mais justa e igualitária. O cumprimento dessas metas exige não apenas esforços do poder público, mas também o engajamento de toda a sociedade na construção de um sistema educacional que promova verdadeiramente a cidadania e o desenvolvimento humano integral.
REFERÊNCIAS
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NETO, Luis Nicomedes de Figueiredo. A atuação do Ministério Público e a garantia do direito à educação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 jul 2024, 04:38. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/65782/a-atuao-do-ministrio-pblico-e-a-garantia-do-direito-educao. Acesso em: 23 nov 2024.
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