Resumo: Este trabalho acadêmico visa analisar o procedimento legislativo para a elaboração da lei temporária e os seus efeitos no âmbito do direito penal brasileiro. Analisa a vigência das leis temporárias, o seu procedimento legislativo no direito penal e revela a divergência doutrinária quanto à sua constitucionalidade.
Palavras chaves: Procedimento legislativo. Leis temporárias. Direito Penal.
Abstract: This academic work aims to analyze the legislative procedure for drafting the temporary law and its effects within the scope of Brazilian criminal law. It analyzes the validity of temporary laws, their legislative procedure in criminal law and reveals the doctrinal divergence regarding their constitutionality.
Keywords: Legislative procedure. Temporary Laws. Criminal Law.
Sumário: 1 Introdução; 2 Vigência das leis temporárias; 3 Procedimento legislativo da lei temporária no Direito Penal; 4 Conclusão; 5 Referências.
1 – Introdução
As normas processuais penais seguem três momentos até começarem a vigorar: a sanção, a promulgação e a publicação. Inicialmente, a lei penal passa pela sanção do Chefe do Poder Executivo, qual seja, o Presidente da República, para aprovar e confirmar a lei. Após sancionada, a lei penal é encaminhada para a sua promulgação, que nada mais é do que a autenticidade da lei, ou seja, o atestado de sua existência. É através da promulgação que a lei deve ser aplicada. Em seguida, passa-se ao ato da publicação, momento em que a lei se torna conhecida por todos e passa a ser obrigatória.
Vale ressaltar que nem sempre as leis penais começam a vigorar imediatamente após à sua publicação. Conforme o artigo 1º da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC), “salvo disposição em contrária, a lei começa a vigorar em todo o País quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada”.
Assim, após a publicação, se a lei silenciar quando à data do início da sua vigência, a mesma apenas tornar-se-á obrigatória depois de decorrido o lapso temporal de quarenta e cinco dias.
O lapso temporal entre a data da publicação e a sua obrigatoriedade (vigência) é denominado de vacatio legis, a qual possui dupla finalidade: possibilita que a norma seja conhecida antes de tornar-se obrigatória e, às autoridades incumbidas de fazê-la executar e às pessoas a que se endereça, a oportunidade de se prepararem para a sua aplicação. (JESUS, 2010, p. 112)
Desta forma, as normas processuais penais, via de regra, nascem para vigorar de imediato, regendo os fatos praticados durante a sua vigência, obedecendo ao princípio tempus regit actum. Porém, há previsão expressa em nosso ordenamento jurídico admitindo a existência de normas processuais penais que alcançam fatos ocorridos em período anterior ao início de sua vigência (retroatividade) e fatos ocorridos após a sua revogação (ultratividade).
Por fim, o último momento por onde as normas processuais passam é a sua revogação, ou seja, a cessação parcial (derrogação) ou integral (ab-rogação) da existência de regra obrigatória.
2 - Vigência das leis temporárias
Em regra, as leis penais nascem sem data certa para terminar, ou seja, duram até que novas normas surjam revogando-as ou substituindo-as. No entanto, o diploma legal também previu a existência de leis com duração previamente determinada pelo legislador. É o caso das leis intermitentes, cujas espécies se dividem em leis excepcionais e leis temporárias.
Sobre o tema, Guilherme de Souza Nucci (2008, p. 101) explica:
Excepcionais são as leis feitas para durar enquanto um estado anormal ocorrer. Cessam a sua vigência ao mesmo tempo em que a situação excepcional também terminar. Exemplo: durante o estado de calamidade pública decretado em uma localidade devastada por alguma catástrofe, pode-se aumentar as penas dos crimes contra o patrimônio para buscar evitar os saques.
Temporárias são as leis editadas com período certo de duração, portanto, dotadas de auto-revogação. Assim, por exemplo, a lei feita para valer por um prazo de 6 meses.
Assim, as leis excepcionais e temporárias são auto revogáveis, uma vez que sua vigência cessa no momento em que as circunstâncias que determinaram as leis excepcionais acabam ou no momento em que há o decurso do período da duração da lei temporária.
Destaque-se ainda que as leis excepcionais e temporárias são exceções à regra contida no artigo 2º do Código Penal Brasileiro (retroatividade benéfica), o qual preceitua que “ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. ”
Aqui, a lei temporária ou excepcional continua a regular o fato e a punir o agente, mesmo após a sua revogação, de modo que a nova ordem jurídica não pode ser aplicada retroativamente ao fato praticado sob a égide das leis de vigência temporária. (CAPEZ, 2008).
Por não se aplicarem a fatos ocorridos antes de sua vigência, as leis temporárias e excepcionais não anulam o princípio da reserva legal. Ao contrário, essas leis, ainda que tenham sido revogadas, continuam a produzir efeitos aos fatos praticados durante a sua época de vigência, com o objetivo de manter o seu poder intimidativo. Tal característica é denominada de ultratividade, “ou seja aplicam-se ao fato cometido sob seu império, mesmo depois de revogadas pelo decurso do tempo ou pela superação do estado excepcional. ” (MIRABETE; FABBRINI, 2009, p. 53)
Para Fernando Capez (2008, p. 63-64):
(...) a ultratividade significa a possiblidade de uma lei se aplicar a um fato cometido durante a sua vigência, mesmo após a sua revogação (a lei adere ao fato como se fosse um carrapato, acompanhando-o para sempre, mesmo após a sua morte). O art. 5º, XL, da CF, consagrou o princípio da ultratividade in mellius. Assim, por exemplo, se um sujeito praticara um homicídio qualificado antes da entrada em vigor da Lei n. 8.930, de 6 de setembro de 1994, que passou a considera-lo crime hediondo, continuava tendo direito ao benefício da anistia, graça e indulto, já que a nova lei, por ser prejudicial, não podia retroagir para vedar a concessão de tais benefícios. No caso das leis de vigência temporária, porém, a ultratividade é um pouco diferente: ela ocorre sempre, ainda que prejudique o réu. Assim, um fato praticado sob a vigência de uma lei temporária ou excepcional continuará sendo por ela regulado, mesmo após sua auto-revogação e ainda que prejudique o agente. Por exemplo: durante um surto epidêmico, cria-se um delito para aquele que omitir a notificação de varíola. Erradicada essa doença, cessa a vigência da norma excepcional, entretanto não se poderá falar em abolitio criminis, pois a lei transitória incriminadora continuará alcançando o autor do crime, mesmo depois da cessação de sua vigência. Tal implica restrição ao princípio da retroatividade in mellius, previsto no art. 5º, XL, da CF, pois a nova lei mais benéfica fica impedida de retroagir. Isto se justifica porque, do contrário, ninguém respeitaria a norma transitória, na convicção de que, mais cedo ou mais tarde, ela desapareceria. Restringe-se, portanto, um princípio constitucional para se garantir outro, qual seja, o de que as leis devem proteger eficazmente os bens jurídicos (CF, art. 5º, caput).
Desta forma, a ultratividade das leis excepcionais e temporárias é necessária para que as sanções dos crimes cometidos em sua vigência sejam aplicadas mesmo após a sua perda de vigência, ou seja, a ultratividade evita que tais leis de curta duração percam toda a sua força intimidativa.
Vale ressaltar que a ultratividade para existir basta que haja caráter temporário ou definitivo da norma, independentemente de ser uma lei ou um ato infralegal.
No entanto, o tema não é pacífico. Há divergência quanto a constitucionalidade do artigo 3º do Código Penal em face do artigo 5º, XL, da Constituição Federal. Existem dois posicionamentos acerca do tema: de um lado a primeira corrente, defendendo a inconstitucionalidade do artigo 3º do Código Penal, por considerar que o artigo 5º, inciso XL, da Carta Magna foi claro ao afirmar que a lei somente retroagirá se for para beneficiar o réu. Do outro lado a segunda corrente, sustentando a constitucionalidade do referido artigo, por acreditar que a retroatividade da lei mais favorável não é aplicável às leis temporárias e excepcionais.
Sobre o tema, Guilherme de Souza Nucci (2008, p.102) exemplifica aduzindo que:
Exemplificando: uma lei penal é editada dobrando as penas dos delitos contra o patrimônio enquanto durar o estado de calamidade pública. Deve-se ler o tipo penal excepcional do furto: “Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel, durante estado de calamidade pública ocorrido no período de...”. Uma vez encerrado esse tempo, torna a vigorar a anterior forma de punição, que não se pode considerar nova norma penal, sujeita à retroatividade prevista na Constituição. Volta-se ao tipo penal anterior, de diferente redação: “Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel”. São normas diferenciadas, não incidindo a regra constitucional da retroatividade benéfica. Não basta simplesmente dizer que a temporária ou excepcional é ultrativa, fenômeno diverso do previsto na Constituição Federal, que menciona apenas a retroatividade. Na verdade, não se aplica ao princípio constitucional previsto no art. 5.º, XL (retroatividade benéfica), quando a lei temporária ou excepcional cessar seu efeito, voltando a vigorar a norma anterior, que estava com eficácia suspensa. Pode ocorrer, ainda, a edição de lei nova, concretizada especialmente para regular o mesmo caso. De toda forma, cuidam-se de normas diferentes: a intermitente inclui, na sua redação, o fator tempo (por isso, abrange todas as situações ocorridas durante a sua vigência); a outra não o faz.
Do mesmo modo, Damásio de Jesus (2010, p. 137-138) explica que:
(...) Se o criminoso soubesse antecipadamente que estivessem essas leis destinadas a desaparecer após certo tempo, perdendo a sua eficácia, lançaria mão de todos os meios para iludir a sanção, principalmente quando iminente o término de sua vigência pelo decurso de seu período de duração ou de duas circunstâncias determinadoras. Quando é ab-rogada uma lei por outra, diz Roubier, “isto significa que os rigores da lei precedente desapareceram em consequência de mudança na concepção do Direito Penal pelo legislador, e essa modificação tem efeito imediato e atinge os processos em curso. Mas quando o legislador previu, antes, que a lei se aplicaria apenas em certo período de tempo, isto quer dizer que os rigores da lei temporária lhe pareceram necessários durante todo esse tempo; e então não se daria à lei temporária todo seu alcance, se sua eficácia estivesse dependendo do estado do processo do último dia de aplicação da lei; esta seria impunimente violada bem antes de ter fim sua eficácia temporal, e poder-se-ia paralisar sua aplicação retardando o processo”. Se a lei temporária não tivesse eficácia após o decurso do lapso temporal pré-fixado, todos os que tivessem desobedecido a sua norma nos últimos dias de vigência ficariam impunes, pois não haveria tempo para o processamento das ações penais antes da autorrevogação. Tal possibilidade criaria graves injustiças: uns seriam condenados, outro, não. Só seriam apenados os que tivessem praticado crimes em época bem anterior ao término de sua vigência. Por outro lado, restaria debilitada a eficácia intimidativa da lei.
Percebe-se a partir de então que o artigo 3º do Código Penal é constitucional, pois trata-se de uma exceção ao disposto no artigo 5º, inciso XL, da Constituição Federal. A concepção jurídica do fato não muda quando a lei temporária ou excepcional perde a sua vigência e a lei ordinária anterior volta a vigorar no ordenamento jurídico.
O mesmo posicionamento se encaixa nos casos em que as leis temporárias ou excepcionais surgem para impor penas mais severas. No momento em que há a auto revogação destas leis com prazo determinado de vigência, a lei ordinária, a qual prevê pena menos severa, ao retornar a vigorar, não será aplicada ao réu que cometeu o crime durante o período de vigência das leis intermitentes, pois não houve alteração do estado jurídico do fato.
Quanto ao caso de a lei temporária ou excepcional seguir-se outra mais benéfica quando cessar sua vigência, Damásio de Jesus (2010, p. 140-141) expressa que:
A adoção da retroprojeção benéfica, ainda na hipótese de suceder à lei excepcional ou temporária uma norma ordinária, criaria os seguintes inconvenientes de ordem prática:
1.º) seria inócuo que a lei excepcional ou temporária impusesse sanção por lapso superior ao de sua passageira vigência;
2.º) se dois cidadãos cometessem, na mesma data, fato idêntico somente definido pela lei excepcional ou temporária, poderia ocorrer que, pela desigualdade de celeridade das ações criminais, um deles viesse a ser condenado (até o término da vigência da lei) e o outro ficasse impune;
3.º) no mesmo caso, se um dos agentes fosse preso antes do término da vigência da lei, e o outro não, o primeiro sofreria a pena, enquanto o outro ficaria em paz;
4.º) os violadores da lei excepcional ou temporária, nos últimos dias de sua vigência, estariam ab initio imunes à repressão penal ou à maior punibilidade;
5.º) quando fosse curto o prazo de vigência da lei que incriminasse ex novo uma conduta, não se poderia falar em extinção da pretensão punitiva pela prescrição, pois antes sempre ocorreria a abolitio criminis.
Assim, a lei posterior não poderá ser aplicada aos fatos ocorridos na vigência das leis intermitentes, uma vez que as circunstâncias modais dos tipos são diferentes. No entanto, a retroatividade benéfica ocorrerá “quando a lei excepcional ou temporária posterior abranger não somente o comportamento descrito pela figura típica antiga, mas também as circunstâncias anormais que o tornaram punível ou merecedor de maior punibilidade” (JESUS, 2010, p. 141)
Há ainda um terceiro posicionamento sobre a constitucionalidade do artigo 3º do Código Penal em face do artigo 5º, XL, da Constituição Federal. Esta terceira corrente minoritária defende a constitucionalidade das leis excepcionais e a inconstitucionalidade das leis temporárias.
Com relação à terceira corrente, Guilherme de Souza Nucci (2008, p. 102-103), em sua obra, comenta:
Há quem adote uma posição intermediária, considerando inconstitucionais as temporárias e constitucionais as excepcionais, mas com outro conceito. Nesse sentido, leciona Luiz Luisi que as leis excepcionais são as que existem, em caráter permanente, embora só adquiram eficácia quando ocorrem fatos e situações especiais. Cita como exemplo o Código Militar. Há normas que somente se aplicam em épocas de guerra. Cessada esta, perdem a eficácia, mas continuam vigorando. Aplica-se para o passado, levando-se em conta que a lei ainda existe, mas sem eficácia (Os princípios constitucionais penais, p. 22). Quanto às temporárias, que desaparecem após determinado período, crê ser inconstitucional o disposto no art. 3.º, CP, mandando que sejam aplicadas retroativamente (Os princípios constitucionais penais, p. 23).
Não resta dúvidas, portanto, que o posicionamento majoritário, e o mais correto, é o da constitucionalidade do artigo 3.º do Código Penal, uma vez que trata-se de uma exceção à regra do artigo 5º, inciso XL, da Constituição Federal (retroatividade benéfica).
3 - Procedimento legislativo da lei temporária no Direito Penal
Conforme já mencionado, as espécies normativas deverão seguir algumas fases/momentos para que comecem a entrar em vigor. Tais fases/momentos é o que chamamos de procedimento legislativo. Assim, “o processo legislativo consiste nas regras procedimentais, constitucionalmente previstas, para a elaboração das espécies normativas, regras estas a serem criteriosamente observadas pelos “atores” envolvidos no processo”. (LENZA, 2010, p.440)
A Constituição Federal, em seu artigo 59, estabeleceu um rol com as diversas espécies normativas existentes, as quais possuem procedimentos legislativos variados, quais sejam: emendas à Constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções.
Neste sentido, Pinto Ferreira (1993, p. 386) apud Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior (2009, p. 361) explica que:
O conteúdo do processo legislativo é bem amplo na Constituição brasileira de 1988. Enriqueceu-se em comparação com os textos dos Códigos magnos anteriores. Atualmente o processo legislativo compreende a elaboração de emendas à Constituição, leis complementares da Constituição, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções.
Sabe-se que as leis temporárias, no Direito Penal, são leis que tratam de Direito Penal e, conforme o artigo 22, inciso I, da Constituição Federal, o Direito Penal é tratado por lei ordinária. Portanto, o procedimento legislativo de uma lei temporária no Direito Penal é o mesmo procedimento legislativo de uma lei ordinária, o qual passaremos a analisar.
O primeiro momento do processo legislativo é a fase de iniciativa, que nada mais é do que a fase instauradora, o momento que desencadeia o procedimento legislativo, estabelecendo a competência para a deflagração do processo legislativo.
O Artigo 61, caput, da Constituição Federal atribuiu essa competência as seguintes pessoas: a) Presidente da República; b) qualquer deputado ou Senador; c) Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional; d) Supremo Tribunal Federal, Tribunais Superiores e Tribunal de Contas da União; e) Procurador-Geral da República e f) os cidadãos, desde que atendidos os requisitos do artigo 61, § 2º, da CF.
Assim, estas são as pessoas que poderão dar início ao procedimento legislativo.
Porém, a iniciativa, a depender da matéria que veicule, poderá ser classificada como concorrente, privativa, vinculada e atribuída.
A iniciativa concorrente, também chamada de comum ou geral, “refere-se à competência atribuída pela Constituição a mais de uma pessoa ou órgão para deflagrar o processo legislativo. ” (LENZA, 2010, p. 442). Ou seja, a competência pertence simultaneamente ao Presidente da República e aos cidadãos, ou aos órgãos e aos integrantes do Poder Legislativo.
Já a iniciativa privativa, também conhecida como iniciativa reservada ou exclusiva, é aquela que a competência é exclusiva para aquela determinada pessoa atribuída pela Constituição, a qual não pode ser delegada para nenhuma pessoa. Sobre o assunto Pedro Lenza (2010, p. 412) explica que:
Algumas leis são de iniciativa privativa de determinadas pessoas, só podendo o processo legislativo ser deflagrado por elas, sob pena de se configurar vício formal de iniciativa, caracterizador da inconstitucionalidade do referido ato normativo.
Muito embora a Constituição fale em competência privativa, melhor seria dizer competência exclusiva (ou reservada), em razão da marca de sua indelegabilidade, como se percebe a seguir.
Assim, a Constituição atribuiu competência reservada ao Presidente da República (artigo 61, § 1º), aos Governadores dos Estados e do Distrito Federal e aos Prefeitos, ao Poder Judiciário (artigo 96, inciso II), à Câmara dos Deputados (artigo 51, inciso IV) e ao Senado Federal (artigo 52, inciso XIII).
A iniciativa vinculada é a competência atribuída pela Constituição a uma ou mais pessoas, cujo titular tem a obrigação de oferecer o projeto na oportunidade ou prazo determinado. Um exemplo de iniciativa vinculada é o “projeto orçamentário, que, a teor do que dispõe o art. 35, § 2º, III, do Ato de Disposições Constitucionais Transitórias, deve ser enviado ao Congresso Nacional até quatro meses antes do final do exercício financeiro. ” (ARAUJO; JÚNIOR, 2009, p. 363).
Já a iniciativa atribuída, que nada mais é do que a competência de iniciativa exclusiva dos integrantes do Poder Legislativo, os quais podem exercê-la concorrentemente, uma vez que podem encaminhar a proposta por si mesmos, sem a necessidade de aquiescência recíproca.
Sobre o tema, Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior (2009, p. 363) explicam que:
A iniciativa, em regra, é concorrente, vale dizer, pertence simultaneamente aos órgãos e integrantes do Poder Legislativo, ao Presidente da República e à população (iniciativa popular – art. 61, § 2º). Em casos excepcionais, porém, a Constituição reserva a iniciativa de projetos de lei sobre determinadas matérias a uma ou algumas dessas pessoas, competindo a elas determinar o momento e a oportunidade de submeter a questão ao crivo do Poder Legislativo. De se ressaltar ainda que, de matérias inscritas no rol das de iniciativa reservada, existem as de iniciativa vinculada, ou seja, aquelas em que o titular não pode aquilatar a oportunidade de oferecer o projeto, mas tem o dever de fazê-lo em determinado prazo ou oportunidade.
Existe ainda a iniciativa popular, prevista no artigo 14, caput, da Constituição Federal, a qual estabelece que os cidadãos, desde que cumpridos os requisitos do artigo 61, § 2º, combinado com o artigo 14, inciso III, ambos da Constituição Federal e a Lei 9.709/98 – assinatura de, no mínimo, 1% do eleitorado nacional, espalhado por pelo menos 5 Estados, sendo que deve haver um mínimo de 0,3% dos eleitores de cada um deles – podem deflagrar processo legislativo de lei complementar e de lei ordinária à Câmara dos Deputados.
Concluída a fase de iniciativa, passa-se a segunda fase do procedimento legislativo: a fase constitutiva, a qual divide-se em dois momentos: a deliberação parlamentar e a deliberação executiva.
Na deliberação parlamentar os membros do Legislativo irão discutir e votar o projeto de lei. Como no Brasil o Legislativo funciona em duas casas legislativas (Câmara dos Deputados e Senado Federal), uma dessas casas receberá primeiro o projeto de lei para discussão e votação (Casa iniciadora), para em seguida passar para a apreciação da outra casa (Casa revisora).
Em regra, a Câmara dos Deputados será a Casa iniciadora, ou seja, o projeto de lei passará primeiro por aqui para depois seguir para o Senador Federal. Porém, quando os projetos de lei forem de iniciativa dos Senadores ou das Comissões do Senado, esta passará a ser a Casa iniciadora, enquanto que a Câmara dos Deputados passará a ser a Casa revisora.
Assim, ao chegar na Casa Iniciadora, o projeto de lei passará primeiramente pela apreciação da Comissão de Constituição e Justiça, a qual analisará a constitucionalidade do referido projeto. Em seguida, o projeto será enviado para as comissões temáticas que, após analisadas e discutidas, emitirão pareceres.
Em seguida, os projetos serão enviados ao plenário da Casa iniciadora para discussão e votação. Nos casos das leis temporárias o quórum mínimo de votação para que o projeto seja aprovado é o de maioria relativa (ou simples), ou seja, a maioria dos parlamentares presentes na reunião ou sessão no dia da votação.
No entanto, deverão estar presentes na sessão de votação pelo menos a maioria absoluta dos membros, ou seja, para que a sessão seja realizada, é necessário que esteja um número mínimo de parlamentares, e esse número mínimo é a maioria absoluta.
Assim, estando presentes na sessão a maioria absoluta dos membros e, após a votação, sendo o projeto de lei temporária aprovado com um quórum mínimo da maioria relativa, ele seguirá para a Casa revisora, passando, também pelas Comissões e depois pelo Plenário que, após a discussão poderá aprová-lo, rejeitá-lo ou emendá-lo.
Sobre essas três possibilidades do plenário da Casa revisora, Pedro Lenza (2010, p. 462) explica que:
Aprovado o projeto de lei pela Casa revisora, em um só turno de discussão e votação (regra geral para leis ordinárias e complementares), ele será enviado para a sanção ou veto do Chefe do Executivo.
Rejeitado o projeto de lei, ou seja, caso a Casa revisora não o aprove, ele será arquivado, só podendo ser reapresentado na mesma sessão legislativa (anual), mediante proposta da maioria absoluta dos membros de qualquer das Casas do Congresso Nacional (art. 67).
Emendado, vale dizer, na hipótese de ter sido alterado o projeto inicial, a emenda, e somente o que foi modificado, deverá ser apreciada pela Casa iniciadora, sendo vedada a apresentação de emenda à emenda (subemenda).
Assim, para que o projeto de lei temporária seja apreciado pelo Chefe do Executivo, necessariamente deve ter sido apreciado e aprovado pelas duas casas, em sessão única em casa uma delas.
Ressalte-se que, caso haja urgência, o projeto de lei de iniciativa do Presidente da República deverá ser apreciado e votado no prazo de 45 dias em cada Casa. Neste sentido, Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior (2009, p. 363) aduzem que:
O Presidente pode pedir urgência na apreciação de um projeto de lei de sua iniciativa, hipótese em que ele deve ser votado em quarenta e cinco dias em cada Casa, reservando-se dez para apreciação das emendas, se existirem. Caso não ultimada a votação no prazo, será ele incluído na ordem do dia, sobrestando-se a votação de outras matérias, salvo aquelas que tiverem prazo constitucional assinalado, como as medidas provisórias, por exemplo.
Após aprovado, o projeto de lei temporária passa para a deliberação executiva, ou seja, apreciação do Presidente da República, o qual deverá sancioná-lo ou vetá-lo, conforme disposição no artigo 66 da Constituição Federal.
Caso o Chefe do Poder Executivo concorde com o projeto de lei, o mesmo deverá manifestar a sua aquiescência através da sanção, podendo ser expressa (quando lançada no projeto) ou tácita (quando passados os 15 dias de sua manifestação em silêncio).
Caso haja a discordância do projeto, o Presidente da República deverá vetá-lo, expressamente, no prazo de 15 dias úteis, contados da data do recebimento, sob pena de ser o projeto sancionado tacitamente.
Havendo veto, que poderá ser total ou parcial, o Presidente da República terá o prazo de 48 horas para justificar, limitando-se a dois fundamentos: contrariedade ao interesse público ou inconstitucionalidade. Caso haja veto sem fundamento, o projeto de lei produzirá efeitos como se houvesse sido sancionado tacitamente. Portanto, é indispensável que o veto seja acompanhado do fundamento.
Após a publicação do veto e o envio dos seus motivos ao Presidente do Senado, o mesmo “deverá ser apreciado dentro de trinta dias do recebimento, em sessão conjunta do Congresso Nacional. Não apreciado nesse prazo, será incluído na ordem do dia, impedindo as demais deliberações. ” (ARAUJO; JÚNIOR, 2009, p. 367).
Vale ressaltar ainda que o veto do Presidente da República pode ser derrubado pelo Congresso Nacional, desde que tenha o voto da maioria absoluta de seus membros, em sessão conjunta. Tal característica faz com que o veto seja suspensivo, superável.
Caso o projeto de lei seja sancionado ou caso o veto do Presidente da República seja derrubado, passa-se à última fase do procedimento legislativo: a fase complementar, que se divide em promulgação e publicação.
Segundo Pedro Lenza (2010, p. 464):
A promulgação nada mais é do que um atestado da existência válida da lei e de sua executoriedade. Apesar de ainda não estar em vigor e não ser eficaz, pelo ato da promulgação certifica-se o nascimento da lei. José Afonso da Silva aponta que “o ato de promulgação tem, assim, como conteúdo a presunção de que a lei promulgada é válida, executória e potencialmente obrigatória”.
Com a promulgação, a lei passa a existir, os fatos e os atos geradores da lei tornam-se conhecidos, válidos e obrigatórios. Desta forma, a promulgação deverá ser feita pelo Presidente da República, no prazo de 48 horas, contados a partir da sanção ou da derrubada do veto. Caso não o seja feito dentro do prazo estabelecido, a competência para promulgar a lei passa sucessivamente a ser do Presidente do Senado Federal e do Vice-Presidente do Senado Federal.
Após a promulgação, a lei deverá ser publicada, ou seja, a lei será levada ao conhecimento de todos, inclusive sobre o momento em que seu cumprimento será exigido. Para Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior (2009, p. 368):
A publicação é o ato por meio do qual se dá conhecimento público da existência do ato normativo. Deve ser feita por meio de veículo oficial e a data da publicação é o termo inicial do período de vacância, que, à míngua de expressa disposição em contrário, é de quarenta e cinco dias.
Com a publicação, a lei estará apta a entrar em vigor e, portanto, a ser exigível o seu cumprimento.
4 – Conclusão
De tudo se conclui que o Direito Constitucional impõe regras para o procedimento legislativo na elaboração de leis ordinárias. As leis temporárias, por serem leis ordinárias, seguem o mesmo rito destas. Nesse sentido, as leis temporárias, no âmbito do direito penal, possuem ultratividade e são constitucionais, apesar da existência de divergência doutrinária, sendo de grande relevância para a sociedade.
5 – Referências
ARAÚJO, Luiz Alberto David; JÚNIOR, Vidal Serrano Nunes. Curso de direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009;
BRASIL. Código penal, de 07 de dezembro de 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm>. Acesso em: 2014;
________. Código de processo penal, de 03 de outubro de 1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm>. Acesso em: 2014;
________. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 2014;
________. Lei de introdução às normas de direito brasileiro, de 04 de setembro de 1942. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del4657.htm>. Acesso em: 2014;
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 01
JESUS, Damásio de. Direito penal: parte geral. 31. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 1.
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 14. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2010.
MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de direito penal: parte geral, arts. 1º a 120 do CP. 25. ed. rev. e atual. até 11 de março de 2009. São Paulo: Atlas, 2009. v. 1.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral: parte especial. 4. ed. rev., atual. e ampl. 3. tir. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.
Bacharel em Direito pela Universidade Tiradentes .
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MELO, Marjorie Santana de. Procedimento legislativo para a elaboração da lei temporária e seus efeitos no âmbito do direito penal brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 jul 2024, 04:21. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/65815/procedimento-legislativo-para-a-elaborao-da-lei-temporria-e-seus-efeitos-no-mbito-do-direito-penal-brasileiro. Acesso em: 21 nov 2024.
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