Resumo: O artigo trata sobre o novo tributo de natureza extrafiscal, instituído pela Reforma Tributária, denominado de Imposto Seletivo, mas também conhecido como "Imposto do Pecado". O objetivo não é exaurir o assunto, mas trazer algumas reflexões sobre o que está sendo desenhado a partir da modificação do texto constitucional pela Emenda Constitucional e também pelo texto do projeto de Lei Complementar n° 68 de 2024. Diante das críticas que recaíram sobre os bens e serviços classificados como prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, tenta-se contextualizar a questão a fim de que se possa acompanhar como será implementada no texto legal a proteção da saúde e da natureza por meio da tributação.
Palavras Chave: Imposto Seletivo. Reforma Tributária. Tributo Extrafiscal.
Abstract: The article deals with the new tax of an extra-fiscal nature, established by the Tax Reform, called Selective Tax, but also known as "Sin Tax". The objective is not to exhaust the subject, but to bring some reflections on what is being designed based on the modification of the constitutional text by the Constitutional Amendment and also by the text of the project of Complementary Law No. 68 of 2024. In view of the criticisms that have fallen on the goods and services classified as harmful to health and the environment, an attempt is made to contextualize the issue so that it is possible to monitor how the protection of health and nature through taxation will be implemented in the legal text.
Keywords: Selective Tax. Tax Reform. Extrafiscal Tax.
Sumário: Introdução. 1. Dos Tributos Extrafiscais. 2. Reforma Tributária. 3. Imposto Seletivo. 4. Produtos Prejudiciais à Saúde. 5. Produtos Prejudiciais ao Meio Ambiente. Conclusão. Referências.
Introdução
A Reforma Tributária no Brasil, após três décadas de discussão, em 2023, finalmente, foi concluído o texto da Emenda Constitucional nº 132, o qual alterou o Sistema Tributário Nacional. Essa reforma surge em um momento de forte mudança social, bem como de destaque para a proteção ao meio ambiente, incentivo à sustentabilidade e à saúde, outro tema relevante.
Nessa perspectiva, o artigo aborda um assunto de extrema relevância e alvo de inúmeras críticas: o “Imposto do Pecado”. O Imposto Seletivo (IS) surge pendente de regulamentação por Lei Complementar, mas já demonstra ser predominantemente de natureza extrafiscal.
Com isso, aborda-se a extrafiscalidade dos tributos a fim de se compreender como a atuação desse novo imposto pretende regular comportamentos sociais relacionados à proteção da saúde e do meio ambiente.
Busca-se analisar o que seria enquadrado como produtos prejudiciais à saúde, resgatando assuntos em voga e históricos para se alcançar os possíveis reflexos dessa nova tributação no ordenamento brasileiro e quais são suas possíveis consequências, também se identificando a necessidade de maior precisão na previsão legislativa que ainda está tramitando.
Por fim, analisando o enquadramento dos produtos prejudiciais ao meio ambiente, observa-se a relação entre Direito Ambiental e Direito Tributário Ambiental e como está se desenhando o corpo do principal projeto de regulação da Reforma Tributária.
1. Dos Tributos Extrafiscais
Para que se alcance os objetivos estatais, a arrecadação de tributos é primordial, correspondendo à principal receita financeira estatal, que permite a execução de políticas públicas e garante a organização do próprio Estado. Já faz parte da estrutura democrática brasileira a exigência dos seus cidadãos do pagamento de tributos de forma compulsória, a fim de que contribuam para o custeio da atividade estatal e que sejam concretizadas as garantias fundamentais de saúde, educação, dentre outras previstas na própria Constituição.
Para Paulsen (2020, p.27): “A tributação, em Estados democráticos e sociais, é instrumento da sociedade para a consecução dos seus próprios objetivos. Pagar tributo não é mais uma submissão ao Estado, tampouco um mal necessário.”
Todo o tributo possui natureza fiscal que corresponde à função arrecadatória. Contudo, o tributo pode ter outras finalidades como a função parafiscal ou ainda extrafiscal.
Não que os tributos possam ser classificados apenas em uma única categoria, mas deve-se observar o que o legislador quis predominantemente quando instituiu o tributo sob aquele aspecto. Nesse sentido, Carvalho (2019, p. 60) explica que o fator para identificar uma das três classificações é o modo como é realizado o emprego do instrumento jurídico-tributário.
O autor ainda vai afirmar que ao perseguir objetivos alheios aos meramente arrecadatórios no âmbito da configuração dos tributos, vai se dar a extrafiscalidade. Na mesma perspectiva, Paulsen (2020, p. 245) ensina que a motivação para gerar inibição ou indução de comportamentos, supera o objetivo meramente arrecadatório, o que caracteriza os tributos classificados como extrafiscais.
Considerando que a incidência de tributos onera o produto, o aumento da tributação, desestimula o consumo, enquanto que a sua não incidência, estimula o consumo, Logo, a tributação opera efeitos extrafiscais – mesmo quando não intencional – induzindo ou desestimulando o comportamento dos cidadãos.
As isenções fiscais impostas por lei são exemplos da aplicação da extrafiscalidade. Tal ferramenta é utilizada pelo legislador para restabelecer o equilíbrio e estimular o crescimento de determinadas regiões ou grupos sociais vulneráveis. Assim, Paulo de Barros Carvalho (2019, p. 104) considera que:
A par disso, fomenta as grandes iniciativas de interesse público e incrementa a produção, o comércio e o consumo, manejando de modo adequado o recurso jurídico das isenções. São problemas alheios à especulação jurídica, é verdade, mas formam um substrato axiológico que, por tão próximo, não se pode ignorar. A contingência de não levá-los em linha de conta, para a montagem do raciocínio jurídico, não deve conduzir-nos ao absurdo de negá-los, mesmo porque penetram a disciplina normativa e ficam depositados nos textos do direito posto.
No contexto da extrafiscalidade, o uso da “seletividade” pode determinar como será o consumo, tanto aumentando como reduzindo-o, da seguinte forma: “estimulando o consumo pela redução da carga tributária para determinados produtos e inibindo para outros mediante elevação da alíquota a eles aplicável.” (PAULSEN, 2020, p. 226).
A Constituição Federal autoriza o tratamento diferenciado na tributação, com a utilização da extrafiscalidade, o que pode ser extraído em diversos dispositivos. São exemplos disso os impostos que dizem respeito ao cumprimento da função social da propriedade: Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) e Imposto Territorial Rural (ITR), nos termos do artigo 170, III e do artigo 182, §4°, II.
Além dessa situação, pode se citar como exemplos de tributos predominantemente de natureza extrafiscal: Imposto de Importação (II), Imposto de Exportação (IE), Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Nesse último caso, as elevadas alíquotas de IPI na produção de bebidas alcoólicas e tabaco pretendem inibir o consumo desses produtos prejudiciais à saúde, além de serem considerados produtos não essenciais.
O próprio Supremo Tribunal Federal em sua vasta jurisprudência aponta que não ofende a Constituição Federal a função extrafiscal aplicada nos impostos. Assim sendo, a extrafiscalidade é conceito indubitavelmente inserido no Direito Tributário brasileiro e passível de utilização.
Todavia ao tratar dessas modificações deve estar muito bem estabelecidos e internalizados os princípios norteadores, pois reorganizar o Sistema Tributário Nacional é desafiador.
2. Reforma Tributária
Até então, o modelo brasileiro de tributação da produção e consumo de bens e serviços era representado por cinco tributos (IPI[1], PIS[2], COFINS[3], ICMS[4] e ISSQN[5]), com uma base de incidência fragmentada, complexos e divididos conforme a natureza da operação. Ricardo Alexandre (2024, p. 565-566) explica que a fragmentação do atual Sistema Tributário adotado no Brasil tem como resultado o desequilíbrio na carga tributária suportada por diferentes setores econômicos, assim a indústria está sendo mais tributada que o setor de serviços, por exemplo.
Dentre esses e outros motivos, surgiu a necessidade de uma alteração do nosso ordenamento jurídico. Todavia, essa discussão vem longa data, pois a Reforma Tributária (PEC 45/2019) foi alvo de debate por mais de três décadas até finalmente ser promulgada em 2023, sendo que a primeira etapa de alterações recaiu nos impostos que incidem sobre o consumo.
As alterações da Emenda Constitucional n° 132 de 20 de dezembro de 2023. que afetaram o Sistema Tributário Nacional, criaram três novos tributos – Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), compondo o Imposto sobre Valor Agregado (IVA Dual), além do Imposto Seletivo – em detrimento dos outros cinco acima descritos, para os quais foi previsto um regime de transição. Os novos imposto serão implementados após o período de transição da Reforma Tributária com início em 2026 (finalizando em 2033 com integral integração), os impostos PIS, COFINS, ICMS e ISSQN devem ser extintos e o IPI ainda deve permanecer em vigor para proteger a Zona Franca de Manaus.
Assim, na nova disposição dos tributos, que seguem um modelo mais simplificado de tributação, o IBS e o CBS foram formulados com uma natureza predominantemente fiscal e serão os responsáveis pela arrecadação da maior parte da receita.
Com a Reforma Tributária, presenciaremos muitas mudanças importantes, começando pela substituição dos tributos atuais por uma taxação não cumulativa, com vistas a resolver antigos problemas enfrentados pelo desequilíbrio nas taxações. Deste modo, as empresas serão responsáveis pelo pagamento dos valores de imposto referentes à produção.
De outra banda, o Imposto Seletivo terá natureza extrafiscal, conforme disposto no texto legal, artigo 153, VIII da Constituição Federal, e será de competência da União instituir o imposto sobre a: “produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, nos termos de lei complementar. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)”.
Conforme previsão constitucional, para regulamentar os novos tributos é necessário a edição de Lei Complementar. No caso do Imposto Seletivo, diferente dos outros dois, sua incidência será restrita aos bens e serviços que prejudiquem a saúde pública ou o meio ambiente, entendendo-se que tem natureza extrafiscal, é facilmente identificada a preocupação do legislador de desincentivar determinadas práticas. Não por acaso, tal imposto ficou popularmente conhecido como o “Imposto do Pecado”.
Todavia, embora já fosse identificado o instituto da extrafiscalidade no ordenamento, com alíquotas mais elevadas incidentes sobre produtos não essenciais, a preocupação com a sustentabilidade ambiental foi uma novidade importante, incluída também como um dos princípios do Sistema tributário Nacional, artigo 145, §3° CF: “O Sistema Tributário Nacional deve observar os princípios da simplicidade, da transparência, da justiça tributária, da cooperação e da defesa do meio ambiente. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)”.
O Projeto de Lei Complementar tramitou na Câmara dos Deputados (PLP 68/2024) com muitas discussões, em especial no que diz respeito ao “Imposto do Pecado”. A redação final foi aprovada em plenário com 336 votos favoráveis, 142 não favoráveis e 2 abstenções, e encontra-se aguardando envio ao Senado Federal. O objetivo é que ocorra a conclusão da tramitação da matéria no mesmo ano de apresentação do projeto.
Assim, persistem dúvidas que precisam ser superadas, quanto à definição dos bens e serviços que serão alvo do novo imposto.
3. Imposto Seletivo
Ricardo Alexandre (2024, p. 745) explica que o “Imposto do Pecado” ("sin tax"), na verdade, foi uma construção, hoje presente em vários países, onde aplicou-se uma tributação diferenciada sobre produtos causadores de vícios e de substâncias poluentes, como forma de desestimular o consumo deles. Esse conceito surgiu na década de 1970, nos Estados Unidos, como parte de uma política pública de combate ao tabagismo.
No Brasil, com a Emenda Constitucional n° 132/2023 foi expressamente inserido no texto constitucional a previsão do imposto sobre produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. Será necessário ser regulamentado por Lei Complementar, e tal ao instituir a lista de itens sujeitos à incidência de alíquotas mais altas, funcionando como um sistema de compensação pelas isenções concedidas para outras categorias, as concessões realizadas aos itens da cesta básica, por exemplo.
O Imposto Seletivo se assemelha muito ao Imposto sobre Produtos Industrializados, no que diz respeito à função extrafiscal, como desestímulo ao consumo de determinados bens, mas também pelo disposto no inciso VIII, inserido no artigo 153 da Constituição Federal pela Reforma Tributária, estabelecendo que o Imposto Seletivo é de competência federal, todavia a arrecadação será compartilhada entre todos os entes federados.
Pela regra de transição, o novo imposto passa a ser aplicado a partir de 2027, portanto a Lei Complementar necessária deve estar alinhada até lá. Por este motivo, o PLP 68/2024 está tramitando de forma rápida, mas não definiu as alíquotas para o Imposto Seletivo, pois a definição de alíquotas deverá ser estabelecida em lei ordinária e irá variar de acordo com cada produto. Porém, foi estabelecido no Projeto de lei que as operações com bens minerais extraídos respeitarão o percentual máximo de 1% (art. 406, §2º, PLP nº 68 de 2024)
Ricardo Alexandre (2024, p. 746-747) entende que o Imposto Seletivo (IS) está entre os tributos de que a criação depende do processo legislativo mais rigoroso, nesse sentido, ainda que a Constituição Federal em seu artigo 146, inciso III, alínea a, impõe que seja por lei complementar a definição das normas gerais de todos os impostos - “Cabe à lei complementar: […] definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes” –, tal necessidade repetiu-se no dispositivo específico que versa sobre o Imposto Seletivo, incluído pela Reforma Tributária. No entanto, embora o texto constitucional não tenha esclarecido se a lei complementar deve trazer a criação com todos os elementos do tributo, definindo inclusive o conceito legal de nocividade, ou se em um primeiro momento ela traria apenas as diretrizes fundamentais deixando para lei ordinária a efetiva efetivação, o autor destacou que seria ilógico repetir a exigência caso não fosse intenção do legislador que toda a regulação do tributo se desse por meio de lei complementar.
Segundo o projeto de Lei Complementar, em tramitação, o imposto incidirá apenas uma vez sobre a cadeia produtiva, observa-se que essa dinâmica é coerente com o novo espírito da norma, onde a simplicidade e equilíbrio na tributação corresponde à nova regra de aplicabilidade. Como exemplo do que propõe, o importador será tributado por esse imposto no momento em que o produto ingressar no país, já o fabricante quando efetuar a primeira venda.
Apesar do texto o projeto não definir o conceito de nocividade, trouxe uma listagem expressa dos bens, nos termos do artigo 393: “§ 1º Para fins de incidência do Imposto Seletivo, consideram-se prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente os bens classificados nos códigos da NCM/SH listados no Anexo XVIII […]”.
Foi também mantida a tributação dos carros elétricos sob a justificativa de que na produção das baterias desses veículos ocorre a emissão de poluentes, gerando impactos ambientais, mesmo que não pelo uso de combustíveis de origem fósseis ou mesmo vegetal. As embarcações e aeronaves seguem a mesma lógica de “punição” pelos impactos ambientais gerados por esses meios de transporte, além dos bens minerais extraídos.
Não ficaram de fora os jogos de azar e concursos de prognósticos, seja na modalidade física ou online. Deste modo, a cobrança também alcançará os “fantasy games”. No grupo de produtos prejudiciais à saúde foram inseridos os produtos fumígenos (cigarros), bebidas alcoólicas, bebidas açucaradas. No entanto, armas e munições não foram incluídos entre os itens da lista de bens sujeitos ao Imposto Seletivo.
4. Produtos Prejudiciais à Saúde
O Imposto Seletivo como “Imposto do Pecado” vai ser inserido no contexto da tentativa do Estado de desestimular o consumo de produtos que são prejudiciais à saúde dos seus consumidores. Cabe ressaltar que, em um Estado Democrático de Direito, a liberdade está inserida no rol dos direitos fundamentais (artigo 5°, CF) e, como destacado por Ingo Sarlet (2010, p.142), o núcleo inviolável desses direitos é a própria dignidade da pessoa humana.
Na perspectiva do professor André de Carvalho Ramos (2020, p.58), cada indivíduo tem autonomia para dispor como melhor lhe convier do seu próprio arbítrio, contudo o ser humano ao mesmo tempo que tem o direito de ser respeitado, também deverá respeitar os demais. Deste modo, a tributação diferenciada se justifica em prol da coletividade, uma vez que se trata de bens e serviços que geram impactos negativos à sociedade.
Mesmo que o indivíduo “seja livre” para fazer e consumir produtos entendidos como prejudiciais à saúde, existe um grau de ordem e tutela pelo Estado, garantindo que a escolha seja livre, contudo consciente e que possibilite certo grau de segurança no uso/consumo. Por isso, as agências reguladoras têm esse papel, protegendo a sociedade de bens e produtos fora desse limite.
Nessa linha, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em 23 de abril de 2024, publicou a Resolução n°855 (RDC – Resolução da Diretoria Colegiada), mantendo a vedação em vigor desde 2009 que proibe a fabricação, importação, comercialização, distribuição, armazenamento, transporte, bem como propaganda de dispositivos eletrônicos para fumar (cigarros eletrônicos). A decisão foi embasada por documentos da Organização Mundial de Saúde, pareceres de associações científicas brasileiras, posicionamento do Ministério da Saúde, além de outros, concluindo pela proibição como medida de saúde pública, mesmo diante da manifestação de grandes empresas da indústria do tabaco e cigarros que apontam a proibição como medida ineficaz, já que o produto continua sendo comercializado ilegalmente no país.
Ricardo Alexandre (2024, p. 745) esclarece que:
[...] Nesse contexto, a taxação surge como uma alternativa à proibição, já que esta, além de muitas vezes não impedir o consumo, estimula o mercado ilegal e o cometimento de crimes.
Há doutrinadores que defendem que, em se tratando de vícios (cigarro, álcool etc.), a tributação seria pouco capaz de modificar o comportamento dos consumidores, possuindo apenas efeito arrecadatório e, o que é pior, um viés altamente regressivo, por afetar de modo mais severo as pessoas de menor poder aquisitivo.
Para além da conclusão do autor de que nem a taxação excessiva, nem a proibição seria eficaz para desestimular o consumo, tendo em vista o mercado ilegal dessas substâncias, a exemplo do que ocorreu nos Estados Unidos, de 1920 a 1933, com a edição da 18ª Emenda Constitucional, conhecida como Lei Seca, proibindo a produção, venda e transporte de bebidas alcoólicas em território norte-americano. Com uma campanha extremamente conservadora, conduzida por grupos religiosos, o objetivo era frear a criminalidade no país, todavia o efeito foi justamente o oposto, com o aumento de crimes organizados controlando a venda ilegal de bebidas alcoólicas. Um líder conhecido foi Al Capone, que comandou a máfia da cidade de Chicago, enriquecendo com a prática de venda de bebidas alcoólicas, além de cometer inúmeros outros crimes.
Tais eventos ocorridos ao longo da história servem de auxílio na reflexão sobre as decisões políticas adotadas. Como se verifica, os impactos do Imposto Seletivo serão presenciados para além da coletividade e direitos individuais, os reflexos alcançam a sociedade como um todo e a indústria no aspecto econômico.
Cabe ressaltar que quando se está diante de uma política de desestímulo ao consumo de produtos prejudiciais à saúde, deve-se ter em mente que a informação é um dos meios mais eficazes de se conduzir o diálogo e desestimular o consumo. Como introduzido nesse tópico, a liberdade de se autogerir e de tomar as próprias decisões permite que bens e serviços lesivos ao próprio bem-estar dos consumidores sejam adquiridos por eles. Contudo, o Estado, apesar de não poder decidir pelos cidadãos, deve conduzir uma política que busque a manutenção do bem-estar da coletividade, o que é possível através de diversos mecanismos, e porque não, do próprio Sistema Tributário, ao invés de simplesmente proibir o consumo.
5. Produtos Prejudiciais ao Meio Ambiente
Com o texto incluído pela Emenda Constitucional n° 132, de 2023, a defesa do meio ambiente está expressamente prevista como um princípio do Sistema Tributário Nacional. O Imposto Seletivo, também advindo da Reforma Tributária, é outro instituto que reforça tal defesa pela garantia e estímulo a um desenvolvimento sustentável. Para Frederico Amado (2020, p. 59-60):
[...] desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de existência digna das gerações futuras, sendo possível melhorar a qualidade de vida dos vivos sem prejudicar o potencial desenvolvimento das novas gerações, através do controle da poluição a fim de manter a perenidade dos recursos naturais.
O Imposto do Pecado, nesse cenário, aproxima o Direito Tributário e o Direito Ambiental, onde a extrafiscalidade do imposto em comento tem impacto nas próprias normas que versam sobre a proteção ambiental. O princípio do poluidor-pagador se insere nessa perspectiva, nos termos do artigo 225, §3°, da Constituição Federal: “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”.
Assim, tal princípio já era considerado como justificativa para a tributação ambiental, sendo um instrumento jurídico-econômico de reparação aos danos ambientais causados (ARAÚJO, 2003, p. 75-78). Nessa perspectiva, Fernando Magalhães Modé (2009, p. 97) corrobora a esse entendimento, mencionando que a tributação ambiental é um instrumento econômico que oferece aos indivíduos a oportunidade de reduzir o custo final de suas atividades: “Na busca do melhor resultado econômico o agente poluidor sente-se impulsionado a tentar novas técnicas e a inovar os métodos de produção que lhe permitam uma redução da carga fiscal suportada.”
Nessa perspectiva, Vieira (2011, p. 152) afirma que as normas específicas de tributação devem considerar a proteção ao meio ambiente desde o momento de sua criação, logo se pode afirmar que isso ocorreu com o novo tributo inserido no ordenamento jurídico, o Imposto Seletivo. Ainda conclui o autor que:
[...] é obrigação do Poder Público, em qualquer dos três níveis federativos, instituir e aplicar normas de cunho tributário que tragam em seu bojo um cunho extrafiscal, ou seja, que não visem apenas à obtenção de recursos para o Estado e sim que ambicionem proteger o meio ambiente.
Seguindo pela mesma lógica, já alertava o doutrinador Alfredo Augusto Becker (2002, p. 587) que a principal finalidade de muitos tributos é a de servir como um instrumento de invenção estatal no meio social, e também, na economia privada. Com isso, resta clara a natureza extrafiscal do Imposto Seletivo.
Nessa trilha, cabe observar que, a Agenda 2030 elenca 17 objetivos denominados Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Organização das Nações Unidas, entre eles se destacam alguns que dizem respeito especificamente ao desenvolvimento sustentável e proteção do meio ambiente: 7. Energia Limpa e Acessível; 9. Indústria, Inovação e Infraestrutura; 11. Cidades e comunidades sustentáveis; 12. Consumo e produção responsáveis; 13. Ação contra a mudança global do clima; 14. Vida na água. 15. Vida Terrestre.
A tributação de bens e serviços danosos e prejudiciais ao meio ambiente é relevante na política de mitigação das mudanças climáticas (ALEXANDRE, 2024, p. 745). Com o compromisso da Agenda 2030, a sustentabilidade ganha força, devendo ser priorizado o desenvolvimento sustentável em todos os aspectos, inclusive na esfera tributária nacional.
Sobre a incidência do Imposto Seletivo nas atividades de extração, extremamente poluentes, Ricardo Alexandre (2024, p. 755) explica que:
[...] o sistema tributário brasileiro orienta-se pela máxima segundo a qual não devem ser exportados tributos, mas, sim, bens e serviços, e o imposto seletivo, de um modo geral, submete-se a tal diretriz. Há, contudo, uma exceção à regra, concernente às atividades de extração, as quais, de tão poluentes e degradantes ao meio ambiente, devem ser tributadas mesmo quando destinam produtos ao mercado estrangeiro. O argumento que justifica tal entendimento é o de que não seria justo individualizar os lucros, deixando as empresas exportadoras do ramo se beneficiarem sozinhas do resultado econômico da atividade; mas socializar os prejuízos, impondo a toda a população os danos severos e permanentes causados ao território nacional. Para observar a razoabilidade, no entanto, a cobrança foi submetida a um teto, correspondente a 1% do valor de mercado do produto extraído.
Outra incidência polêmica e alvo de críticas que, foi abordada acima, é a previsão no Projeto de Lei Complementar da incidência do Imposto do Pecado em todos os veículos, inclusive nos carros na modalidade elétricos, uma vez que a nova tecnologia está a favor do meio ambiente e desenvolvimento sustentável e ao incidir o imposto pode gerar um desestímulo justamente a um projeto que surgiu com objetivo de promover sustentabilidade.
Como se verifica, muitos tópicos sensíveis terão de ser abordados com a Reforma Tributária e o Imposto do Pecado trará muitos desses.
Conclusão
Como visto, a Reforma Tributária trouxe um novo tributo de grande relevância no campo da extrafiscalidade, relacionado à proteção da saúde e do meio ambiente.
O PLP nº 68 de 2024 está em tramitação, sendo o principal projeto de regulamentação da Reforma Tributária e que desenha os primeiros passos de aplicação do Imposto Seletivo.
As medidas, que se pretende implementar com a modificação do Sistema Tributário Nacional, denotam uma preocupação com o equilíbrio econômico, pois haverá reflexos na coletividade e no desenvolvimento social. Não à toa foram mais de trinta anos de discussões para que fossem aprovados os primeiros atos relacionados à reforma fiscal.
Até o momento, segundo o Projeto de Lei, foram condenados ao “pecado” os veículos, embarcações, aeronaves, produtos fumígenos, bebidas alcoólicas, bebidas açucaradas, bens minerais e concursos de prognósticos.
Deste modo, percebe-se a necessidade de acompanhar a finalização do projeto da lei complementar, reforçando que o período de transição servirá para ajustar todos os fios soltos da discussão, garantindo segurança jurídica na tributação e atingimento dos objetivos traçados pela extrafiscalidade do imposto.
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Graduada em Direito e laureada na Universidade da Região da Campanha (Urcamp) em Bagé-RS (2013). Pós-graduada em Direito Público pela Escola da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul (ESMAFE-RS) em 2015. Pós-graduada em Direito Tributário pela Escola da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul (ESMAFE-RS) em 2016. Pós-graduada em Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera em 2016. Atualmente, Analista Judiciária da Justiça Federal do Rio Grande do Sul .
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: XAVIER, PRISCILA GOULART GARRASTAZU. Reflexões sobre o Imposto Seletivo (IS): o Imposto do Pecado Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 jul 2024, 04:28. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/65966/reflexes-sobre-o-imposto-seletivo-is-o-imposto-do-pecado. Acesso em: 21 nov 2024.
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