LUCAS LUCIANO KUHN[1]
(coautor)
RESUMO: O fenômeno religioso é algo presente na humanidade, podendo se manifestar de diferentes formas e meios, a depender do contexto social a que pertence o indivíduo ou do ponto de partida que adota para análise dele. O presente artigo trata inicialmente de compreender o conceito de religião, passando sucintamente pelas definições atribuídas à terminologia ao longo da história. O trabalho analisa também a internet e sua influência no comportamento social e, ao final, concluir se pode o comportamento fenomenológico da web ser associado a um fenômeno religioso. Este, inclusive, é o problema que se busca responder na presente obra. O método de abordagem a ser trabalhado no presente texto será o dedutivo, partindo-se de premissas gerais para se alcançar a conclusão final, enquanto a técnica de pesquisa será a bibliográfica.
ABSTRACT: The religious phenomenon is something present in humanity, and can manifest itself in different ways and means, depending on the social context to which the individual belongs or the starting point adopted to analyze it. This article initially seeks to understand the concept of religion, briefly going through the definitions attributed to terminology throughout history. The work also analyzes the internet and its influence on social behavior and, in the end, concludes whether the phenomenological behavior of the web can be associated with a religious phenomenon. This, in fact, is the problem that we seek to answer in this work. The approach method to be worked on in this text will be deductive, starting from general premises to reach the final conclusion, while the research technique will be bibliographic.
Palavras-Chave: Internet; Comportamento; Religião; Fenômeno; Sociedade.
Key-Words: Internet; Behavior; Religion; Phenomenon; Society.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. A Religião Como Fenômeno do Comportamento da Internet; 3. Sociedade, Comportamento e Comunicação; 4. Internet e Sua Dimensão Religiosa; 5. Considerações Finais; 6. Bibliografia.
SUMMARY: 1. Introduction; 2. Religion as a Phenomenon of Internet Behavior; 3. Society, Behavior and Communication; 4. Internet and Its Religious Dimension; 5. Final Considerations; 6. Bibliography.
INTRODUÇÃO
Não há unanimidade entre os estudiosos quanto ao surgimento da palavra religião, ao passo que uns defendem ter ela surgido do termo religare (que deriva do latim e significa “religar/reconectar” ou “voltar a ligar”), por meio de uma atribuição teológica da palavra com um vínculo entre humanos e a divindade, enquanto outra vertente entende ter ela surgido da obra de Cícero, De natura deorum, pelo termo relegere (aquele que cumpre seus deveres de culto aos deuses), num sentido ético e social (Pieper, 2019, p. 9).
Fato é que o fenômeno religioso é algo presente na humanidade, podendo se manifestar de diferentes formas e meios, a depender do contexto social a que pertence o indivíduo ou do ponto de partida que adota para análise dele.
Assim como a religião, o convívio na internet é algo que tem se tornado intrínseco na sociedade atual, seja pela dependência que aquele meio cria ao seu usuário (Sá, 2012, p. 4), seja pela presença dos “influenciadores” e seu impacto no poder de “guiar” o público que os segue (Portillo, 2020, p. 130).
Dentro do mundo digital, várias são as táticas de negócio utilizadas pelas grandes marcas para buscar atingir a legião de seguidores de muitos influenciadores digitais (Portillo, 2020, p. 131), mas no presente estudo, buscar-se-á compreender qual o real significado das ações dos “influencers” e a representação delas para seus seguidores.
No presente trabalho, buscar-se-á, inicialmente, compreender o conceito de religião, passando sucintamente pelas definições atribuídas à terminologia ao longo da história.
Em um segundo momento, será analisada a internet e sua influência no comportamento social e, ao final, concluir se pode o comportamento fenomenológico da web ser associado a um fenômeno religioso. Este, inclusive, é o problema que se busca responder na presente obra.
Partindo da análise preliminar cunhada pelos estudos iniciais, a hipótese firmada no presente trabalho é que a internet pode ser compreendida como a representação de um fenômeno religioso, principalmente quando analisada da perspectiva do usuário que nela “crê”.
O método de abordagem a ser trabalhado no presente texto será o dedutivo, partindo-se de premissas gerais para se alcançar a conclusão final. Conforme explicam Marconi e Lakatos (2009, p. 256), tal método
Caracteriza-se pelo emprego de cadeias de raciocínio. [...] É dedutivo o raciocínio que parte do geral para chegar ao particular, ou seja, do universal ao singular, isto é, para tirar uma verdade particular de uma geral.
Por fim, a técnica de pesquisa será a bibliográfica direta e indireta, por meio de consultas a revistas e livros do ramo.
A RELIGIÃO COMO FENÔMENO DO COMPORTAMENTO SOCIAL
A religião é tida como um verdadeiro fenômeno constituinte, onipresente e inafastável da vida em sociedade e que também se revela, desde os primórdios, como uma tentativa de conceber o mundo como humanamente significativo. A religião detém representações capazes de definir os elementos universais e intertemporais da sociedade.
O dicionário Michaelis apresenta 9 conceitos distintos para o termo religião[2]:
1 Convicção da existência de um ser superior ou de forças sobrenaturais que controlam o destino do indivíduo, da natureza e da humanidade, a quem se deve obediência e submissão.
2 Serviço ou culto a esse ser superior ou forças sobrenaturais que se realiza por meio de ritos, preces e observância do que se considera mandamentos divinos, geralmente expressos em escritos sagrados.
3 Ato de professar ou praticar uma crença religiosa.
4 Veneração às coisas sagradas; crença, devoção, fé.
5 Tudo o que é considerado obrigação moral ou dever sagrado e indeclinável.
6 [fig] Causa, doutrina ou princípio defendidos com ardor, devoção e fé: A democracia é sua religião.
7 Ordem ou congregação religiosa.
8 [fig] Caráter sagrado ou virtude especial que se atribui a alguém ou a alguma coisa e pelo qual se lhe presta reverência.
9 [Sociol] Instituição social criada em torno da ideia de um ou vários seres sobrenaturais e de sua relação com os homens.
As definições apresentadas pelo dicionário dão uma breve noção sobre o conceito do termo aqui analisado, que será melhor detalhado a seguir.
O conceito de religião, propriamente dito, é algo que pode se apresentar tanto nas ciências sociais, quanto em alguns grupos religiosos, mas que aparenta enfrentar uma “crise”, seja pelo “esvaziamento da compreensão do processo de secularização” (que por vezes é mal entendida por uma suposta dicotomia entre esta definição com aquela), seja pela necessidade de “adequação a um conceito próprio” (sendo que os limites anteriormente estipulados já não mais dão conta das novas experiências dos fiéis) (Steil; Toniol, 2013, p. 139/140).
Ao longo da história, a religião teve seu conceito alterado ao passo que a humanidade vivia por mudanças, partindo desde uma definição da Idade Média como “o modo de se adorar a Deus”, até a compreensão mais atual de religião “como um gênero social”, com a definição “mínima” proposta por Tylor, onde a característica chave de uma religião se dava pela crença em seres espirituais (Schilbrack, 2022, p. 208/209).
Contudo, mesmo que menos atual, a definição adotada na Idade Média não é abandonada por completo, visto que segue perpetuada por alguns estudiosos das ciências religiosas. Paul Tillich é um bom exemplo disso, quando em 1980 afirma que o fenômeno religioso seria uma atitude do “espírito” (junto de questões práticas, teóricas e emocionais), para formação de algo complexo, ou seja, ele compreende a religião como uma dimensão, algo que não pode ser reduzido simplesmente a uma projeção da configuração humana (Gross, 2013, p. 63/64).
Eliade (1992, p. 13), com posicionamento similar a Tillich, entende a religião como a manifestação do Sagrado, algo que difere do profano, ou seja, algo inexplicável sob um ponto de vista “mítico”, uma situação não ordinária:
O homem toma conhecimento do sagrado porque este se manifesta, se mostra como algo absolutamente diferente do profano. A fim de indicarmos o ato da manifestação do sagrado, propusemos o termo hierofania. Este termo é cômodo, pois não implica nenhuma precisão suplementar: exprime apenas o que está implicado no seu conteúdo etimológico, a saber, que algo de sagrado se nos revela. Poder-se-ia dizer que a história das religiões – desde as mais primitivas às mais elaboradas – é constituída por um número considerável de hierofanias, pelas manifestações das realidades sagradas [...] para um cristão, a encarnação de Deus em Jesus Cristo, não existe solução de continuidade. Encontramo-nos diante do mesmo ato misterioso: a manifestação de algo ― de ordem diferente – de uma realidade que não pertence ao nosso mundo – em objetos que fazem parte integrante do nosso mundo ― natural, ― profano.
Durkheim (2000a, p. 32), por outro lado, oferece a definição de religião, como “um sistema solidário de crenças e de práticas relativas a coisas sagradas, isto é, separadas, proibidas, crenças e práticas que reúnem numa mesma comunidade moral, chamada igreja, todos aqueles que a elas aderem”, definição esta coerente com o espaço por ele ocupado como cientista social.
O autor tentou conceituar também o que seria considerado coisas sagradas. Sagrado seria, segundo Durkheim, citado na obra de Rafael Carneiro (2008, p. 24), tudo o que reflete a consciência coletiva. Há uma imagem que representa esse sagrado, a qual normalmente representa semelhantemente a quem lhe atribui a sacralidade. Segundo a obra de Carneiro, “a personalidade do totem, transcendente e eterna, é composta de todos os membros do grupo mas, ao mesmo tempo, é autônoma em relação a cada um deles”.
Fato é que o fenômeno religioso é algo presente na sociedade e, desde sempre, a integra por meio das mais variadas formas e manifestações.
Segundo Pieper (2019, p. 15/17), há 3 possibilidades de articulação do fenômeno religioso: ela pode ser reduzida a outra esfera social (onde ela não teria legitimidade em si mesma, mas partiria de um referencial de outros pontos não religiosos); pode ser usada como meio explicativo para questões “maiores” (num viés mais “funcionalista”, em que é analisada a função da religião numa unidade de fundo maior, como a sociedade por exemplo); ou pode ser compreendida como esfera social autônoma (buscando sua explicação a partir de si própria, com sua função e origem distintivamente religiosa).
O direito, por exemplo, compartilha com a religião elementos em comum, como rituais e tradições, de modo que a religião alcança até mesmo a epistemologia daquele. Até mesmo questões como liturgia, hermenêutica e dogmática são pilares que podem ser encontrados tanto em um quanto no outro.
O conceito mais interessante e que melhor se amoldaria à proposta do presente artigo é o proposto por Edward Herbert, que propõe a identificação de 5 elementos para que algo possa ser considerado como religioso, são eles: a existência de uma divindade suprema (monoteísta); a adoração à essa divindade; o cultivo da prática religiosa de adoração; a necessidade de um norte de vida, impedindo desvios de conduta ou transgressões; e a recompensa ou punição pelo seu histórico de conduta (Schilbrack, 2022, p. 209).
Contudo, não há como simplesmente amoldar tal conceito, cunhado há quase 4 séculos, ao presente.
Definir o fenômeno religioso, então, se demonstra uma tarefa árdua, haja vista que reduzir algo que possui inúmeros significados para inúmeras culturas em poucas palavras não aparenta ser academicamente correto.
Para fins de desenvolvimento da ideia do presente artigo, a religião pode, numa perspectiva mais atual, ser definida como “uma necessidade humana, uma busca inerente ao indivíduo por algo” (Galán, 1996, p. 2/3).
Diante do conceito acima atribuído, além das noções de religião ao longo do tempo, passa-se, a seguir, à análise da sociedade, sua comunicação e seu comportamento.
SOCIEDADE, COMPORTAMENTO E COMUNICAÇÃO
A linguagem permite ao homem comunicar e, ao mesmo tempo, criar o próprio significado da vida. Ela tem a competência de ser contraditória sem que ela seja necessariamente equivocada e impraticável. A sociedade resolve seus imbróglios através de paradoxos.
A incongruência comunicativa entre a linguagem da razão e a linguagem da emoção, em que mesmo sendo apto a compreender os enunciados da razão, o homem fala emocionalmente a fala racional.
Há de ser questionada a todo tempo a dualidade do ser humano em ser emocional e racional ao mesmo tempo. Afirma-se que há motivos para agir de certo modo e não agir de outro, ou seja, o legislador, por exemplo, age motivadamente, atribuindo significação ao seu discurso. O legislador é um legislador racional.
Essa motivação pode ser traduzida através do pensamento correto (lógica); da pesquisa correta (metodologia); da correta justificação dos juízos valorativos (retórica); e do correto comportamento em face das diversas situações vitais (prudência).
A razão é tomada como núcleo essencial da natureza humana, tornando o homem um valor em si. E é esse valor que dá sentido aos demais. O legislador, por exemplo, por ser um valor em si mesmo, tem regras próprias que constituem um único fim: a justiça. Essa justiça é traduzida em formato de comunicação, ou seja, ele é justo sempre e em qualquer circunstância.
No contexto eletrônico, é necessário um enfoque crítico no que toca à linguagem na internet. A internet trouxe novas formas de comportamento.
Não à toa porque Skinner (2007, p. 17), quando escreveu o capítulo “Por que os organismos se comportam”, afirmou que a sociedade está sempre em busca de entender o fenômeno comportamental à medida que altera substancialmente padrões anteriormente estabelecidos:
Estamos interessados, então, nas causas do comportamento humano. Queremos saber por que os homens se comportam da maneira como o fazem. Qualquer condição ou evento que tenha algum efeito demonstrável sobre o comportamento deve ser considerado. Descobrindo e analisando estas causas poderemos prever o comportamento; poderemos controlar o comportamento na medida que o possamos manipular.
O comportamento da sociedade nas redes sociais é influenciado por uma série de fatores técnicos, incluindo algoritmos de recomendação, esses projetados para mostrar aos usuários conteúdo que seja relevante para seus interesses; efeitos de rede, os quais permitem que as pessoas se conectem com pessoas que pensam da mesma forma; e interatividade, em que as pessoas interajam umas com as outras de forma rápida e fácil.
A linguagem na internet ascendeu para outras formas além da escrita: há utilização de ideogramas[3]; há os memes[4]; há siglas[5]. Há também conceitos próprios utilizados no contexto da internet: viralizar[6], cancelar[7], trollar[8], entre outras.
O propósito primordial dessa linguagem não é refletir, mas retratar a realidade sob outra perspectiva. Com este fim são utilizadas palavras que têm um sentido emotivo, palavras que incitam à ação e palavras com uma função técnica.
A linguagem on-line[9] também origina-se da linguagem da magia. As expressões utilizadas se dão através da linguagem. A linguagem, dentro do contexto eletrônico, é tudo, já que é também indissociável a ele. Na prolação das palavras está-se proferindo realidades.
Entretanto, estamos longe da compreensão profunda do fenômeno da linguagem e da comunicação já que não compreendemos sequer a linguagem (casa) on-line. A própria profundidade do conceito pode gerar problemas. A abstratividade das palavras proferidas perante uma realidade pura e idiossincrática gera problemas de linguagem.
Fato é que o “ciberespaço” (internet) sempre influenciará os meios de divulgação de conhecimento, informação e tendências, através de uma linguagem própria, tudo através de processos cognitivos de compreensão criados a partir do convívio e estudo daqueles que integram esse mundo (Vieira, 2006, p. 9).
Sabendo da importância da linguagem própria do “ciberespaço”, pode-se, então, avançar ao terceiro capítulo do presente trabalho, constante na análise da dimensão religiosa da internet.
INTERNET E SUA DIMENSÃO RELIGIOSA
A internet possibilitou catalogar e distribuir toda sorte de conhecimento. O ciberespaço desencadeou o dilúvio informacional. Hoje, toda e qualquer informação é traduzida em dados. Tudo vira algoritmo e conversa com a máquina. O novo paradigma social[10] altera, dessa forma, as próprias relações humanas. Isso causou certa obsessão da humanidade em conhecer a ‘cibercultura’[11].
Nisso, abre-se um recorte sobre cultura e religião que, nas palavras de Lilian Blanck de Oliveira (2007, p. 66/67), insere a religião na cultura de uma sociedade, seja como fenômeno, seja como crença:
A fenomenologia das religiões evidenciou a existência de uma relação intrínseca entre cultura e religião, a ponto de a ignorância sobre tal relação poder tornar o pesquisador inapto para compreender o fenômeno religioso. Atualmente, considera-se como marco referencial a concepção de que o fenômeno religioso se manifesta em uma cultura. É a cultura que marca profundamente a maneira de ser e viver do ser humano.
A semelhança entre internet e religião pode-se exemplificar pelo império Bizantino, em que o Cristianismo se restabelece não apenas como religião, mas também como instituição. A Igreja, naquela época, era a principal fonte de sabedoria, já que era detentora dos livros e demais instrumentos do conhecimento.
A Igreja possuía inteiro domínio da dogmática e dos símbolos característicos e seu texto defendia a ideia por meio da qual quando um território é cristianizado, o direito daquele território também o é, ou seja, o ritual judicial é cristianizado sob um ponto de vista mais sociológico e sob uma perspectiva de baixo para cima.
Entretanto, adotando-se o conceito de religião sugerido em tópicos anteriores, pode-se afirmar que a internet instiga a busca de seu usuário por algo que nem ele mesmo conhece por completo.
A internet detém domínio sobre as relações humanas, basta analisar o comportamento através das redes sociais[12]: o ser humano é convidado a comunicar suas opiniões, necessidades, desejos e preferências a todo tempo. Há um ritual nisso tudo. A pessoa acorda, mostra o que comeu no café da manhã, comenta sobre alguma notícia do dia, reclama sobre o trânsito e vai dormir. E no outro dia, repete.
Há, nas redes sociais, detalhes sobre a vida alheia, no entanto representados singularmente por cada um de seus integrantes. Todos querem praticar o culto do “eu”. A atenção é a oração da alma. O templo é digital, mas manifesta-se através do smartphone, que atua como instrumento de dominação.
E, assim, como esclarece Byung-Chul Han (2022, p. 18), tudo assume uma dimensão religiosa:
Não importa se influencer fitness, de beleza ou de viagem, invocam sem parar liberdade, criatividade e autenticidade. Propaganda, nas quais os produtos enviados encaixam em sua auto encenação, não passam a sensação de serem maçantes. São, assim, especialmente procuradas e cobiçadas, enquanto anúncios convencionais no Youtube são excluídos pelo Ad-Blocker. Os influencers são adorados como modelos. Tudo assume, desse modo, uma dimensão religiosa. Influenciadores do tipo de treino motivacional se comportam como se fossem redentores. Os Followers, os seguidores, se comportam como discípulos, participando de sua vida, na medida em que compram produtos que pretendem consumi-los em seu próprio cotidiano encenado. Os followers participam, assim, de uma eucaristia digital. Mídias sociais se assemelham a uma igreja: Like é amém. Compartilhar é comunicação. Consumo é redenção. A repetição como dramaturgia do influencer não leva ao tédio e à rotina. Ao contrário, dá ao todo o caráter de uma liturgia.
Tudo que é apresentado na internet, então, instiga a busca dos usuários por uma constante resposta a necessidades que nem eles próprios tinham consciência da existência.
Isso porque, em muitas das vezes, os usuários depositam naqueles “influencers” (as “divindades”) suas expectativas e direcionamentos de vida, afinal, é o influenciador digital que, na visão daquele seguidor, lança tendências, testa novos produtos e, até mesmo, possui a “sabedoria” e autoconfiança para aconselhá-lo, mesmo não o conhecendo (Portillo, 2020, p. 130).
Apenas a título de curiosidade, quando inserimos o conceito cunhado por Herbert à internet, sem observar a realidade histórica em que ele foi cunhado, poderia se afirmar, num olhar superficial, que a internet por seu mundo cibercultural significaria um fenômeno religioso, pois preenchidos todos os requisitos.
Partindo daqueles elementos já informados, há, na internet: a presença de “divindades” (os influenciadores digitais); há a adoração a essas “divindades” (pelos milhões de seguidores e fãs que possuem os “influencers”); há o cultivo da prática religiosa (pela legítima adoração e obediência dos usuários por seus “ídolos”); há o arrependimento pelas transgressões e a punição por aqueles que não a cultuam (pela própria cultura do cancelamento ou exclusão daquele usuário que não adota, como um todo, as tendências da “divindade”).
Acontece que os influencers, na prática, não são “divindades”, mesmo que algumas vezes ajam como se fossem. Em verdade, os influenciadores digitais são pessoas, empreendedores, que utilizam do posto que a eles é conferido para, no final das contas, lucrar, pelas mais variadas práticas de marketing e publicidade.
Aos olhos daqueles que “não crêem”, os influenciadores digitais representam a externação da publicidade de grandes marcas pelas mais variadas e elaboradas estratégias (Portillo, 2020, p. 132), mas é inegável que, para aqueles que crêem, são suas legítimas “divindades”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho tratou de analisar o comportamento social nas plataformas digitais sob uma perspectiva religiosa.
Num primeiro momento se buscou delimitar o conceito do fenômeno religioso, por meio de uma linha traçada apontando as alterações que o termo sofreu ao longo da história, além de suas mais variadas significações.
Demonstrou-se que o termo vem sendo constantemente alterado e ressignificado e, delimitá-lo, poderia significar algum reducionismo. Contudo, para fins de delimitação semântica, atribuiu-se o conceito cunhado por Galán, no sentido de ser a religião a busca do humano por algo inexplicável.
Após, num segundo momento, apresentou-se o contexto social e a importância da linguagem para a sociedade como um todo ao longo dos tempos, principalmente por meio da adequação daquela por meio de novos termos e meios de comunicação, presentes no mundo conectado, ou “cibermundo”.
Por fim, no terceiro tópico, discutiu-se a dimensão religiosa da internet e dos influenciadores digitais que nela atuam, traçando-se um paralelo entre a atuação daqueles e o próprio conceito de fenômeno religioso anteriormente trabalhado.
Ao final, concluiu-se que partindo da compreensão de religião como a busca do ser humano (usuário) por algo inexplicável, é possível afirmar, num primeiro momento, que a internet, por meio da cultuação aos influenciadores digitais e “massificação de tendências”, representa a manifestação de um fenômeno religioso, confirmando-se a hipótese inicial.
BIBLIOGRAFIA
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PIEPER, Frederico. Religião: limites e horizontes de um conceito. In: Estudos de Religião, v. 33, n. 1, jan./abr., 2019, p. 5/35, ISSN 0103-801X.
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[1]Mestrando pelo Programa de Pós Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGD/UFSC). Link do Lattes: http://lattes.cnpq.br/5438410067581147. E-mail: [email protected].
[2] Disponível em: https://michaelis.uol.com.br/busca?id=0LEYn. Acesso em 24 set. 2023.
[3] Emojis, no termo usual.
[4] Originada da palavra imitação, memes são uma imagem transmitida para viralizar na internet, em formato humorístico.
[5] As siglas são, basicamente, abreviações de algo, como frases e nomes, composta por sílabas ou letras chaves para que o leitor entenda o contexto. No caso das siglas da internet, elas são uma forma de agilizar a comunicação entre os usuários. Exemplos: LMFAO (“laughing my fucking ass off” e, em português, pode ser traduzida para a expressão “chorei de rir”); PFV (por favor); MDS (meu Deus); SQN (só que não); entre outras.
[6] A palavra é utilizada para designar os conteúdos que acabam ganhando repercussão (muitas vezes inesperada) na web. O termo é relacionado a doença, já que as pessoas chegam a compartilhar o conteúdo quase que inconscientemente, criando uma “epidemia” de internautas falando sobre o mesmo assunto.
[7] Quando alguém – geralmente famosa – posta ou fala algo controverso, ofensivo ou que não agrada os seguidores, ela é “cancelada”, ou seja, é boicotada, perde seguidores/fãs e sofre com muitas críticas.
[8] Gíria que indica quando alguém vai tirar sarro de outra pessoa. Ela pode ter a conotação humorística ou, ainda, apontar o usuário que gosta de enganar outro.
[9] Termo adotado pelos próprios autores.
[10] Entende-se como paradigma social o conjunto de conceitos, valores, percepções e práticas compartilhadas por uma comunidade e que produz uma maneira particular de ver a realidade, dando base para que esta se organize.
[11] Sobre a cibercultura, conforme afirma Pierre Lévy, essa é um conjunto de técnicas materiais e intelectuais, práticas, atitudes, modos de pensamento e valores que se desenvolvem com o crescimento do ciberespaço. Ela é um fluxo ininterrupto de ideias, ações e representações entre pessoas conectadas por computadores.
[12] Estrutura social composta por pessoas ou organizações e conectadas por um ou vários tipos de relações, as quais compartilham valores e objetivos comuns.
Advogada. Mestranda pelo Programa de Pós Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGD/UFSC). Pós-graduada em direito público pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (FURB). Pós-graduada em direito aplicado pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (FURB). Pós-graduada em Segurança Digital, Governança e Gestão de Dados (PUC/RS).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BALDISSERA, Rafaela dos Reis. Religião e internet: uma análise da religião como fenômeno do comportamento social na internet Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 jul 2024, 04:22. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/66022/religio-e-internet-uma-anlise-da-religio-como-fenmeno-do-comportamento-social-na-internet. Acesso em: 21 nov 2024.
Por: Marco Aurelio Nascimento Amado
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