RESUMO: O presente artigo aborda o impacto crescente dos fatores de risco psicossociais relacionados ao trabalho, como estresse, assédio moral e sobrecarga de tarefas, nas doenças ocupacionais e nos afastamentos dos trabalhadores. O estudo revisa a literatura recente sobre a relação entre condições ambientais de trabalho e transtornos psicológicos, como síndrome de burnout, depressão e transtornos de ansiedade, que são frequentemente associados ao ambiente laboral. O artigo também discute como a falta de controle sobre as tarefas, o ambiente de trabalho hostil e a pressão por desempenho afetam negativamente a saúde mental dos trabalhadores, resultando em afastamentos prolongados. Destaca, ainda, a importância das Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego, especialmente a Norma Regulamentadora nº 01, que trata do Gerenciamento dos Riscos Ocupacionais, e da Norma Regulamentadora nº 07, que trata da Ergonomia, para o controle dos fatores de riscos psicossociais no ambiente de trabalho. Por fim, aponta metodologias para a implementação de medidas de controle efetivos.
Palavras-chave: Meio Ambiente de Trabalho, Riscos Psicossociais, Programa de Gerenciamento de Risco.
Sumário: Resumo; Introdução; 1. Riscos Ocupacionais; 2. As Normas Regulamentadoras Do Ministério Do Trabalho E Emprego; 3. O Gerenciamento De Riscos Ocupacionais; 4. Ergonomia; 5. Fatores De Riscos Psicossociais; Conclusão; Bibliografia.
INTRODUÇÃO
O meio ambiente do trabalho é a resultante da interação sistêmica de fatores naturais, técnicos e psicológicos ligados às condições de trabalho, à organização do trabalho e às relações interpessoais que condiciona a segurança e a saúde física e mental do ser humano exposto a qualquer contexto jurídico-laborativo[1].
O meio ambiente do trabalho só poderá ser considerado como equilibrado quando acomodar condições de trabalho seguras, organizações de trabalho sadias e relações interpessoais respeitosas, com a adoção de uma visão protetiva holística do ser humano (saúde física e mental).
Por outro lado, a definição de saúde pela Organização Mundial da Saúde (OMS), estabelecida em 1947, é considerada uma das mais amplas e influentes até hoje. Ela define saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença ou enfermidade”[2]. Essa definição transcende a visão tradicional de saúde, que a associava apenas à ausência de doenças, e incorpora um conceito holístico que abrange as dimensões psicológicas e sociais do indivíduo.
A ideia de saúde como bem-estar completo sublinha a importância de fatores emocionais, psicológicos e sociais no cuidado e na promoção da saúde, e ainda serve de base para várias políticas públicas e práticas de saúde ao redor do mundo.
Os riscos psicossociais relacionados ao trabalho surgem de uma degradação do meio ambiente do trabalho e afetam negativamente a saúde mental, o bem-estar e o desempenho dos trabalhadores. Esses riscos estão associados a aspectos organizacionais, sociais e psicológicos do trabalho e podem contribuir para o estresse, a ansiedade, a depressão e outros problemas de saúde mental.
1.RISCOS OCUPACIONAIS
Os riscos ocupacionais são fatores ou condições no ambiente de trabalho que podem comprometer a saúde e a segurança dos trabalhadores, afetando diretamente seu bem-estar físico e mental. Esses riscos podem variar conforme o tipo de atividade exercida e as condições do local de trabalho, sendo tradicionalmente categorizados em riscos físicos, químicos, biológicos, ergonômicos e de acidentes.
São classificados como agentes físicos qualquer forma de energia que, em função de sua natureza, intensidade e exposição, é capaz de causar lesão ou agravo à saúde do trabalhador. Exemplos: ruído, vibrações, pressões anormais, temperaturas extremas, radiações ionizantes, radiações não ionizantes. Ainda observa que critérios sobre iluminamento, conforto térmico e conforto acústico da NR 17 não constituem agente físico para fins da NR 9.
Por sua vez, agentes biológicos são microrganismos, parasitas ou materiais originados de organismos que, em função de sua natureza e do tipo de exposição, são capazes de acarretar lesão ou agravo à saúde do trabalhador. Os agentes biológicos podem ser encontrados em diversas atividades econômicas. No entanto, tais agentes são identificados mais frequentemente em serviços de saúde, trabalhos com animais e seus produtos, lixo e esgoto, locais onde a exposição é evidente[3].
Agentes químicos são substâncias químicas que, por si só ou em misturas, quer seja em seu estado natural, quer seja produzida, utilizada ou gerada no processo de trabalho, que em função de sua natureza, concentração e exposição, capazes de causar lesão ou agravo à saúde do trabalhador.
Temos ainda, os riscos mecânicos ou de acidente, que se referem às situações, condições ou elementos no ambiente de trabalho que têm o potencial de causar lesões físicas ou danos à saúde dos trabalhadores devido a movimentos mecânicos, contato com objetos, máquinas, ferramentas, ou outras formas de energia. Esses riscos são uma categoria significativa de perigos no local de trabalho e podem resultar em acidentes que variam em gravidade. Podemos citar como exemplos os riscos de queda de altura e de choque elétrico.
Por fim, os riscos relacionados a fatores ergonômicos referem-se às condições ou situações no ambiente de trabalho que podem impactar adversamente a saúde e o desempenho dos trabalhadores devido à interação entre eles e seu ambiente de trabalho. A ergonomia é a disciplina que estuda a relação entre o ser humano e seu ambiente de trabalho, visando otimizar essa interação para melhorar o bem-estar, a segurança e a eficiência. Riscos ergonômicos podem levar a desconforto físico, fadiga, lesões musculoesqueléticas, entre outros problemas de saúde. Alguns exemplos de riscos ergonômicos incluem: posturas inadequadas, esforço físico excessivo, movimentos repetitivos e levantamento manual de carga.
Os riscos psicossociais relacionados ao trabalho estão inseridos nos fatores ergonômicos e referem-se a fatores no ambiente de trabalho que podem afetar negativamente a saúde mental, o bem-estar e o desempenho dos trabalhadores. Esses riscos estão associados a aspectos organizacionais, sociais e psicológicos do trabalho e podem contribuir para o estresse, a ansiedade, a depressão e outros problemas de saúde mental.
2.AS NORMAS REGULAMENTADORAS DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO
O direito humano ao meio ambiente de trabalho sadio está previsto em diversos instrumentos internacionais de Direitos Humanos. Neste sentido, a Organização Internacional do Trabalho aprovou uma resolução para adicionar o princípio de um ambiente de trabalho seguro e saudável aos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Com isso, a Convenção sobre Segurança e Saúde dos Trabalhadores, 1981 (Nº 155) e a Convenção do Quadro Promocional para a Segurança e Saúde Ocupacional, 2006 (Nº 187) se tornaram convenções fundamentais da OIT se observância obrigatória por todos os países membros da Organização.
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 assegura a todos os trabalhadores o direito fundamental de redução dos riscos inerentes ao trabalho através de norma de higiene e segurança do trabalho (art. 7º, XXII). Temos assim um duplo dever do Estado Brasileiro de produzir essas normas de segurança e assegura que sejam cumpridas pelos particulares.
As Normas Regulamentadoras de Segurança e Saúde no Trabalho, mais conhecidas como NRs, são disposições complementares ao Capítulo V da CLT que trata da Segurança e Medicina do Trabalho. O art. 87 da CF/88 autoriza aos Ministros expedirem instruções para execução das leis, decretos e regulamentos. É com essa competência que o Ministro do Trabalho e Emprego publica as portarias das NRs.
Em 1978, a partir da publicação da Portaria nº 3.241 do Ministério do Trabalho e Emprego, foram aprovadas as primeiras Normas Regulamentadoras (NRs de 01 a 28), materialmente recepcionadas pela Constituição de 1988, que contribuem com a efetivação do direito fundamental de todo trabalhador de redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (art. 7º, XXII, CF/88). Atualmente, são 38 NRs editadas pelo MTE, sendo que 36 estão em vigor.
As Normas Regulamentadoras são normas infralegais, editadas pelo Poder Executivo Federal (Ministério do Trabalho e Emprego) após consultas às organizações mais representativas de trabalhadores e empregadores por meio da Comissão Tripartite Paritária Permanente – CTPP, que, por expressa delegação legal (art. 200, CLT), complementam e viabilizam execução de disposições legais e constitucionais protetivas ao trabalhador.
Em relação ao campo de aplicação, o item 1.2 da NR 1 elucida que as NRs obrigam empregadores e empregados, urbanos e rurais, sendo de aplicação obrigatória pelas organizações e órgãos públicos da Administração direta e indireta, bem como órgãos dos Poderes Legislativo, Judiciário e Ministério Público, que possuam empregados regidos pela CLT. Ainda pode ser aplicável a outras relações jurídicas quando expressamente previsto em lei, como por exemplo, ao estagiário (Lei nº 11.788/2008, art. 14) e ao trabalho do preso (Lei 7210/84 , art. 28, §1º).
3.O GERENCIAMENTO DE RISCOS OCUPACIONAIS
De acordo com o Capítulo 1.5 da Norma Regulamentadora nº 01 – NR 01 (Disposições Gerais e Gerenciamento de Riscos Ocupacionais), toda organização[4] que emprega trabalhadores deve realizar o gerenciamento dos riscos ocupacionais de suas atividades. O Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO) é um processo contínuo e sistemático de identificação de perigos, avaliação e controle dos riscos ocupacionais de uma organização, com a finalidade de proporcionar locais de trabalho seguros e saudáveis, prevenir lesões e agravos à saúde relacionados com o trabalho e melhorar o desempenho em Segurança e Saúde do Trabalho nas organizações.
Para tanto, as organizações deverão implantar o Gerenciamento de Riscos Ocupacionais – GRO, por estabelecimento[5], por meio de um Programa de Gerenciamento de Riscos – PGR ou um Sistema de Gestão, desde que este cumpra com as exigências previstas na NR 01 e demais dispositivos legais de segurança e saúde no trabalho.
Diferentemente do antigo Programa de Prevenção de Riscos Ambientais – PPRA, que se limitava aos riscos físicos, químicos e biológicos, o PGR deve considerar não apenas os riscos ambientas, mas também os perigos relacionados a fatores ergonômicos (condições de trabalho), nos termos da NR 17 (Ergonomia), incluindo os fatores psicossociais relacionados ao trabalho, e os perigos de acidente (perigos mecânicos).
Os trabalhadores devem participar ativamente dos processos desenvolvidos no âmbito do PGR. A NR 01 prevê que a organização deve adotar mecanismos para: a) a participação de trabalhadores no processo de gerenciamentos de riscos ocupacionais, proporcionando noções básicas sobre o gerenciamento de riscos ocupacionais; b) a consulta quanto à percepção de riscos ocupacionais, podendo para este fim ser adotadas as manifestações da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e de Assédio – CIPA, quando houver; e c) comunicar aos trabalhadores os riscos consolidados no inventário de riscos e as medidas de prevenção do plano de ação do PGR (direito de informação).
Sempre que várias organizações realizem, simultaneamente, atividades no mesmo local de trabalho devem executar ações integradas para aplicar as medidas de prevenção, visando à proteção de todos os trabalhadores expostos aos riscos ocupacionais.
O processo de identificação de perigos e avaliação de riscos ocupacionais deve considerar o disposto nas Normas Regulamentadoras e demais exigências legais de segurança e saúde no trabalho. Isto significa que o PGR deve identificar todos os dispositivos de NRs gerais, especiais e setoriais aplicáveis ao estabelecimento e verificar se estão sendo atendidos.
Uma vez que um perigo é identificado e constatada a inviabilidade de sua eliminação, a organização deve realizar a avaliação de risco e indicar o nível de risco ocupacional. Este nível de risco deve considerar a combinação da severidade das possíveis lesões ou agravos à saúde com a probabilidade ou chance de sua ocorrência.
A avaliação do nível de risco para aspectos psicossociais é obrigatória já que se trata de fatores de risco ocupacionais responsáveis por uma crescente parcela de adoecimentos na atualidade, em diversas áreas distintas de atuação profissional. Nesta linha, o estabelecimento do nível de risco ocupacional demanda o conhecimento minucioso do agravo à saúde associado a estes aspectos e, ainda, dos possíveis controles existentes, a serem identificados no caso concreto, assim como possíveis ferramentas de avaliação já consagradas, de forma a oferecer segurança aos avaliadores na determinação do nível de risco ocupacional[6].
4.ERGONOMIA
A palavra “ergonomia” tornou-se comum no vocabulário das pessoas. No dia a dia, usamos esse termo para nos referir a cadeiras confortáveis, a apoio de pé e de lombar, ou, então, suportes para notebook. Contudo, no campo da saúde e segurança do trabalho, “ergonomia” vai muito além disso.
Observamos, no Brasil, a presença de duas correntes predominantes da ergonomia. A ergonomia de fatores humanos[7], de origem anglo-saxônica, e a ergonomia da atividade[8], de origem francesa. A Norma Regulamentadora nº 17 do Ministério do Trabalho – NR 17 adotou a ergonomia da atividade.
De acordo com a Associação Brasileira de Ergonomia – ABERGO, A palavra ergonomia - “a ciência do trabalho” - deriva do grego ergon (trabalho) e nomos (leis). Ergonomia (ou fatores humanos) é a disciplina científica que se ocupa da compreensão das interações entre seres humanos e outros elementos de um determinado meio ambiente do trabalho, dispondo de regras, teorias, princípios, dados e métodos para o design, a fim de otimizar o bem-estar humano e o desempenho geral do sistema[9].
O significado da palavra ergonomia é muito mais amplo, abarcando, inclusivo, o conforto mental no trabalho. Conforme explica o Prof. Guilherme Guimarães[10]
(...) um conceito mais lato de ergonomia alcança, inclusive, o tema da higidez mental. A fadiga mental compromete a qualidade e a produtividade do trabalho, ao mesmo tempo em que predispõe o trabalhador ao acidente de trabalho (desatenção, perda de sensibilidade, retardamento de reflexos) ou ao desenvolvimento de doenças psíquicas ou psicossomáticas (esquizofrenia, depressão, psicoses).
Ergonomia é, portanto, a adaptação do trabalho ao trabalhador que executará, e não o contrário. Existem três principais ramos ou abordagens da ergonomia, cada uma focada em aspectos específicos. São elas: ergonomia física, cognitiva e organizacional.
A ergonomia física trata das características anatômicas, antropométricas, fisiológicas e biomecânicas do homem em sua relação com a atividade física. Os temas centrais de estudo dessa área de especialização são: posturas de trabalho, manipulação de objetos, movimentos repetitivos, problemas osteomusculares, arranjo físico dos postos de trabalho, entre outros
A ergonomia cognitiva trata dos processos mentais, tais como percepção, memória, raciocínio e respostas motoras, com relação entre às pessoas e outros componentes de um sistema. Os temas centrais de estudo dessa área de especialização são: carga mental, processos de decisão, desempenho especializado, interação homem-máquina, confiabilidade humana, estresse profissional e a formação na sua relação com a concepção pessoa-sistema e a complexidade da tarefa.
A ergonomia organizacional trata da otimização dos sistemas sociotécnicos, incluindo sua estrutura organizacional, regras e processos. Diz respeito ao modo como o conceito é aplicado. Os temas centrais de estudo dessa área de especialização são: gestão dos coletivos, concepção do trabalho, concepção dos horários de trabalho, trabalho em equipe, concepção participativa, ergonomia comunitária, trabalho cooperativo, novas formas de trabalho, cultura organizacional, organizações virtuais, teletrabalho (home-office) e gestão pela qualidade.
A ergonomia e os riscos psicossociais estão intimamente ligados, pois ambos influenciam o bem-estar físico e mental dos trabalhadores e a qualidade do ambiente de trabalho. A ergonomia foca em adaptar o ambiente e as condições de trabalho para reduzir o esforço físico e otimizar a postura e o movimento, prevenindo assim problemas musculoesqueléticos. No entanto, quando a ergonomia é negligenciada, surgem também riscos psicossociais, já que o desconforto físico e o esforço excessivo podem aumentar a carga de estresse, insatisfação e frustração dos trabalhadores.
Riscos psicossociais, como altos níveis de pressão, falta de controle sobre as tarefas e ausência de suporte social, são fatores que, associados a condições ergonômicas inadequadas, podem agravar o sofrimento psíquico e aumentar o risco de problemas de saúde mental, como ansiedade e depressão. Por exemplo, trabalhadores em ambientes ergonomicamente desfavoráveis podem sentir desconforto físico constante, o que, junto à pressão por produtividade, leva ao aumento do desgaste mental e ao desenvolvimento de estratégias defensivas[11]. Esse ciclo reflete uma convergência entre riscos psicossociais e físicos, ampliando a vulnerabilidade do trabalhador a ambos os tipos de riscos.
A ergonomia, ao minimizar o esforço físico e permitir condições de trabalho mais confortáveis, ajuda a reduzir os riscos psicossociais, pois promove um ambiente que favorece o bem-estar físico e psicológico dos trabalhadores.
Desde 1990, quando a NR 17 sofreu sua primeira revisão, as organizações são obrigadas a realizar a análise ergonômica do trabalho (AET) para avaliar a adaptação das condições de trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores.
A última redação da NR 17 inovou ao criar a avaliação ergonômica preliminar (AEP). A AEP deve avaliar as situações de trabalho que, em decorrência da natureza e conteúdo das atividades requeridas, demandam adaptação às características psicofisiológicas dos trabalhadores, a fim de subsidiar a implementação das medidas de prevenção e adequações necessárias previstas na NR 17.
5.FATORES DE RISCOS PSICOSSOCIAIS
Segundo a Organização Internacional do Trabalho - OIT[12], os fatores psicossociais no trabalho referem-se às interações entre ambiente de trabalho, conteúdo do trabalho, condições organizacionais, capacidades, necessidades e cultura do trabalhador, além de considerações pessoais extra-laborais que podem, por meio de percepção e experiência, influenciar a saúde, o desempenho e a satisfação no trabalho.
Apesar da variedade de definições encontradas na literatura especializada, podemos afirmar que são fatores que podem estar ligados às pressões no trabalho ou às relações interpessoais e são impactados até por condições ambientais e biofísicas, em função da existência de uma sensibilidade individual ao ambiente de trabalho e da subjetividade na definição do que é conforto e bem-estar.
O afastamento de trabalhadores devido a doenças causadas por fatores psicossociais relacionados ao trabalho vem crescendo em todo o mundo, especialmente em decorrência de fatores como estresse, sobrecarga de trabalho, pressão por resultados, falta de apoio social, assédio moral e relações interpessoais conflituosas. Esses fatores psicossociais podem afetar a saúde mental e física dos trabalhadores, contribuindo para o desenvolvimento de doenças como transtornos de ansiedade, depressão, esgotamento (burnout) e até mesmo problemas cardiovasculares.
De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) e outras entidades de saúde ocupacional, esses fatores têm um impacto significativo tanto na saúde dos trabalhadores quanto na produtividade das empresas. O esgotamento, por exemplo, foi reconhecido como um fenômeno ocupacional pela OMS e é caracterizado por exaustão emocional, despersonalização e redução da realização pessoal. Esse quadro, que afeta diretamente o desempenho no trabalho, tem levado a um aumento no número de afastamentos e licenças médicas relacionadas à saúde mental.
As organizações também são impactadas pela ausência de trabalhadores afastados por doenças psicossociais, pois, além da redução de produtividade, há um aumento nos custos associados a benefícios de saúde, substituições temporárias e rotatividade de funcionários. Em alguns setores, essa situação pode ser agravada pelo ritmo acelerado de trabalho, exigências físicas ou emocionais elevadas e ambientes de trabalho menos flexíveis, que não oferecem suporte ou condições para a recuperação dos trabalhadores.
Por isso, muitas empresas estão buscando adotar práticas preventivas, como a implementação de programas de promoção da saúde mental, ações para reduzir o estresse no ambiente de trabalho, políticas de trabalho flexível e treinamentos para gestores identificarem e intervirem em situações de risco. Essas iniciativas são importantes para melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores e reduzir a incidência de afastamentos devido a fatores psicossociais.
O reconhecimento e a gestão dos fatores psicossociais no ambiente de trabalho são, portanto, fundamentais para promover o bem-estar dos trabalhadores, prevenir doenças ocupacionais e criar um ambiente mais saudável e produtivo.
Afastamentos no INSS devido a transtornos mentais e comportamentais relacionados a fatores psicossociais ocupacionais têm sido uma preocupação crescente no Brasil. Em 2021, esses transtornos foram a terceira principal causa de afastamento do trabalho, atrás apenas dos transtornos osteomusculares e respiratórios[13]. Entre os diagnósticos mais frequentes estão episódios depressivos (CID F32) e transtornos ansiosos (CID F41), que correspondem a 40,4% e 19,8% dos casos, respectivamente[14].
Esses afastamentos geralmente estão associados a condições de trabalho de alta demanda e baixo controle, além de baixo apoio social e desequilíbrio entre esforço e recompensa. Em muitos casos, esses fatores não são reconhecidos nas perícias como vinculados diretamente ao trabalho, o que pode dificultar a concessão de benefícios acidentários, que garantiriam ao trabalhador direitos específicos, como estabilidade no emprego[15].
As estatísticas indicam que os afastamentos por doenças mentais cresceram consideravelmente nos últimos anos. Segundo estudos recentes, a saúde mental dos trabalhadores vem sendo impactada de forma mais acentuada devido ao aumento de estressores ocupacionais e à falta de apoio social no ambiente de trabalho.
A NR 33 foi pioneira na abordagem dos fatores de riscos psicossociais ao exigir que a avaliação da aptidão do trabalhador considere esses fatores. O Glossário da NR 33 define riscos psicossociais como a influência na saúde mental dos trabalhadores, provocada pelas tensões da vida diária, pressão do trabalho e outros fatores adversos. Assim, a avaliação dos riscos psicossociais deve ser um processo contínuo[16].
A Norma ISO 45003:2021 (Occupational health and safety management — Psychological health and safety at work — Guidelines for managing psychosocial risks) fornece subsídios para o gerenciamento dos riscos psicossociais, no entanto, ainda não foi traduzida pela Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT.
A Norma ISO 45003 propõe três níveis de intervenção para abordar os riscos psicossociais no local de trabalho (primária, secundária e terciária). Esses níveis de intervenção são baseados em uma abordagem hierárquica, onde medidas preventivas são preferidas, mas também são fornecidas orientações para intervenções reativas.
O nível de intervenção primária tem como objetivo evitar ou reduzir os riscos psicossociais desde o início. Ele se concentra em medidas proativas para criar um ambiente de trabalho saudável e seguro.
Alguns exemplos de medidas de prevenção primária incluem: avaliação de riscos psicossociais; estabelecer políticas e diretrizes claras que promovam um ambiente de trabalho saudável e favorável à saúde mental dos trabalhadores; promover uma cultura organizacional que valorize a saúde mental e o bem- -estar dos trabalhadores.
O nível de intervenção secundária visa identificar e abordar precocemente os riscos psicossociais para evitar que se agravem. Ele se concentra na detecção precoce, avaliação e intervenção nos fatores de risco psicossociais.
Alguns exemplos de medidas de prevenção secundária incluem: implementar sistemas de monitoramento regular para identificar sinais precoces de riscos psicossociais; realizar avaliações periódicas da saúde mental e bem-estar dos trabalhadores; estabelecer canais de comunicação confidenciais para que os trabalhadores possam relatar problemas e preocupações relacionadas aos riscos psicossociais.
O nível de intervenção terciária concentra-se na mitigação dos efeitos negativos já estabelecidos dos riscos psicossociais. Ele visa apoiar os trabalhadores que já estão sofrendo com problemas de saúde mental ou bem-estar relacionados ao trabalho.
Alguns exemplos de medidas de prevenção terciária incluem: acesso a tratamento e suporte adequados; programas de reintegração gradual; análise de incidentes e investigações; programas de treinamento e conscientização; políticas e práticas que promovam um ambiente de trabalho saudável e apoiador.
Sobre o tema, o Conselho Federal de Psicologia publicou a Resolução CFP nº 2/2022, regulamentando normas e procedimentos para a avaliação psicossocial no contexto da saúde e segurança do trabalhador. Destacamos o art. 2º desta Resolução que trata do processo de avaliação psicossocial.
Art. 2º, Resolução CFP nº 2/2022: O processo de avaliação psicossocial, em atendimento às normas regulamentadoras emitidas pela Secretaria de Trabalho do Ministério da Economia ou órgão correlato, deve considerar a investigação dos seguintes aspectos:
I – as características pessoais, psicológicas, ocupacionais e sociais do trabalhador;
II – as características da atividade de trabalho, as do ambiente de trabalho e as das condições necessárias à sua realização, inclusive para atividades remotas, que devem ter como referência os documentos nacionais e internacionais que dispõem sobre funcionalidade e doenças;
III – as características da gestão do trabalho e dos controles preventivos em saúde e segurança do trabalhador.
O modelo PRIMA-EF[17] de Gestão de Riscos Psicossociais, publicado pela Organização Mundial da Saúde - OMS e organizado por várias agências europeias de proteção à saúde coletivamente, traz uma síntese útil dos fatores de risco psicossociais:
a) Teor do trabalho: Ausência de variações ou ciclos curtos de trabalho, trabalho fragmentado ou sem sentido, subutilização de habilidades, alto nível de incerteza, exposição contínua a pessoas devido ao trabalho realizado
b) Carga e ritmo de trabalho: Sobrecarga ou pouca carga, ritmo das máquinas, altos níveis de pressão por tempo, continuamente sujeito a prazos
c) Horário de trabalho: Turno de trabalho, turnos noturnos, horários de trabalho não flexíveis, horários imprevisíveis, longas jornadas de trabalho ou sem convívio social
d) Controle: Baixa participação na tomada de decisões, falta de controle da carga de trabalho, ritmo de trabalho, trabalho em turnos,etc.
e) Ambiente & equipamentos: Disponibilidade de equipamentos, compatibilidade ou manutenção inadequadas; condições ambientais ruins tais como: falta de espaço, iluminação fraca, ruído excessivo
f) Cultura organizacional & função: Comunicação fraca, baixos níveis de apoio para a solução de problemas e desenvolvimento pessoal , falta de definição, ou acordo sobre os objetivos organizacionais.
g) Relações interpessoais no trabalho: Isolamento físico ou social, precariedade das relações superiores ou colegas de trabalho, conflito interpessoal, falta de apoio social
h) Papéis na organização: Ambiguidade de papéis, conflito de papéis, e responsabilidade pelas pessoas
i) Desenvolvimento da carreira: Estagnação da carreira e incerteza, baixa promoção ou promoção em excesso, remuneração precária, insegurança no trabalho, baixo nível social do trabalho
j) Interface lar- trabalho: Demandas conflitantes do trabalho e vida pessoal, pouco apoio no lar, carreira dupla
No modelo PRIMA-EF, os perigos psicossociais também incluem a violência, bullying, e assédio no trabalho e, normalmente, são fenômenos multiformes: sofrer bullying é um risco psicossocial que causa danos psicológicos, por outro lado, o bullying no trabalho deve ser examinado e discutido como consequência de um ambiente de trabalho precário do ponto de vista psicossocial.
CONCLUSÃO
O estudo sobre os afastamentos de trabalhadores devido a doenças causadas por fatores psicossociais relacionados ao trabalho revela uma realidade preocupante e crescente, com impactos significativos tanto para os trabalhadores quanto para as organizações. Os fatores psicossociais, como o estresse excessivo, a falta de controle sobre as tarefas, a pressão por produtividade e o assédio moral, têm se mostrado determinantes no desenvolvimento de doenças como síndrome de burnout, depressão e transtornos de ansiedade, resultando em licenças médicas e afetando diretamente a produtividade e o bem-estar no ambiente de trabalho.
A literatura e os dados de organismos como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) apontam para a necessidade urgente de políticas públicas e empresariais mais eficazes na prevenção dessas doenças. A implementação de estratégias de promoção da saúde mental, como o apoio psicológico no trabalho, a gestão do estresse e a adoção de práticas organizacionais que favoreçam um ambiente saudável, pode reduzir significativamente o impacto dos riscos psicossociais, beneficiando tanto os trabalhadores quanto as organizações.
Ademais, é essencial que as empresas invistam em programas que integrem a ergonomia com a saúde mental, reconhecendo que ambos os fatores estão interligados e são fundamentais para a construção de um ambiente de trabalho equilibrado e produtivo. O trabalho saudável deve ser encarado como um direito fundamental dos trabalhadores, e a prevenção deve ser a principal estratégia para evitar o agravamento dos problemas psicossociais no ambiente de trabalho.
Portanto, as organizações têm um papel crucial na promoção do bem-estar de seus trabalhadores, não apenas adotando medidas corretivas, mas, principalmente, investindo em uma cultura de prevenção, que inclua tanto os aspectos físicos quanto emocionais do trabalho. Com isso, será possível mitigar os afastamentos causados por doenças psicossociais e criar ambientes laborais mais saudáveis e produtivos.
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[2] OMS, Organização Mundial da Saúde. Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS/WHO) – 1946. USP. Disponível em: < http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/OMS-Organização-Mundial-da-Saúde/constituicao-da-organizacao-mundial-da-saude-omswho.html> Acesso em: 14/11/2024.
[3] Ministério do Trabalho. Manual de Inspeção do Trabalho – Programa de Prevenção de Riscos Ambientais. Brasília, 2017, p. 15.
[4] Organização: pessoa ou grupo de pessoas com suas próprias funções com responsabilidades, autoridades e relações para alcançar seus objetivos. Inclui, mas não é limitado a empregador, a tomador de serviços, a empresa, a empreendedor individual, produtor rural, companhia, corporação, firma, autoridade, parceria, organização de caridade ou instituição, ou parte ou combinação desses, seja incorporada ou não, pública ou privada (Anexo I da NR 1).
[5] Estabelecimento: local privado ou público, edificado ou não, móvel ou imóvel, próprio ou de terceiros, onde a empresa ou a organização exerce suas atividades em caráter temporário ou permanente (Anexo I da NR 1).
[6] HORCADES, Ana Luiza Caldas; VILELA, Lailah Vasconcelos de Oliveira. Critérios de Atenção para Determinação de Nível de Risco Ocupacional para Fatores de Risco Psicossociais no Âmbito do Programa de Gerenciamento de Riscos. Revista da Escola Nacional da Inspeção do TrabalhoAno 6, (jan./dez. 2022) –Brasília: ENIT, 2022. p.55-79.
[7] A ergonomia de fatores humanos é a corrente da ergonomia que busca compreender as interações entre humanos e outros elementos de um sistema, com o objetivo de reduzir o erro humano, aumentar a produtividade, a segurança e a disponibilidade do sistema (ERGONOMIA. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2023. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Ergonomia&oldid=66461281>. Acesso em: 22 ago. 2023.).
[8] A ergonomia da atividade é a corrente da ergonomia que busca compreender os problemas (contradições) que obstaculizam a interação (mediação) dos trabalhadores com o ambiente de trabalho, cuja perspectiva é promover o bem-estar de quem trabalha e o alcance dos objetivos organizacionais. (Ferreira, Mário César. A ergonomia da atividade se interessa pela qualidade de vida no trabalho? Reflexões empíricas e teóricas. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, 2008, vol. 11, n. 1, p. 90. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/cpst/v11n1/a07v11n1.pdf >. Acessado em 13/09/2023).
[9] Associação Brasileira de Ergonomia – ABERGO. O que é ergonomia. Disponível em: https://www.abergo.org.br/o-que-é-ergonomia. Acessado em: 26/08/2023.
[10].FELICIANO, Guilherme Guimarães. Meio ambiente do trabalho: aspectos gerais e propedêuticos. Síntese Trabalhista, Porto Alegre, v. 14, n. 162, p. 122- 153, dez. 2002, p. 178. Disponível em: https://juslaboris.tst.jus.br/handle/20.500.12178/109018. Acesso em 21/03/2021.
[11] DEJOURS, Christophe. A banalização da injustiça social. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 2006.
[12] INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION [Internet]. Psychosocial factors at work: recognition and control. Report of the Joint ILO/WHO Committee on Occupational Health. Ninth Session, Geneva, 18-24 September 1984. Geneva; 1986. (Occupational Safety and Health Series, 56). Disponível em: http://www.ilo.org/public/libdoc/ilo/1986/86B09_301_engl.pdf. acesso em 14/11/2024.
[13] Transtornos mentais são a terceira maior causa de afastamento do trabalho no Brasil. Disponível em <https://www.trt13.jus.br/informe-se/noticias/transtornos-mentais-sao-a-terceira-maior-causa-de-afastamento-do-trabalho-no-brasil>. Acesso em 14/11/2024.
[14] SÁ, Brunna Victória dos Santos; GOMES, Rebeca Soares; DANTAS, Rosa Amélia Andrade. Incapacidade para o Trabalho por Transtornos Mentais e do Comportamento no INSS: uma Análise Temporal. Disponível em < https://www.perspectivas.med.br/wp-content/uploads/2023/07/INCAPACIDADE-PARA-O-TRABALHO-POR-TRANSTORNOS-MENTAIS-E-DO-COMPORTAMENTO-NO-INSS-UMA-ANALISE-TEMPORAL.pdf>. Acesso em 14/11/2024.
[15] SILVA-JUNIOR, J. S.; FISCHER, F. M.. Afastamento do trabalho por transtornos mentais e estressores psicossociais ocupacionais. Revista Brasileira de Epidemiologia, v. 18, n. 4, p. 735–744, out. 2015.
[16] CORREIA, Henrique; SILVA, Kleber Pereira de Araújo e. Manual Completo de Segurança e Saúde do Trabalho - NRs 1 a 38 Comentadas e Esquematizadas – 2.ed., rev., atual. e ampl. - São Paulo: Editora JusPodivm, 2025.
[17] PRIMA-EF: orientações do modelo europeu para a gestão de riscos psicossociais: um recurso para empregadores e representantes dos trabalhadores. Tradução do Serviço Social da Indústria Departamento Nacional. – Brasília: SESI, 2011.
Atua como Auditor-Fiscal do Trabalho desde 2007 na área de Segurança e Saúde do Trabalho Foi Diretor do Departamento de Segurança e Saúde do Trabalho do Ministério do Trabalho (DSST) e Coordenador da Comissão Tripartite Paritária Permanente (CTPP) de 2018 e 2019. Atualmente é Chefe da Seção de Fiscalização de Segurança e Saúde do Trabalho da Superintendencia Regional do Trabalho de Mato Grosso do Sul. Possui a seguinte formação: Bacharel em Ciências Militares, AMAN/1997 Engenheiro Aeronáutico, ITA/2004 Engenheiro de Segurança do Trabalho, Logatti, 2008 Bacharel em Direito, UNIARA, 2012 Especialista em Direito e Processo do Trabalho, UNIARA, 2014 Especialista em Processo Civil, DOM ALBERTO, 2020 Especialista em Direitos Humanos Internacionais, FACUMINAS, 2024 Especialista em Direitos Difusos e Coletivos, FACUMINAS, 2024 Especialista em Direito Ambiental, FACUMINAS, 2024
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, KLEBER PEREIRA DE ARAÚJO E. O meio ambiente de trabalho na perspectiva dos fatores de riscos psicossociais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 dez 2024, 04:41. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/67346/o-meio-ambiente-de-trabalho-na-perspectiva-dos-fatores-de-riscos-psicossociais. Acesso em: 19 dez 2024.
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