A intensificação da globalização e a ampliação das opções de investimento tornam imprescindível a criação de estruturas eficazes para a gestão de liquidez e propriedades no exterior, além de métodos adequados de planejamento sucessório e tributário em nível internacional. Neste artigo, exploramos três temas centrais que podem auxiliar na compreensão de como pode ser feita a estruturação de um patrimônio no exterior, sendo ele imobilizado ou não, de modo que para o presente artigo segmentamos a matéria para discussão nos seguintes tópicos: (i) estruturas para gestão de liquidez, (ii) estruturas para a administração de imóveis no exterior, e (iii) mecanismos gerais para a organização de ativos fora do país, sendo estas ferramentas disponíveis para gestão do seu patrimônio tanto em território nacional, como internacional.
2.Estruturas para Gestão de Liquidez
Para aquelas pessoas que buscam manter liquidez fora do país, podemos abalizar uma variedade de alternativas que podem ser utilizadas em casos específicos, considerando a complexidade e custos associados à cada uma delas. Uma das decisões mais relevantes para os investidores, especialmente após entrada em vigor da Lei 14.754/23, tem sido a opção entre investimentos diretos ou através de entidades, como empresas de investimento privado (Private Investment Company - PICs) ou fundos offshore.
Nesse sentido, no presente artigo trabalharemos o conceito de cada uma das principais ferramentas do Planejamento Patrimonial Internacional, sob o prisma da nova legislação atinente à tributação de aplicações em fundos de investimento e da renda auferida por pessoas físicas residentes no País com aplicações financeiras, entidades controladas ou “trusts” no exterior.
a) Investimento Direto
Uma das alternativas mais diretas é o investimento direto no exterior, que se destaca por seus custos de manutenção relativamente baixos e pela não exigência de uma substância robusta. No entanto, essa simplicidade traz consigo algumas desvantagens. O investimento direto tende a proporcionar uma proteção patrimonial inferior contra credores e pode complicar a organização sucessória. Para investidores que buscam apenas diversificar e se proteger das flutuações do mercado brasileiro, essa abordagem pode ser adequada, podendo ser realizada através da contratação de gestoras de investimento que atuem fora do país. Em termos tributários, os rendimentos e ganhos financeiros obtidos após 2024 estarão sujeitos a uma tributação anual de 15%, conforme o regime de caixa.
b) Empresas de Investimento Privadas (PICs)
As PICs, ou Private Investment Companies, são entidades jurídicas criadas em jurisdições offshore ou onshore para gerenciar e proteger o patrimônio em escala internacional, especialmente com vistas ao planejamento sucessório e fiscal, uma vez que são comumente constituídas em jurisdições com regimes fiscais vantajosos. Essas empresas permitem que os investidores administrem seus ativos de forma centralizada e eficiente, oferecendo a possibilidade de blindagem patrimonial e benefícios fiscais em comparação com a posse direta. As PICs são particularmente vantajosas para ativos de longo prazo, incluindo imóveis e investimentos financeiros, pois permitem que o proprietário do patrimônio defina regras de governança e implemente bloqueadores fiscais para evitar tributos sucessórios, especialmente em jurisdições que impõem impostos sobre a herança, como os EUA.
Em suma, quando analisamos as diferenças entre uma holding offshore e uma Private Investment Company (PIC) podemos afirmar que a PIC é usada principalmente para proteger e gerir o patrimônio de uma família ou indivíduo, focada em investimentos e sucessão, com uma estrutura mais simples e privada. Já uma holding offshore possui um propósito mais amplo, permitindo o controle de um grupo de empresas e ativos variados em diferentes jurisdições, sendo ideal para grandes grupos empresariais ou investidores que necessitam de uma estrutura mais complexa. Enquanto a PIC é voltada exclusivamente para a administração de ativos e planejamento sucessório de forma privada, a holding offshore oferece flexibilidade para planejamento tributário mais amplo e governança corporativa. Ambas oferecem vantagens fiscais, mas a escolha entre elas depende do objetivo e da necessidade de complexidade na estrutura patrimonial e de controle.
c) Fundos Offshore
Os fundos de investimento offshore perderam parte de sua atratividade em decorrência das novas normas fiscais brasileiras que equiparam sua tributação à das PICs. Com custos de manutenção elevados e menor controle dos cotistas, esses fundos tornaram-se menos competitivos sob a ótica fiscal. A conversão do capital investido em fundos em uma PIC pode ser uma alternativa a ser considerada, diante das novas normas fiscais que diminuem as vantagens atribuídas às Offshore, principalmente na triangulação entre os agentes e operadores do ativo que afastam a proteção antes conferida.
2 Estruturas para a Administração de Imóveis no Exterior
A posse de imóveis fora do país, especialmente em jurisdições como os Estados Unidos, requer uma escolha criteriosa de estruturas que maximizem a eficiência tributária e salvaguardem o patrimônio. Uma estrutura comumente utilizada é a PIC, que serve como uma ferramenta para redução de imposto sobre herança.
a) PIC para Propriedades
Na posse e gestão de imóveis no exterior, as PICs desempenham um papel crucial ao minimizar impostos sobre herança, além de simplificar o processo de sucessão. Por exemplo, nos Estados Unidos, onde o imposto sucessório sobre imóveis pode chegar a 40%, a estruturação de uma PIC estrangeira impede que o proprietário brasileiro seja tributado diretamente, pois a empresa passa a deter o imóvel, e não o indivíduo. Com uma PIC, é possível também limitar a exposição de ativos a riscos e credores, tornando-se uma solução viável para a proteção de patrimônio familiar. Além disso, as PICs permitem transferir ativos de uma geração para outra com maior flexibilidade, já que a posse dos ativos permanece na entidade e não nos indivíduos diretamente.
b) Tarifação de Imóveis sob PIC
Ao optar por uma PIC para administrar imóveis, a estrutura de tributação pode seguir dois modelos: transparente ou opaco. Na abordagem transparente, o imóvel é tributado como se pertencesse diretamente ao beneficiário final, o que implica na tributação de receitas de aluguel ou venda em nível pessoal, geralmente sobre uma base mensal. Já na abordagem opaca, a receita gerada pelo imóvel é incorporada aos lucros da PIC, que são tributados na empresa e podem usufruir de regimes fiscais diferenciados. Esse modelo permite o diferimento do imposto sobre os lucros até a distribuição aos beneficiários, com alíquotas normalmente variando entre 15% e 20% ao ano, dependendo da jurisdição e regulamentação fiscal vigente.
3.Mecanismos Gerais Relacionados a Estruturas no Exterior
Além das soluções para liquidez e imóveis, existem diversos mecanismos de planejamento que facilitam a sucessão e a proteção de bens fora do país. Os principais instrumentos incluem trusts, fundações, joint tenancy e testamentos locais.
a) Trusts
Trusts são veículos de planejamento sucessório amplamente utilizados para transferir bens de uma geração para outra sem a necessidade de um processo de inventário, protegendo-os de impostos e da exposição a credores. Um trust pode ser revogável, permitindo que o instituidor mantenha certo controle sobre os ativos, ou irrevogável, onde a transferência de bens é final, proporcionando proteção patrimonial robusta. Com a recente Lei 14.754/23, os trusts no Brasil passaram a ter um tratamento fiscal específico, sendo considerados estruturas transparentes, o que implica que a tributação dos rendimentos e lucros segue diretamente para os beneficiários ou o instituidor, dependendo da configuração. Trusts irrevogáveis são especialmente úteis no planejamento sucessório, pois os bens transferidos ficam sujeitos ao ITCMD (Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação), respeitando a legislação da jurisdição do beneficiário ou do instituidor.
b) Fundações
As fundações offshore ofereçam uma proteção patrimonial robusta e são frequentemente usadas em planejamentos de longo prazo. Diferente do trust, em que o patrimônio é administrado por um trustee, na fundação, os bens são geridos pela própria instituição, garantindo maior controle sobre decisões e normas de governança. Contudo, é fundamental analisar se a fundação será tributada como uma entidade controlada ou como um trust.
c) Testamentos e JTWRS
A elaboração de testamentos locais permite que o proprietário dos bens direcione a alocação de seu patrimônio de forma personalizada, adequando a sucessão aos desejos específicos de divisão entre herdeiros. Os testamentos locais podem prevenir a aplicação de regras sucessórias automáticas ou de herança forçada em algumas jurisdições, além de evitar a necessidade de um processo judicial de inventário, que pode ser complexo e demorado.
Já a estrutura JTWRS, ou Joint Tenancy with Rights of Survivorship, permite que bens detidos em condomínio sejam automaticamente transferidos para o coproprietário sobrevivente, sem a necessidade de inventário. Essa modalidade é amplamente usada em países como os Estados Unidos para a posse conjunta de imóveis e investimentos financeiros, sendo uma ferramenta prática e eficaz para a sucessão de bens de forma simplificada. No entanto, é essencial considerar o impacto tributário desse modelo, especialmente em casos de sucessão entre não-cônjuges, onde a transferência automática pode estar sujeita ao imposto de sucessão ou doação.
Conclusão
A escolha da estrutura apropriada para a gestão de liquidez ou imóveis no exterior, bem como o uso de mecanismos de sucessão, deve levar em conta as especificidades fiscais e legais de cada país. As PICs e os trusts oferecem benefícios evidentes para o planejamento patrimonial e sucessório, enquanto a avaliação do investimento direto e dos fundos offshore deve ser reconsiderada à luz das novas regulamentações fiscais. Contar com assessores especializados em diversas jurisdições é fundamental para garantir que a estrutura escolhida atenda de maneira eficaz e segura às necessidades do investidor.
Advogado. Graduado em Direito e pós-graduando em Processo Civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Membro na comissão de compliance da OAB Santo Amaro .
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ZERRENNER, Murilo. As ferramentas do planejamento patrimonial internacional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 fev 2025, 04:48. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/67864/as-ferramentas-do-planejamento-patrimonial-internacional. Acesso em: 22 fev 2025.
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