RESUMO: A intervenção judicial em políticas públicas tem sido uma constante no particular sistema jurídico brasileiro. Aos críticos das decisões judiciais que determinem ao executivo e legislativo o cumprimento de suas missões e finalidades institucionais, cabe a argumentação de ativismo judicial e violação à separação dos poderes. Para os defensores das decisões, cabe a anotação de que o judiciário estaria a cumprir tão somente sua função precípua. O presente estudo tenta ponderar as argumentações distintas acerca do tema, e ao final propor uma solução de equilíbrio a um sistema que precisa ao mesmo tempo de previsibilidade e apurada visão social.
Palavras-chave: Intervenção judicial em políticas públicas. Ativismo judicial. Separação de poderes. Efetividade da tutela jurisdicional.
ABSTRACT: The judicial intervention in public policies has been a constant feature within the Brazilian legal system. Critics of judicial decisions mandating the executive and legislative branches to fulfill their institutional missions and purposes argue that this constitutes judicial activism and a violation of the separation of powers. Advocates of such decisions note that the judiciary is merely fulfilling its primary function. This study aims to weigh the distinct arguments surrounding the topic and ultimately propose a balanced solution to a system that requires both predictability and a nuanced social perspective.
Keywords: Judicial intervention in public policies. Judicial activism. Separation of powers. Effectiveness of judicial protection.
1.INTRODUÇÃO
Em abril de 2024, o Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas confirmou sentença da vara única da Comarca de São Gabriel da Cachoeira[1], que determinou ao Estado a, dentre outras providências:
(i) apresentar um plano para construção de uma unidade prisional em São Gabriel da Cachoeira no prazo de 60 (sessenta) dias, mencionando todas as etapas e prazos para conclusão das obras, solucionando a situação carcerária da comarca com previsão de aumento da população carcerária pelos próximos dez anos;
(ii) após trinta dias do esgotamento do prazo anterior, dar início ao procedimento administrativo para a construção da cadeia e/ou presídio acima mencionado;
(iii) apresentar, dentro do prazo de noventa dias, plano com o numero de servidores e a forma de provimentos dos referidos, elencando a quantidade e a função que cada um exercerá, os quais deverão trabalhar na unidade prisional a ser construída e
(iv) construir e entregar em funcionamento, no prazo de 02 (dois) anos a contar da intimação da sentença, uma unidade prisional para cumprimento de pena em regime fechado e para custódia de presos provisórios na Comarca de São Gabriel da cachoeira, dotando-se a penitenciária com dependência para, no mínimo, atender às necessidades dos presos com assistência à saúde (consultórios médicos e odontológicos), jurídica (sala para atuação da defensoria pública e local para atendimento reservado entre os advogados e os custodiados), assistência educacional, religiosa, recreação e práticas esportivas, cozinha, bem como dependências para desenvolvimento de trabalho remunerado, tudo sob pena de multa de R$50.000,00 (cinquenta mil reais por dia de descumprimento).
A decisão, muito embora pareça à primeira vista verdadeira interferência do poder judiciário na formação de políticas públicas, não é novidade no Estado do Amazonas, tampouco no cenário nacional: em 2019, o TJ/AM também determinou ao Município de Manaus a regularização das condições estruturais e funcionais de escola municipal[2], e a implementação de obras para evitar desabamento em área considerada de risco na capital amazonense[3].
Ainda em 2024, o Supremo Tribunal Federal julgou as ADPFs 743, 746 e 8575[4], determinando ao final do julgamento, que a União apresente, em 90 dias, plano de prevenção e combate aos incêndios no Pantanal e na Amazônia com monitoramento, metas e estatísticas.
Ainda neste ano, a corte julgou o mérito da ADPF 760 e da ADO 54[5], a corte determinou que a União tome providências, no âmbito do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) e de outros programas, para reduzir o desmatamento na Amazônia Legal para a taxa de 3.925 km anuais até 2027 e a zero até 2030.
Esse fenômeno da judicialização das políticas públicas, é chamado pelo Ministro Luís Roberto Barroso de “judicialização qualitativa”, que segundo o professor:
“designa o fato de que boa parte das grandes questões nacionais – políticas, econômicas, sociais e éticas – passaram a ter seu último capítulo perante os Tribunais. Impeachment, planos econômicos, ensino religiosos em escolas públicas, direito ao esquecimento, direito de greve de servidores públicos, prisão após a condenação em segundo grau, processo legislativo, fidelidade partidária, distribuição de medicamentos, crise fiscal dos Estados, ações afirmativas, foro privilegiado, descriminalização de drogas, limites da colaboração premiada...Enfim, não há tema relevante que não tenha chegado ao judiciário”
Muito embora, se esteja a falar de fenômeno muito nosso, houve um aparente contentamento em cunhar decisões com a natureza das citadas acima como exemplos do “ativismo judicial” e tão somente.
A teleologia do citado em nosso caso particular, no entanto, parece mais profunda do que as razões oriundas do senso comum, ou do conformismo jurídico.
2.A CONTROVÉRSIA ENVOLVENDO O ATIVISMO JUDICIAL
Para Elival Ramos[6], o ativismo judicial pode ser cunhado como “uma disfunção no exercício da função jurisdicional, em detrimento, notadamente, da função legislativa”. Já para Rennan Thamay e Vanderlei Garcia Ramos[7], em outra perspectiva, tem-se por ativismo judicial a “representação de uma atitude proativa exercida pelos julgadores, de interpretação da própria Constituição Federal, explanando seu verdadeiro sentido e sua real extensão”.
Ora, se a jurisdição tem como característica a inércia, de onde exsurge o comportamento proativo? A resposta é óbvia: da provocação.
A provocação surge, como também aponta Luís Roberto Barroso, “quando não são resolvidas a tempo e a hora pelas instancias políticas tradicionais”. Ou seja, o judiciário “ativista” suplanta – a seu modo – a falha de um elemento estatal de proteção do indivíduo, dentro da perspectiva de direitos a ele assinalada pela ordem jurídica vigente.
Com efeito, esse cenário de provocação é mais denso do que se imagina: o constituinte originário, ao positivar no texto da Constituição de 1988 a disposição do Art. 5º, inciso XXXV[8], estabeleceu ao judiciário não só a faculdade, mas o dever de intervenção nos casos de violação de direitos. Sobre o tema, Gilmar Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco anotam que:
Ademais, como já dito, a Constituição de 1988 conferiu significado ímpar ao direito de acesso à justiça e criou mecanismos especiais de controle da omissão legislativa (ação direta por omissão e mandado de injunção), destinados a colmatar eventuais lacunas na realização de direitos, especialmente na formulação de políticas públicas destinadas a atender às determinações constitucionais.
(Mendes, Gilmar Ferreira Curso de direito constitucional. 12. ed. rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2017)
Com cautela, em interpretação finalística, seria possível que assumir que a constituição instruiu de maneira mandamental ao julgador que interfira em matéria de política pública, desde que servível à concretização da ratio de direitos pensada no texto constitucional.
Georges Abboud citando Anderson Teixeira, anota que:
“No plano nacional, temos que a expressão geralmente é utilizada com uma acepção positiva, relacionando-se a: (a) decisões jurisdicionais que busquem primordialmente assegurar direitos fundamentais; (b) decisões jurisdicionais orientadas à garantia da supremacia da Constituição; (c) decisões jurisdicionais fundamentadas substancialmente em princípios jurídicos, sobretudo em princípios constitucionais.”
Em nova lição sobre o tema, reiteram os Gilmar Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco:
“Assim, alternando momentos de maior e menor ativismo judicial, o Supremo Tribunal Federal, ao longo de sua história, tem entendido que a discricionariedade das medidas políticas não impede o seu controle judicial, desde que haja violação a direitos assegurados pela Constituição. Apesar de que, muitas vezes, é tarefa demasiado complicada precisar os limites que separam uma questão política de outra de natureza jurídica ou não política 519, tal fato não deve servir de subterfúgio para que o Poder Judiciário se abstenha do cumprimento de seu dever constitucional na defesa dos direitos fundamentais. Mantendo essa postura, o Supremo Tribunal Federal, na última década, tem atuado ativamente no tocante ao controle judicial das questões políticas nas quais observa violação à Constituição. Os diversos casos levados ao Tribunal envolvendo atos das Comissões Parlamentares de Inquérito corroboram essa afirmação. No julgamento do MS 23.452, deixou o STF assentado o entendimento segundo o qual “ os atos das Comissões Parlamentares de Inquérito são passíveis de controle jurisdicional, sempre que, de seu eventual exercício abusivo, derivarem injustas lesões ao regime das liberdades públicas e à integridade dos direitos e garantias individuais” 520. Nesse sentido, em seu voto, o Ministro Celso de Mello deixou enfatizado que, “com a finalidade de impedir que o exercício abusivo das prerrogativas estatais pudesse conduzir a práticas que transgredissem o regime de liberdades públicas e que sufocassem, pela opressão do poder, os direitos e garantias individuais, atribuiu -se ao Poder Judiciário a função eminente de controlar os excessos cometidos por qualquer das esferas governamentais”.
A ideia, se mostra de enorme problema técnico: se por um lado, digno de louvor os mecanismos de ação constitucional para efetivação de direitos – em técnica constitucional com poucos parâmetros ao redor do mundo, a estrutura da carta constitucional brasileira, se levada à ferro e fogo, inviabilizaria por completo tanto a administração pública, quanto o judiciário.
Tal posicionamento, não necessariamente parece se alinhar ao do próprio Supremo Tribunal Federal. Em julgamento recente, assim assentou a corte:
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. OBRIGAÇÃO DE FAZER: REFORMA DE ESCOLA EM SITUAÇÃO PRECÁRIA. POSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.
Para a Relatora, Ministra Carmen Lucia em seu voto:
A decisão não avança sobre as competências dos Poderes Legislativo e Executivo, pondo-se em harmonia com a jurisprudência deste Supremo Tribunal, assentada em ser possível intervenção excepcional do Poder Judiciário na adoção de providências necessárias de ser determinadas aos entes administrativos estatais, máxime quando se cuidar, como na espécie, de práticas específicas, garantidoras do direito constitucional fundamental à educação e à segurança pública, impossível de ser usufruída pela ausência de dotação das condições materiais imprescindíveis ao desempenho do serviço pela omissão da entidade recorrente, consoante atestado pelas instâncias precedentes
O assunto não parece se tratar de caso isolado. Em outras manifestações, também o Supremo Tribunal Federal:
Inexiste a alegada violação do art. 2º da Lei Fundamental, entendendo o Supremo Tribunal Federal ser possível ao Poder Judiciário determinar que a Administração Pública adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais, sem que isso configure violação do princípio da separação de poderes. Nesse sentido: ARE 655.080-AgR/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, DJe 09.9.2012; e AI 809.018-AgR/SC, Rel. Min. Dias Tóffoli, 1ª Turma, DJe 10.10.2012;, este assim do: "Agravo regimental no agravo de instrumento. Constitucional. Legitimidade do Ministério Público. Ação civil pública. Implementação de políticas públicas. Possibilidade. Violação do princípio da separação dos poderes. Não ocorrência. Precedentes. 1.Esta Corte já firmou a orientação de que o Ministério Público detém legitimidade para requerer, em Juízo, a implementação de políticas públicas por parte do Poder Executivo, de molde a assegurar a concretização de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos garantidos pela Constituição Federal, como é o caso do acesso à saúde. 2. O Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode determinar que a Administração Pública adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais, sem que isso configure violação do princípio da separação de poderes. 3. Agravo regimental não provido". Nesse sentir, não merece seguimento o recurso extraordinário, consoante também se denota dos fundamentos da decisão que desafiou o recurso, aos quais me reporto e cuja detida análise conduz à conclusão pela ausência de ofensa direta e literal a preceito da Constituição da Republica. Nego seguimento ao recurso extraordinário ( CPC, art. 557, caput).
(STF - RE: 628159 MA, Relator: Min. ROSA WEBER, Data de Julgamento: 05/02/2013, Data de Publicação: DJe-034 DIVULG 20/02/2013 PUBLIC 21/02/2013)
A vertente contrária ao ímpeto do ativismo judicial, defende que comportamentos como os discutidos acima, violam a separação de poderes, entendida por Montesquieu dentro dos seguintes nefastos efeitos:
“Quando, na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura, o poder legislativo está reunido ao poder executivo, não existe liberdade; porque se pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tirânicas para executá-las tiranicamente. Tampouco existe liberdade se o poder de julgar não for separado do poder legislativo e do executivo. Se estivesse unido ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador. Se estivesse unido ao poder executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor. Tudo estaria perdido se o mesmo homem, ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo exercesse os três poderes: o de fazer as leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as querelas entre os particulares”
(Montesquieu. Charles de Secondat, Baron de. 1689-1755. O espírito das leis / Montesquieu. Apresentação Renato Janine Ribeiro, tradução Cristina Murachco. - São Paulo : Martins Fontes. 1996)
Sobre o tema, Manoel Gonçalves Ferreira Filho em artigo para revista da Escola Paulista da Magistratura:
Enfatize-se, ademais, que, no Espírito das Leis, é uma visão política que é dada à ideia de separação dos poderes. Isto, com efeito, transparece da necessidade de entendimento, de conciliação, entre os Poderes, o que evidentemente exclui a prevalência de qualquer destes sobre os demais. Ele aponta que os Poderes teriam de caminhar “de concerto”, pois do contrário ocorreria um “repouso ou inação” que se chocaria com “o movimento necessário das coisas.”. Ora, essa paralisia não ocorreria numa concepção jurídica em que a legislação tem primazia e determina a ação dos demais Poderes.
(FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. A separação dos poderes: a doutrina e sua concretização. Cadernos Jurídicos, n. abr./ju 2015, p. 67-81)
Para que se possa falar se essa natureza de decisão viola ou não o princípio da separação dos poderes, é necessária interpretação contextualizada daquilo que nos anota o legislador constitucional.
De fato, a Constituição Federal de 1988 previu em seu Art. 2º a existência dos poderes independentes e harmônicos entre si[9], mas de outro lado, distribuiu o mais amplo rol de direitos que qualquer outra carta constitucional antes vista. Mais ainda, como visto anteriormente, estabeleceu vários mecanismos de enforcement desses direitos.
Fosse a redação da Constituição outra, ou os princípios lá colocados distintos daqueles que hoje são invocados, a execução de eventual obrigação de políticas públicas seria diametralmente diferente, ou ao menos mais contida, dada a ausência de parâmetros objetivos para implementação de certos requerimentos de assistência.
Com efeito, mesmo em matéria de direito público (em sentido lato), o judiciário tem tomado posturas mais retraídas, quando da ausência de previsão legal especifica na criação/manutenção de determinadas obrigações, senão, vejamos:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. OMISSÃO INEXISTENTE. DEVIDO ENFRENTAMENTO DA QUESTÃO JURÍDICA. MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO. LC 75/93. REMUNERAÇÃO POR CUMULAÇÃO DE FUNÇÃO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL ATÉ O ADVENTO DA LEI 13.024/2014. CONCESSÃO. INVIABILIDADE. 1. Inexiste violação do art. 535 do CPC quando a prestação jurisdicional é dada na medida da pretensão deduzida, com enfrentamento e resolução da questão jurídica posta. 2. A Lei Orgânica do Ministério Público da União (Lei Complementar 75/93), ao delinear o rol de vantagens a que o membro do Parquet faz jus, não estabeleceu remuneração ou gratificação pelo exercício cumulativo de cargos ou funções. 3. A ausência de previsão legal quanto à vantagem remuneratória que, embora previsto em estatutos diversos, não se encontra expressamente delineada na lei que rege a específica situação funcional do servidor inviabiliza a pretensão de sua percepção, pois os direitos e as obrigações estabelecidos na relação estatutária - da Administração para com o servidor e vice-versa - guiam-se obrigatoriamente pelo princípio da legalidade. 4. "II - Segundo o princípio da legalidade estrita - art. 37, caput da Constituição Federal - a Administração está, em toda a sua atividade, adstrita aos ditames da lei, não podendo dar interpretação extensiva ou restritiva, se a norma assim não dispuser. A lei funciona como balizamento mínimo e máximo na atuação estatal. O administrador só pode efetuar o pagamento de vantagem a servidor público se houver expressa previsão legal (...)" ( REsp 907.523/RJ, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 10/05/2007, DJ 29/06/2007, p. 715). Recurso especial improvido.
(STJ - REsp: 1415460 RN 2013/0363868-8, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 08/09/2015, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 16/09/2015)
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL. CRÉDITO TRIBUTÁRIO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. INEXISTÊNCIA. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. SIMILITUDE FÁTICA. AUSÊNCIA. 1. A apresentação de oportuna impugnação contra o lançamento na seara administrativa suspende a exigibilidade do crédito tributário, o qual somente retornará a ser exigível depois de notificada a decisão final da Administração, não havendo transcurso de lapso prescricional durante a tramitação do processo administrativo fiscal, por ausência de previsão legal específica. Precedentes. 2. A conformidade do acórdão recorrido com a jurisprudência do STJ enseja a aplicação do óbice de conhecimento estampado na Súmula 83 do STJ. 3. A falta de similitude fática entre os julgados comparados revela a deficiência da irresignação recursal quanto à apontada divergência jurisprudencial. Incidência da Súmula 284 do STF. 4. Agravo interno desprovido. (STJ - AgInt no REsp: 1943725 DF 2021/0177777-9, Relator: Ministro GURGEL DE FARIA, Data de Julgamento: 21/02/2022, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/02/2022)
José Afonso da Silva, em seu Curso de Direito Constitucional Positivo[10], apresenta uma posição diferente acerca da separação dos poderes, vista anteriormente
“cumpre, em primeiro lugar, não confundir distinção de funções do poder com divisão ou separação de poderes, embora entre ambos haja uma conexão necessária. A distinção de funções constitui especialização de tarefas governamentais à vista de sua natureza, sem considerar os órgãos que, a exercem; quer dizer que existem sempre distinção de funções, quer haja órgãos especializados para cumprir cada uma delas, quer estejam concentradas num órgão apenas. A divisão de poderes consiste em confiar cada uma das funções governamentais (legislativa, executiva e jurisdicional) a órgãos diferentes que tomam o nome das respectivas funções, menos o Judiciário (órgão ou Poder Legislativo, órgão ou Poder Executivo e órgão ou Poder Judiciário). Se a função for exercida por um órgão apenas, tem-se concentração de poderes”
Pelo raciocínio do Autor, com vênias a certa liberdade interpretativa, o cenário jurídico atual não estaria tão distante de permitir interferências externas na atuação dos poderes legislativo e executivo.
Trata-se de visão que parte de uma concepção evolutiva de Estado e que muito embora mereça consideração, exige cautela em sua aplicação.
3.DA CONCLUSÃO
Seria equivocado nos dias de hoje, assumir que a visão de Montesquieu acerca das funções dos órgãos do Estado permanece hígida e imutável. A própria dinâmica e compreensão das diferentes vertentes do Estado o faz uma estrutura modular.
É claro que as funções primordiais em cada um dos eixos dessa estrutura (executivo, legislativo e judiciário), permanece de certa forma intacta ao que era no tempo da de sua obra, entretanto, na estrutura de um Estado constitucional como o brasileiro, não se poderia admitir que decisões judiciais que cumpram missões constitucionalmente assinaladas violariam a separação dos poderes, tampouco, excederiam competências que outrora eram estanques.
Assumir essa realidade seria negar a própria evolução do Estado, enquanto elemento de um complexo sistema jurídico.
Por outro lado, no entanto, poderia se falar numa violação à harmonia dessas instituições, isso sim, uma vez que a interferência – nessa hipótese – do judiciário em prerrogativa do poder Executivo ou Legislativo suplanta sua inércia e em certa medida, revela a ineficácia da sua missão, provocando constrangimento epistêmico e institucional.
O constrangimento, no entanto, parece um pequeno preço a se pagar, se considerarmos o papel fundamental que o acionamento do judiciário tem tomado, no sentido de garantir a preservação de elementos fundantes da carta constitucional de direitos.
Por outro lado, a solução moderada desses conflitos institucionais é viável dentro um sistema de diálogo e autocontenção: diálogo na formação das políticas públicas, dentro de um elemento de cooperação institucional. Autocontenção para compreender que a salvaguarda dos interesses individuais ou coletivos, não é prerrogativa exclusiva do Poder Judiciário.
Com efeito, decisões que intervenham em políticas públicas não devem, e certamente não podem ser tomadas com base meramente no descumprimento de Direitos, sob pena de suspender por completo o funcionamento da máquina pública. O Estado é e sempre foi o grande violador de direitos e continuará sendo em razão de sua capilaridade na sociedade.
A autocontenção, na hipótese, faria com que as manifestações nesse sentido fossem baseadas em elementos quantitativos e qualitativos, e não na abstrata arguição de violação de Direitos, que muitas vezes faz emular o arbítrio.
Afinal, se por um lado, não cabe ao judiciário deixar de decidir lesão ou ameaça ao Direito, por outro lhe cabe que a tutela jurisdicional seja exercida com responsabilidade política, de modo a permitir uma coexistência adequada dentro dos atores do poder.
4.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BRASIL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, RECURSO EXTRAORDINÁRIO 628159 MA, Relator: Min. ROSA WEBER, divulgado em 05/02/2013, publicado em 21/02/2013
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BRASIL, SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, Agravo Interno no Recurso Especial 1943725 DF 2021/0177777-9, publicado em 24/02/2022
BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas. Segunda Câmara Cível, Apelação Cível n. 0000016-31.2017.8.04.6901. Decisão ainda não publicada.
BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas. Conselho da Magistratura. Apelação Cível n. 0607988-81.2013.8.04.0001. Publicado no dje em 17/09/2019
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THAMAY, Rennan Faria Kruger, Garcia Junior, Vanderlei. Decisão Judicial. São Paulo, Almedina, 2019.
[1] Segunda Câmara Cível, Apelação Cível n. 0000016-31.2017.8.04.6901APELANTE: Estado do Amazonas, APELADO: Ministério Público do Estado do Amazonas RELATORA: ONILZA ABREU GERTH – Decisão ainda não publicada.
[2] Conselho da Magistratura. Apelação Cível n. 0607988-81.2013.8.04.0001. Apelante: O Município de Manaus. Apelado: Ministério Público do Estado do Amazonas – Publicado no dje em 17/09/2019
[3] Primeira Câmara Cível, Apelação cível n. 0212998-79.2010.8.04.0001 Relatora: Maria das Graças Pessôa Figueiredo, Apelante: Município de Manaus, Apelado : Ministério Público do Estado do Amazonas – publicado no dje em 27/08/2019
[4] Supremo Tribunal Federal, ADPF.473, DJE divulgado em 04/04/2024, publicado em 05/04/2024.
[5] Supremo Tribunal Federal, ADO 54, . DJE divulgado em 04/04/2024, publicado em 05/04/2024
[6] Ramos, Elival da Silva Ativismo judicial: parâmetros dogmáticos. Elival da Silva Ramos. – 2. ed. – São Paulo : Saraiva, 2015. (Pag 94)
[7]THAMAY, Rennan Faria Kruger, Garcia Junior, Vanderlei. Decisão Judicial. São Paulo, Almedina, 2019 (pag 66).
[8] “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
[9] Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
[10] Afonso da Silva, José. Curso de Direito Constit1wional Positivo, 37ª ed, 2013, pag. 114
Advogado, especialista em Direito Eleitoral pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), Professor do curso de Direito da Faculdade Santa Teresa (FST-AM), Mestrando em Função Social do Direito pela Faculdade Autônoma de Direito (FADISP), membro da comissão de direito eleitoral da seccional do Amazonas da Ordem dos Advogados do Brasil para o triênio 2021-2024, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JUNIOR, SERGIO ROBERTO BULCAO BRINGEL. A intervenção judicial em matéria de políticas públicas: entre o ativismo judicial, a separação dos poderes e a eficácia dos direitos fundamentais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 maio 2025, 04:50. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/68491/a-interveno-judicial-em-matria-de-polticas-pblicas-entre-o-ativismo-judicial-a-separao-dos-poderes-e-a-eficcia-dos-direitos-fundamentais. Acesso em: 05 maio 2025.
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