Acórdão: Apelação Cível n. 03.003820-5, de São José.
Relator: Des. José Volpato de Souza.
Data da decisão: 20.08.2004.
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO CUMULADA COM REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS - NOSOCÔMIO - FUGA DE PACIENTE - SUICÍDIO - PRELIMINAR DE IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ AFASTADA - RESPONSABILIDADE DO HOSPITAL - CORREÇÃO DO TERMO FINAL DA PENSÃO - ALTERAÇÃO DO TERMO INICIAL PARA INCIDÊNCIA DA CORREÇÃO - RECURSO DO RÉU PARCIALMENTE PROVIDO - VALOR DOS DANOS MORAIS MAJORADO - RECURSO DA AUTORA PARCIALMENTE PROVIDO
A regra inserta no art. 132 do CPC encontra limites no princípio da investidura e deve ser ponderada com a realidade prática procedimental. Assim, não há impedimento legal para que um juiz substituto julgue o processo, ainda que não tenha presidido a audiência, se tiver sido nomeado para os atos da respectiva vara.
É inadmissível que uma Instituição coloque como excludente de sua culpa a própria especialidade. Se sua função é dar tratamento e cuidados a pacientes portadores de deficiências mentais ou distúrbios psiquiátricos, não pode alegar tais fatos como sendo de força maior, para se eximir da responsabilidade.
O valor da indenização do dano moral deve ser arbitrado pelo juiz de maneira a servir, por um lado, de lenitivo para a dor psíquica sofrida pelo lesado, sem importar-lhe enriquecimento sem causa; e, de outra parte, deve desempenhar uma função pedagógica e uma séria reprimenda ao ofensor, a fim de evitar a reiteração do ato.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível n. 03.003820-5, da comarca de São José (2ª Vara Cível), em que são apelantes e apelados Instituto São José Ltda. - Clínica de Repouso e Tratamento de Doenças Mentais e Maria Cardoso Laurindo:
ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Civil, por maioria, conhecer dos recursos para dar provimento ao da autora e parcial provimento ao do réu. Vencido o Des. Dionízio Jenczak, que votou no sentido de dar provimento parcial ao recurso do Instituto-requerido para reconhecer a culpa recíproca e reduzir a indenização pela metade e negar provimento ao recurso da autora.
Custas na forma da lei.
I. RELATÓRIO:
Maria Cardoso Laurindo aforou ação indenizatória cumulada com reparação de danos morais contra Instituto São José Ltda. - Clínica de Repouso e Tratamento de Doenças Mentais, alegando que: seu marido fora internado na Clínica requerida, com o alerta de seu estado depressivo e com tendência ao suicídio; em menos de uma semana o paciente fugiu, devido à falta de vigilância e cuidados despendidos pela ré; diante da fuga, o Hospital nada fez para localizar o marido da autora, que cometeu suicídio, ainda nas proximidades da Instituição. Por fim, requereu a procedência do pedido de indenização, com o pagamento de prestação de alimentos pelo período de sete anos, no valor de seis salários mínimos, de indenização pelos danos morais, bem como das despesas oriundas do funeral, estas no montante de R$ 700,00 (setecentos reais) (fls. 2/9). Juntou documentos (fls. 10/51).
Devidamente citado, o réu contestou o feito, aduzindo que: não há como persuadir um indivíduo com tendência suicida a não tolher sua própria vida, ainda que seja observado ininterruptamente; o falecido estava sendo vigiado e assistido até o momento em que foi notada a sua ausência; não houve negligência. In fine, pugnou pela improcedência da pretensão e, alternativamente, pela minoração da base de cálculo pleiteada (fls. 57/62).
A autora impugnou a peça contestatória (fls. 66/68).
Em sentença, o ilustre Magistrado julgou procedente o pedido, condenando o réu a pagar o valor de R$ 10.080,00 (dez mil e oitenta reais), por conta dos danos materiais pensionados à autora, assim como o equivalente a 20 (vinte) salários mínimos a título de indenização por danos morais e também a quantia de R$ 700,00 (setecentos reais) relativa às despesas do funeral, bem como, ainda, as custas e verba honorária, esta fixada em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação (fls. 186/192).
Irresignado, o Instituto réu apelou asserindo, em preliminar, que houve contrariedade ao princípio da identidade física do juiz. No mérito, afirmou que: não tem culpa pelos eventos narrados nos autos; os fatos se deram por motivo de força maior; não poderia ter agido de forma diferente, tendo obrado com toda a diligência; tomou todas as providências que lhe eram possíveis e devidas; o paciente era suicida crônico; não houve prova de conduta descurada por parte dos empregados ou prepostos do Hospital; a vítima tem culpa concorrente, eis que agiu deliberadamente para ceifar a própria vida; a prestação de alimentos é indevida, eis que o esposo da autora há vários anos dependia dela financeiramente; o valor arbitrado excede a parte que caberia ao paciente na renda familiar; com o prazo concedido, a prestação ultrapassaria a data em que a vítima completaria 65 (sessenta e cinco) anos; ocorreu dupla atualização, visto que a Juíza considerou o salário mínimo da data da sentença e lhe atribuiu correção desde o aforamento da inicial; as indenizações e as verbas sucumbenciais devem ser reduzidas à metade, em vista da culpa concorrente. Por derradeiro, reclamou a improcedência do pleito inicial, bem como a redução das indenizações e verbas honorárias sucumbenciais (fls. 197/223).
Também inconformada, a autora interpôs recurso de apelação, altercando que o montante arbitrado a título de indenização pelos danos morais não são condizentes com o caso em tela, nem refletem o entendimento do nosso Tribunal, requerendo, assim, a sua elevação (fls. 227/234).
O réu apresentou contra-razões às fls. 239/246.
II. VOTO:
Trata-se de apelação cível em ação indenizatória cumulada com reparação de danos, na qual o Hospital demandado restou condenado a pagar indenização à família de cliente que cometera suicídio, por desídia da Instituição.
Enceta o recurso com preliminar, alegando que houve ofensa ao princípio da identidade física do juiz.
Realmente, o prolator do decisum não coincide com aquele que instruiu o feito; porém, isto não leva à nulidade do processo.
É que a regra inserta no art. 132 do CPC, além de não ter o valor absoluto atribuído pelo apelante, encontra limites no princípio da investidura e deve ser ponderada com a realidade prática procedimental, conforme aliás, já julgado por esta Corte, em acórdão da lavra do Des. Orli Rodrigues, no Conflito de Competência n. 96.012091-2, da Capital.
No presente caso, a sentença foi prolatada pela MMa. Juíza Lílian Telles de Sá Vieira que, na ocasião, substituía o magistrado que estava no gozo de suas férias. A ilustre Magistrada foi investida na unidade jurisdicional em que tramitou a presente demanda à época da lavratura da decisão definitiva.
Ora, aludido dispositivo processual dispõe que, não se encontrando mais na Vara o juiz que presidiu a audiência, seja por aposentadoria, promoção, licença, convocação ou afastamento, cessa a vinculação dele ao julgamento da lide.
Assim, não há impedimento legal para que um juiz substituto julgue o processo, ainda que não tenha presenciado a audiência, se tiver sido nomeado para os atos da respectiva Vara.
No mérito, o apelante argumenta que não houve culpa do Hospital pela fuga nem pelo suicídio do paciente. Contudo, a vítima foi internada no nosocômio com o aviso de sua tendência suicida, como este mesmo admite.
Pretende o recorrente, em seu pleito, afastar sua culpa, alegando que é impossível se manter um controle ininterrupto sobre o paciente e que, se este tiver a intenção de ceifar a própria vida, não haveria como se evitar.
Ora, é inadmissível que uma instituição coloque como excludente de sua culpa a própria especialidade. Se sua função é dar tratamento e cuidados a pacientes portadores de deficiências mentais ou distúrbios psiquiátricos, não pode invocar tais fatos como sendo de força maior, para se eximir da responsabilidade.
Parece ainda mais inapropriada a assertiva de culpa concorrente, ante a prévia advertência da tendência suicida. Significaria dizer que se aceita um paciente para dele cuidar, prestando-lhe assistência médica, com o objetivo maior de que seu distúrbio não lhe prejudique, e que, quando ocorre o mal que se procurava evitar, se lhe imputa a culpa por padecer de tal distúrbio.
Óbvio que a vítima colaborou com o fato, por assim dizer, com suas ações. Poder-se-ia dizer que agiu sozinha no intuito de se matar, não fosse a responsabilidade assumida pela Instituição de evitar que a vontade daquela se concretizasse.
Nesse ponto, certo é que o ônus da prova quanto à diligência nos serviços prestados cabia ao réu/apelante, visto que a autora/apelada provou a razão constitutiva de seu direito, fazendo prova não impugnada da internação, bem como de seus motivos e do óbito de seu marido. A partir disso, caberia ao apelante fazer prova de que as atitudes do paciente excederam em muito o esperado, mesmo de um indivíduo com distúrbios, restando impossível evitar o resultado mórbido.
No entanto, o Hospital cinge-se a alegar que é impossível cumprir totalmente o encargo que aceitou no momento da internação, e que agiu, posteriormente à fuga, de forma célere no intuito de evitar prejuízo maior. Pouco importam essas argüições na caracterização da culpa, eis que seu encargo era o de manter o paciente protegido e dentro de suas instalações.
Na seqüência do recurso, o apelante aduz que a prestação de alimentos é indevida, eis que o esposo da autora há vários anos dependia dela financeiramente.
Por vedação legal expressa, exime-se esta Corte da análise deste argumento, eis que inaugurado em sede de recurso, não tendo sido a questão debatida quando do oferecimento da contestação.
Não há dúvida de que a finalidade da contestação é impugnar os fundamentos trazidos na exordial, razão pela qual se aplica o princípio da eventualidade, conforme se observa dos ensinamentos de Sérgio Bermudes, que assim aponta:
"Saliente logo na primeira proposição do art. 300, onde se preceitua competir ao réu alegar toda a matéria de defesa. Chama-se da eventualidade o princípio porque ao réu incumbe reunir, na contestação, todas as suas defesas" (Direito Processual Civil - Estudos e Pareces, 2ª série, Saraiva, p. 25).
No mesmo desiderato, a doutrina de Moacyr Amaral Santos:
"Com a contestação 'dá-se a preclusão das alegações que o réu poderia oferecer em sua defesa. Quer dizer que o Código adotou o princípio da concentração da defesa na contestação'. Acentua que essa denominação foi dada por José Alberto dos Reis, '.. é o mesmo princípio da eventualidade em relação ao réu: todas as defesas devem ser formuladas de uma só vez, como medida de previsão - adventum - para o caso de que a primeira oferecida seja rejeitada'" (Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, Saraiva, 14ª ed., vol. 02, p. 207).
Assim, não tendo a matéria sido alegada quando do oferecimento da contestação pelo recorrente e sobre ela não tendo ocorrido manifestação na primeira instância, não há como se pretender, sob pena de supressão de um grau de jurisdição, o seu exame em nível recursal. Até porque, o artigo 515, parágrafo 1º, do Estatuto Processual Civil, é bastante claro quando, traçando o âmbito da apreciação e do julgamento recursal, restringe-o a "todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro."
Esse é o entendimento deste egrégio Tribunal de Justiça:
“RECURSO CÍVEL - APELAÇÃO - MATÉRIA NÃO SUSCITADA NEM DISCUTIDA NO PRIMEIRO GRAU - PRINCÍPIO TANTUM DEVOLUTUM QUANTUM APPELLATUM - APLICAÇÃO DO ART. 515, CAPUT, DO CPC - NÃO CONHECIMENTO
Na apelação não é autorizada mudança da matéria discutida e decidida em primeiro grau, ainda mais com alegação de novo fundamento aditivo à própria inicial."
'A norma contida no § 1º do art. 515 do CPC não autoriza o Tribunal a inobservar o princípio do duplo grau de jurisdição' (STJ, Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira)" (AC n. 99.008955-0, de Blumenau. Relator: Des. Nilton Macedo Machado).
No que tange ao valor concedido, afirma o Hospital que ele excede a parte que caberia ao paciente na renda familiar, divergindo também no que se refere ao período de 79 (setenta e nove) meses, no lugar de 84 (oitenta e quatro) ou sete anos, para o cálculo da pensão, asserindo que tal período ultrapassaria a data em que a vítima completaria 65 (sessenta e cinco) anos.
O valor de um salário mínimo para efeito de indenização deve ser mantido, conforme já decidido na sentença monocrática, até porque o falecido não tinha renda fixa. No entanto, em relação aos meses, é devido tão-somente 79 (setenta e nove), pois, tomando sete anos em sua totalidade, como inicialmente feito, excederia cinco meses. Levado em consideração que o óbito se deu no mês de dezembro e a idade seria atingida no mês de julho, seis anos a frente, mister se fazer a correção para a quantia de meses igual a 79 (setenta e nove).
Quanto ao critério de atualização, merece guarida a objurgação feita, pois realmente, adotar o valor do salário mínimo vigente e atualizá-lo desde o ajuizamento da ação seria exagero. Para evitar o excesso na sua dupla atualização, deve ser considerado para as indenizações o valor do salário mínimo da época da sentença, com correção a partir daquela data.
Nesse prisma, encontramos apoio no Supremo Tribunal de Justiça, mutatis mutandis:
“A correção monetária da indenização do dano moral inicia a partir da data do respectivo arbitramento; a retroação à data do ajuizamento da demanda implicaria corrigir o que já está atualizado" (EDREsp n. 194625, Terceira Turma, Min. Ari Pargendler).
E:
“O termo inicial da correção monetária do valor do dano moral é a data em que for fixado" (Resp. n. 376.900/SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito).
Quanto ao pedido de minoração das indenizações e verbas sucumbenciais, não se dá provimento, eis que foi baseado na culpa concorrente, posição, como já colocado, que não se coaduna com o entendimento desta Corte.
Também não satisfeita com a decisão de primeiro grau, a autora interpôs recurso, afirmando que o montante arbitrado a título de indenização pelos danos morais não é condizente com o caso em tela nem reflete o entendimento do nosso Tribunal, reclamando, assim, a sua elevação.
Sua insurgência merece guarida.
A aludida elevação pleiteada pela recorrente é devida, em análise aos critérios da capacidade econômica das partes bem como da intensidade da culpa e da repercussão do dano.
Dos autos se depreende que a perda foi muito grande. Faz-se mister observar que, em uma semana, a esposa fez a internação do chefe da família, que possuía distúrbios mentais e conhecida propensão ao suicídio e, na semana seguinte, recebeu a notícia de que a Instituição para a qual confiou seu esposo não foi capaz de evitar que ele tirasse a própria vida.
Importa frisar que o valor da indenização do dano moral deve ser arbitrado pelo juiz de maneira a servir, por um lado, de lenitivo para a dor psíquica sofrida pelo lesado, sem importar-lhe enriquecimento sem causa; e, de outra parte, deve desempenhar uma função pedagógica e uma séria reprimenda ao ofensor, a fim de evitar a reiteração do ato.
Desse modo, colocar um montante inferior a 50 (cinqüenta) salários mínimos não atenderia ao fim da condenação, não se fazendo justiça.
É da jurisprudência:
“O valor da indenização por dano moral deve ser razoavelmente expressivo, não meramente simbólico. Deve pesar sobre o bolso do ofensor, como um fator de desestímulo, a fim de que não reincida na ofensa" (TJSP, 4ª Câmara de Direito Privado, Ap. n. 15.530-4, Rel. Des. Cunha Cintra) (grifo nosso).
Destarte, procedente é o pedido recursal da autora, aumentando-se o quantum a título de indenização pelos danos morais para 50 (cinqüenta) salários mínimos.
Pelo exposto, é medida de justiça conhecer dos dois recursos, para dar provimento à apelação da autora e parcial provimento à do réu, para modificar as bases de cálculo da pensão, bem como alterar os termos iniciais para incidência da correção.
III. DECISÃO:
Nos termos do voto do relator, por maioria, conheceram dos recursos para dar provimento ao da autora e parcial provimento ao do réu. Vencido o Des. Dionízio Jenczak, que votou no sentido de dar provimento parcial ao recurso do Instituto-requerido para reconhecer a culpa recíproca e reduzir a indenização pela metade e negar provimento ao recurso da autora.
Participaram do julgamento os Exmos. Srs. Desembargadores Wilson Augusto do Nascimento e Dionízio Jenczak.
Florianópolis, 20 de agosto de 2004.
Wilson Augusto do Nascimento
PRESIDENTE COM VOTO
José Volpato de Souza
RELATOR
DECLARAÇÃO DE VOTO VENCIDO DO DES. DIONÍZIO JENCZAK:
Ousei divergir da douta maioria pelos seguintes fundamentos:
1. FUGA DO PACIENTE
Inicialmente, analisa-se sobre a culpa do Instituto São José, na fuga do paciente.
É incontroverso que no dia 06 de dezembro de 1994, Pedro Laurindo foi internado na Clínica, ora recorrente, para tratamento de depressão com tendências suicidas.
E que, no dia 10 do mesmo mês e ano, o paciente evadiu-se do local, culminando com o suicídio mencionado.
A família de Pedro Laurindo internou-o na Clínica, sabedora da competência da mesma, e crente que ele permaneceria incólume nas dependências do Instituto São José.
Entretanto, na manhã do dia 10/12, quando interagia com outros pacientes no pátio, sem a presença de qualquer funcionário do Hospital Psiquiátrico, empreendeu a fuga da Instituição e, em conseqüência pôs em prática seus objetivos, ou seja, exterminou a própria vida.
José de Aguiar Dias, comentando sobre a responsabilidade dos hospitais, ressalta que "quanto à responsabilidade dos donos de casas de saúde e hospitais, não há dúvida que inclui um dever de incolumidade, que, naturalmente, não vai ao ponto de garantir o impossível de restituir a vida ou assegurar a cura, mas que se fixa, curialmente, na obrigação de resguardar o paciente de quaisquer consequências que um bom serviço poderia evitar". (Da responsabilidade civil, 6ª ed., Rio de Janeiro: Forense, v. 1., n. 116, p. 293 - nota 524).
Ora, é dever do recorrente em proceder um sistema de segurança que impeça a fuga de seus pacientes, ainda mais quando são internados sob depressão com tendências suicidas, nos quais a observação tem que ser redobrada.
O médico que o atendia prescreveu, inicialmente, que o paciente deveria ser observado e vigiado, sendo que no dia 08 de dezembro, após nova consulta, consignou que o mesmo deveria permanecer "em observação".
No dia dos fatos, constata-se que havia uma funcionária no pátio, junto com o grupo, no entanto, a mesma ausentou-se para buscar uma lista, ou seja, naquele instante o grupo de pacientes, entre eles Pedro Laurindo, ficaram sem qualquer observação, facilitando que se evadisse do Instituto, culminando com o ato que ceifou a sua vida.
"Indenização. Responsabilidade civil. Ato ilícito. Hospital psiquiátrico. Morte do paciente durante tentativa de fuga. Ineficácia de cláusula excludente de responsabilidade, estatuída no regulamento do sanatório. Dever jurídico de vigilância contraído ipso facto no ato de hospedar independente de seu caráter gratuito ou oneroso". (RJTSP 126/159). "É irrelevante contrato assinado entre a clínica e o curador liberando-a de qualquer responsabilidade por possíveis atos do internado, em caso de fuga, uma vez que a delegação de vigilância do demente transfere a responsabilidade por seus atos se feita a estabelecimento específico mediante paga". (RT 560/201)
Assim, mostra-se que o Instituto São José teve participação indireta na desgraça, pois agiu com negligência no caso.
2. SUICÍDIO
“Desgraça ou ruína procurada de livre vontade ou por falta de discernimento" (Dicionário Aurélio eletrônico)
"Supressão livre e consciente da própria vida". (Dicionário de Medicina Legal)
"Para Durkheim, 'chama-se suicídio todo caso de morte que resulte direta ou indiretamente de um ato positivo ou negativo, realizado pela própria vítima, a qual sabia dever produzir este resultado'.
Altavilla é mais sintético na sua definição: 'é suicida todo aquele que ocasione voluntariamente a própria morte’. (Flamínio Favero, Medicina Legal, 10ª ed., Belo Horizonte: Itatiaia, 1976, p. 250).
Portanto, como se vê o suicídio é um ato da livre vontade da parte ceifando a sua própria vida.
Como fruto da observação de Enrico Altavilla, as causas que levam à morte, o suicídio pode ser classificado como: a) por tendência; b) por deficiência dos instintos; c) pela deficiência mental; d) por questões passionais; e) por causas ocasionais. A tendência suicida poderia ser a herança hereditária recebida. As causas ocasionais, como a difícil situação econômica ou um grande desgosto, levam a pessoa a perder o amor pela vida e encontrar no suicídio a única saída" (Gama, Ricardo Rodrigues, Suicídio e Direito, in RT 796/501).
In casu, Pedro Laurindo atravessava uma grave crise financeira, o que ocasionou a depressão e os pensamentos suicidas, sendo que não ocorreu qualquer instigação ou induzimento, dos prepostos da clínica, para a ocorrência do ato.
Observa-se que o tratamento despendido ao paciente mostrou-se correto e adequado, pois o quadro clínico do mesmo apresentou melhoras aparentes, em somente dois dias, sendo que inclusive o grau de cuidados especiais com Pedro foi amenizado, face ao progresso que aparentava.
Poderia ser o Instituto São José penalizado civilmente se restasse demonstrado que o respectivo tratamento fosse completamente inadequado.
Novamente, traz-se à colação ensinamento de Ricardo Rodrigues Gama:
"Responsabilidade do profissional em saúde mental.
Muitas das vezes, o tratamento pode reforçar a fragilidade do paciente e ele praticar o suicídio em virtude de entender que a ajuda vem em sentido contrário à vida. Por isso, o profissional em saúde mental deve ser bem preparado como qualquer outro profissional, com sensibilidade redobrada, evitando lesão de tal monta e irreparável. O consultório do profissional não deve ser visto como sala de conversas amistosas, correntes entre aqueles mais despreparados para lidar com a vida de outrem. Se isso se der, indubitavelmente, o profissional deve ser acionado para responder em juízo pelos prejuízos causados. Nesse sentido, o profissional pode ser responsabilizado também quando agir em desconformidade com as técnicas de tratamento apropriadas para o caso". (Op. cit., p. 505)
O Tribunal de Justiça de São Paulo já manifestou-se nos casos de suicídio ocorrido em clínicas psiquiátricas.
"Indenização. Danos materiais e morais. Paciente internada em hospital psiquiátrico em estado de depressão grave. Intenção suicida consumada. Aplicação do tratamento adequado a essa situação. Culpa da ré não demonstrada. Ação improcedente. Recurso da ré provido e prejudicado o dos autores.
Os autores internaram a filha no hospital da ré para evitar que ela consumasse uma intenção suicida manifestada. A obrigação da ré, sendo de meio, era o de ministrar o tratamento adequado para evitar que ocorresse esse resultado, e não o de evitar a ocorrência do fato, pois que, conforme a literatura médica, a observação constante por enfermeiros especiais e contenções físicas não evitarão um suicida determinado. Não ficou demonstrado que pelo estado de saúde da paciente a ré, através de seus prepostos, ministrou tratamento inadequado ou deixou de aplicar os cuidados e diligências necessárias de vigilância que as circunstâncias exigiam". (JTJ - LEX 235/111)
Portanto, perfeitamente caracterizado que o Instituto São José não teve qualquer culpa em relação ao ato de suicídio perpetrado pelo paciente.
3. CULPA CONCORRENTE.
Sobre o tema preconiza SILVIO RODRIGUES, em seu Direito Civil: Responsabilidade Civil, 16. ed., Saraiva, 1998, pp. 165-166:
"O evento danoso pode derivar de culpa exclusiva ou concorrente da vítima; no primeiro caso desaparece a relação de causa e efeito entre o ato do agente causador do dano e o prejuízo experimentado pela vítima; no segundo, sua responsabilidade se atenua, pois o evento danoso deflui tanto de sua culpa, quanto da culpa da vítima".
E mais adiante prossegue o civilista:
"Casos há, entretanto, em que existe culpa da vítima, paralelamente à culpa concorrente do agente causador do dano. Nestas hipóteses o evento danoso decorreu tanto do comportamento culposo daquela, quanto do comportamento culposo deste. Por conseguinte, se houver algo a indenizar, a indenização será repartida entre os dois responsáveis, na proporção que for justa".
O atual Código Civil dispõe sobre a culpa concorrente, em seu art. 945:
"Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada, tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano".
Rui Stoco ao comentar sobre o mencionado artigo dispõe que "a questão se resume em verificar a causa eficiente do fato danoso e se resolve apenas e tão-somente no plano da causalidade material, de modo que, ainda que a vítima tenha agido com culpa, dever-se-á verificar se a sua atuação interferiu no resultado e quanto contribuiu para a sua ocorrência. Inexistindo esse liame, a causa eficiente do resultado danoso terá sido outra e outro o responsável único pela reparação. Existindo a interferência, indagar-se-á em que medida ou proporção influenciou no resultado, passando a projetar reflexos no quantum da reparação, seja diminuindo o montante a ser indenizado de um, seja isentando parcialmente a obrigação de dar do outro.
Parece-nos, portanto, que a grande virtude da disposição legal está em que a concorrência de culpas entre autor e vítima fará com que a repartição do prejuízo seja proporcional, de modo que não se submeta a critério de divisão em partes iguais, que se mostrava injusto e, às vezes, odioso". "Tratado de Responsabilidade Civil, 6ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 139).
Conforme, supra analisado, o Instituto São José teve participação indireta no ato do suicídio, ante a imprudência de seus prepostos que permitiram a fuga do paciente, entretanto, no ato em si, o mesmo não teve qualquer participação, por ser de livre e espontânea vontade do agente.
Sendo que medicina é ação de meio, e não de resultado, não podendo culpar o médico ou a clínica, por não ter o paciente reagido conforme o tratamento adequadamente ministrado.
Assim, restou caracterizado que a Clínica agiu com culpa somente no tocante a fuga do paciente, contribuindo, desta maneira, a priori, em parte, para a realização do ato de suicídio.
Pelo exposto, posicionei-me pela culpa concorrente dos agentes, e em conseqüência, a redução pela metade da condenação imposta, atribuindo a culpa em 50% (cinqüenta por cento) para cada causador.
Diante dos argumentos supramencionados, divergi do entendimento dos doutos Desembargadores integrantes desta Colenda Câmara.
DIONÍZIO JENCZAK
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