RECURSO DE REVISTA. INQUÉRITO PARA APURAÇÃO DE FALTA GRAVE. ALCOOLISMO. JUSTA CAUSA. O alcoolismo crônico, nos dias atuais, é formalmente reconhecido como doença pela Organização Mundial de Saúde - OMS, que o classifica sob o título de síndrome de dependência do álcool, cuja patologia gera compulsão, impele o alcoolista a consumir descontroladamente a substância psicoativa e retira-lhe a capacidade de discernimento sobre seus atos. Assim é que se faz necessário, antes de qualquer ato de punição por parte do empregador, que o empregado seja encaminhado ao INSS para tratamento, sendo imperativa, naqueles casos em que o órgão previdenciário detectar a irreversibilidade da situação, a adoção das providências necessárias à sua aposentadoria. No caso dos autos, resta incontroversa a condição do obreiro de dependente químico. Por conseguinte, reconhecido o alcoolismo pela Organização Mundial de Saúde como doença, não há como imputar ao empregado a justa causa como motivo ensejador da ruptura do liame empregatício. Recurso de revista conhecido e provido.
Vistos, relatados e discutidos estes autos do Recurso de Revista nº TST-RR-1.864/2004-092-03-00.2, em que é recorrente RAIMUNDO CARVALHO DE OLIVEIRA (ESPÓLIO DE) e recorrido BR ASTEC PROCESSOS MINERAIS LTDA.
O egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, mediante acórdão prolatado às fls. 64/68, confirmado às fls. 73/74 em sede de embargos de declaração, manteve a sentença por meio da qual se extinguira a reconvenção sem resolução do mérito, e, com amparo no artigo 482, f e i, da Consolidação das Leis do Trabalho, julgou procedente o pedido inicial formulado no inquérito para apuração de falta grave ajuizado pela empresa, restando autorizada a rescisão, com justa causa, do contrato de emprego.
Inconformado, o réu interpõe o presente recurso de revista, consoante razões veiculadas às fls. 76/82. Sustenta o recorrente ser do conhecimento da empresa que é portador de doença decorrente do alcoolismo, cujo tratamento ensejou as faltas ao serviço. Acrescenta que o fato de ter um passado funcional ilibado e nunca ter deixado de cumprir ordens autoriza o afastamento da falta grave, sob pena de afronta aos artigos 5º, III, 6º, 170 e 193 da Constituição Federal. Requer, em conseqüência, seja julgado improcedente o inquérito ajuizado pela empresa e determinada a sua reintegração no emprego, nas mesmas funções, com o pagamento de salários vencidos e vincendos, além dos depósitos do FGTS, férias acrescidas de 1/3 e 13º salário, com base no artigo 467 da CLT. Alega devidos, ainda, os honorários advocatícios, nos termos das Leis de nºs 1.060/50 e 5.584/70.
Transcreve arestos para cotejo de teses.
O recurso foi admitido por meio da decisão monocrática proferida à fl. 83.
Não foram apresentadas contra-razões, consoante certidão lavrada à fl. 84-verso.
A certidão acostada à fl. 89 noticia o falecimento do obreiro. À fl. 97 foi deferida a habilitação da inventariante, nos termos do artigo 1º da Lei nº 6.858/80.
Dispensada a remessa destes autos à douta Procuradoria-Geral do Trabalho, à míngua de interesse público a tutelar.
É o relatório.
VOTO
I CONHECIMENTO
1 - PRESSUPOSTOS GENÉRICOS DE ADMISSIBILIDADE RECURSAL
O recurso é tempestivo (acórdão publicado em 25/6/2005, sábado, conforme certidão lavrada à fl. 75, e recurso protocolizado em 5/7/2005 - fl. 76). O recorrente é isento do pagamento de custas, conforme decisão proferida à fl. 51, e está regularmente representado nos autos (procuração acostada à fl. 102).
2 - PRESSUPOSTOS ESPECÍFICOS DE ADMISSIBILIDADE RECURSAL
INQUÉRITO PARA APURAÇÃO DE FALTA GRAVE. ALCOOLISMO. FALTA GRAVE.
O egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, mediante acórdão prolatado às fls. 64/68, confirmado às fls. 73/74 em sede de embargos de declaração, manteve a sentença por meio da qual se extinguira a reconvenção, sem resolução do mérito, e, com amparo no artigo 482, f e i, da Consolidação das Leis do Trabalho, julgou procedente o pedido inicial formulado no inquérito para apuração de falta grave ajuizado pela empresa, restando autorizada a rescisão, com justa causa, do contrato de emprego. Utilizou-se, para tanto, dos seguintes fundamentos:
A resolução do contrato de trabalho, pelo empregador, nos casos de inexecução faltosa da obrigação, assume aspecto nitidamente disciplinar, sendo certo, como aduz o empregado, fazer-se necessário provar a gravidade do ato que se lhe atribui.
Não se pode esquecer, entretanto, que do contrato de trabalho, de natureza essencialmente fiduciária, resultam ao empregado as obrigações de obediência, diligência e fidelidade, traduzindo-se como justa causa para a sua resolução todos os atos que importem em violação destas normas específicas e que, por se referirem à conduta geral do empregado, estranhas ao emprego e à prestação do trabalho, se refletem no contrato tornando incompatível a sua manutenção.
Tem-se ainda como certo que uma das obrigações específicas que resultam ao trabalhador, na constância do seu ajuste, é a de dar, no exercício de sua função, o rendimento quantitativo e qualitativo que se pode esperar de uma execução de boa-fé.
O comportamento negligente, descuidado ou desidioso traduz a culpa do empregado, frustrando a justa expectativa do empregador na medida em que representa a inobservância das normas que nos ordenam operar com atenção, capacidade, solicitude e discernimento, pressupostos que regem a conduta normal dos negócios humanos.
A embriaguez habitual, ou em serviço, além de importar em violação da obrigação geral que se impõe ao empregado, reflete também a quebra da regra específica de execução do contrato, já que ao ingerir bebida alcoólica ou outra substância inebriante perturba o exato cumprimento da atividade que lhe foi confiada, acarretando inquestionável prejuízo e fazendo escoar a necessária fidúcia que deve permear a justa pactuação.
Neste contexto, basta que ocorra uma única vez para que a embriaguez em serviço venha justificar a resolução, eis que a culpa, nestes casos, é apreciada in concreto.
A existência da falta, assim, pressupõe o exercício normal de um direito, pelo empregador, soando no vazio o argumento de que, por se tratar de dependência contumaz, não estaria inserido o obreiro no alcance da punição.
Também não se há dizer do cerceamento ao direito de defesa porque não teria sido o trabalhador informado de que se ajuizaria inquérito para apuração de falta grave.
Na verdade, esta medida foi intentada após se exaurirem os esforços patronais no sentido de orientar e procurar trazer ao reto caminho o trabalhador que, não obstante, mostrou-se eficiente ao burlar todas as regras do bom senso, disciplina e sobriedade, como se observa da prova testemunhal.
Segundo informa a testemunha de f. 42, Cláudio Henrique Maranhão de Freitas, por algumas vezes o requerido compareceu ao trabalho embriagado ou com sinais de embriaguez; que era visível a embriaguez pela falta de coordenação motora, pelo hálito e pela mudança de comportamento; que essa mudança de comportamento se verificava na fala e na execução do serviço;
que essa situação acontecia com uma freqüência alta, de duas a três vezes por semana; que a requerente nunca tomou nenhuma providência punitiva, como suspensão, advertência, mas sempre conversando e orientando o requerido a mudar a conduta; que a situação gera constrangimento porque o requerido às vezes questionava ordens ou às vezes não fazia o serviço;
...que a partir da segunda semana, dos meses de julho ou agosto de 2004, o requerido passou a trabalhar embriagado, chegando atrasado e faltando injustificadamente...
De ausência de direitos, portanto, não se poderá falar, mesmo porque também em juízo o empregado se utilizou de todos os instrumentos que a lei lhe confere, o que também sob este prisma faz sepultar sua irresignação.
A empresa, por sua vez, não se furtou ao seu dever legal ou moral de oferecer o necessário auxílio, seja em orientação pedagógica e paciente, seja ao encaminhar o empregado ao INSS, conforme dá clara notícia o documento de f. 16.
Esta atitude vem demonstrar não a sua aquiescência com o comportamento inadequado e repreensível do empregado, ao revés do que se supõe, mas, antes, a boa vontade e completa ausência de intenção de agravar, ainda mais, o lamentável estado em que se encontrava o trabalhador.
Se de doença se trata, o remédio há de ser administrado a quem tem a intenção e vontade de se curar.
Este não nos parece o caso em exame.
O autor, em atitude inteiramente incompreensível e inaceitável, se manteve na firme intenção de permanecer fiel ao vício que o consumia, malgrado a infindável paciência e esforço expendidos pelo seu antigo empregador no sentido de restabelecer a saúde, equilíbrio e integridade física daquele que se encontrava sob suas ordens.
Mais não se lhe haverá de exigir, já que este ônus não há de ser transferido a quem não lhe deu causa.
Correta a r. decisão recorrida, que será mantida em seus fundamentos (fls. 65/68).
Sustenta o recorrente, em seu recurso de revista, ser do conhecimento da empresa que é portador de doença decorrente do alcoolismo, cujo tratamento ensejou as faltas ao serviço. Acrescenta que o fato de ter um passado funcional ilibado e nunca ter deixado de cumprir ordens autoriza o afastamento da falta grave, sob pena de afronta aos artigos 5º, III, 6º, 170 e 193 da Constituição Federal. Requer, em conseqüência, seja julgado improcedente o inquérito ajuizado pela empresa e determinada a sua reintegração no emprego, nas mesmas funções, com o pagamento de salários vencidos e vincendos, além dos depósitos do FGTS, férias acrescidas de 1/3 e 13º salário, com base no artigo 467 da CLT. Alega devidos, ainda, os honorários advocatícios, nos termos das Leis de nºs 1.060/50 e 5.584/70.
Transcreve arestos para cotejo de teses.
O aresto oferecido à fl. 79 revela-se divergente da tese esposada pelo Tribunal Regional, ao concluir que, não obstante o artigo 482, f, da CLT atribuir à embriaguez habitual ou em serviço os efeitos da despedida por justa causa, tem-se entendido que o empregado que sofre da doença do alcoolismo, com a nomenclatura de síndrome de dependência do álcool, não pode ser sancionado com a despedida com justo motivo.
Conheço, por divergência jurisprudencial.
II - MÉRITO
Discute-se, na presente hipótese, se o alcoolismo constitui ou não justa causa para a rescisão do contrato de trabalho.
Sabe-se que, nos dias atuais, o alcoolismo crônico é formalmente reconhecido como doença pela Organização Mundial de Saúde - OMS, que o classifica sob o título de síndrome de dependência do álcool, cuja patologia gera compulsão, impele o alcoolista a consumir descontroladamente a substância psicoativa e retira-lhe a capacidade de discernimento sobre seus atos. Assim é que se faz necessário, antes de qualquer ato de punição por parte do empregador, que o empregado seja encaminhado ao INSS para tratamento, sendo imperativa naqueles casos em que o órgão previdenciário detectar a irreversibilidade da situação, a adoção das providências necessárias à sua aposentadoria.
No caso dos autos, resta incontroversa a condição de dependente químico do reclamante, conforme registro consignado pelo Tribunal Regional, no sentido de que segundo informa a testemunha de f. 42, Cláudio Henrique Maranhão de Freitas, por algumas vezes o requerido compareceu ao trabalho embriagado ou com sinais de embriaguez; que era visível a embriaguez pela falta de coordenação motora, pelo hálito e pela mudança de comportamento; que essa mudança de comportamento se verificava na fala e na execução do serviço; que essa situação acontecia com uma freqüência alta, de duas a três vezes por semana; que a requerente nunca tomou nenhuma providência punitiva, como suspensão, advertência, mas sempre conversando e orientando o requerido a mudar a conduta; que a situação gera constrangimento porque o requerido às vezes questionava ordens ou às vezes não fazia o serviço; ...que a partir da segunda semana, dos meses de julho ou agosto de 2004, o requerido passou a trabalhar embriagado, chegando atrasado e faltando injustificadamente... (fl. 67).
Nesse contexto, reconhecido pela Organização Mundial de Saúde que o alcoolismo crônico é doença, não existe maneira de imputar ao doente a ruptura do liame empregatício por justa causa. Frise-se que a adição ao álcool como, de resto, a qualquer outra substância química reduz consideravelmente a capacidade de autodeterminação e discernimento do adicto, não sendo razoável imputar-lhe a responsabilidade pelo insucesso do tratamento a que submetido. O alcoolismo constitui grave problema social que aflige todos os segmentos da sociedade, sendo certo que a despedida sumária do obreiro, longe de representar solução, acaba por agravar ainda mais a situação.
No mesmo sentido da tese que ora se sustenta, vale transcrever os seguintes julgados:
EMBARGOS. JUSTA CAUSA. ALCOOLISMO CRÔNICO. ARTIGO 482, F, DA CLT. 1. Na atualidade, o alcoolismo crônico é formalmente reconhecido como doença pelo Código Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial de Saúde OMS, que o classifica sob o título de síndrome de dependência do álcool (referência F-10.2). É patologia que gera compulsão, impele o alcoolista a consumir descontroladamente a substância psicoativa e retira-lhe a capacidade de discernimento sobre seus atos. Clama, pois, por tratamento e não por punição. 2. O dramático quadro social advindo desse maldito vício impõe que se dê solução distinta daquela que imperava em 1943, quando passou a viger a letra fria e hoje caduca do artigo 482, f, da CLT, no que tange à embriaguez habitual. 3. Por conseguinte, incumbe ao empregador, seja por motivos humanitários, seja porque lhe toca indeclinável responsabilidade social, ao invés de optar pela resolução do contrato de emprego, sempre que possível, afastar ou manter afastado do serviço o empregado portador dessa doença, a fim de que se submeta a tratamento médico visando a recuperá-lo. 4. Recurso de embargos conhecido, por divergência jurisprudencial, e provido para restabelecer o acórdão regional (E-RR-586320/1999, Rel. Min. João Oreste Dalazen, DJU de 21/5/2004).
RECURSO DE REVISTA PATRONAL ALCOOLISMO. Diante do posicionamento da OMS, que catalogou o alcoolismo como doença no Código Internacional de Doenças (CID), sob o título de síndrome de dependência do álcool (referência F-10.2), impõe-se a revisão do disciplinamento contido no artigo 482, letra f, da CLT, de modo a impedir a dispensa por justa causa do Trabalhador alcoólatra (embriaguez habitual), mas, tão-somente, levar à suspensão de seu contrato de trabalho, para que possa ser submetido a tratamento médico ou mesmo a sua aposentadoria, por invalidez. Recurso de Revista conhecido em parte e desprovido (AIRR e RR-813281/2001, 2ª Turma, Rel. Min. Luciano de Castilho).
Considerando-se os fundamentos já expostos, impõe-se afastar a falta grave imputada ao obreiro, razão pela qual julga-se improcedente o inquérito.
Nos termos do disposto no artigo 495 da CLT, a desconstituição da falta grave importa a reintegração do reclamante no emprego. Ocorre que, conforme documentação juntada às fls. 85/86, a reintegração resta inviabilizada, no caso concreto, tendo em vista o passamento do obreiro. O presente feito, no entanto, deve prosseguir apenas quanto aos demais pedidos formulados na inicial da reconvenção, diante da habilitação da inventariante, deferida à fl. 97 (salários vencidos e vincendos, depósitos do FGTS, férias acrescidas de 1/3, 13º salário e seus reflexos acrescidas de juros e correção monetária, tudo com incidência da dobra contida no artigo 467 da CLT).
Afastada a justa causa e diante da inviabilidade da reintegração do reclamante, dou provimento ao recurso de revista para, julgando procedente em parte a reconvenção, condenar a empresa ao pagamento de salários vencidos, além dos depósitos do FGTS, férias acrescidas de 1/3 e 13º salário, com base no artigo 467 da CLT, desde o período de afastamento do obreiro até a data do seu óbito.
Defere-se, ainda, o pagamento dos honorários advocatícios, porquanto preenchidos os requisitos contidos na Súmula nº 219 desta Corte superior, quais sejam, a assistência sindical e a declaração de hipossuficiência juntada à fl. 32. Fixa-se tal condenação à base de 15% sobre o valor líquido da condenação, nos exatos termos da Orientação Jurisprudencial nº 348 da SBDI-1 desta Corte uniformizadora.
Determina-se a incidência dos descontos previdenciários e fiscais, nos termos da Súmula nº 368 do TST, bem como a incidência da correção monetária, nos termos da Súmula nº 381 do TST.
Custas de R$ 240,00 (duzentos e quarenta reais) sobre o valor arbitrado à condenação de R$ 12.000,00 (doze mil reais).
ISTO POSTO ACORDAM os Ministros da Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de revista por divergência jurisprudencial e, no mérito, dar-lhe provimento para reconhecer a inexistência da falta grave imputada ao obreiro e julgar improcedente o inquérito. Acordam, ainda, diante da inviabilidade da reintegração do reclamante, dar provimento ao recurso de revista para, julgando procedente em parte a reconvenção, condenar a empresa ao pagamento de salários vencidos, além dos depósitos do FGTS, férias acrescidas de 1/3 e 13º salário, com base no artigo 467 da CLT, desde o período de afastamento do obreiro até a data do seu óbito.
Defere-se, ainda, o pagamento dos honorários advocatícios à base de 15% sobre o valor líquido da condenação, nos exatos termos da Orientação Jurisprudencial nº 348 da SBDI-1 desta Corte uniformizadora.
Determina-se a incidência dos descontos previdenciários e fiscais, nos termos da Súmula nº 368 do TST e da correção monetária nos termos da Súmula nº 381 do TST.
Custas pela reclamada no importe de R$ 240,00 (duzentos e quarenta reais) sobre o valor arbitrado à condenação de R$ 12.000,00 (doze mil reais).
Brasília, 13 de fevereiro de 2008.
LELIO BENTES CORRÊA
RELATOR
DJ: 28/03/2008
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