Em se tratando de alimentos, para que a mulher os receba de seu ex-marido, deve ser robusta a prova de sua real necessidade, haja vista que tal instituto, por imposição legal, veda que a pensão alimentícia seja instrumento de ociosidade e parasitismo.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2007.005683-3, da comarca de Braço do Norte (1ª Vara), em que é apelante C. W., e apelado V. S.:
ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Civil, por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso. Custas na forma da lei.
RELATÓRIO
V. S. ajuizou ação de exoneração de alimentos com pedido sucessivo de revisão de alimentos contra C. W. aduzindo que, por ocasião da separação judicial das partes, houve por bem pagar à requerida e ao filho menor do casal, que permaneceu sob sua guarda, o valor correspondente a 80% do salário mínimo, uma vez que sua ex-mulher não tinha emprego fixo ou outra forma de renda.
Esclareceu que a situação financeira da demandada melhorou significativamente, haja vista que se tornou proprietária de um salão de beleza que lhe garante ganhos mensais de aproximadamente R$ 600,00 (seiscentos reais). Outrossim, constituiu união estável com F. N., que possui rendimentos próprios e pode auxiliá-la nas despesas ordinárias. Além disso, o filho do casal atingiu a maioridade e se casou.
Argumentou que a obrigação alimentar deve ser extinta, seja porque a requerida tem condições de manter-se por si, seja porque constituiu nova união.
Por fim, postulou a procedência do pedido.
Proposta a conciliação em audiência, sem resultado (fl. 15).
Citada, a demandada apresentou defesa em forma de contestação, aduzindo, em resumo, que: a) o autor pagou durante meses os alimentos em valor aquém do devido; b) como o filho do casal não possui casa própria, este passa a maior parte do tempo com a mãe, o que lhe gera despesas com ele; c) seu novo companheiro não tem emprego fixo e em nada contribui com os gastos domésticos; d) por sua vez, o autor, além de estar aposentado, atua como vice-prefeito municipal, o que lhe garante um incremento em seus ganhos.
Pugnou pela improcedência do pedido.
Réplica às fls. 32 a 34.
Em audiência de instrução e julgamento, foi renovada a proposta conciliatória, sem sucesso (fl. 62), e foram ouvidas 6 (seis) testemunhas.
Sentenciando, o Magistrado singular julgou procedente o pedido de exoneração, extinguindo a obrigação alimentar, e condenou a ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em R$ 600,00 (seiscentos reais) (fls. 67 a 74).
Inconformada com a prestação jurisdicional, apelou a requerida pretendendo a reforma da decisão, alegando, em apertada síntese, que: a) não tem renda suficiente para garantir a sua subsistência, pois seus rendimentos mensais não alcançam um salário mínimo; c) está separada de seu suposto "companheiro" há aproximadamente 18 meses; d) não tem condições de arcar com as custas processuais e os honorários advocatícios, devendo ser-lhe concedida a gratuidade da justiça.
Com as contra-razões, ascenderam os autos a esta superior instância.
VOTO
A insurgência recursal cinge-se à discussão acerca da possibilidade de se exonerar o apelado do pagamento de pensão alimentícia à sua ex-esposa.
Um dos princípios basilares da pensão alimentícia é justamente a possibilidade de modificação do quantum no caso de mudança na fortuna do alimentante e do alimentando.
Acerca do tema, preleciona o art. 15 da Lei n. 5.478/68:
Art. 15. A decisão judicial sobre alimentos não transita em julgado e pode a qualquer tempo ser revista, em face da modificação da situação financeira dos interessados.
O próprio Código Civil dispõe, no artigo 1.699, que:
Art. 1.699. Se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na fortuna de quem os supre, ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar do juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução, ou agravação do encargo.
Dessa forma, para a exoneração, redução ou agravamento do encargo, faz-se necessária prova acerca da mudança da fortuna do alimentante ou do alimentando.
A respeito do assunto, leciona o ilustre professor Yussef Said Cahali:
Manifesta, assim, a atualidade do magistério de Demolombe: A obrigação alimentar é, por sua natureza, variável e intermitente: variável, pois ela pode aumentar ou diminuir conforme as necessidades do credor ou os recursos do devedor; intermitente, pois ela pode segundo as mesmas causas, extinguir-se e renascer posteriormente. Sob tal aspecto, nada há de definitivo e imutável nessa matéria, seja quanto à apreciação das necessidades do credor, seja quanto às possibilidades do devedor; e mais, qualquer que tenha sido o modo como tenham sido fixados, por sentença ou mediante acordo; a qualquer tempo, as partes podem retornar a juízo demandando mudança, modificação ou liberação do encargo, sem que se possa argüir a coisa julgada ou a convenção anterior; a sentença ou a convenção são, de pleno direito, subordinadas à condição de que a situação se mantenha no mesmo estado, rebus sic stantibus (Dos Alimentos, 3. ed., São Paulo, Editora RT, 1998, p. 933).
Compulsando os autos, verifica-se que a apelante realmente não necessita da pensão do ex-marido para se manter, pois restou devidamente comprovado que é proprietária de um salão de beleza no qual exerce atividade de cabelereira, fato este que gera a possibilidade de exoneração da obrigação alimentar do apelado.
Ademais, muito embora a apelante negue em seu recurso que tenha constituído união estável, tentando desqualificá-la para um simples namoro, em sua contestação ela já havia admitido possuir novo companheiro, conforme consta à fl. 18:
Com relação ao novo companheiro L. F. L., este não tem salário fixo, nem carteira assinada, trabalha de forma informal, não lhe acrescentando em nada na economia doméstica (fl. 18).
Ora, nos termos do art. 1.708 do Código Civil, a constituição de nova união estável é causa de exoneração de alimentos, porque não seria justo obrigar o apelado a manter, ainda que indiretamente, o novo companheiro da apelante, uma vez que, como ela mesma sustentou, este não possui renda e não contribui para o orçamento doméstico, donde pode-se afirmar que vive às expensas da apelante.
A prova testemunhal coligida aos autos atestou tanto o fato de a apelante exercer a atividade remunerada de cabeleireira como a sua nova união, se não, vejamos:
[...] que faz uns dois anos que a requerida vive maritalmente com a pessoa de nome F.; que faz uns dois anos também que a requerida possui um salão de beleza; que o depoente freqüenta o salão da requerida; que é necessário marcar hora pois é bastante freqüentado [...] (fl. 56).
[...] que a requerida vive com outro homem de nome F.; [...] que faz uns dois anos que a requerida tem um salão de beleza; que o salão é bastante freqüentado [...] (fl. 57).
[...] que a requerida tem um salão de beleza; que faz aproximadamente 3 anos que a requerida tem este salão [...] (fl 59).
Portanto, deve ser afastada a obrigação alimentar do apelado, pois as provas contidas nos autos demonstram que a situação financeira da recorrente realmente é boa e não precisa mais de auxílio financeiro para a sua sobrevivência, pois, na separação, além de bens móveis, recebeu a importância de R$ 30.000,00 (trinta mil reais).
Ressalta-se que a pensão alimentícia só se justifica nos casos em que a mulher não tenha condições financeiras suficientes de se manter ou não possua capacidade laborativa, o que não é o caso dos autos, já que as provas colacionadas aos autos demonstram que a apelante encontra-se em plena atividade laboral.
Oportuna a lição de Marco Aurélio Viana sobre o tema:
Não vê justificativa alguma, frente à isonomia conjugal, que a separação judicial seja considerada profissão. Significa afirmar que, cada qual dos consortes tem um dever social de buscar pessoalmente a sua subsistência e com seu trabalho, prover o sustento cooperativo dos filhos por eles gerados. Sendo dever e não obrigação alimentar, a pensão é fixada segundo o princípio da razoabilidade, ou seja, em valores que atendam razoavelmente as necessidades do credor, sem recursos para o supérfluo e enquanto persistirem as razões alimentares (in Alimentos e sua restituição judicial, publicada na RJ 211, maio/95).
A jurisprudência predominante é pacífica no sentido de que a mulher com patrimônio próprio e apta para o trabalho não é credora de alimentos, ressaltando que o trabalho é obrigação pessoal e social de todo e qualquer cidadão hígido, devendo a mulher adulta e apta ao labor fazê-lo em seu próprio benefício.
Nesse sentido, já decidi:
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE REVISÃO DE PRESTAÇÃO ALIMENTÍCIA – EXONERAÇÃO DOS ALIMENTOS DESTINADOS À EX-ESPOSA – SAÚDE E APTIDÃO PARA O TRABALHO REMUNERADO – SITUAÇÃO DEMONSTRADA – OCIOSIDADE E PARASITISMO – VEDAÇÃO LEGAL – NECESSIDADE INDEMONSTRADA – OBRIGAÇÃO ALIMENTAR INEXISTENTE – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO (TJSC – Ap. Cív. n. 2004.025484-9, da Capital, de minha lavra, j. 9-12-04).
No mesmo sentido, colhe-se deste Tribunal:
DIREITO DE FAMÍLIA – REVISIONAL DE ALIMENTOS – VERBA ALIMENTAR – MULHER JOVEM E APTA AO TRABALHO – NECESSIDADE INDEMONSTRADA – AÇÃO IMPROCEDENTE NO JUÍZO A QUO – EXONERAÇÃO OU REDUÇÃO – LIMITE TEMPORAL – ISONOMIA CONSTITUCIONAL ENTRE HOMENS E MULHERES – VERBA ALIMENTAR REDUZIDA – EXONERAÇÃO ALIMENTÍCIA COM FIXAÇÃO DE PRAZO – SENTENÇA REFORMADA – RECURSO PROVIDO. Mulher jovem e apta ao trabalho não pode exigir pensão vitalícia do ex-marido, após separação judicial, sob pena de infração ao princípio da igualdade entre homens e mulheres, conforme art. 5º, I, da Constituição Federal. Porque o solidarismo jurídico deve estar em todas as relações, homens e mulheres devem exercer atividade econômica para o próprio sustento, devendo ser reduzida - com objetivo da criação de nova ideologia na comunidade familiar - verba alimentícia anteriormente estabelecida em separação judicial. Evitando-se repentina ruptura da ideologia patriarcal da família, com ofensa aos direitos das mulheres, fixa-se lapso temporal para o término das obrigações alimentares do ex-marido para a ex-consorte. Tendo a ex-esposa possibilidade econômica para se prover, acolhe-se o pedido do alimentante em ver-se desobrigado a prestar alimentos (TJSC – Ap. Cív. n. 2002.011522-9, de Chapecó, rel. Des. Monteiro Rocha, j. 20-3-2003).
ALIMENTOS. EX-ESPOSA JOVEM E SAUDÁVEL. EXONERAÇÃO APÓS 10 ANOS DE DIVÓRCIO. POSSIBILIDADE. TRATAMENTO IGUALITÁRIO. EXEGESE DO ART. 226, § 5º, DA CF. RECURSO DESPROVIDO. 'Com a chegada da Constituição de 1988, estatuindo a perfeita igualdade jurídica entre o marido e a mulher, os deveres conjugais passaram a correr tanto em mão como em contramão, podendo ser exercidos igualmente pelo homem e pela mulher (art. 226, § 5º), assim 'precisa a mulher se afastar e refugar a ultrapassada noção chauvinista de pretensos direitos de ser sustentada. Deve trabalhar como todos, presente a igualdade dos sexos constitucionalmente conquistada'. (Yussef Said Cahali). Para fazer jus a alimentos, não basta comprovar a possibilidade que tem o alimentante de prestá-los. Antes, deve restar demonstrada a necessidade do alimentado e o direito de recebê-los, sob pena de se transformar esse que é um dos mais nobres institutos do direito privado, em permanente e inesgotável fonte de renda e estímulo à ociosidade (TJSC – Ap. Cív. n. 1998.000117-0, da Capital, rel. Des. Francisco Borges, j. 8-4-1998).
Se mulher jovem e saudável pode trabalhar e prover o próprio sustento, não se pode transformar o instituto dos alimentos em permanente e inesgotável fonte de renda e estímulo à ociosidade (TJSC – Ap. Cív. n. 2000.012402-8, de Joinville, rel. Des. Nelson Schaefer Martins, 21-9-2000).
"ALIMENTOS. MULHER JOVEM E SAUDÁVEL QUE EXERCIA ATIVIDADE REMUNERADA ANTES DO CASAMENTO, O QUAL DUROU APENAS 6 (SEIS) MESES. NECESSIDADE NÃO DEMONSTRADA A CONTENTO. DESPROVIMENTO. A verba alimentar destina-se a prover o sustento daquele que não tem condições de se manter por si próprio. Inaceitável que se destine a incentivar o ócio de quem é jovem, saudável e com plenas condições de exercer atividade remunerada (TJSC – Ap. Cív. n. 2000.019615-0, de Laguna, rel. Des. Vanderlei Romer, j. 14-12-2000).
Desse modo, comprovado o exercício de atividade laboral pela apelante e as plenas condições de se manter sozinha, e, ainda, tendo-se em mente que "o instituto dos alimentos foi criado para socorrer os necessitados, e não para fomentar a ociosidade ou estimular o parasitismo" (Clóvis Beviláqua, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, vol. 1 - Edição histórica, Editora Rio, 1980, p. 866), mantém-se incólume a sentença objurgada.
Por fim, defiro o pedido de justiça gratuita formulado pela apelante.
DECISÃO
Nos termos do voto do Relator, a Segunda Câmara de Direito Civil decide, por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso.
Participaram do julgamento, os Exmos. Srs. Des. Monteiro Rocha e Luiz Carlos Freyesleben.
Florianópolis, 30 de agosto de 2007.
Mazoni Ferreira
PRESIDENTE E RELATOR
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Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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