EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. SEGURO DE AUTOMÓVEL. EMBRIAGUEZ. MORTE DO CONDUTOR. FILHO DO SEGURADO. NEGATIVA DA INDENIZAÇÃO. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO DO AUTOR. INCONFORMISMO FORMALIZADO. SÚPLICA PELO RECONHECIMENTO DE DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL QUE ACARRETA A INEXISTÊNCIA DO DEVER DE INDENIZAR. IMPERTINÊNCIA. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 768 DO CÓDIGO CIVIL. PRECEDENTES STJ. MANUAL DO SEGURADO CONTENDO HIPÓTESES PARA CONFIGURAÇÃO DO AGRAVAMENTO DO RISCO, QUE INCLUI, TAMBÉM, CONDUTA DO CONDUTOR. CLÁUSULA LIMITATIVA DO DIREITO DO SEGURADO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO.
O agravamento do risco ensejador da perda do direito ao seguro deve ser imputado à conduta direta do próprio segurado.
Todas as cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor, devem ser ostensivamente redigidas no pacto, de modo a lhe propiciar imediata e fácil compreensão de seu alcance. Inteligência do artigo 54, § 4º, do Código de Defesa do Consumidor.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível n.º 446.240-8, provenientes da 3ª Vara Cível da Comarca de Maringá, em que figura como apelante Bradesco Auto/RE Companhia de Seguros, sendo apelado Sebastião Feliciano Coelho.
RELATÓRIO.
Trata-se de recurso de apelação (fls. 118/129), interposto pela Bradesco Auto/RE Companhia de Seguros, em face da r. sentença de fls. 112/115, proferida nos autos sob n.º 242/2006, de ação de indenização. Parte dispositiva, in verbis:
"10. Ante o exposto, julgo parcialmente procedente a presente ação, declarando-a extinta com resolução de mérito, a fim de condenar a requerida a pagar ao requerente indenização securitária correspondente a 110% do valor do veículo sinistrado indicado pela tabela FIPE vigente na data do acidente, mais o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), devidos pela morte do condutor. Os valores deverão ser corrigidos desde a data do sinistro, e até a data do efetivo pagamento, pelo INPC/IBGE, e acrescidos de juros de mora de 1% ªm. (um por cento ao mês) desde a citação.
11. Considerando que o requerente sucumbiu em parte mínima de seu pedido, imponho os ônus da sucumbência integralmente à requerida, o que faço com fulcro no artigo 21, parágrafo único, do Código de Processo Civil, condenando-a, assim, ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como dos honorários advocatícios do patrono do requerente, estes últimos que arbitro em 15% (quinze por cento) do valor do débito, o que faço com fulcro no artigo 20, § 3º, do mesmo diploma legal. " (fls. 114/115)
Em suas razões recursais (fls. 118/129), narra a apelante que o recorrido propôs ação de indenização, pleiteando o recebimento de seguro, em decorrência de acidente de trânsito, no qual seu filho veio a falecer, em data de 10 de junho de 2005, este no valor d, este no valor de R$ 35.800,00 (trinta e cinco mil e oitocentos reais).
Esclarece a seguradora apelante que o Decreto-Lei n.º73/66 regulamenta as operações de seguro e que as cláusulas do seguro no caso vertente foram redigidas de maneira clara e permitindo sua fácil e imediata compreensão, estando, portanto, de pleno acordo com a legislação consumerista.
Ressalta que todas as cláusulas limitativas de direitos são previamente averiguadas e autorizadas pela SUSEP. Deste modo, não há que se falar em ilegalidade ou abusividade do ajuste, não existindo qualquer motivo plausível para a não aplicação de qualquer das cláusulas.
Destaca que, quando da celebração do pacto, o segurado, de forma livre e consciente, aderiu aos seus termos, ficando ciente sobre a exclusão da cobertura securitária para o caso de acidente de trânsito, em decorrência de total embriaguez do condutor do veículo segurado, restando incontroverso o fato de que o motorista do veículo segurado, Maycon Feliciano Coelho, dirigia ébrio o automóvel.
Deste modo, inexiste o dever de indenizar, eis que o condutor, que se encontrava com dosagem alcoólica muito acima da permitida, bateu o carro em circunstâncias que comprovam que a única causa do acidente foi a diminuição dos reflexos em virtude o abuso do álcool.
Assevera que conforme demonstrado é permitido nos contratos de adesão a existência de cláusula limitativa de direito e que, ao determinar que a embriaguez é risco excluído, a apelante nada mais fez do que delimitar um risco, não se podendo falar em ilegalidade.
Ambiciona o provimento do recurso, com a reforma do decisum, declarando improcedente a pretensão da apelada, com a inversão dos ônus de sucumbência.
Foram apresentadas contra-razões recursais às fls. 133/135, onde a apelada pugna pela manutenção in totum da r. decisão hostilizada.
Após, vieram-me os autos conclusos.
É o relatório.
VOTO.
Mostram-se presentes os pressupostos de admissibilidade intrínsecos (legitimidade, interesse, cabimento e inexistência de fato impeditivo e extintivo) e extrínsecos (tempestividade e regularidade formal), como condição irretorquível para o conhecimento do recurso.
Trata-se de ação de indenização proposta por Sebastião Feliciano Coelho, em desfavor de Bradesco Auto/RE Companhia de Seguros, em que pretende o pagamento de seguro referente a sinistro de veículo.
Narra o autor que, através da apólice n.º 424.481564/0001, contratou com a requerida seguro do veículo FIAT/STRADA FIRE CE, ano 2004, modelo 2005, placas AMB-2331 e que, nos termos da avença, em caso de sinistro do veículo, a indenização seria da ordem de 110% (cento e dez por cento) do valor do automóvel e mais R$ 5.000,00 (cinco mil reais) de indenização em caso de morte de cada passageiro.
Ocorre que, em 10 de junho de 2005, o veículo do segurado, quando era conduzido por seu filho Maycon Feliciano Coelho, foi sinistrado, sofrendo perda total, acarretando a morte de seu motorista.
Insurge-se a apelante com a r. decisão proferida, sob o fundamento de que o condutor do veículo estava embriagado no momento do acidente, ficando excluído, deste modo, o dever de indenizar, em decorrência de cláusula contratual.
A questão é por demais singela, não demandando maiores esforços.
De uma detida análise do caderno processual, apesar de toda a argumentação do patrono do apelante, melhor sorte não o socorre.
Cinge-se a controvérsia na verificação se a situação fática envolvendo o veículo sinistrado configura ou não agravamento de risco por parte da segurada, a ponto de exonerar a responsabilidade assumida pela seguradora.
Ocorre que, segundo entendimento desta Corte de Justiça e do e. Superior Tribunal de Justiça, o agravamento do risco, a ensejar a perda do direito ao seguro, deve ser imputado à conduta direta do próprio segurado.
No caso em exame, não há conduta direta do segurado que ensejasse o agravamento do risco, desencadeado por terceiro, condutor do veículo, que, pelo que se conclui do exame de corpo de delito (necroscópico) realizado acostado às fls. 16/17, apresentava embriaguez, pois o exame toxicológico se revelou positivo para álcool etílico, na concentração de 2,1 g/l (dois gramas e um decigrama por litro) de sangue.
Ocorre que, a cláusula contida do contrato de seguro, que é de adesão, e que prevê a exclusão do risco, se os prejuízos decorrerem da condução do veículo por pessoa "embriagada ou drogada" (fls 59), posta, assim, de forma genérica, não encontra guarida na orientação do Superior Tribunal de Justiça, nem no ordenamento jurídico vigente, pois que o artigo 768 do Código Civil prevê expressamente que "O segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato", o que, a toda evidência, não é o caso dos autos.
O citado preceito legal é bastante claro em estabelecer que a perda do direito por agravamento do risco do contrato ocorre quando o segurado agravar intencionalmente o contrato.
Importante destacar que, apesar do Manual do Segurado, juntado pelo apelante, em sua cláusula denominada "riscos excluídos no seu seguro - exclusões gerais" (fls. 59), isentar, expressamente, a seguradora da obrigação de indenizar caso haja agravamento do risco, inclusive pelo condutor do veículo segurado, referida cláusula deve ser considerada não escrita, vez que, não obstante limitar o direito do segurado/consumidor, não foi ostensivamente redigida no pacto, a fim de se permitir a sua imediata e fácil compreensão, nos moldes exigidos pelo Código de Defesa do Consumidor, artigo 54, §4º, mas, pelo contrário, está no meio de tantas outras, sem qualquer destaque.
A respeito do tema, brilhante o artigo da lavra do douto Procurador de Justiça, Nelson Santiago Reis, extraído do "site" da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor:
(...) A própria redação do contrato, principalmente quando do tipo de adesão, há de ser impressa em termos claros, em caracteres bem legíveis, que não cansem, não se admitindo o tipo de impressão em letra miúda, que dificulta a leitura e a compreensão. As cláusulas que impliquem em limitação ou alguma desvantagem ao consumidor, devem ser impressas em destaque (por exemplo, tipo maior e em "negrito"). Sem estas características, serão tidas como não escritas ou ineficazes, mesmo que tenham sido aceitas pelo consumidor, implícita ou explicitamente. São as regras do Art. 54, §§ 3º e 4º, que desdobram o Art. 46, em obediência aos princípios da boa fé e da transparência."
Nesse sentido é o seguinte aresto, do Superior Tribunal de Justiça:
SEGURO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. EMBRIAGUEZ. NEXO DE CAUSALIDADE. COMPROVAÇÃO. CLÁUSULA LIMITATIVA DO DIREITO DO CONSUMIDOR. DESTAQUE EM NEGRITO.
(...)
- Cláusula restritiva, contida em contrato de adesão, deve ser redigida com destaque a fim de se permitir, ao consumidor, sua imediata e fácil compreensão. O fato de a cláusula restritiva estar no meio de outras, em negrito, não é suficiente para se atender à exigência do artigo 54, §4º, do CDC.
- A lei não prevê - e nem poderia - o modo como tais cláusulas deverão ser redigidas. Assim, a interpretação do artigo 54 deve ser feita com o espírito protecionista, buscando sua máxima efetividade.
(STJ, REsp 774.035/MG, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, 3ª Turma, 21/11/06).
Saliente-se que a perda do direito ao recebimento do seguro é apenas para o caso do segurado adotar conduta imprópria, aumentando o risco e, assim, prejudicando o equilíbrio do pacto.
O Superior Tribunal de Justiça, já se manifestou sobre o assunto, entendendo inocorrente o agravamento do risco quando ausente conduta direta e culposa do próprio segurado, verbis:
"DIREITO CIVIL. SEGURO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. TERCEIRO CONDUTOR. EMBRIAGUEZ. AGRAVAMENTO DO RISCO. Firme o entendimento desta Corte de que o agravamento do risco ensejador da perda do direito ao seguro deve ser imputado à conduta direta da própria segurada. Recurso especial conhecido e provido". (STJ, RESP 578290/PR, Quarta Turma, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, pub. 14/06/04).
"DIREITO CIVIL. SEGURO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. CULPA DO PREPOSTO DA SEGURADA. EMBRIAGUEZ. AGRAVAMENTO DO RISCO. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE CONDUTA DIRETA E CULPOSA DA EMPRESA SEGURADA. ART. 1.454, CÓDIGO CIVIL. PRECEDENTES. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. RESTABELECIMENTO DA SENTENÇA. RECURSO PROVIDO.Na linha da orientação firmada por este Tribunal, a culpa exclusiva de preposto na ocorrência de acidente de trânsito, por dirigir embriagado, não é causa de perda do direito ao seguro, por não configurar agravamento do risco, previsto no art. 1.454 do Código Civil, que deve ser imputado à conduta direta do próprio segurado". (STJ, REsp 192347/RS, Quarta Turma, Relator Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, pub. 24/05/99).
Da mesma forma, já decidiu este areópago:
"...4- Segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, o agravamento do risco, a ensejar a perda do direito ao seguro, deve ser imputado à conduta direta do próprio segurado" (Apelação Cível n. 336.290-3, Relator Des. Luiz Lopes).
"SEGURO. COBRANÇA. ACIDENTE EM RODOVIA. EMBRIAGUEZ. MORTE DO CONDUTOR. FILHO DO SEGURADO. RECUSA DA SEGURADORA AO PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO. AGRAVAMENTO DO RISCO NÃO CONFIGURADO. O agravamento do risco em decorrência de embriaguez do condutor do veículo, capaz de justificar a perda do direito ao recebimento do seguro, deve ser imputado à conduta direta do próprio segurado.APELAÇÃO NÃO PROVIDA". (Apelação Cível n. 355.327-7, Relator Des. Nilson Mizuta).
"RESPONSABILIDADE CIVIL - SEGURO-AUTOMÓVEL - VEÍCULO CONDUZIDO PELO FILHO DA SEGURADA, MAIOR E HABILITADO - ALEGAÇÃO DE AGRAVAMENTO DO RISCO, DEVIDO À EMBRIAGUEZ DO CONDUTOR - CIRCUNSTÂNCIA QUE, POR SI SÓ, NÃO ENSEJA EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA, PREVISTA NO CONTRATO - PRECEDENTES DO STJ - RECURSO DESPROVIDO". (TJPR - 8ª Câmara Cível - Apelação Cível nº 0320127-8 - Rel. Des. Miguel Kfouri Neto - Julg. 12/01/2006).
"AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO DE AUTOMÓVEL. PERDA DE DIREITO AO PRÊMIO. CONDUÇÃO DO AUTOMÓVEL POR TERCEIRO. SUPOSTA EMBRIAGUEZ. INEXISTÊNCIA DE AGRAVAMENTO DE RISCO. FALTA DE PROVA ROBUSTA. COBERTURA SECURITÁRIA DEVIDA. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 1454 DO CÓDIGO CIVIL. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. "Na linha da orientação firmada por este Tribunal, a culpa exclusiva do condutor do veículo segurado na ocorrência de acidente de trânsito, por dirigir embriagado, não é causa de perda do direito ao seguro, por não configurar agravamento do risco, previsto no art. 1.454 do Código Civil, que deve ser imputado à conduta direta do próprio segurado". (STJ - RES 223119/MG, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Texeira, Quarta Turma, julg. 25.10.1999)". (TJPR - Nona Câmara Cível (extinto TA) - Apelação Cível nº 0236613-4 - Rel. Des. Wilde de Lima Pugliese - Julg. 16/09/2003).
Assim, se o condutor do veículo de propriedade do segurado agiu com culpa para a eclosão do evento, essa conduta não pode ser imputada ao apelado para obstaculizar o pagamento da indenização eis que não criou de modo direto e suficiente uma situação de maior risco. Eventual culpa de terceiro condutor não é suficiente para justificar a perda do direito ao recebimento do montante devido.
O segurador somente se exonerará da obrigação caso demonstrar que o próprio segurado, no ato de confiar àqueles terceiros o uso ou a guarda da coisa, teve um comportamento lastreado de dolo ou culpa grave. Tal fato, entretanto, não ficou comprovado nos autos.
Destarte, voto pelo não provimento à apelação cível interposta, mantendo-se in totum a sentença hostilizada.
DISPOSITIVO:
ACORDAM os Desembargadores integrantes da Oitava Câmara Cível, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso, nos termos do voto do relator.
Participaram do julgamento os Excelentíssimos Desembargadores Carvílio da Silveira Filho (Presidente com voto) e João Domingos Kuster Puppi.
Curitiba, 17 de janeiro de 2008.
GUIMARÃES DA COSTA
Desembargador Relator
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, TJPR - Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. TJPR - Civil. Contratos. Seguro de automóvel. Agravamento do risco. Embriaguez. Morte do condutor. Filho do segurado. Negativa da indenização. Procedência do pedido do autor Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 jan 2010, 08:10. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/jurisprudências/19171/tjpr-civil-contratos-seguro-de-automovel-agravamento-do-risco-embriaguez-morte-do-condutor-filho-do-segurado-negativa-da-indenizacao-procedencia-do-pedido-do-autor. Acesso em: 25 nov 2024.
Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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