EMENTA: TRIBUTÁRIO - EXECUÇÃO FISCAL - IPVA - ILEGITIMIDADE PASSIVA - ALIENAÇÃO DO VEÍCULO ANTERIOR AO FATO GERADOR DO IMPOSTO - AUSÊNCIA DE REGISTRO NO ÓRGÃO DE TRÂNSITO - IRRELEVÂNCIA - TRIBUTO QUE RECAI SOBRE A PROPRIEDADE DE VEÍCULO AUTOMOTOR, CUJA TRANSFERÊNCIA SE OPERA COM A MERA TRADIÇÃO - EXISTÊNCIA DE PROVAS ACERCA DA VENDA - DESPROVIMENTO DO RECURSO.
O fato gerador do IPVA é a propriedade de veículo automotor, cuja transferência se opera pela tradição, por inteligência do art. 620 do CC/1916. Dessa forma, a falta de comunicação ao órgão de trânsito acerca da alienação do veículo é irrelevante para a responsabilidade tributária, constituindo mera formalidade administrativa, razão pela qual deve o adquirente arcar com o tributo.
"O antigo Código de Trânsito (Lei n. 5.010/66) não impunha ao vendedor o ônus de comunicar a transferência da propriedade do bem, tal como atualmente exige o art. 134, do Código de Trânsito Brasileiro. Daí que, comprovada documentalmente a venda, ao adquirente fica carreada a responsabilidade pela imposição tributária" (TJSC, ACMS n. 2003.002897-8, Rel. Des. Newton Janke).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2006.005559-1, da Comarca de Palmitos (Vara Única), em que é apelante o Estado de Santa Catarina e apelado Diclei Antônio Diniz:
ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Público, por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso.
Custas na forma da lei.
I -RELATÓRIO
Na Comarca de Palmitos, Diclei Antônio Diniz ajuizou embargos à execução fiscal proposta pelo Estado de Santa Catarina, que buscava o pagamento de IPVA referente ao veículo GM/Monza SL/E 2.0, ano de fabricação 1991, placa PJ1111, inscrito no Renavam sob número 553697277, quanto aos anos de 1998, 1999, 2000, 2001, 2002.
Sustentou sua ilegitimidade passiva na demanda executiva, porquanto teria vendido seu automóvel em 16-6-93 para Edson Nigri, de quem o crédito executado deveria ser cobrado.
Defendeu que a alienação o exonera de quaisquer responsabilidades, ainda que não transcrito no registro público o instrumento de venda, uma vez que o domínio se transfere pela simples tradição e a responsabilidade de alteração seria atribuição do comprador.
Requereu a extinção da execução fiscal sem julgamento do mérito, nos termos dos arts. 267, VI, e 301, X, do CPC, ou, alternativamente, a procedência do pedido e a desconstituição da penhora efetuada.
O Estado apresentou impugnação aos embargos, defendendo a legitimidade passiva do executado, que teria sido corretamente notificado, uma vez que seu nome continuava registrado no órgão responsável, mesmo após a alienação, razão pela qual não poderia beneficiar-se de sua própria inércia, por inteligência do art. 134 do CTB.
Argüiu, ainda, que o embargante não teria providenciado elementos que pudessem anular a CDA e, tampouco, afastar sua responsabilidade sobre o IPVA lançado, devendo o feito ser julgado improcedente.
A embargante manifestou-se acerca da impugnação à fl. 31.
Decidindo antecipadamente, o MM. Juiz julgou procedentes os embargos e extinguiu a execução fiscal, com fulcro no art. 269, I, do CPC.
Inconformado com o desfecho dado à lide, o Estado interpôs apelação cível, repisando os argumentos da contestação, de legitimidade passiva do executado, pelo que requer a reforma do decisum para que se prossiga a execução fiscal até a satisfação do crédito.
Não foram apresentadas contra-razões.
Subiram os autos a este egrégio Tribunal, vindo conclusos.
II -VOTO
Não comporta provimento o presente recurso.
A Constituição Federal de 1988 autoriza o Estado a instituir Imposto sobre a Propriedade de Veículo Automotor (art. 155, inciso III).
Em obediência ao comando da norma constitucional, através da Lei Estadual n. 7.543, de 30.12.1988, o Estado de Santa Catarina instituiu o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), que, como não poderia deixar de ser, incide sobre a propriedade de veículo automotor, como se vê nos arts. 1º a 3º adiante transcritos:
"Art. 1º - Fica instituído o imposto sobre a propriedade de veículos automotores - IPVA.
"Art. 2º - O imposto sobre a propriedade de veículos automotores tem como fato gerador a propriedade, plena ou não, de veículos automotores de qualquer espécie.
"Parágrafo único - Considera-se ocorrido o fato gerador:
"I - na data da aquisição, em relação a veículos nacionais novos;
"II - na data do desembaraço aduaneiro, em relação a veículos importados;
"III - no dia 1º de janeiro de cada ano, em relação a veículos adquiridos ou desembaraçados em anos anteriores.
"Art. 3º - É contribuinte do IPVA o proprietário do veículo automotor.
"§ 1º - São responsáveis pelo pagamento do imposto dos acréscimos legais:
"I - o adquirente ou remitente do veículo automotor, quanto aos débitos do proprietário ou proprietários anteriores;
"II - o fiduciante ou possuidor direto, em relação ao veículo automotor objeto de alienação fiduciária em garantia;
"III - a empresa detentora da propriedade, no caso de veículo cedido pelo regime de arrendamento mercantil.
"§ 2º - São solidariamente responsáveis pelo pagamento do imposto e dos acréscimos devidos às pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal."
Sustenta o Estado de Santa Catarina que o proprietário do veículo, para fim de tributação, é aquele que consta como tal no registro do DETRAN. Ocorre que muitas vezes o veículo continua registrado na repartição de trânsito em nome de alguém que já o vendeu a terceiro, que por algum motivo deixou de promover a transferência daquele cadastro para o seu nome. Daí a necessidade de se estabelecer quem seja o proprietário a que se referem a Constituição e a legislação tributária, para saber quem é o sujeito passivo da obrigação tributária relativa ao IPVA, ou seja, se é realmente aquele em cujo nome permanece o registro ou se é o adquirente.
Dúvida não há de que, na vigência do Código Civil de 1916, em que ocorreu o negócio jurídico entre o embargante e o comprador do veículo, conforme o disposto no art. 620, "o domínio das coisas não se transfere pelos contratos antes da tradição". E a tradição feita com a intenção de transferir em definitivo, é um dos modos de aquisição da propriedade de bens móveis, por ato entre vivos. O art. 1.267, do Código Civil de 2002, repete essa disposição: "A propriedade das coisas não se transfere pelos negócios jurídicos antes da tradição".
Segue-se que a transmissão da propriedade de veículo automotor, bem móvel que é, se dá com a tradição e não com o registro no órgão de trânsito.
Nesse sentido é a orientação jurisprudencial:
"O certificado de registro de veículo não é essencial ao aperfeiçoamento do contrato de compra e venda nem constitui prova de domínio, pois tem a finalidade de centralizar o controle dos veículos automotores para o efeito de identificação e responsabilidade pelos tributos e infrações relativas ao trânsito" (TJSC, Apelação Cível n. 41.631, de Joinville, Rel. Des. Wilson Guarany).
"Na compra e venda de veículo, o negócio jurídico se perfectibiliza com a tradição da coisa, ainda que não registrada a transferência na repartição de trânsito" (TJSC, Apelação Cível n. 97.001262-4, Rel. Des. Pedro Manoel Abreu).
Ainda:
"Aperfeiçoada a transferência do domínio de bem móvel com a tradição a terceiro de boa-fé, despicienda a falta de registro do contrato de compromisso de compra e venda no Cartório de Títulos e Documentos" (TJSC, Apelação Cível n. 47.374, de Brusque, Rel. Des. Paulo Gallotti).
E mais:
"O registro do veículo no Departamento de Trânsito vale como presunção de propriedade, implicando na transferência do domínio, independentemente da tradição. Tal presunção, porém, pode ser elidida com a prova da venda do veículo a terceiro, acompanhada de sua tradição. Assinale-se que a mudança de nome no registro de trânsito é providência que cabe ao comprador e não ao vendedor, e não tem sentido que este seja responsabilizado por omissão daquele" (STF, RE n. 83.360-PR, Rel. Min. Cunha Peixoto, RTJ 84/929).
O art. 120, do Código de Trânsito Brasileiro determina que "todo veículo automotor, elétrico, articulado, reboque ou semi-reboque, deve ser registrado perante o órgão executivo de trânsito do Estado ou do Distrito Federal, no Município de domicílio ou residência de seu proprietário, na forma da lei". Vale dizer: o registro é do veículo e não do proprietário, embora deva constar o nome deste, obviamente, para atrelar aquele a alguém.
O mesmo Diploma prevê que, no caso de transferência da propriedade, o novo proprietário, ou seja, o adquirente a quem foi dada a tradição do veículo, terá o prazo de trinta dias para pleitear a expedição de novo certificado em seu nome (art. 123, inciso I, e § 1º). Significa que a responsabilidade pela alteração do registro do veículo no que tange ao nome do proprietário, é do adquirente e não do vendedor.
Idêntica conclusão se tira do disposto na Lei Estadual n. 7.543, de 30/12/1988, que instituiu o imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA), e em seu art. 12 preceitua que "no caso de aquisição de veículo automotor, novo ou usado, o proprietário deverá regularizar a transferência junto ao órgão oficial competente e junto à Secretaria de Estado da Fazenda, no prazo de 30 (trinta) dias, contados da data da transmissão da propriedade."
A regra do art. 134, do Código de Trânsito Brasileiro, no sentido de que "no caso de transferência da propriedade, o proprietário antigo deverá encaminhar ao órgão executivo de trânsito do Estado, dentro de um prazo de trinta dias, cópia autenticada do comprovante de transferência da propriedade", não existia à época da tradição retratada nestes autos, ou seja, em junho de 1993, já que o Código de Trânsito Brasileiro se consubstanciou na Lei n. 9.503, de 23.09.1997, que só entrou em vigor em janeiro de 1998. Norma idêntica não existia no revogado Código Nacional de Trânsito. Portanto, à época dos fatos, não tinha o embargante a obrigação de comunicar ao DETRAN a ocorrência da transferência da propriedade do seu automóvel.
Ademais, Arnaldo Rizzardo explica que a comunicação de que trata o art. 134, do Código de Trânsito Brasileiro, refere-se apenas às multas de trânsito e o artigo nada menciona acerca do pagamento dos impostos. O autor ainda esclarece que se estiver devidamente comprovada a transferência do veículo, a responsabilidade pelo pagamento da infração, ou a responsabilidade civil por danos causados pelo veículo, será do comprador/adquirente, e não do antigo proprietário, mesmo que omitida a comunicação de transferência de propriedade ao órgão de trânsito competente, conforme segue:
"A obrigatoriedade de comunicação ao órgão de trânsito impõe-se para fins não apenas de atualização de cadastros, mas especialmente para firmar a responsabilidade pelas combinações por infrações. Segundo o texto da lei, unicamente as penalidades (multas) serão exigidas do antigo proprietário. Nada consta no tocante ao imposto. Entrementes, uma vez formalizada a comunicação, com a decorrente averbação perante o registro, a exigibilidade ocorrerá junto ao adquirente, a menos que prove este não corresponder à realidade da transferência.
"Inclusive no pertinente à responsabilidade civil por danos causados pelo veículo restará definida com aquela providência: o adquirente responderá pelo ressarcimento. Se bem que, nesta parte, mesmo que omitida a medida, e uma vez bem provada a transferência, a indenização recairá no comprador ou adquirente. A omissão de registro não implica invalidade do negócio. Implica somente maior discussão quanto à credibilidade do documento, em relação a terceiros, como vastamente vêm afirmando a doutrina e a jurisprudência. Salienta-se que a regra tem efeitos mais administrativos, não podendo dirimir questões de responsabilidade civil" (in Comentário ao código de trânsito brasileiro. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 334/335).
É verdade que, segundo o art. 123, do Código Tributário Nacional, "salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes".
Contudo, o que se há de considerar não é a existência de um negócio jurídico efetuado entre as partes para exonerar alguém da responsabilidade pelo pagamento de um tributo, e sim a transferência da propriedade móvel por intermédio da tradição, que altera o sujeito passivo da obrigação tributária referente ao IPVA, pelo motivo de que tal imposto só pode incidir sobre a "propriedade de veículo automotor". Então, só o proprietário pode ser sujeito passivo desse tributo, embora outras pessoas também possam ser tidas como responsáveis solidárias como, por exemplo, o próprio adquirente que se responsabiliza pelo imposto não recolhido pelo proprietário anterior (art. 3º, § 1º, I, da Lei Estadual n. 7.543/88).
Portanto, estando demostrada nos autos a venda e a tradição do bem móvel, perfectibilizou-se o negócio jurídico e a efetiva transmissão da propriedade, de modo que o vendedor se exonera das obrigações tributárias referentes ao veículo desde o momento da sua venda, transferindo-as para o novo adquirente, que se responsabiliza, inclusive, pelos débitos anteriores relativos aos tributos.
Não poderia o Estado de Santa Catarina, portanto, ter expedido certidão de dívida ativa no nome do embargante, o qual, através dos documentos de fls. 8 a 10 (declaração de imposto de renda), comprovou a alienação de seu veículo automotor no ano de 1993.
Neste sentido posiciona-se nosso Tribunal:
"TRIBUTÁRIO. IPVA. ALIENAÇÃO DE VEÍCULO DEVIDAMENTE COMPROVADA. NEGÓCIO REALIZADO SOB A VIGÊNCIA DO ANTIGO CÓDIGO DE TRÂNSITO. INAPLICABILIDADE DO ART. 134 DO CTB. DÉBITO DE RESPONSABILIDADE DO ADQUIRENTE.
"O fato gerador do IPVA é a propriedade de veículo automotor, cuja transferência, tratando-se de coisa móvel, opera-se pela tradição.
"O antigo Código de Trânsito (Lei n. 5.010/66) não impunha ao vendedor o ônus de comunicar a transferência da propriedade do bem, tal como atualmente exige o art. 134, do Código de Trânsito Brasileiro. Daí que, comprovada documentalmente a venda, ao adquirente fica carreada a responsabilidade pela imposição tributária" (TJSC, Apelação Cível em MS n. 2003.002897-8, de Blumenau. Rel. Des. Newton Janke).
"TRIBUTÁRIO - EXECUÇÃO FISCAL - IPVA - ALIENAÇÃO DO AUTOMÓVEL - AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÃO AO DETRAN - FATO IRRELEVANTE - RESPONSABILIDADE DO ADQUIRENTE - MUDANÇA DA PROPRIEDADE DO BEM MÓVEL QUE SE EFETIVA COM A TRADIÇÃO DO VEÍCULO.
"O IPVA tem como fato gerador a propriedade do automóvel (Lei Estadual n. 7.543/88, art. 2º).
"Logo, a ausência de comunicação ao DETRAN da alienação de automóvel não interfere na responsabilidade tributária do adquirente, pois constitui mera formalidade administrativa, uma vez que a venda dos bens móveis se torna perfeita com a tradição.
"Assim, a partir da entrega do veículo, o novo proprietário está obrigado pelo pagamento do IPVA gerado após a compra do bem" (TJSC, Apelação Cível n. 2004.024499-1, de Lages, Rel. Des. Volnei Carlin).
Pelo exposto, reconhece-se a nulidade da CDA apresentada, por ilegitimidade passiva do devedor indicado, merecendo a sentença objurgada ser mantida, daí porque se nega provimento ao recurso.
III -DECISÃO
Nos termos do voto do Relator, a Câmara decidiu, por votação unânime, negar provimento ao recurso.
Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Exmos. Srs. Desembargadores Francisco Oliveira Filho e Cid Goulart.
Florianópolis, 29 de agosto de 2006.
Francisco Oliveira Filho
PRESIDENTE COM VOTO
Jaime Ramos
RELATOR
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, STJ - Superior Tribunal de Justiça. TJSC - Tributário. Execução fiscal. IPVA. Ilegitimidade passiva. Alienação do veículo anterior ao fato gerador do imposto. Ausência de registro no órgão de trânsito. Irrelevância Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 jul 2010, 11:19. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/jurisprudências/20481/tjsc-tributario-execucao-fiscal-ipva-ilegitimidade-passiva-alienacao-do-veiculo-anterior-ao-fato-gerador-do-imposto-ausencia-de-registro-no-orgao-de-transito-irrelevancia. Acesso em: 24 nov 2024.
Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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