- Acórdão: Apelação Cível n. 2006.016829-0, de Chapecó.
- Relator: Des. João Henrique Blasi.
- Data da decisão: 26.03.2008.
- Publicação: DJSC Eletrônico n. 438, edição de 08.05.2008, p. 102.
EMENTA: APELAÇÃO. AÇÃO MONITÓRIA. NOTAS PROMISSÓRIAS. CESSÃO DE CRÉDITO. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO DO DEVEDOR. APLICABILIDADE DO ESTATUÍDO NO ARTIGO 292 DO CÓDIGO CIVIL, PELO QUAL O DEVEDOR NÃO NOTIFICADO FICA DESOBRIGADO DE PAGAR AO CREDOR CESSIONÁRIO, SE CUMPRIU A OBRIGAÇÃO PERANTE O CREDOR PRIMITIVO. RECURSO PROVIDO EM VIRTUDE DO ADIMPLEMENTO OBRIGACIONAL.
Positivado que o devedor, por não haver sido notificado da cessão de crédito, adimpliu a obrigação perante o credor originário, como vinha fazendo mês-a-mês, desonerado está de fazê-lo novamente para o credor cessionário, em face do disposto no art. 292 do Código Civil.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2006.016829-0, da comarca de Chapecó (2ª Vara Cível), em que é apelante Wilson Frigeri e apelado Aparício Lopes da Silva:
ACORDAM, em Quarta Câmara de Direito Comercial, por unanimidade, conhecer do Recurso e dar-lhe provimento. Custas legais.
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta por Wilson Frigeri (representado pelo advogado André Balbinot), em que requer a reforma da decisão proferida pelo juiz Edir Josias Silveira Beck, que constituiu em títulos executivos judiciais, no valor de R$ 15.746,31 (quinze mil, setecentos e quarenta e seis reais e trinta e um centavos), os documentos de fl. 8, substanciados por notas promissórias, que instruem a ação monitória movida por Aparício Lopes da Silva (representado pelos advogados Dario Bueno e Zilá Büchele) – (sentença, fls. 70 a 72).
Alega o apelante, em suma, que as notas promissórias em tela não constituem títulos de crédito, por faltarem-lhes requisitos essenciais, que foram emitidas em favor de terceiro (Silvestre Frigeri), e, sobretudo, que foram pagas mediante depósitos bancários.
Estranha, por isso, a cessão de crédito levada a efeito, da qual não foi notificada, máxime porque representam, as notas promissórias, as três últimas parcelas de um total de quarenta, que, como anotado, foram adimplidas e da mesma forma que as anteriores.
Pugna, assim, pelo provimento do recurso, para reconhecer-se que a cessão de crédito não gerou efeitos em relação a ele (apelante), até porque satisfez a dívida, ou, na pior das hipóteses, que o valor devido seja mitigado, observadas as proporções do doc. de fls. 9 a 11 – (contrato de composição de dívida) – (razões, fls. 75 a 81).
Em contra-razões, o apelado postula o desprovimento do recurso (fls. 86 a 89).
Os autos vieram-me conclusos.
É, em epítome, o relatório.
VOTO
Infere-se, no essencial, que Silvestre Frigeri, terceiro não integrante da relação processual angularizada nestes autos, firmou "contrato particular de composição extrajudicial de dívida com compromisso de dação de bens em pagamento" com Aparício Lopes da Silva, autor/apelado (fls. 09 a 11), cedendo a este o crédito que mantinha com Wilson Frigeri (reú/apelante), representado por seis notas promissórias, com vencimento em 13/11/2001, 13/12/2001, 13/01/2002, 13/02/2002, 13/03/2002 e em 13/04/2002 (fl. 09, cláusula III).
Sucede que o devedor/apelante, emitente das notas promissórias em tela, não foi notificado da reportada cessão de crédito, tanto que não interveio no contrato em que a mesma foi pactuada, fato que, por via conseqüencial, não pode ter repercussão no tocante a ele (recorrente).
Faz-se plenamente aplicável o estipulado no art. 292 do Código Civil, verbis:
Art. 292. Fica desobrigado o devedor que, antes de ter conhecimento da cessão, paga ao credor primitivo [...]
Também tem incidência o consignado no art. 290 do mesmo Codex:
Art. 290. A cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada; mas por notificado se tem o devedor que, em escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita.
Além disso, no plano fático, está patenteado que o apelante efetuou o pagamento referente às notas promissórias objeto da actio mediante depósitos bancários em favor de Silvestre Frigeri, credor originário cedente (fls. 26 a 28), e o fez da mesma forma como implementou anteriormente todas as demais notas promissórias (fls. 37 a 54).
Desse modo, reversamente ao argüido pelo apelado, não vinha o apelante realizando o pagamento das notas promissórias como se houvesse sabido da cessão do crédito. Aliás, não há prova alguma de que dela tenha sido ele notificado, incumbência que cabia ao autor, ex vi do art. 333, I, do CPC.
Apresenta-se desimportante, por outro vértice, que as notas promissórias não tenham sido emitidas nominalmente, mas ao portador, haja vista que, para o devedor apelante, era o credor originário quem as portava e quem recebia, mensalmente, por vários anos, consigne-se, o pagamento a elas referente.
Não se poderia imputar ao apelante o exercício de poderes de adivinhação para pagar as notas promissórias diretamente ao cessionário, se da cessão notificado não foi.
Portanto, sem a imprescindível notificação acerca da cessão do crédito emoldurado, não há como o cessionário apelado exigir do apelante o cumprimento da obrigação, agora em seu favor.
Insta mencionar que a referida notificação tanto poderia ser realizada pelo cedente, quanto pelo cessionário (o ora apelado), tendo este, por óbvio, maior interesse em sua efetivação.
É elucidativo o escólio de Carlos Roberto Gonçalves:
Qualquer dos intervenientes, cessionário ou cedente, tem qualidade para efetuar a notificação, que pode ser judicial ou extrajudicial. Mas o maior interessado é o cessionário, pois o devedor ficará desobrigado se, antes de ter conhecimento da cessão, pagar ao credor primitivo (CC, art. 292). Se não foi notificado, a cessão é inexistente para ele, e válido se tornará o pagamento feito ao cedente. (In, Direito das obrigações: parte geral. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2006 – Coleção Sinopses Jurídicas; v. 5. p. 54).
Assim, diante do explicitado, conclui-se que é perfeitamente válido o pagamento das notas promissórias juntadas à fl. 08, mediante depósito bancário em favor de Silvestre Frigeri, credor primitivo da obrigação.
Nesse sentido, colhe-se da jurisprudência:
A exigência de se notificar o devedor da cessão do crédito, consubstanciada pelo art. 1.069 do Código Civil, visa protegê-lo de adimplir duas vezes a mesma dívida. Assim, se o devedor, não notificado da cessão, paga ao cedente e não ao cessionário, exonera-se da obrigação, como dispõe o artigo 1.071 do Código Civil (AC n. 2000.009174-0, de Blumenau, rel. Des. Pedro Manoel Abreu)
De conseguinte, é insuscitável, a desfavor do apelante, o vetusto, mas sempre atual aforismo, segundo o qual "quem paga mal, paga duas vezes", porque, no caso dos autos, o devedor "pagou bem", vale dizer, pagou a quem vinha recebendo usualmente, dada a ausência de notificação alusiva à transferência do crédito.
Eis as razões pelas quais o recurso sob exame deve ser abroquelado, anotando-se, em remate, que nada obsta a que o apelado, pela via própria, demande o cedente.
DECISÃO
Ante o exposto, por votação unânime, dá-se provimento ao recurso, reformando-se a sentença apelada, para julgar improcedente a ação, invertendo-se os ônus da sucumbência.
O julgamento, realizado em 25 de março de 2008, foi presidido pelo Exmo. Sr. Desembargador Lédio Rosa de Andrade, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Desembargador José Inácio Schaefer.
Florianópolis, 26 de março de 2008.
João Henrique Blasi
RELATOR
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