EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE EXISTÊNCIA DE UNIÃO ESTÁVEL. FALECIMENTO DO COMPANHEIRO. PEDIDO PARA PERMANÊNCIA NA POSSE E ADMINISTRAÇÃO DOS BENS DO DE CUJUS. TUTELA DEFERIDA À COMPANHEIRA. IRRESIGNAÇÃO DA FILHA MENOR DO FALECIDO. ALEGAÇÃO DE USO DESORDENADO DO ESPÓLIO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. RECURSO DESPROVIDO.
Cuidando-se de demanda ajuizada com o fito de ver declarada a existência de união estável contra a filha menor do primeiro casamento do companheiro falecido, pode o magistrado, ante prova razoavelmente convincente, antecipar parte da tutela e permitir que a companheira permaneça na posse da administração dos bens adquiridos na constância da união estável.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n. 2003.029238-1, da comarca da Capital / Estreito (Vara da Família, Órfãos e Sucessões), em que é agravante C. V. dos S., e agravada L. H. M.:
ACORDAM, em Quarta Câmara de Direito Civil, por votação unânime, conhecer do recurso, negando-lhe provimento. Custas de lei.
RELATÓRIO
C. V. dos S., representada por sua mãe S. M. V., interpôs agravo de instrumento em face de decisão proferida pelo Juiz da Vara da Família, Órfãos e Sucessões da comarca da Capital/Estreito, nos autos de ação declaratória de existência de união estável n. 082.03.000807-9, ajuizada por L. H. M., a qual deferiu pedido de tutela antecipada à agravada (fls. 154/163).
Salienta-se, por oportuno, que C. V. dos S. é filha do de cujus com S.M.V., fruto de casamento findo no ano de 1999. E, em sede de agravo, insurge-se contra a nomeação da atual companheira do falecido para permanecer na posse e figurar como administradora provisória do espólio.
A agravante aduziu, em síntese, que: a) a agravada declinou o endereço de sua residência como se fosse do falecido (fl. 04); b) aquela afirmou, de modo mendaz, que os bens imóveis, veículo, dinheiro em depósito e ações, foram adquiridos durante a união estável (fl. 04); c) as despesas médicas e hospitalares, bem como as despendidas com a missa de 7° dia, foram pagas pelo irmão do falecido e não pela suposta companheira (fl. 04); d) "não há provas consistentes de que esta tenha contribuído no aumento patrimonial de João Antonio dos Santos Filho" (fl.12); e, e) a medida deferida está prejudicando o direito da menor, visto que a recorrida está fazendo uso indiscriminado dos bens do de cujus e dos lucros provenientes destes (fl. 12) .
Requereu, ao final: I) a concessão dos "efeitos suspensivo e devolutivo ao presente AGRAVO DE INSTRUMENTO, determinando a suspensão da decisão agravada" (fl. 13); e, II) o "integral provimento ao presente Agravo de Instrumento para revogar definitivamente a decisão agravada" (fl. 13).
O pedido de efeito suspensivo foi negado (fls. 242/243).
Não houve contra-razões (fl. 246).
O Ministério Público se manifestou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (fls. 250/256).
É o sucinto relatório.
VOTO
Admito o reclamo, mas penso que razão não assiste à agravante.
Cumpre destacar, de início, que a controvérsia do presente caso cinge-se à nomeação da agravada, pela decisão hostilizada, antecipadora de tutela, para permanecer na posse e administração dos bens comuns adquiridos por ela e seu extinto companheiro J.A.S.F.
Ora, sendo cediço que a Constituição Federal reconhece como entidade familiar a união estável entre homem e mulher (artigo 226, § 3°), constata-se, da análise do caderno processual, que a agravada mantinha um relacionamento estável com o falecido por alguns anos — oito, segundo a recorrente —. E que, durante esse período, residiam na casa de propriedade daquela, dividindo, inclusive, as despesas de mútua mantença.
Tais fatos, por certo, demonstram a convivência pública, contínua e duradoura do casal, com o objetivo de constituir família — requisitos indispensáveis para o reconhecimento da união estável — motivo que levou o Julgador a deferir, em favor da agravada, a antecipação de tutela enfocada.
Baseou-se o Magistrado, para tanto, nas disposições do art. 1.797 do Código Civil vigente, o qual estatui uma ordem de preferência para a nomeação de administrador provisório, a saber:
I - ao cônjuge ou companheiro, se com o outro convivia ao tempo da abertura da sucessão;
II - ao herdeiro que estiver na posse e administração dos bens, e, se houver mais de um nessas condições, ao mais velho;
III - ao testamenteiro;
IV - a pessoa de confiança do juiz, na falta ou escusa das indicadas nos incisos antecedentes, ou quando tiverem de ser afastadas por motivo grave levado a conhecimento do juiz (grifo nosso).
Note-se, neste contexto, que o aludido dispositivo legal contempla a administração do espólio, primeiramente, ao cônjuge ou companheiro que conviveu com o falecido ao tempo da abertura da sucessão (inciso I), e apenas secundariamente (inciso II) ao herdeiro na posse e administração dos bens.
Ocorre que, frise-se, quem se encontra na administração direta da herança é em princípio e segundo os elementos de prova que se dipõe até aqui, a própria reclamada, a qual, diante disto, terá, por certo, melhores condições de gerir os bens deixados pelo de cujus .
Este, aliás, é o entendimento de Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, para quem
[...] não havendo cônjuge ou companheiro vivos ou na constância da convivência, ou ainda na hipótese de recusa ou inadimplemento do cônjuge ou companheiro supérstite em assumir a administração provisória da herança, prevê a lei deva ela ser entregue ao herdeiro que estiver na posse e administração dos bens. (Comentários ao Código Civil, Parte Especial, Do Direito das Sucessões, Da Sucessão em Geral, Da Sucessão Legítima, arts. 1784 a 1856, Vol. 20, Ed. Saraiva, 2003, pág. 84).
Isso, todavia, não ocorre na hipótese aqui examinada.
De fato, infere-se que a circunstância de a agravada estar na constância da união estável à época da abertura da sucessão indica ser ela, até prova em contrário, a pessoa mais recomendável a exercer a administração dos bens. É que, tendo residido com o falecido até o momento de seu passamento, e, pois, estando na posse direta do acervo, possui, em tese, melhores condições de gerenciar as despesas e lucros decorrentes daquele patrimônio, apresentando, destarte, os requisitos exigidos à nomeação para a função de administrador provisório.
E disso também estão convencidos a Dra. Viviane D' Ávila Winckler (fls. 145/151) e o Dr. Sérgio Antônio Rizelo (fls. 250/256), respectivamente Promotora de Justiça e Procurador de Justiça atuantes no caso.
Realça, a propósito, o Dr. Sérgio Rizelo, que
[...] estando satisfatoriamente comprovado nos autos que a Agravada convivia com o falecido ao tempo da abertura da sucessão, bem fez o ilustre Magistrado a quo ao deferir-lhe a posse e a administração dos bens e ativos alhures discriminados, mormente porque Sua Excelência teve a cautela de expressar que tal se verificará "na condição de depositária fiel do Juízo, deles prestando contas, até final julgamento do feito e à disposição do juízo do inventário" (grifamos) (fl. 256).
Assevera a agravante, de outra banda, que a companheira de seu falecido pai vem utilizando de forma indevida dos proventos e dos bens deixados por ele.
Limita-se, todavia, a apresentar alegações insubsistentes, sem qualquer fundamento probatório que lhe dê guarida.
Salienta-se, ainda, por oportuno, que é ônus inafastável da agravante provar os fatos constitutivos de seu direito, devendo, por conseguinte, instruir os autos com elementos de prova que demonstrem a veracidade de suas alegações suas alegações, para que estas não permaneçam, como ocorreu, meramente no plano das hipóteses.
É que, de acordo com o art. 333, I, do Código de Processo Civil, "o ônus da prova incumbe ao autor quanto ao fato constitutivo do seu direito".
Portanto, inexistindo lastro probatório que corrobore a veracidade dos argumentos esposados, impossível constatar se, de fato, a agravada está fazendo mal uso dos bens do espólio.
Nada impedirá que a agravante produza, no entanto, na via e momentos adequados, a prova aqui faltante, podendo, assim, reverter a situação hoje reinante, que favorece a agravada.
Desta forma, em virtude de a reclamada preencher os requisitos preponderantes à concessão da administração provisória — ser companheira e estar convivendo com o agravado no momento da abertura da sucessão — e a agravante não ter efetuado prova da administração desordenada do espólio, mantém-se, pelo menos por ora, a decisão proferida pelo Juízo Primeiro Grau.
Tocante, finalmente, à duplicidade de inventários apontados no parecer ministerial neste grau de jurisdição, segundo dados colhidos recentemente do SAJ, o Dr. Juiz de São José declinou, nesses últimos dias, da competência sobre o feito que conduzia, devendo os autos, pois, serem examinados pelo magistrado com competência no inventário ajuizado no Foro do Estreito, decidindo como de direito, inclusive sobre o inventariante.
Isto posto, pelo meu voto eu conheço do recurso e nego-lhe provimento.
DECISÃO
Ante o exposto, nos termos do voto do Relator, a Quarta Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso, negando-lhe provimento.
O julgamento, realizado no dia 27 de março de 2008, foi presidido pelo Exmo. Sr. Desembargador Trindade dos Santos, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Desembargador Victor Ferreira.
Florianópolis, 31 de março de 2008.
Eládio Torret Rocha
RELATOR
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