EMENTA: CIVIL. FAMÍLIA. ANULAÇÃO DE CASAMENTO. ALTERAÇÃO DO COMPORTAMENTO DO CÔNJUGE QUE NÃO SE CONFUNDE COM ERRO ESSENCIAL SOBRE A PESSOA. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 1.556 E 1.557 DO CÓDIGO CIVIL. REQUISITOS NÃO DEMONSTRADOS.
A anulação do casamento depende da comprovação dos requisitos do artigo 1.557 do Código Civil, a saber, o erro em relação a identidade, honra e boa fama do consorte; a preexistência ao casamento dessa característica negativa; o desconhecimento do cônjuge demandante ao tempo da celebração e a insuportabilidade da vida em comum. “Não caracteriza erro essencial, para fins de anulação de casamento, o comportamento pessoal do cônjuge que torna difícil a convivência conjugal. A insuportabilidade da vida em comum situa-se na órbita da separação judicial, sem lugar para anulação de casamento” (Des. Mazoni Ferreira).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível n. 2004.010884-2, da comarca de Caçador (2ª Vara), em que é apelante J. C. I. e apelado P. I.:
ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Civil, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento.
Custas de lei.
RELATÓRIO:
J. C. I. ajuizou ação de anulação de casamento contra P. I., alegando erro essencial sobre a pessoa do cônjuge.
Contou haver namorado o requerido pelo período de quatro anos e com ele se ter casado em 03/07/2002, sob o regime de comunhão parcial de bens. Conviveram harmoniosamente nos primeiros vinte dias do casamento, após o que P. I. passou a ignorá-la: não lhe dirigia mais a palavra, nem a procurava para relações sexuais. Além disso, saía ele de casa sem hora para voltar e não contribuía para o custeio das despesas do lar.
Afirmou que diversas vezes tentou conversar com o marido, esperando superar a crise, mas não alcançou êxito. Assim, em 20/10/2002, retornou à casa paterna. Assinalou que o casal não tem filhos nem bens imóveis e que os bens móveis foram partilhados no momento da separação de fato.
Requereu, por fim, a procedência do pedido para ver decretada a anulação do casamento.
P. I. contestou. Suscitou preliminar de inépcia da inicial, à falta dos requisitos indispensáveis à anulação do casamento, e requereu a extinção do processo, nos termos do artigo 267, I, do Código de Processo Civil.
No mérito, sustentou que o erro essencial sobre a pessoa não restou caracterizado, pois o defeito do cônjuge, para autorizar a anulação, há de ser preexistente à celebração do matrimônio, não sendo este o caso.
Relatou que sempre esteve disposto a conversar com a requerente e que tentaram, em conjunto, resolver os problemas de convivência, sem sucesso. Disse que pagava a maior parte das despesas do lar e que a vida sexual do casal desgastou-se em razão das brigas diárias.
Pleiteou a extinção do processo sem julgamento do mérito e, sucessivamente, a improcedência da demanda.
Houve réplica (fls. 42/45).
O representante do Ministério Público, com vista dos autos, opinou pela improcedência do pedido, e o doutor Juiz de Direito julgou improcedente o pedido, condenando a autora ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios.
Inconformada, J. C. I. apelou. Reiterou os argumentos expostos na inicial, dando relevo ao fato de que o casamento não durou mais de vinte dias, pois a partir daí o apelado passou a mostrar uma personalidade diferente daquela que sempre teve ao longo do namoro e do noivado e tornou insuportável a vida em comum, deixando inclusive de procurá-la para o ato sexual, o que configura erro essencial sobre a pessoa.
Requereu a reforma da sentença para decretar a anulação do casamento.
Foram apresentadas contra-razões (fls. 73/79).
A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Dr. Antenor Chinato Ribeiro, opinou pelo conhecimento e desprovimento do apelo.
É o relatório.
VOTO:
Trata-se de recurso de apelação interposto por J. C. I., irresignada com a sentença proferida nos autos da ação de anulação de casamento ajuizada por ela contra P. I., que julgou improcedente o pedido.
Sustenta estar configurado o erro essencial sobre a pessoa de seu cônjuge, porquanto tenha ele passado a ignorá-la vinte dias após o início da convivência conjugal, deixando, inclusive, de procurá-la para manter relações sexuais.
O Código Civil possibilita a anulação do casamento por vício de vontade, quando um dos nubentes, ao consentir, incidir em erro essencial quanto à pessoa do outro (art. 1.556). O erro essencial, conforme assinala Arnoldo Wald, está definido no art. 1.557 da mesma codificação “como sendo aquele que diz respeito à identidade do outro cônjuge, sua honra e boa fama, sendo tal que torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado, abrangendo também a ignorância de crime inafiançável anterior ao casamento e definitivamente julgado por sentença condenatória e de defeito físico irremediável ou de moléstia grave transmissível por herança ou por contágio, capaz de pôr em risco a vida do outro cônjuge ou de sua prole” (O Novo Direito de Família. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 72).
Esse erro sobre a pessoa do outro cônjuge, no entanto, deverá ser tão grave que, se conhecido pelo nubente, impediria o casamento; deverá ser capaz de gerar no cônjuge enganado um sentimento de humilhação e de vergonha por ter escolhido aquela pessoa para ser seu par.
Daí a conclusão de que a mera alteração de humor ou de comportamento do varão ou da virago após o matrimônio, por mais que tornem difícil a convivência conjugal, não bastam para fundamentar a ação de anulação de casamento, nos termos dos artigos 1.556 e 1.557 do Código Civil.
É essa a orientação desta Corte de Justiça:
“AÇÃO DE ANULAÇÃO DE CASAMENTO. ERRO ESSENCIAL SOBRE A PESSOA DO OUTRO CÔNJUGE. REQUISITOS DO ART. 219 DO CÓDIGO CIVIL NÃO COMPROVADOS. PEDIDO IMPROCEDENTE. RECURSO DESPROVIDO.
Não caracteriza erro essencial, para fins de anulação de casamento, o comportamento pessoal do cônjuge que torna difícil a convivência conjugal. A insuportabilidade da vida em comum situa-se na órbita da separação judicial, sem lugar para anulação de casamento” (AC nº 2000.000125-2, de Itajaí, Rel. Des. Mazoni Ferreira, j. 02/10/2003).
“FAMÍLIA. ANULAÇÃO DE CASAMENTO. ERRO ESSENCIAL. NÃO-CARACTERIZAÇÃO.
Não se pode admitir que a mudança de humor do cônjuge varão após o casamento possa ensejar a anulação deste por erro essencial, pois não se trata de fato que diga respeito à sua identidade, honra e boa fama.
A característica negativa apresentada por um dos cônjuges deve ser preexistente ao casamento, ainda que desconhecida do outro cônjuge. REMESSA PROVIDA” (AC nº 1999.004662-1, de Tubarão, Rel. Des. Silveira Lenzi, j. 07/12/1999).
Ademais, ainda que a mudança comportamental do varão pudesse ensejar a anulação do casamento, competiria a J. C. I. comprovar satisfatoriamente que a falha de personalidade atribuída a P. I. já existia antes do matrimônio e era dela desconhecida.
No entanto, a própria apelante afirma que o comportamento hostil do marido iniciou vinte dias após a celebração da união, tudo levando a crer que não era preexistente ao casamento. E, “se os fatos imputados ao varão foram praticados após o matrimônio, não se configura a hipótese do art. 219, inc. I do Código Civil [correspondente ao artigo 1.557 do Código Civil de 2002], a ensejar a anulação de casamento. Neste caso, a insuportabilidade da vida em comum situa-se na órbita da separação judicial” (AC nº 1996.012136-6, de São José, Rel. Des. Nelson Schaefer Martins, j. 15/05/1997).
Destarte, não demonstrados os requisitos dos artigos 1.556 e 1.557 do Código Civil, a saber, o erro em relação à identidade, honra e boa fama do consorte, a preexistência ao casamento dessa característica negativa, o desconhecimento do cônjuge demandante ao tempo da celebração e a insuportabilidade da vida em comum, não há como se decretar a anulação do matrimônio.
Diante do exposto, conheço do recurso de apelação interposto por J. C. I. e nego-lhe provimento, para manter inalterada a sentença fustigada.
É como voto.
DECISÃO:
Nos termos do voto do relator, negaram provimento ao recurso.
Participaram do julgamento o Exmo. Sr. Des. Mazoni Ferreira (Presidente) e o Exmo. Sr. Des. Dionizio Jenczak. Pela douta Procuradoria-Geral de Justiça lavrou parecer o Exmo. Sr. Dr. Antenor Chinato Ribeiro.
Florianópolis, 17 de março de 2005.
LUIZ CARLOS FREYESLEBEN
Presidente para o acórdão e Relator
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Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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