EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS – CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE BEM IMÓVEL – RECONVENÇÃO – INDENIZAÇÃO DOS PREJUÍZOS PELO ATRASO NA LIBERAÇÃO DO FINANCIAMENTO – AUSÊNCIA DE CLÁUSULA CONTRATUAL – DEVER DE INDENIZAR AFASTADO – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO.
No contrato de compra e venda de bem imóvel em que parte do pagamento está condicionada a liberação futura de financiamento por instituição financeira, a aceitação dessa forma de pagamento pelo vendedor, e inexistindo previsão contratual sobre os riscos da demora na liberação, não gera ao comprador a obrigação de indenizar eventuais atrasos, porquanto se trata de negócio jurídico bilateral de livre pactuação.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2008.014627-6, da comarca de São José (1ª Vara Cível), em que é apelante Teresinha Correia, e apelado Halsey Rogério Alves:
ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Civil, por votação unânime, negar provimento ao recurso. Custas legais.
RELATÓRIO
Trata-se de ação de reparação de danos proposta por Halsey Rogério Alves contra Teresinha Correia, ao fundamento de ter adquirido da ré uma casa de alvenaria com o respectivo terreno, localizada na Rua Armazém, n. 63, Conjunto Habitacional Bela Vista I, na cidade de São José, e que pagou R$ 2.000,00 (dois mil reais) na data de 22-3-2002 e, no dia 11-4-2002, por meio de Termo Aditivo, entregou o automóvel VW/Parati, no valor de R$ 7.000,00 (sete mil reais), acordando ainda que as chaves do imóvel seriam entregues em 10-5-2002.
Mencionou que os valores recebidos pela ré foram superiores ao valor da compra e venda do contrato ajustado, de forma que ela deveria devolver a quantia excedente, que é R$ 2.279,97 (dois mil, duzentos e setenta e nove reais e noventa e sete centavos).
Argumentou que, quanto ao imóvel, no momento da compra e venda, a ré apresentou certidão negativa de débitos da Prefeitura Municipal de São José, para que fosse possível a realização do financiamento na Caixa Econômica Federal, e informou-o de que não havia débitos de IPTU.
Afirmou que se dirigiu à Prefeitura Municipal de São José e parcelou o débito existente em 36 (trinta e seis) vezes de R$ 82,18 (oitenta e dois reais e dezoito centavos), totalizando o valor de R$ 2.928,48 (dois mil, novecentos e vinte e oito reais e quarenta e oito centavos), parcelamento que está em atraso.
Ao final, requereu a procedência da ação com a conseqüente condenação da ré à devolução do excedente de R$ 2.279,97 (dois mil, duzentos e setenta e nove reais e noventa e sete centavos) e ao pagamento do valor de R$ 2.958,48 (dois mil, novecentos e cinqüenta e oito reais e quarenta e oito centavos), referente ao IPTU parcelado.
Juntou documentos (fls. 6-23).
Deferida gratuidade da justiça (fl. 24).
Devidamente citada, a ré ofertou resposta na forma de contestação, alegando que, ao contrário do que foi mencionado na inicial, os valores apresentados destoam da realidade e que o requerente aproveitou-se da inexperiência dela e da situação existente, em que ela tinha urgência em vender o imóvel para comprar outro de valor inferior, pois seus pais estavam com problemas de saúde graves, necessitando urgentemente de intervenção cirúrgica.
Sustentou, ainda, que o requerente efetuou o pagamento dos valores ajustados, exceto a liberação da quantia pela Caixa Econômica Federal.
Mencionou que, quanto ao valor do financiamento, o negócio somente foi realizado porque que a ré estava transacionando outro imóvel pelo valor de R$ 28.000,00 (vinte e oito mil reais), e que a diferença seria destinada a seus pais para o tratamento cirúrgico necessário.
Expôs que a venda da casa e a transferência da posse para o requerente ocorreram em 10-5-2002, no entanto que somente recebeu o valor integral da venda no dia 3-10-2002, porque o contrato fora assinado na Caixa Econômica em 30-9-2002.
Argumentou que, na época dos fatos, a ré havia assumido outros compromissos e precisava cuidar de seus pais, e o atraso do financiamento acabou ocasionando-lhe uma série de prejuízos, tais como devolução de vários cheques, pagamento de juros e taxas nos bancos.
Ao final, requereu fosse julgada improcedente a demanda com a condenação do autor ao pagamento das custas processuais, honorários advocatícios e multa pela litigância de má-fé.
Juntou documentos (fls. 36-56).
Na mesma oportunidade, a ré apresentou reconvenção, alegando que, pelo contrato de compra e venda celebrado, recebeu no ato R$ 2.000,00 (dois mil reais), um automóvel Parati no valor de R$ 7.000,00 (sete mil reais), a quantia de R$ 6.000,00 (seis mil reais) relativa ao saque do FGTS do reconvindo e R$ 30.000,00 (trinta mil reais) referentes à liberação do valor pela Caixa Econômica Federal.
Sustentou, ainda, que o automóvel, apesar de ser negociado pelo valor acima mencionado, foi vendido por somente R$ 5.000,00 (cinco mil reais).
Mencionou que acumulou muitos prejuízos advindos do atraso na liberação da quantia na Caixa Econômica Federal.
Expôs que a venda do imóvel era imprescindível para tratamento dos problemas de saúde de seus pais e por isso foi obrigada a efetuar o negócio, apesar de ter suportado um prejuízo aproximado de R$ 9.000,00 (nove mil reais).
Argumentou que efetuou o pagamento do valor de R$ 960,00 (novecentos e sessenta reais), referente a aluguel de imóvel, e que não era a responsável pelo atraso na liberação do financiamento, e sim o reconvindo.
Afirmou que sua conta corrente no Unibanco, onde era cliente havia anos, foi cancelada, também em virtude dos problemas causados pelo reconvindo.
Alegou que nesse período acabou sofrendo um entorse no tornozelo, o que a afastou temporariamente do trabalho.
Ao final, requereu: a condenação do reconvindo ao pagamento das despesas que teve com o aluguel de outro imóvel, no valor de R$ 960,00 (novecentos e sessenta reais); o ressarcimento de todas as tarifas e taxas bancárias que teve de pagar durante os meses de março a outubro de 2002; o reembolso das despesas havidas e comprovadas por meio das notas fiscais e recibos; o ressarcimento do pagamento das contas de telefone do período em que o reconvindo estava habitando no imóvel; o ressarcimento das despesas com consultas médicas e exames laboratoriais decorrentes dos problemas de saúde originados do atraso na liberação do financiamento; o pagamento do valor de R$ 8.750,00 (oito mil, setecentos e cinqüenta reais), referente à diferença entre a quantia que pagou pelo novo imóvel e aquela que pagaria se tivesse recebido o valor na época da negociação; o pagamento do valor correspondente a 100 (cem) salários mínimos, a título de danos morais; a expedição de ofício à Serasa e ao SPC solicitando a comprovação do período em que permaneceu inscrita nos seus cadastros.
Juntou documentos (fls. 64-105).
Réplica à contestação às fls. 109-113.
Contestação à reconvenção às fls. 113-117, requerendo o reconvindo a condenação da reconvinte por litigância de má-fé, bem como a intimação desta para desentranhar os documentos de fls. 43-56 e 67-105, por serem imprestáveis ao processo.
Audiência designada e proposta de acordo inexitosa (fl. 129).
Designada audiência de instrução e julgamento (fl. 137), foram ouvidas 4 (quatro) testemunhas.
O autor/reconvindo e a ré/reconvinte ofereceram alegações finais (fls. 146-149 e 151-155).
Sentenciando o feito, a Magistrada julgou parcialmente procedente o pedido e condenou a ré a devolver ao autor a quantia excedente à negociação, no valor de R$ 2.279,57 (dois mil, duzentos e setenta e nove reais e cinqüenta e sete centavos), corrigido monetariamente pelo INPC desde a data do recebimento da quantia do financiamento pela requerida e juros a partir da citação. Ainda, julgou improcedente a reconvenção.
Irresignada com o decisum, a ré interpôs recurso de apelação sustentando que o atraso no pagamento da quantia ajustada resultou evidente no caderno processual, como também ficou caracterizada a má-fé do recorrido ao não tomar as providências necessárias para agilizar o financiamento, já que estava em situação vantajosa, residindo em um imóvel sem sequer efetuar o pagamento do valor devido.
Alega que, de acordo com os depoimentos das testemunhas, o recorrido procedeu com desconsideração, porque deixou de levar os documentos dela para a Caixa Econômica Federal, que só assim autorizaria o financiamento.
Ao final, pugna pela reforma da sentença para julgar-se improcedente a ação de reparação de danos e procedente a reconvenção.
Contra-razões às fls. 180-184, pugnando a manutenção da decisão objurgada.
VOTO
A presente inconformação tem por objeto a sentença de primeiro grau que julgou procedente em parte a ação de reparação de danos proposta por Halsey Rogério Alves contra Teresinha Correa e improcedente a reconvenção.
Sustenta a apelante que o atraso no pagamento da quantia ajustada resultou evidente no caderno processual, como também ficou caracterizada a má-fé do recorrido ao não tomar as providências necessárias para agilizar o financiamento, já que estava em situação vantajosa, residindo em um imóvel sem sequer efetuar o pagamento do valor devido.
Alega que, de acordo com os depoimentos das testemunhas, o recorrido procedeu com desconsideração, porque deixou de levar os documentos dela para a Caixa Econômica Federal, que só assim autorizaria o financiamento.
O Código Civil, ao tratar do contrato de compra e venda, assim dispõe em seu artigo 481:
Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro.
Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, discorrendo sobre o tema, asseveram:
É o contrato (consensus) pelo qual uma das partes se obriga a transferir a propriedade de uma coisa [...] à outra, recebendo, em contraprestação, o preço (pretium) (dinheiro ou valor fiduciário equivalente) (Código civil anotado e legislação extravagante. 2. ed.São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 362).
Desse modo, o contrato em tese cria obrigações para ambas as partes: para o apelado, de pagar o valor estabelecido no tempo e maneira devidos; e para a apelante, de entregar o bem no dia combinado, nas condições e forma ajustadas.
A recorrente, por meio de contrato, vendeu seu imóvel para o recorrido, que financiou parte do preço a pagar com a Caixa Econômica Federal.
Extrai-se do Contrato de Promessa de Compra e Venda, firmado na data de 22-3-2002, que o valor total do imóvel seria pago da seguinte maneira:
II – FORMA DE PAGAMENTO – por este instrumento e na melhor forma de direito, a PROMITENTE VENDEDORA, promete vender e o PROMITENTE COMPRADOR, adquirir o imóvel de que se trata a cláusula anterior, pelo preço total, certo e ajustado de R$ 43.500,00 (quarenta e três mil e quinhentos reais), à serem pagos na forma e condições seguintes:
a) R$ 2.000,00 (dois mil reais), neste ato, como sinal e princípio de negócio, em moeda corrente nacional, mediante assinatura deste contrato;
b) R$ 7.000,00 (sete mil reais), representados pelo automóvel Parati, Ano 1992;
c) R$ 6.000,00 (seis mil reais), através de liberação de Recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), do PROMITENTE COMPRADOR, junto à Caixa Econômica Federal;
d) R$ 28.500,00 (vinte e oito mil e quinhentos reais), através de financiamento, à ser obtido pelo PROMITENTE COMPRADOR junto à caixa Econômica Federal (fls. 9-10).
Verifica-se que a apelante realizou a entrega do imóvel no dia combinado, faltando somente a obrigação do apelado de pagar o débito no valor de R$ 34.500,00 (trinta e quatro mil e quinhentos reais) relativo a parte do pagamento que estava sujeito a autorização pela Caixa Econômica Federal, fato que aconteceu em 30-9-2002, com a assinatura dos contratos de empréstimo no banco.
Da análise do contrato resulta cristalina a obrigação do apelado de pagar as parcelas, contudo não determina o instrumento o prazo de pagamento do restante da quantia ajustada.
Note-se, por conseguinte, que as partes pactuaram o aguardo da autorização da quantia a ser obtida no banco, o que não sujeita o apelado a pagar pelas despesas provenientes da espera pela liberação dos valores que quitaram o contrato de compra e venda.
Em seu depoimento, a apelante declarou:
[...] que a depoente colocou sua casa à venda através de imobiliária; que então o corretor lhe disse que havia uma pessoa interessada em comprar sua casa e queria dar um veículo no valor de R$ 7.000,00 de entrada e o restante através de financiamento pela Caixa; [...] que a depoente vendeu o veículo por R$ 5.800,00 e faltaria receber mais R$ 34.000,00 que seria liberado pela Caixa; que não se recorda se recebeu R$ 2.000,00 de entrada e também não sabe se este valor foi para o corretor; [...] que o processo administrativo para liberação do financiamento foi todo feito pela imobiliária; que foi o corretor quem foi na prefeitura fazer o parcelamento; [...] que foi a depoente quem contratou a imobiliária Tayane Imóvel Bela Vista. [...] que a depoente foi até a Caixa Econômica, após quatro meses da venda quando então foi informada que faltava os documentos da própria depoente (fl. 139).
Do relato acima, conclui-se que a recorrente contratou corretor para a venda do imóvel, bem como para a tramitação do processo de financiamento no banco.
É fato incontestável no caderno processual a espera da apelante para receber a quantia referente ao pagamento da importância contratada. Ocorre que não há falar em mora do apelado, porquanto não existia no contrato de compra e venda nenhuma previsão de prazo de pagamento, o que pressupõe a anuência da apelante em aguardar a autorização da importância contratada.
No caso em apreço, do contrato por instrumento particular de compra e venda, tendo como credora a Caixa Econômica Federal, extrai-se a seguinte informação:
B – VALOR DA COMPRA E VENDA E FORMA DE PAGAMENTO
O valor da compra e venda é de R$ 43.500,00 (quarenta e três mil e quinhentos reais), sendo composto mediante a integralização das parcelas abaixo, e será pago em conformidade com o disposto na Cláusula QUARTA deste instrumento:
Recursos próprios já pagos em moeda corrente: R$ 6.720,03
Saldo da conta vinculada de FGTS do(s) comprador (a, es): R$ 6.779,97
Financiamento concedido pela credora: R$ 30.000,00 (fl. 13).
Observa-se que o saldo de conta vinculada de FGTS exibiu o valor de R$ 6.779,97 (seis mil, setecentos e setenta e nove reais e noventa e sete centavos), e ainda a importância do financiamento concedido pelo banco no montante de R$ 30.000,00 (trinta mil reais).
Ao comparar os valores apresentados no contrato estabelecido entre as partes e o termo realizado com o banco, verifica-se que a quantia apresentada neste último supera a importância contratada para o pagamento do bem, tendo em vista que a forma de pagamento com recursos próprios está corroborada pelo Termo Aditivo de Contrato de Compra e Venda (fl. 11) e pelo Recibo (fl. 12), tendo totalizado a soma de R$ 45.779,97 (quarenta e cinco mil, setecentos e setenta e nove reais e noventa e sete centavos).
Desse modo, foi pago o valor de R$ 2.279,97 (dois mil, duzentos e setenta e nove reais e noventa e sete centavos) a mais pelo imóvel objeto do contrato.
Sobre o pedido reconvencional, deve ser mantida a sentença que o julgou improcedente, pois, conforme anteriormente analisado, o contrato de promessa de compra e venda não deliberou sobre o prazo para levar-se a efeito o pagamento do restante da quantia ajustada, e por isso não cabe ao apelado o pagamento de eventuais prejuízos advindos do atraso na liberação da quantia pela Caixa Econômica Federal.
Ante o exposto, nega-se provimento ao recurso, mantendo-se incólume o decisum impugnado.
DECISÃO
Nos termos do voto do Relator, nega-se provimento ao recurso, mantendo-se incólume o decisum impugnado.
Participaram do julgamento, realizado no dia 15 de abril de 2008, com votos vencedores, os Exmos. Srs. Des. Marcus Tulio Sartorato e Maria do Rocio Luz Santa Ritta.
Florianópolis, 28 de abril de 2008.
Fernando Carioni
PRESIDENTE E RELATOR
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Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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