EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE C/C ANULATÓRIA DE PROCURAÇÃO PÚBLICA. VÍCIO DA PROCURAÇÃO. ALEGADA FRAUDE. CONSTATAÇÃO DA LEGALIDADE DO ATO. FÉ-PÚBLICA DA CERTIDÃO EMITIDA PELO TABELIONATO. MANIFESTAÇÃO DE VONTADE CORROBORADA PELO CONJUNTO PROBATÓRIO. VÍCIO DE CONSENTIMENTO NÃO COMPROVADO. ÔNUS IMPOSTO A AUTORA CONSOANTE DICÇÃO DO ART. 333, I, DO CPC. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DA REINTEGRAÇÃO DE POSSE. POSSE JUSTA E DE BOA FÉ. SENTENÇA QUE SE MANTÉM. DESPROVIMENTO DO RECURSO.
- Não há falar em declaração de nulidade de procuração pública e, conseqüentemente, do negócio jurídico de compra e venda, quando os autos não foram instruídos com provas suficientes a evidenciar a existência de vícios que maculem a validade do instrumento de mandato utilizado, aliado à proteção dispensada aos direitos inerentes ao terceiro de boa-fé e à fé-pública oriunda dos atos do tabelionato.
- Cabe aos litigantes o ônus de demonstrar o vício de consentimento por eles alegados, consoante o art. 333, I, do CPC.
-Sendo a posse exercida pelo apelado é justa e de boa-fé e não se configurando atos de esbulho, é de se manter a sentença que julgou improcedente a sentença recorrida.
Vistos, relatados e discutidos os autos acima.
Acordam os Desembargadores da Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos e, em harmonia com o parecer da 12ª Procuradoria de Justiça, rejeitar a preliminar de nulidade da sentença suscitada pelo apelante. Pela mesma votação, ainda preliminarmente, não conhecer do agravo retido apresentado pelo apelado nas contra-razões. No mérito, por idêntica votação, conhecer e negar provimento ao recurso, nos termos do voto do relator que fica fazendo parte integrante deste.
RELATÓRIO
Cuida-se os autos de apelação cível interposta pelo ESPÓLIO DE GRÁCIO GUERREIRO BARBALHO, representado pela sua inventariante Zuleide Rabelo Barbalho irresignada com a sentença prolatada pela MM. Juíza de Direito da 17ª Vara Cível de Natal/RN, que julgou totalmente improcedente o pedido de reintegração de posse c/c nulidade de procuração por si formulado em desfavor de MARCÍLIO DE OLIVEIRA MACEDO.
Em primeira instância, o ESPÓLIO DE GRÁCIO GUERREIRO BARBALHO ajuizou a referida ação alegando que ao se dirigir ao imóvel que alega ser de sua propriedade encontrou o mesmo ocupado pelo réu, o qual afirmou tê-lo adquirido através de contrato de compra e venda efetuado com o sr. Paulo de Tarso Moreira Lopes, ao qual o de cujus e sua esposa tinham outorgado procuração com poderes específicos.
Afirmaram que o instrumento procuratório foi obtido de forma irregular, mediante artifício fraudulento, uma vez que o Sr. Grácio Barbalho encontrava-se, no momento de sua outorga, acometido de moléstia que limitava seu completo discernimento.
Requereu que, decretada a nulidade do instrumento procuratório público, julgue, ao final, procedente a ação de reintegratória.
Citado, Marcílio de Oliveira Macedo suscitou a preliminar de falta de interesse processual e realizou pedido contraposto de manutenção de posse, alegando, em síntese, que:
a) comprou o imóvel em negociação com o Sr. Paulo de Tarso Lopes, que no ato estava munido de procuração para tanto;
b) o fato do Sr. Grácio estar adoentado na época da negociação não lhe retira a capacidade de discernimento, pois sua esposa, que não estava doente também assinou a procuração;
c) a revogação da procuração em maio de 2003 gera efeitos somente a partir daquela data tornando válidos os atos realizados sob sua vigência;
d) tem plena posse do imóvel adquirido de boa-fé via contrato de compra e venda sem qualquer vício.
Às fls. 68/70, foi indeferido o pedido liminar de reintegração de posse e deferido sua manutenção em favor do réu.
Consta nos autos audiência de conciliação, oitiva de declarantes e testemunhas e agravo retido da parte ré, às fls. 95 e 97/106 e 113/114 respectivamente.
Sentenciando o feito, a MM juíza a quo julgou improcedentes os pedidos, condenando a parte autora nas custa e honorários fixados em 15% do valor da causa.
Irresignado o ESPÓLIO DE GRÁCIO GUERREIRO BARBALHO recorre suscitando a preliminar de nulidade da sentença por ter sido proferida ultra petita, na medida em que validou documento viciado.
Assevera, no mérito, que o instrumento público de procuração outorgado pelos Srs. Grácio Guerreiro Barbalho e esposa ao Sr. Paulo de Tarso, em 21 de junho de 2002 foi obtido de modo irregular, haja vista que à data da outorga de tal mandato, o então outorgante Sr. Grácio encontrava-se internado para tratamento de saúde, motivo pelo qual não tinha como participar do ato de outorga do aqui citado mandato, concluindo, que sua obtenção foi fraudulenta,em afronta à norma do art. 138 e ss, do CC/02.
Aduz, ainda, que não foi verificado qualquer ato de transmissão de domínio ou posse levado a cabo pelo Sr. Grácio que legitimasse a posse ou domínio pelo apelado do bem da ação possessória.
Sustenta o fato de que a escritura pública de compra e venda do imóvel está viciada, vez que o instrumento originário pelo qual veio a ser p-assada, foi concebida mediante vício perpetrado pelo Sr. Paulo de Tarso em desfavor dos outorgantes, ora apelantes.
Reporta-se ao pouco estado de saúde do outorgante à época da outorga da procuração, inclusive colaciona certidão passada pela Casa de Saúde São Lucas, da qual depreende-se que no período de 26/05 a 07/07 de 2002 esteve internado para tratamento de saúde.
Ao final, pediu o provimento do recurso para que seja reformada a sentença recorrida.
Contra razões pelo desprovimento do recurso (fls. 173/180).
A 12ª Procuradoria de Justiça opinou pelo improvimento do recurso (fls. 186/196).
É o relatório.
VOTO
Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.
PRELIMINAR SUSCITADA PELO APELANTE DE NULIDADE DA SENTENÇA – JULGAMENTO ULTRA PETITA
Suscita o apelante, a preliminar sob enfoque ao argumento de que a sentença é nula, pois foi além do pedido formulado pelo réu, tendo o magistrado lhe concedido pedido contraposto, nos autos da ação de reintegração de posse, em total afronta às normas de processo civil, entendendo que deveria o réu ter se utilizado do instituto da reconvenção.
Com a devida vênia do nobre advogado do apelante, para que seja admitida a reconvenção são necessários, alem dos pressupostos processuais comuns a toda e qualquer relação processual, os pressupostos específicos, sendo eles a conexão, a pendência do processo e a identidade de procedimentos. Analisa-se, também, se a legislação pátria cria óbice ao seu oferecimento. Assim, apesar de algumas ações de procedimento especial poderem ser objeto de reconvenção, a lei expressou no artigo 922 do Código de Processo Civil o não cabimento dela nas ações de reintegração de posse, pois, em virtude de seu caráter dúplice, admitem o pedido contraposto.
Dentro deste contexto, leciona Clito Fornaciari Júnior, verbis:
"A ações possessórias, consideradas como tais, em função do rito especial que a lei lhes outorga, apenas a de manutenção, reintegração e o interdito proibitório, como coloca o Código, não ensejam reconvenção. Isto por forca de sua natureza de actio duplex, onde a simples contestação do réu equivale a um contra-ataque, uma vez que, da negação a pretensão do autor, surge a afirmação do direito do réu. Essa vedação decorre da própria natureza das ações possessórias, faltando ao réu, diante do âmbito que possui a sua contestação, interesse de agir para a reconvenção" (Da Reconvenção no Direito Processual Civil Brasileiro, Editora Saraiva, CLITO FORNACIARI JUNIOR, pag. 137.).
E, ainda:
"Por outro lado, não há cogitar-se de reconvenção nas denominadas ações dúplices - ações tipicamente possessórias - porque, dada a sua própria natureza, a pretensão do réu pode ser inserida na própria contestação (...) Dai a inadmissibilidade da reconvenção, porque não há interesse processual (necessidade) para ela." (Da Reconvenção, Editora Saraiva, JOSE ROGERIO CRUZ E TUCCI, pag. 67)
Assim, face o caráter dúplice das possessórias, é perfeitamente possível ao juiz conceder pedido contraposto formulado na contestação.
Frise que mesmo considerando a sentença ultra petita, isto é aquela que decide além dos limites do pedido delimitado pela parte, a solução seria não a nulidade da decisão e sim, a sua adequação aos limites do pedido.
Isto posto e sem maiores delongas, rejeito a preliminar suscitada pelo apelante.
PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO AGRAVO RETIDO SUSCITADA PELO RELATOR.
Suscito a preliminar de não conhecimento do agravo retido de fls. 113/114, porquanto a apelada não requereu expressamente, nas contra-razões de recurso, sua apreciação neste grau de jurisdição.
Ora, o art. 523, § 1º, do CPC, é de clareza solar quando prescreve: "Não se conhecerá do agravo se a parte não requerer expressamente, nas razões ou na resposta da apelação, sua apreciação pelo Tribunal".
A propósito, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery lecionam:
"O agravo retido é matéria preliminar de apelação. Para que o agravo retido possa ser conhecido e julgado pelo seu mérito, devem estar presentes dois requisitos: a) a apelação deve ser conhecida; b) o agravante deve ter reiterado sua vontade de ver o agravo conhecido nas razões ou contra-razões de apelação" (Código de processo civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor, RT, 1997, 3ª ed., p. 763).
Desta maneira, é condição sine qua non ao conhecimento de agravo retido, consoante expresso no art. 523 do CPC, o pedido, nas contra-razões apelatórias, acerca desse conhecimento. Ausente esse pleito, a inferência é que o apelante desistiu de ver revista à decisão motivadora do recurso em retenção, motivo pelo qual não conheço do recurso.
MÉRITO
Do atento compulsar dos autos, extrai que em 21 de junho de 2002 o Sr. Grácio Guerreiro Barbalho e esposa nomearam como seu procurador o Sr. Paulo de Tarso Moreira Lopes, através de instrumento público ( fls. 22), outorgando-lhe poderes para o fim especial de alienar, prometer vender, ceder, alugar, transferir o imóvel caracterizado como sendo uma casa residencial n.º 698, nesta capital.
Em 12 de agosto de 2002, o outorgado Paulo de Tarso Moreira Lopes munido de procuração com poderes especiais alienou o referido imóvel a Marcílio de Oliveira Macedo, ora apelante, conforme se prova através de contrato de compra e venda às fls. 107/110. Consta ainda, escritura do referido imóvel em data de 26 de agosto de 2002, no 1ª cartório Judiciário de São Tomé/RN (fls. 35) e sua respectivo registro no 1º CRI de Natal/RN.
Pretende agora o apelante, a desconstituição da sentença que julgara improcedente a ação de reintegração de posse c/c anulatória de procuração pública, ao argumento de que dita procuração fora firmada mediante fraude, haja vista a impossibilidade de discernimento do de cujus, quando de sua assinatura. Em ato contínuo, pede a reintegração do espólio na posse no imóvel de propriedade do falecido que fora vendido a terceiro, através da procuração pública supostamente fraudada.
Prescreve o artigo 1.316 do Código Civil de 1916 (correspondente ao art. 682 do CC/2002): "Cessa o mandato: I - pela revogação, ou pela renúncia; II - pela morte, ou interdição de uma das partes; III - pela mudança de estado, que inabilite o mandante para conferir os poderes, ou o mandatário, para os exercer; [..]" (sem grifo no original).
Por sua vez, o art. 1.318 do codex substantivo dispõe que "revogação do mandato, notificado somente ao mandatário, não se pode opor aos terceiros, que, ignorando-a, de boa-fé com ele tratara; mas ficam salvas ao constituinte as ações, que no caso lhe possam caber, contra o procurador".
O artigo 1.321 do mesmo diploma legal, ainda, reza que "são válidos, a respeito dos contraentes de boa-fé, os atos com estes ajustados em nome do mandante pelo mandatário, enquanto este ignorar a morte daquele, ou a extinção, por qualquer outra causa, do mandato (art. 1.316)”
É o caso dos autos, onde se percebe que a revogação da procuração pública se deu posteriormente à venda do imóvel pelo outorgado à terceiro, ou seja, apenas em 12 de maio de 2003 (fls. 13).
Com efeito, qualquer tentativa de anular a compra e venda do imóvel alegando vício na procuração por ter sido obtida mediante artifício fraudulento requer prova robusta e insofistimável.
Creio que as declarações dos médicos que atenderam o de cujus no hospital São Lucas de Natal/RN, são documentos produzidos de forma unilateral, acostadas às fls. 81/82 do autos, embora afirmarem que o paciente encontrava-se no leito do hospital na data em que a procuração fora firmada, não pode prevalecer diante da certidão do 5ª Ofício de notas, onde certifica que na data de 21 de junho de 2002, o falecido comparecera aquele cartório, juntamente com sua esposa, para formar a procuração.
Digo isto porque os documentos firmados por tabeliões são dotados de fé-pública e merecem toda credibilidade.
Consoante a doutrina de José Maria de Almeida César e Irineu Antônio Pedrote lecionam que:
“ A fé pública constitui pressuposto da ordem jurídica. No dia-a-dia dos contratos privados o instrumento público está acima de toda e qualquer suspeita infundada. Os atos jurídicos notariais têm o encargo de superar essas suspeitas e tranqüilizar a sociedade. É um dogma jurídico. Prevalece enquanto não houver prova em contrário. Impõe-se erga omnes o dever da legalidade, legitimidade e fidedignidade ao ato jurídico realizado. É assim, a aceitação ou credibilidade social imposta pelo direito pela publicidade emanada de autoridade com poderes para assim editá-la. A fé pública é de caráter pessoal. Logo, atestação notarial é de responsabilidade exclusiva do signatário." (Serviços Notariais e de Registro, Ed. Universitária de Direito Ltda., 1996, pp. 18 e 19)
Dentro deste contexto é de crucial importância para a compreensão do que aqui se diz, a lição do brilhante Caio Mário da Silva Pereira, a respeito dos documentos públicos, ao registrar:
"Realizado perante o notário, faz a lei decorrer de sua fé pública a autenticidade do ato, no que diz respeito às formalidades exigidas, e se alguém as nega tem de dar prova cabal de sua postergação. No que diz respeito ao conteúdo da declaração, vigora a presunção de autenticidade, no sentido de que se tem como exata a circunstância de que o agente a fez, nos termos constantes do texto".(Instituições de Direito Civil, vol. I, 18ª ed., 1996, pág. 358).
Acentua-se, ainda, que a presunção de verdade que milita em favor da certidão existente nos autos, e que deriva do disposto no art. 134, § 1º[1], do Código Civil e no art. 364[2], do Código de Processo Civil, somente poderia ser elidida pela desconstituição ou demonstração de evidente falsidade das mesmas, como se extrai da explicação do processualista José Frederico Marques:
"O documento público goza, como foi visto, da presunção de autenticidade, pelo que assim estatui o art. 364 do Código de Processo Civil: 'O documento público faz prova não só da sua formação, mas também dos fatos que o escrivão, o tabelião, ou o funcionário declarar que ocorreram em sua presença'.(grifei)
Assim sendo, o documento público torna certo e faz prova de que foram emitidas, pelos seus autores jurídicos, as declarações dispositivas ou enunciativas que nele se contêm. (...)Fazendo prova dos atos que o funcionário, tabelião ou escrivão afirmar que ocorreram em sua presença, o documento público se presume verdadeiro quanto a esses atos: presunção, porém, iuris tantum. Prova há nele, portanto, de que as partes fizeram as declarações constantes do texto e que assinaram o original do documento, quando se tratar de representação escrita de algum negócio jurídico. A presunção e fé do documento cessam e deixam de existir, sendo-lhe declarada judicialmente a falsidade (art. 387)." (Manual de Direito Processual Civil, vol. II, São Paulo: Saraiva, 1.976, pp. 209 e 211
Invoco da jurisprudência os seguintes precedentes:
Ementa: ação declaratória de nulidade de procuração por alegada fraude na obtenção de instrumento procuratório, com poderes gerais, outorgado por pessoa de idade e internada em hospital e que, alegadamente, não possuía, na ocasião, capacidade volitiva. Sentença de improcedência, que resta confirmada, eis que as autoras não lograram comprovar a existência de vício de vontade na outorga da procuração. Fé pública do serventuário do tabelionato atestando estar o outorgante ciente de seus atos. (TJRS – AC 5901114 – Relator Desembargador Paulo Roberto Hanke – 13/08/05)
“O tabelião de protesto é delegado de serviço do estado, gozando a certidão por ele emitida de fé pública que somente prova robusta em contrário pode lhe retirar a eficácia". (2º TACIVSP, 5ª CAM, AI 690.418-0, DJ 28/03/01).
“Os tabeliães estão imbuídos de fé pública, sendo seu dever informarem o que dos livros consta.” (Apelação Cível nº 70001078930, 9ª Câmara Cível do TJRS, Pelotas, Relª. Desª. Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira. j. 03.04.2002)
As declarações médicas que atestam que o de cujus estava internado no hospital na época da procuração, conforme já dito, são documentos unilaterais e sequer vieram acompanhados dos prontuários médicos, o que poderia reforçar a tese do apelante.
Desta maneira, não restou provado que o Sr. Grácio Barbalho estivesse em condições duvidosas de saúde mental, tendo inclusive notícias proferidas pela imprensa local, de que o mesmo ficou lúcido até os últimos momentos de sua vida (fls. 112)
A ausência de prova segura da incapacidade do Sr. Grácio Barbalho, torna frágil a alegação de que teria ele fraudado pelo outorgante da procuração, para concordar com a elaboração de escritura pública.
A prova testemunhal colhida não autoriza chegar-se a esta conclusão, além disso é mister frisar que, quando ouvida em juízo a esposa do de cujus afirmou que com o dinheiro da venda, foram pagas as funcionárias do laboratório do seu falecido marido (fl. 98), confirmando o recibo de quitação juntado aos autos pelo apelado às (fls. 111).
Outro fato relevantíssimo para o deslinde da questão é o fato de que somente em maio de 2003, isto é, quase um ano após a mesma ter sido firmada, é que a esposa do Sr, Grácio veio revogar a procuração, frisando expressamente que a mesma não gerava mais efeitos a partir daquela data (fls.13), portanto, enquanto vigente, gerou direitos a terceiros de boa-fé.
Em que pesem os argumentos expendidos pelo apelante no sentido de que a venda do imóvel deve ser anulada por ineficácia da procuração pública (fraude) no momento da transação, é indubitável que o apelado, atual possuidor e proprietário do imóvel sub judice, o adquiriu de boa-fé e que lá realizou benfeitorias, segundo ele avaliada em R$ 30.000,00 (trinta mil reais).
Em princípio, presume-se que o contratante agiu de boa-fé, devendo o inverso restar devidamente comprovado. E para "análise do princípio da boa-fé dos contratantes, devem ser examinados as condições em que o contrato foi firmado, o nível sociocultural dos contratantes, o momento histórico e econômico. É ponto da interpretação da vontade contratual" (Sílvio de Salvo Venosa, Direito Civil: Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos, Atlas, 2003, v. 2, p. 378).
Assim, independentemente da existência de vício intrínseco na procuração, o que no caso não ocorreu, os atuais proprietários, terceiros de boa-fé, não podem ser atingidos, sobretudo quando a esposa do outorgante tinha ciência do mandato.
Por fim, não se pode negar a incômoda sensação de insegurança jurídica ao jurisdicionado, de modo geral, se fosse admitido a anulação de um ato jurídico e seus reflexos no direito de terceiros, depois de passados certo tempo de sua consumação.
É a advertência feita pelo Professor Paulo Nader:
“Entretanto, o conflito entre a segurança e a justiça é comum na vida do Direito e quando este fenômeno ocorre é forçoso que prevaleça a segurança, pois, a predominar o idealismo de justiça, a ordem jurídica ficaria seriamente comprometida e se criaria uma perturbação na vida social.” (in “Introdução ao Estudo do Direito”, 9ª edição, Editora Forense, Rio de Janeiro, 1994, p. 131).
Desse modo, é inadmissível que se reviva o passado, causando perpétua incerteza na vida social, com conseqüências desastrosas para o Direito, para dar amparo à inércia da apelante, a qual, por longo tempo, permitiu que se constituísse uma situação jurídica contrária ao seu pretenso direito. Na realidade, em virtude da prolongada inatividade, persiste a presunção de que tinha ciência do mandado firmado e da alienação realizada.
Não havendo, pois, melhor prova que a ilida a presença de qualquer vício de consentimento na procuração (CC, art. 138), prevalece a declaração de vontade emanada da certidão expedida pelo quinto ofício de notas.
Infere-se, pois, dos autos que os apelantes não obtiveram êxito em comprovar algum dos vícios alegados, sendo defeso, portanto, anular o ato jurídico entre os demandantes.
Dessa forma, não merece prosperar a alegação de vício de consentimento caracterizada pela fraude, ainda mais ao verificar-se que a procuração a qual autoriza o outorgante a concretizar a venda do imóvel, foi efetuada através de instrumento público.
Quanto ao fato de a escritura pública de compra e venda ter sido realizada no cartório de São Tomé/RN é irrelevante para o deslinde da causa, haja visa que tal escritura fora devidamente registrada no 1º Cartório Registro de Imóveis desta capital, como se vê das fls. 35 dos autos e conforme determina o art. 530, I e 531 do CC antigo - art. 1.245 do novo CC, assim como a Lei de Registros Públicos.
Referente ao pedido de reintegração de posse percebo que houve, na realidade, contrato de promessa de compra e venda celebrado entre o apelado e o apelante, este representado no respectivo instrumento de procuração, por Paulo de Tarso Moreira Lopes, a quem foi conferido poder para tanto, através de procuração lavrada por instrumento público.
Se o promitente-comprador tem a posse do imóvel em decorrência do contrato celebrado, o promitente-vendedor carece da ação de reintegração de posse contra aquele, por isso que, sem ter conseguido anular a procuração supostamente viciada, o ocupante não pode ser apontado como esbulhador. Destarte, enquanto não anulado o registro, a posse do réu está baseada em justo título e boa-fé.
Diante de todos estes argumentos, pode-se dizer que a posse do réu é justa e principalmente de boa-fé, pois o bem é de sua propriedade e foi adquirido legitimamente do seu real proprietário.
Portanto, a autora, ora apelante não demonstrou a saciedade a sua posse, o esbulho praticado, bem ainda a sua perda, não merecendo, daí, ser reintegrada, posto que não satisfez com plenitude todos os requisitos previstos no artigo 927 do Código de Processo Civil.
Face ao exposto, em harmonia com o parecer ministerial, conheço e nego provimento ao apelo.
É como voto.
Natal, 10 de março de 2006.
Des. Cristóvam Praxedes
Presidente / Relator
Dr. Pedro de Souto
12ª Procurador de Justiça
Endereço: Praça 7 de Setembro, S/N, Natal/RN, 59025-000> Home page: www.tjrn.jus.br
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, TJRN - Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte. TJRN - Civil. Reintegração de posse c/c anulatória de procuração pública. Vício da procuração. Alegada fraude. Constatação da legalidade do ato. Fé-pública da certidão emitida pelo Tabelionato Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 dez 2010, 19:56. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/jurisprudências/22838/tjrn-civil-reintegracao-de-posse-c-c-anulatoria-de-procuracao-publica-vicio-da-procuracao-alegada-fraude-constatacao-da-legalidade-do-ato-fe-publica-da-certidao-emitida-pelo-tabelionato. Acesso em: 27 nov 2024.
Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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