EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - ADOÇÃO - CRIANÇA ENTREGUE PELA MÃE BIOLÓGICA À AUTORA NÃO HABILITADA NO CADASTRO DE ADOTANTES - INOBSERVÂNCIA DO DISPOSTO NO ARTIGO 50 DA LEI 8.069/90 - CARÊNCIA DE AÇÃO - INTERESSE DE AGIR - CONDIÇÕES DA AÇÃO - EXTINÇÃO DO PROCESSO - ART. 267 CPC - ABRIGAMENTO DE CRIANÇA - INVIABILIDADE - RETORNO AO CONVÍVIO DA MÃE MATERNA - RECURSO DESPROVIDO - SENTENÇA PARCIALMENTE ALTERADA DE OFÍCIO. - É de rigor a fiel observância da sistemática imposta pelo art. 50 do Estatuto da Criança e do Adolescente, somente se deferindo a adoção a pessoas previamente cadastradas e habilitadas. - Não tendo a apelante realizado o cadastro prévio, nem atendido aos procedimentos de adoção na Vara da Infância e Juventude, o processo deve ser extinto sem julgamento do mérito, por falta de interesse de agir. - Negado o pedido de adoção, deve a criança retornar à guarda da mãe biológica, enquanto não houver motivos para sua extinção (artigo 1635 do Código Civil) e for isso declarado em decisão fundamentada, proferida sob o crivo do contraditório.
Trata-se de apelação interposta por Mara José de Souza contra a sentença proferida em ação de adoção do infante J. P. C., que indeferiu o pedido inicial e extinguiu o processo sem apreciação do mérito, com fulcro no art. 267, I e VI, do CPC.
Alega a Apelante ser pessoa de extrema idoneidade e que preenche todos os requisitos para a adoção, sendo a criança entregue em razão dos laços de confiança e anos de conhecimento entre ela e a genitora do infante. Afirma que o adotando se encontra com a adotante desde seu nascimento, mantendo com esta laços de afeto que já estão caracterizados, cuja ruptura poderá acarretar prejuízos para a formação da criança. Aduz que o fato de não estar cadastrada na lista de pretendentes à adoção não enseja a extinção do processo sem apreciação do mérito.
Finaliza, requerendo o provimento do apelo com a manutenção do adotando com a adotante até o julgamento final do recurso.
Contra-arrazoado o recurso às fls. 80/84 e 94/98, subiram os autos a este Tribunal.
O parecer da Douta Procuradoria Geral da Justiça foi pelo desprovimento do recurso, mas pelo julgamento de mérito, ante a inexistência de carência de ação (fls. 122/130).
É o relatório.
Inicialmente, no tocante à alegação da dota Procuradoria Geral de Justiça de inexistência de carência de ação, razão pela qual deve ser o feito julgado pelo mérito, concordo parcialmente com a manifestação no tocante a inexistência de ilegitimidade de parte e impossibilidade jurídica do pedido.
Contudo, entendo que a extinção do processo sem julgamento do mérito, deve ser mantida por falta de interesse de agir da apelante, em decorrência da falta de habilitação e cadastro prévio dela como adotante.
E o momento em que o interesse de agir deve estar presente, para não configurar a hipótese de carência da ação, é o do ajuizamento da demanda, o que não ocorreu na espécie ante a ausência de cadastro da apelante.
Portanto, deve ser mantida a carência de ação da autora, não por impossibilidade jurídica do pedido e ilegitimidade ativa, mas por falta de interesse de agir.
Nesse sentido já decidiu esta Câmara Cível:
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - ADOÇÃO - CRIANÇA ENTREGUE PELOS PAIS BIOLÓGICOS A CASAL AINDA NÃO HABILITADO NO CADASTRO DE ADOTANTES - RENÚNCIA AO PODER FAMILIAR POR ESCRITURA PÚBLICA - ALEGAÇÃO DE VÍNCULO AFETIVO - HIPÓTESE QUE NÃO AUTORIZA A INOBSERVÂNCIA DO DISPOSTO NO ARTIGO 50 DA LEI 8.069/90.
CARÊNCIA DE AÇÃO - INTERESSE DE AGIR - CONDIÇÕES DA AÇÃO - EXTINÇÃO DO PROCESSO - ART. 267 CPC. PODER FAMILIAR - SUSPENSÃO - BUSCA E APREENSÃO E ABRIGAMENTO DE CRIANÇA - HIPÓTESES AINDA NÃO CONFIGURADAS - RETORNO AOS PAIS BIOLÓGICOS DETERMINADO.
1. Para garantia da lisura, legalidade e imparcialidade do procedimento de adoção, é de rigor a fiel observância da sistemática imposta pelo art. 50 do Estatuto da Criança e do Adolescente, somente se deferindo a adoção a pessoas previamente cadastradas e habilitadas.
2. Não tendo o casal adotante realizado o cadastro prévio, nem atendido aos procedimentos de adoção na Vara da Infância e Juventude, o processo deve ser extinto sem julgamento do mérito, por falta de interesse de agir.
O interesse de agir deve estar caracterizado quando do ajuizamento do pedido, porquanto é condição para a propositura da ação e, assim, deverá ser examinado liminarmente.
3. Negado o pedido de adoção, deve a criança retornar aos pais biológicos, uma vez que cabe a eles o exercício do poder familiar, enquanto não houver motivos para sua extinção (artigo 1635 do Código Civil) e for isso declarado em decisão fundamentada, proferida sob o crivo do contraditório.
(APELAÇÃO CÍVEL Nº 305973-4, DE PONTA GROSSA, VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE - RELATOR : JUIZ CONVOC. ESPEDITO REIS DO AMARAL).
Esclarecida a questão, entendo que o inconformismo da Apelante não procede, pois de acordo com a disposição do artigo 50 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), existe um cadastro, perante os juizados da infância e juventude, de crianças e adolescentes aptas a serem colocadas em famílias substitutas e outro para habilitar os casais interessados à adoção.
O objetivo de referida disposição é evitar verdadeira escolha de crianças a serem adotadas. Assim, deve ser observado o comando do artigo 50 do ECA, quanto ao cadastro de crianças e adolescentes aptas à adoção e o exame rigoroso, quanto à cronologia, na ordem de inscrição das pessoas habilitados com interesse em crianças/adolescentes, com características coincidentes.
Portanto é imprescindível a obediência à lista e à ordem de antigüidade previamente estabelecidas, a fim de que se evitem casuísmos e efetivamente todos os adotantes possam estar sendo atendidos em igualdade de condições em sua pretensão de adotar uma criança.
A jurisprudência desta Corte não destoa desse entendimento:
AÇÃO DE ADOÇÃO. DESOBEDIÊNCIA À SISTEMÁTICA IMPOSTA PELO ART. 50 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. NÍTIDA TENTATIVA DE BURLA DA SEQÜÊNCIA LÓGICA E LEGAL DO PROCEDIMENTO E DOS CRITÉRIOS ADOTADOS PELO JUÍZO A QUO PARA INSERÇÃO DE CRIANÇA OU ADOLESCENTE EM FAMÍLIA SUBSTITUTA. SUPOSTO VÍNCULO AFETIVO IRREGULARMENTE ESTABELECIDO. PEDIDO DE ADOÇÃO INDEFERIDO. DECISÃO CORRETA.
1. A obediência à sistemática imposta pelo art. 50 do Estatuto da Criança e do Adolescente, longe de se traduzir em "positivismo", como querem fazer crer os apelantes, é a única forma de garantir que todos os candidatos à adoção estejam em igualdade de condições e seja respeitada a lisura do procedimento.
2. O interesse individual do casal recorrente pela criança só seria justificável em casos especialíssimos, tal como dispõe o art. 28, §2° do Estatuto da Criança e do Adolescente, o que não se configura no caso sub judice.
3. Não se pode admitir que os apelantes, enquanto voluntários da instituição em que o infante se acha abrigado, se utilizem dessa situação para manter contato com a criança, de forma irregular e sem autorização do juízo.
4. Recurso conhecido e não-provido.
(APELAÇÃO CÍVEL Nº 404.483-3, DE CURITIBA - 2ª VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE E ADOÇÃO - RELATOR : DES. FERNANDO WOLFF BODZIAK).
"Apelação cível - Estatuto da criança e do adolescente - Colocação em família substituta - Adoção - Requerentes que conheceram a menor enquanto na função de pais sociais - Falta de habilitação do casal nas Varas da Infância e Juventude - Existência de outros casais, antecedentemente inscritos, interessados na adoção de uma criança com as mesmas características da infante - Obediência à ordem existente no cadastro oficial de adotantes - Inteligência do art. 50 do ECA - Recurso desprovido."
(TJ-PR. AC n° 176598-2. Rel. Juiz Rabello Filho. DJ 18/11/2005).
ECA - PEDIDO DE ADOÇÃO - ADOTANTES SEM CADASTRO PRÉVIO PERANTE O JUÍZO - INDEFERIMENTO DE GUARDA PROVISÓRIA COM BUSCA E APREENSÃO DA CRIANÇA - INSURGÊNCIA - AUSÊNCIA DE DANO IRREPARÁVEL OU DE DIFÍCIL REPARAÇÃO.
Para garantia da lisura, legalidade e imparcialidade do procedimento de adoção, é de rigor a fiel observância da sistemática imposto pelo art. 50 do Estatuto da Criança e do Adolescente, somente se deferindo a adoção a pessoas previamente cadastradas e habilitadas. Salvo em hipóteses excepcionais, analisáveis em cada caso concreto, a adoção exige, também, obediência à cronologia na ordem do cadastro de adotantes.
A convivência dos adotantes com a criança adotanda, sem prévio cadastro, autorizada pelos pais biológicos mediante simples termo de declaração, não pode prosperar, uma vez desrespeitados os requisitos legais para a adoção.
(TJ-PR. AI nº 174.883-8. Rel. Juiz Espedito Reis do Amaral. DJ 30/9/2005).
Por outro lado, concordo com o parecer da douta Procuradoria Geral de Justiça no tocante à manutenção da criança sob a guarda da mãe, conforme determinado nos autos de pedido de providências nº 484/08 (fls. 110/111), sendo essa a medida mais adequada no caso.
Desse modo, não há motivos para a criança ficar em abrigo, pois cabe à mãe biológica o exercício do poder familiar, não se configurando, por ora, nenhuma das hipóteses previstas no artigo 1635 do Código Civil para sua extinção.
Portanto, nego provimento ao recurso de apelação e, de ofício, altero a sentença para determinar a extinção do processo sem julgamento de mérito por falta de interesse de agir, devendo a criança retornar imediatamente ao convívio da mãe biológica.
ACORDAM os Senhores Desembargadores integrantes da Décima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, negar provimento ao apelo, alterando a r. sentença a quo, unicamente, para que a infante retorne à convivência com a mãe biológica.
Participaram do julgamento os excelentíssimos Desembargadores ERACLÉS MESSIAS e FERNANDO WOLFF BODZIAK.
Curitiba, 27 de maio de 2009
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Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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