EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE RECURSAL – AFASTADA – AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE QUE DEFERIU LIMINAR – COMODATO – FIM DO PRAZO DE 40 ANOS PACTUADO EM CONTRATO – DESNECESSIDADE DE NOTIFICAÇÃO PRÉVIA DOS HERDEIROS – PRESENÇA DOS REQUISITOS QUE IMPÕEM A CONCESSÃO DA MEDIDA LIMINAR – RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.
O Código de Processo Civil atribui legitimidade para recorrer às partes, ao Ministério Público e ao terceiro prejudicado, sendo certo que a parte pode, sozinha ou conjuntamente com os demais litisconsortes, manejar o recurso com a finalidade de alcançar, dentro do processo, situação jurídica mais favorável do que a proporcionada pela decisão recorrida.
O empréstimo gratuito de coisa não fungível se extingue ou pelo advento do termo convencionado, ou, ainda, pela notificação em caso de prazo indeterminado.
Extinto o prazo do comodato em 25.11.2005, a permanência do comodatário no imóvel configura esbulho à posse do comodante, o que legitima a reintegração deste no referido bem.
Demonstrados os requisitos da liminar, ao juiz não é dado optar pela concessão ou não pela medida, visto que tem o dever de concedê-la.
Recurso conhecido e não provido.
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os juízes da Primeira Turma Cível do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade, negar provimento ao recurso.
Campo Grande, 26 de setembro de 2006.
Des. Joenildo de Sousa Chaves – Relator
RELATÓRIO
O Sr. Des. Joenildo de Sousa Chaves
Zélia de Souza Ferreira, inconformada com a decisão interlocutória proferida pelo juiz da 2ª Vara Cível da Comarca de Ponta Porã nos autos da Ação de Reintegração de Posse com Pedido de Liminar que lhe move o agravado, consistente em conceder a medida liminar para reintegrar o agravado na posse do imóvel objeto da ação, recorre a esta Corte com o escopo de ver reformado o referido decisum.
Alega a agravante que a decisão combatida não merece subsistir, pois: 1) o contrato de comodato é suspeito, por se tratar de empréstimo de terras gratuito por tempo determinado de 40 anos, razão pela qual deveria o juízo a quo realizar a audiência de justificação antes de conceder a liminar; 2) com o falecimento do contratante, passaram obrigatoriamente a representá-lo sua esposa e seus herdeiros, sendo que o agravado deixou de notificar os demais herdeiros do Sr. Ramão Alves Ferreira, deixando de incluí-los no pólo passivo da ação; 3) a falta de notificação de todos os herdeiros comodatários, por termo expresso do respectivo contrato de comodato, faz incabível a liminar concedida, por faltar um de seus requisitos; 4) somente após o falecimento de seu lindeiro, o agravado vem apresentar o contrato de comodato por tempo determinado, o que demonstra que o contrato é falso; e 5) pelo prolongado tempo de duração do processo, teria a agravante de suportar a manutenção da injusta situação a que foi conduzida por longo período, sofrendo prejuízos irreparáveis pela perda da posse em proveito de sua própria manutenção.
Pugnou, in fine, para que o recurso fosse recebido em seu efeito suspensivo ativo, e para que, ao final, fosse conhecido e provido para reformar a decisão agravada.
O recurso foi recebido em ambos os efeitos, por entender esse relator que restavam presentes os requisitos necessários à espécie (f. 84-85).
O agravado, devidamente intimado, ofereceu contraminuta, na qual argüiu preliminar de ilegitimidade passiva da agravante para a interposição do agravo, uma vez que a inicial e a medida liminar foram concedidas contra todos e não apenas contra a agravante, não sendo lícito à recorrente buscar defesa para as partes que não figuraram no processo. No mérito, propugna pelo improvimento do recurso.
O juiz a quo prestou informações, mantendo a decisão guerreada (f. 89).
VOTO
O Sr. Des. Joenildo de Sousa Chaves (Relator)
Cuida-se de agravo de instrumento interposto por Zélia de Souza Ferreira em face da decisão interlocutória proferida pelo juiz da 2ª Vara Cível da Comarca de Ponta Porã nos autos da Ação de Reintegração de Posse com Pedido de Liminar que lhe move o agravado, consistente em conceder a medida liminar para reintegrar o agravado na posse do imóvel objeto da ação.
Em contraminuta recursal, o agravado argüiu preliminar de não-conhecimento do recurso ante a ilegitimidade recursal da agravante, uma vez que a liminar foi concedida contra todos os litisconsortes passivos, e não apenas contra a agravante, não lhe cabendo buscar defesa para terceiros que não figuraram no processo.
Penso que a preliminar deve ser afastada, pois o Código de Processo Civil atribui legitimidade para recorrer às partes, ao Ministério Público e ao terceiro prejudicado, sendo certo que a parte pode, sozinha ou conjuntamente com os demais litisconsortes, manejar o recurso com a finalidade de alcançar, dentro do processo, situação jurídica mais favorável do que a proporcionada pela decisão recorrida.
É este exatamente o caso em tela, no qual busca a agravante a reforma da decisão que concedeu a liminar para reintegrar o agravado na posse da área rural objeto do litígio e, por conseqüência, determinou a retirada da agravante e de seus filhos do imóvel em questão.
Dessa feita, afasto a preliminar de ilegitimidade recursal argüida pelo agravado e passo ao exame do mérito do recurso.
A decisão agravada restou assim proferida:
“(...).
Compulsando os autos, percebe-se que mesmo numa parcela de seu imóvel, sofreu o autor verdadeiro esbulho. Tal decorre em razão da situação caracterizar-se pela vis expulsiva, e não pela simples vis inquietativa que se visualiza na turbação. Deste modo, correto o pedido deduzido na peça vestibular.
Tratando-se de força nova, posto que, em cognição sumária, o alegado esbulho da posse do autor ocorreu a menos de ano e dia (25/11/2005), tem-se como possível a concessão, inaudita altera parte, de liminar em sede de ações possessórias. Neste sentido, o art. 928, caput, 1ª parte do Código de Processo Civil.
Os requisitos para que o magistrado assim proceda estão contidos no art. 927 do mesmo Diploma Legal. In casu, tais requisitos encontram-se, ao menos em cognição sumária, não exauriente, típica dos provimentos liminares, suficientemente demonstrados.
A posse é tida pela doutrina como a situação de fato entre a coisa e o seu titular, restando demonstrada ante a prova da propriedade do imóvel em questão pelo autor (fl. 15), bem como pelos demais documentos que instruem a inicial, em especial o contrato de fl. 12, evidenciando que, apesar de a posse direta estar com os réus, a posse indireta do imóvel em questão ainda lhe pertence.
O esbulho é comprovado pelo término do contrato adrede referido, com vigência de 40 (quarenta) anos, bem como pelas notificações de fls. 16 e seguintes, todas inexitosas, tanto que o autor restou obrigado a ingressar em Juízo.
Por fim, quanto à data do esbulho, o mesmo contrato evidencia que no dia 25/11/2005 o imóvel descrito na inicial deveria ter sido restituído ao autor pelos réus, não tendo os mesmos, contudo, assim procedido. Logo, a posse justa convolou-se em posse precária, o que autoriza o presente remédio processual.
Posto isso, dispensando a audiência de justificação por entender devidamente comprovados, em cognição sumária, os requisitos legais ensejadores da presente medida, CONCEDO, sem oitiva da parte contrária, LIMINAR para o fim específico de garantir-se ao autor o direito de ver-se REINTEGRADO NA POSSE do imóvel descrito na inicial.
(...).”
Para um melhor entendimento da questão posta em julgamento, passo a fazer uma digressão fática dos acontecimentos narrados nos autos.
Narram os autos que o agravado moveu ação de reintegração de posse com pedido de liminar objetivando reaver área de 25Ha e 500m² de sua propriedade que, segundo ele, foi dado em comodato pelo prazo determinado de 40 (quarenta) anos, ao Sr. Ramão Alves Ferreira, cujo contrato estendia-se aos seus herdeiros e meeiras na falta de um ou de outro.
Sustenta que tendo o Sr. Ramão falecido aproximadamente há 15 (quinze anos), foram notificados sua viúva-meeira, Zélia de Souza Ferreira, e seus filhos herdeiros, Afonso Ramão de Souza Ferreira e Virgílio Cândido de Souza Ferreira, para que desocupassem o imóvel rural.
Alega que tendo o prazo de vencimento do referido contrato se extinguido em 25.11.2005 e não tendo o imóvel sido desocupado, o autor procedeu à notificação extrajudicial, via Cartório, dos requeridos, pugnando pela desocupação das terras no prazo de 30 (trinta) dias a contar das notificações, que se deram em 16 e 19 de junho do presente ano, sendo certo que os notificados não desocuparam o imóvel ou promoveram a contranotificação, razão pela qual foi ajuizada a presente ação de reintegração de posse.
Ao seu turno, a agravante aduz que o juízo a quo não poderia ter concedido a liminar de reintegração de posse sem a audiência de justificação uma vez que existem outros herdeiros do de cujus que não foram intimados para a desocupação do imóvel, e que não foram apontados como partes passivas na petição inicial do agravado.
De uma análise da questão em testilha, verifico que o recurso não merece ser provido, uma vez que se encontram presentes os requisitos necessários para a concessão da medida liminar deferida, com base nos arts. 926 e ss do CPC. Senão vejamos.
De início, faz-se necessário tecer algumas considerações acerca do instituto da posse.
Dispõe o Código Civil que se considera possuidor aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade, e segue estabelecendo que a posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal ou real, não anula a posse indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto de defender sua posse contra o indireto.
Nesse sentido o Enunciado n. 76 aprovado pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal (CEJ):
“O possuidor direto tem direito de defender a sua posse contra o indireto e este contra aquele (art. 1.197, in fine, do novo Código Civil.” (Theotonio Negrão; Código Civil e legislação civil em vigor; art. 1.197, nota 1).
Sabe-se também que no comodato há duas posses: uma exercida pelo comodatário, denominada de posse direta, ao passo que o comodante mantém a posse indireta, devendo-se estar atento que Sílvio de Salvo Venosa ressalta que: “a posse do comodatário é precária, como toda aquela que insitamente traz a obrigação de restituir”. (Direito Civil: Contratos em Espécies. 3 ed. vol. III.São Paulo: Atlas, 2003, p. 225).
Dessa feita, não há falar que o agravado não detinha a posse do imóvel, visto que, diante do comodato, este ainda assim seria possuidor indireto do bem imóvel, o que lhe habilita a promover ação possessória para garantir sua posse.
De outro vértice, como é amplamente cediço, o empréstimo gratuito de coisa nãofungível se extingue ou pelo advento do termo convencionado, ou ainda pela notificação em caso de prazo indeterminado, conforme imperativa jurisprudência.
Extinto o prazo do comodato, a permanência do comodatário no imóvel configura esbulho à posse do comodante, o que legitima a reintegração deste no referido bem, independentemente se dele necessita ou não, pois a lei só lhe exige a prova de necessidade de urgente e imprevista se o comodante reclamar a devolução da coisa antes de findo o prazo contratual, o que não ocorreu no caso sub judice, pois, como visto, o prazo findou em 25.11.2005, conforme contrato de f. 33 (TJ-MS).
Tenha-se por oportuno que a resolução deste tipo de negócio, nas condições como pactuado, não pressupõe necessariamente, mau uso, má-fé ou posse injusta do comodatário, bastando a intenção do comodante em reaver a coisa emprestada.
Assim, não havia, no caso em tela, necessidade de ser expedida notificação à esposa e aos filhos do comodatário, sendo infundada a alegação da agravante de que o juízo não poderia ter concedido a liminar sem a notificação de todos os herdeiros.
Assim, diante de ampla comprovação da ocorrência do esbulho, correta a determinação do juízo a quo em expedir o mandado de reintegração de posse initio litis, antecipando a proteção possessória pleiteada, que será confirmada ou não na sentença final.
Cumpre ressaltar que, como ensina nossa doutrina pátria, demonstrados os requisitos da liminar, ao juiz não é dado optar pela concessão ou não pela medida, visto que tem o dever de concedê-la, diante da documentação existente, que reputo suficiente para embasar a conveniência da medida.
Diante de todo o exposto, a manutenção da liminar de reintegração de posse concedida pelo juízo a quo é medida que se impõe, razão pela qual nego provimento ao recurso manejado.
DECISÃO
Como consta na ata, a decisão foi a seguinte:
POR UNANIMIDADE, NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.
Presidência do Exmo. Sr. Des. Ildeu de Souza Campos.
Relator, o Exmo. Sr. Des. Joenildo de Sousa Chaves.
Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs. Desembargadores Joenildo de Sousa Chaves, Jorge Eustácio da Silva Frias e Ildeu de Souza Campos.
Campo Grande, 26 de setembro de 2006.
TJMS - Av. Mato Grosso - Bloco 13 - Fone: (67) 3314-1300 - Parque dos Poderes - 79031-902 - Campo Grande - MS<br>Horário de Expediente: 8 as 18h. Home: www.tjms.jus.br
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, TJMS - Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul. TJMS - Processo Civil. Reintegração de posse. Fim do prazo de 40 anos pactuado em contrato. Desnecessidade de notificação prévia dos herdeiros Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 jun 2011, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/jurisprudências/24485/tjms-processo-civil-reintegracao-de-posse-fim-do-prazo-de-40-anos-pactuado-em-contrato-desnecessidade-de-notificacao-previa-dos-herdeiros. Acesso em: 24 nov 2024.
Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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